Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 34
Capítulo 33




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Catarina entendeu que naquele dia ela precisava estar presente no mesmo lugar em que os filhos estivessem, por isso se encaminhou com eles para a fazenda assim que o velório acabou. O dia não foi fácil, quando viu os abutres todos do passado observando seu pai e cochichando ao fundo sobre a família dela, não conseguiu não sair de perto dos filhos. Queria os proteger de todas as maneiras. E permanecia assim, mesmo tarde da noite. Passou no quarto de Júnior e lhe deu um abraço. 

— …Eu tô bem mãe, a senhora que não parece estar. 

Descobriu que o filho era mais amável do que supunha, sempre preocupado com ela, mais que ela consigo. 

— Adoro quando me chama de mãe. Ainda não me acostumei completamente. Mas estou bem. 

— Tem certeza? Não por causa do meu avô, mas ainda penso naquele homem que te humilhou, dói em mim, fico imaginando a dor n'ocê. 

Júnior era uma pedra preciosa que havia saído de si, era isso que ela havia constatado a respeito do filho, não havia o educado, mas era um orgulho imenso saber que ele jamais seria um homem machista e horrível como a maioria que encontrava por aí. O coração enorme que ele tinha, fazia ela se encantar cada vez mais. 

— …Sabe que às vezes penso que sua futura esposa é uma mulher de sorte. 

Júnior entortou o rosto numa feição que não entendeu nada, já que o assunto que falavam não tinha a ver com o que a mãe havia dito. Catarina completou:

— …Estou lutando meu filho, dói demais lutar sozinha, mas eu preciso fazer isso. A sociedade não é justa, aquele homem que viu não é o primeiro que conheço e nunca será o último. São pequenas batalhas diárias de uma guerra longe de terminar. Mas eu vou vencer. 

Por fim, Júnior concordou com a cabeça e disse boa noite a mãe. Catarina se encaminhou para o quarto de Clara e viu o final da conversa dela com Petruchio. 

— …Não fique com ciúmes, o senhor é o melhor pai do mundo, é só que meu avô passou muito tempo de minha vida fazendo o papel de pai, entende? 

Petruchio concordou com a cabeça um pouco encabulado e recebeu o abraço e o beijo na bochecha como um final de dia habitual entre ambos.

— Atrapalho? - Catarina adorava ver esses momentos familiares, sabia que ambos precisavam disso, ao mesmo se culpava por ter retardado tanto esse momento entre os dois. - Petruchio eu queria conversar com a Clara… Juro que não é bronca. 

Acrescentou antes que a filha ficasse imaginando outra conversa difícil entre as duas. Petruchio deixou ambas sozinhas, não sem antes acrescentar a filha: 

— Ocê pode dormir no meu quarto hoje se não tiver se sentindo bem em ficar sozinha. 

Clara concordou com a cabeça agradecendo ao pai, Catarina sentou-se na cama com ela, assim que Petruchio saiu, disse:

— Eu sei, nunca fomos melhores amigas, eu sei que ainda me culpa por todo tempo que menti para você e que te mantive na Europa longe de seu pai, eu sei… mas sou sua mãe, quero só saber se está bem. Passou os últimos dias com seu avô, não era uma imagem bonita de se ver, o fim não é fácil de se assistir, mesmo assim continuou ao lado dele, todos os dias, sei que deve estar com vários buracos em seu coração agora. 

— Estou sim mãe, dói saber que jamais vou conversar com ele de novo. Mas estou bem na medida do possível. - respondeu. Precisava de um carinho dela, por isso deitou sua cabeça nas pernas da mãe, enquanto Catarina acariciava seus cabelos. - A senhora que não parecia muito bem no velório. 

— Era por causa do bando de abutres julgadores que só foram ao velório fofocar. Lembrei de quando minha mãe morreu, de tudo o que falaram para mim: não chorar demais sob o corpo dela, de parar de sofrer atoa, que devia era agradecer por ter herdade uma herança milionária. Não queria que ninguém lhe ditasse o que fazer no velório de seu avô. Você tinha o direito de chorar e sofrer o tanto que quisesse. 

Clara concordou com a cabeça, sentiu uma lágrima teimosa lhe escapar dos olhos. 

— …Eu só escutava as pessoas no fundo falando o quanto eu seria rica agora com a herança, que eu não precisava fingir que estava sofrendo. - Clara confessou. 

— É por isso que abomino essa herança. - Catarina disse brava. Clara levantou o rosto lhe encarado. 

— É por isso que não quer voltar a morar com meu pai? - Clara se lembrava bem das condições de seu avô para que a mãe recebesse sua herança. Ela precisava estar casada novamente para ter acesso a ela. 

— Eu amo seu pai, quero voltar a viver com ele, quero construir uma família que você e seu irmão merecem e nunca tiveram. Mas as condições de papai, tudo o que ele fez pensando no meu "bem", me irritam. É como ser mandada a fazer algo que não precisaria ser mandada. Não quero receber herança nenhuma nessas condições. 

— E por isso fica sofrendo, recebendo nãos em todos os empregos que procura? Eu fiquei sabendo da história do hotel. Meu pai ficou chateado por dias, ele não quis te prejudicar. 

Catarina sorriu pensando que, afinal, Clara defendia seu pai, que se preocupava com Petruchio. 

— Eu sei que seu pai não teve culpa, não é ele o culpado, mas conseguir um emprego por mim mesma é ir além, é vencer uma batalha interna, é sentir na pele o que sempre lutei. Mulher rica e separada é uma coisa, mulher pobre e separada é outra. Mulher separada na Europa, escondida por detrás de mentiras é uma coisa, mulher separada no Brasil, sendo estampada nos jornais por sua modernidade, é completamente diferente. 

 Clara colocou sua mão sob a mão da mãe esticada na cama, tentando lhe dar um tipo de conforto. 

— Aquele jornalista que estampou nossa vida no jornal acabou com todas suas chances de conseguir um emprego, não é? 

Catarina concordou com a cabeça, apertando a mão da filha. 

— Foi o estopim pra tudo se explodir. Todos falam "não" para mim, nenhum me dá chance de ao menos tentar. A minha foto estava lá, para todo mundo ver, todos me conhecem. 

— E por que não trabalha com meu pai? - perguntou Clara. 

— Seu pai não "nada" em dinheiro, tudo o que se trabalha num dia, gasta no outro, e eu queria conseguir algo por mim mesma. 

— Ao mesmo tempo não quer receber a herança do vovô? 

Clara parecia pensativa, seu cérebro trabalhando enquanto ouvia todos os desabafos da mãe. 

— Seu pai não pode saber sobre o absurdo que seu avô inventou para receber essa herança. Ele nunca entenderia, e eu não o culpo. Não quero dinheiro algum dessa maneira. 

Clara lembrou-se momentaneamente da mulher do enterro, interessada em seus quadros, talvez estivesse na hora dela correr atrás de seu futuro, dela ajudar um pouco os pais nas despesas de casa, já que era péssima nas tarefas da fazenda e apenas ajudava o pai a vender alguns dias na loja. Entendia a mãe, a conhecia o suficiente para saber que ela pediria esmola na rua, mas não receberia essa herança para fazer o último desejo do pai de se manter casada.

— Estou te achando tão madura. - Catarina confessou minutos depois, observava Clara pensativa e centrada dentro de si mesma. - Nem parece a menina mimada, querendo vestidos novos a todo momento, a que tinha medo de dormir sozinha. 

— …A que gritava para conseguir as coisas, que vivia revoltada tendo tudo nas mãos. - Clara completou chateada. Catarina passou as mãos pelo rosto dela preocupada. 

— Hoje o dia foi horrível, eu sei… Você está sofrendo ainda. 

— O pior dia da minha vida, eu fecho os olhos e as imagens voltam nítidas na minha mente.

— Quer dormir no quarto de seu pai hoje? - ela negou automaticamente com sua cabeça sentindo lágrimas caírem de seus olhos. - Então eu vou ficar aqui, até você dormir. 

Clara se rendeu a um abraço. Era tão difícil para ela abraçar a mãe. Ficou quinze anos sem conhecer seu pai, mas o abraço com ele acabou sendo de certa forma mais natural do que com a mãe. Agora, sentindo os braços da mãe em volta de si, ela sabia que tinha finalmente se entendido com ela. Era como a perdoar por todos os anos de mentira, mesmo ainda sem entender completamente porque havia mentido todo aquele tempo. Era como pedir perdão a ela, por tudo o que havia falado e toda culpa que havia jogado nela anteriormente. Era como dizer a mãe que estava tudo bem e que poderiam recomeçar, e se entenderem a partir de então. 

Catarina não escondeu as lágrimas que caíram de seus olhos pelo gesto da filha, elas não tocaram nas feridas das brigas diversas que tiveram, nem das palavras doídas que trocaram anteriormente. Estavam se conectando como se fosse um novo começo. 

Clara deitou na cama cansada. Catarina passou a mão por seus cabelos lhe fazendo carinho e agradecendo em pensamentos pelo momento único que vivia. 

xx

Petruchio esperou ela sair do quarto da filha pacientemente. Andava de um lado pelo outro no quarto. Quase fazia um buraco no chão pelo vai e vem de seus pés. Havia tantos assuntos inacabados entre eles, tantas palavras cortadas e diálogos que não terminaram, ao mesmo tempo pensava que poderia brigar se tocassem no assunto emprego. Quando a porta se abriu e viu o olhar cansado da ex-mulher, soube que não queria brigar com ela, nem discutir. 

— Fiz a Clara dormir. - se explicou a ele pela sua demora. 

Já era altas horas da madrugada. O dia havia se arrastado, as horas se multiplicaram e nem parecia que estavam na loja naquela manhã, se abraçando, discutindo, ele lutando para que ela parasse de sofrer sozinha, ela se confessando cansada e tentando lhe explicar algo óbvio. 

— Ela tá melhor? 

— Devastada. - respondeu olhando nos olhos dele. - Primeira vez que consegui conversar com ela francamente em toda nossa vida. Eu nunca tive cumplicidade nenhuma com a Clara, ela sempre me culpou pela sua ausência e depois de tudo o que vi e vejo entre vocês dois, depois de conhecer meu filho, de perceber o pai maravilhoso que foi para ele, de ter quase cometido um crime em não ter permitido a Clara crescer com você. Eu sei que fiz tudo errado. 

Ela terminou de falar chorando. Petruchio se aproximou dela e abraçou, não conseguia ainda falar sobre aquele assunto direito, lhe doía o coração saber dos anos que perdeu longe da filha, dos anos que Júnior perdeu longe a mãe. 

— Eu errei tanto em não te contar tudo quinze anos atrás. Errei tanto em sufocar a dor e o medo dentro de mim. 

Ele acariciou seus cabelos com sua mão, incapaz de falar qualquer coisa. 

— …por isso eu não quero te esconder mais nada, eu não quero mais lutar sozinha. - ela saiu temporariamente do abraço e o encarou. - Eu estou com medo de voltar a morar aqui, por causa do Heitor. 

— Heitor? - Petruchio perguntou abalado. O viu no velório, mas não achou que isso poderia abalar Catarina dessa forma. 

— Ele está morando no mesmo prédio que eu aluguei, fica me sondando como um urubu. E eu tenho certeza que ele tinha algo com a Marcela anos atrás. 

— O Heitor tá de ameaçando? - Petruchio sentiu seu coração se apertar em preocupação. 

— Ele me sonda, dia após dia, sei que marcou meus horários de chegada e saída de casa. Fica na espreita na escada esperando eu descer logo de manhã. Gravou o rosto de nossos filhos. E eu tenho medo, tenho medo de voltar a morar aqui e a Marcela voltar para se vingar. 

Petruchio sacudiu a cabeça incrédulo. Sentiu seu mundo girar de repente. 

— Não é possível, passaram quinze anos, ela não pode querer se vingar da gente depois de quinze anos. - negava a informação que Catarina lhe entregava completamente incrédulo. 

— Ela ameaçou os dois dentro da minha barriga Petruchio. Eu fiquei com tanto medo que fiquei cega. Eu tive que partir para longe de você para proteger os dois. 

Ele segurou seus cabelos bravo os puxando para cima. Bufou nervoso lembrando de toda história que Catarina havia lhe contado dias atrás. O motivo de sua ida a Europa, o real interesse dela com o divórcio, sua ideia em separar os gêmeos. 

— Eu fui orgulhosa em não lhe contar sobre as ameaças da Marcela de quinze anos atrás. Eu não quero mais ser agora. - ela observava ele transtornado, andando de um lado pelo outro no quarto, puxando seus cabelos bravo. 

— Mal amada… doidivanas… interesseira… eu juro que se ela relar um dedo na Clara ou no Júnior eu mato ela! - ele de repente parou de andar observando Catarina parada no quarto. - Acha que ela voltaria para São Paulo para se vingar? Mesmo depois de tanto tempo? 

— …Eu não sei. - ela negou com a cabeça, ao mesmo tempo sentindo seu coração se apertar. Tinha medo de estar naquela fazenda e ela aparecer como magia no quarto dos filhos e sumindo com eles como havia prometido a Catarina anos atrás. - Eu tenho medo. Muito medo. E não quero mais lutar sozinha, eu não quero te esconder mais nada. 

Ele se aproximou dela novamente. A abraçou. Acariciou suas costas e falou em seu ouvido: 

— Eu vou amanhã dar uma lição no Heitor pelas ameaças que tá te fazendo. 

— Não quero que se meta em encrencas…

— Shiuuu - a cortou fazendo um chiado com os lábios. Catarina parou de falar e ele prosseguiu. - Vou te proteger e vou acertar as contas com o Serafim também. Aquele covarde que insiste em falar sobre nossa vida te estampando no jornal. Júnior me falou que o pai de aluna quase lhe bateu na escola. Como Edmundo permitiu isso? Outro que quero conversar é o Edmundo…

— Petruchio calma, é muita coisa de uma vez… 

— Eu vou cuidar d'ocê, eu vou. Não tente me impedir. - ele saiu brevemente de seu abraço protetor e a encarou. - Eu não quero mais brigar com ocê Catarina, eu não quero mais que tenhamos nenhum segredo. Conte tudo pra mim. Eu não me importo em ser um cachorro que ocê chama quando precisa. Entende? 

Catarina entortou o rosto para o lado lembrando das frustrações dele de dias atrás quando ela lhe pediu um tempo. Acariciou seu rosto preocupado, passou os dedos pelo contorno se seus olhos, ergueu seus pés e lhe beijou agradecida. 

Petruchio a envolveu no abraço e correspondeu ao beijo. Parecia que tinha passado uma eternidade desde a última vez que haviam se beijado com tanta ternura e carinho. Deitaram-se abraçados na cama, ele acariciava seus cabelos e sentia seu perfume, ela precisava de carinho e ele precisava de seu elixir da sobrevivência: o cheiro embriagante de seus cabelos. Dormiram com a roupa que estavam apoiando-se um no outro. 

Mas Catarina, apesar de exausta, não conseguia desligar sua mente. Era como uma máquina que trabalhava e trabalhava incansavelmente. Quanto mais exausta mentalmente estava, mais desperta ficava. No meio da madrugada acordou, ainda abraçada a ele, sentindo seu cheiro e o barulho de seu ronco se sentiu pela primeira vez em muito tempo num lar. Sua mente trabalhando desesperadamente a fez levantar. Pegou um papel e uma caneta na escrivaninha no quarto e começou a escrever. 

Precisava tanto desabafar, havia desaprendido a desabafar com o papel, quando tudo a sufocava anos atrás ela gritava suas dores em cartas para o filho, nunca enviadas. Ela sabia que aquelas cartas haviam a conectado com Júnior e ele "conheceu" a mãe por elas. Desta forma, voltar a escrever era voltar a se libertar. 

"...A vida na sociedade paulistana nunca é fácil para uma mulher, seja ela casada, solteira, divorciada ou apenas amasiada. Mulheres casadas não podem trabalhar fora sem a autorização do marido, mulheres solteiras sofrem com salários baixíssimos, incapazes de sustentar seu próprio prato de comida, mulheres divorciadas, quando trabalham, são mal vistas por todos, as amasiadas são o pior tipo, classificadas como mulheres da vida. Como viver com esses julgamentos sendo que o homem não passa por absolutamente nada disso, sendo casado, solteiro, divorciado ou amasiado. 

Não entrei ainda no mérito das portas se abrindo ao homem, independente de seu estado civil, e todas as portas se fechando para a mulher. A roda sempre girando a favor do homem, a roda girando no sentido contrário para a mulher. Os tipos de humilhações passados, os abusos de autoridade, os abusos de poder em lugares que o homem não tem poder, os abusos físicos e psicológicos numa mulher. O olhar torto que se recebe por todos os lugares que passa, o crime que comete por tentar ganhar a vida, a dor de sofrer abusos dentro de sua própria casa. 

Mulheres pedem socorro todos os dias. Estão ouvindo? Eu escuto, dia após dia. Penso que sou sortuda em ter um marido (ou ex-marido) que me apoia, que acredita em mim, que é considerado um bronco, o bruto com o coração mais benevolente do mundo. Penso que tive amor, que não sofri com um casamento ruim, que pude trabalhar e dividir as tarefas da fazenda quando era importante a mim, que apesar de toda história torta que vivemos, ele ainda acredita em mim, ainda quer me proteger…" 

Ela parou de escrever porque ouviu Petruchio se mexer na cama. Resolveu deixar seu debafo para depois, voltou a se deitar sob seu peito, ouvindo a respiração pesada que tanto amava e com a certeza que não estava mais sozinha em nenhum passo que desse dali pra frente. 

xx 

— …Não precisa se sentir inútil, sabe que é uma negociante melhor que eu. Não sabe? - Petruchio tentava animar Catarina na manhã seguinte. Parecia ainda triste por não ter conseguido emprego nenhum. 

— A era Capitã Catarina salvou essa fazenda. - ela lembrou sorrindo de tempos atrás, difíceis mas preenchidos de memórias inquebráveis. 

— A era Catarina Capitã me causa pesadelo inté hoje. - Calixto confessou ouvindo parte da conversa ao entrar na cozinha para tomar seu café. 

— Nunca trabalhou tanto em sua vida seu Calixto. - Catarina disse sorrindo. 

— Trabalhar? E aquele apito que me causava pesadelo? Até hoje não posso ouvir som de apito nenhum… certeza que as caveiras do pai e da mãe do seu Petruchio tão do meu lado quando digo que apito faz inté azedar o leite. 

— Calixto, para de falar de caveira. Tudo tem que por caveira no meio… - Petruchio reclamou e Catarina sentiu-se de volta no tempo.

Catarina se sentia mais leve estando lá. O sabor da comida era diferente, as risadas eram sinceras, os abraços eram aconchegantes e ela se esquecia brevemente de toda tempestade em que vivia. 

Passou a manhã toda entre idas e vindas na cozinha, conversou com Neca, acalentou a filha que parecia obcecada em pintar quadros, conversou com o filho sobre memórias que ela não havia participado e que queria conhecer. 

Petruchio deixou que ela ficasse em casa e foi até a cidade, cuidou das entregas daquele dia e logo que se viu livre, foi até o prédio da revista feminina. 

Observou Serafim ao longe, dava ordens aos funcionários enquanto mantinha as pernas esticadas em cima da mesa. 

— …Antônio, comece a escrever a matéria sobre o velório de seu Batista. Depois irei editar do meu jeito. - ele sorriu de lado ao mesmo tempo em que Petruchio abria a porta com tudo de sua redação fazendo um barulho estrondoso. 

— Olá jornalistazinho covarde, como vai? 

Serafim arregalou os olhos. Se endireitou na cadeira em que estava sentado e levantou a mão no ar. 

— Eu não fiz nada. Nada! 

— Ainda. Se ocê publicar alguma coisa sobre Catarina, meus filhos, meu sogro ou qualquer coisa que a machuque, eu venho machucar ocê. 

Serafim negou com a cabeça com medo. A voz de Petruchio bradava quase fazendo as paredes tremerem. 

— Não vou publicar nada sobre nada de sua família. 

— Acho bom, tá avisado. Passar bem. 

Serafim esperou Petruchio sair da redação dando passos fortes e olhou para Antônio que tinha os olhos arregalados. 

— Cancela a matéria do velório do seu Batista. Deixe para o obituário do jornal. A gente não tem nada a ver com isso. Mas eu sei de uma matéria especial que faço questão de escrever daqui uns dias. - ele esfregou as mãos sorrindo. - Minha vingança virá Petruchio. 

xx

Petruchio subiu as escadas de dois em dois procurando Heitor, até que o achou. Estava lá, com os bigodes finos à mostra, como se nenhum tempo tivesse passado para ele. Mexia com um baralho sentado na escada. Parecia sondar o lugar, como uma sentinela maligna. 

Petruchio chegou perto dele e o pegou pelo colarinho o erguendo brevemente no ar. 

— O que é isso? - Heitor perguntou sufocado.

— O que faz sondando minha mulher? 

 — Está com ciúmes de sua ex-mulher? Quer me bater? Saiba que ainda luto boxe. - ele sorriu de lado como um sínico. Petruchio bufou nervoso. 

— Marcela, tem notícias dela? 

— Nunca mais a vi, por que? 

— Não seje mentiroso! - Petruchio o empurrou para a parede o prensando. - Se ver Marcela diga que sei de todas as ameaças que fez contra Catarina e que se ela encostar um dedo, um mísero dedo em meus filhos, eu mato ela e ocê também. 

Heitor arregalou os olhos fingindo estar com medo ainda com o sorriso de lado presunçoso. 

— É só isso? - Heitor perguntou assim que Petruchio o soltou da parede. 

— Não. - Petruchio ergueu seus pulsos no ar e meteu um soco no rosto dele. Fazendo seus dentes sangrarem. 

— Meu rosto Petruchio, você bateu no meu lindo rosto. - dizia abalado vendo o sangue em suas mãos. 

— Foi só o começo. 

Petruchio saiu de perto dele decidido. Heitor começou a andar rápido até o telefone mais próximo. 

— …Catarina contou tudo a Petruchio, Ela está morando na fazenda e ele falou claramente minha mulher. 

— Ótimo, só estou esperando meu primeiro pato vir até mim, se demorar muito tenho um pato de sobressalência. Um dos dois tem que ter puxado a palermice do Batista e da Bianca. - Marcela respondeu do outro lado da linha. - Demorou quinze anos, mas minha vingança chegou. 

xx

Petruchio se encaminhou até a escola de Edmundo. Exigiu ao cunhado o endereço do serviço do pai da aluna que havia destratado sua mulher. 

— …Mas Petruchio, você está muito nervoso. Não é melhor lhe passar depois? Pode se prejudicar. 

— Me prejudicar? Ou te prejudicar Edmundo? - o cunhado engoliu em seco, escreveu o endereço num papel. Petruchio pegou em mãos e olhou Edmundo ainda bravo. - Eu volto, ocê ainda precisa se redimir com a Catarina. 

Petruchio chegou na frente do prédio, era uma empresa de cosméticos. Foi barrado logo no portão de entrada por funcionários. Olhou para o lado e viu um cartaz dizendo que precisavam de funcionários. Disse que era para a entrevista de emprego. 

Passou longos minutos respondendo vários formulários de papel, exigiam estudo completo, se a pessoa fosse mulher devia ser solteira e não casada, outras várias barbaridades que Petruchio jamais notaria se não fosse por Catarina. Depois de uma hora, havia chegado o momento dele ver o dono da fábrica. Ele tinha cabelos e bigodes negros, usava um paletó luxuoso, fumava um charuto caro que só havia visto antes na boca de seu Batista. 

— … Muito bem senhor Petruchio, está contratado. Sabe que o serviço é de dez horas por dia, sem direito a remuneração se por acaso não cumprir sua meta diária e ter que ficar fazendo hora extra. Pode assinar aqui que está contratado. 

Petruchio olhou raivoso para ele. O abuso de poder estampado em sua face e em suas falas. 

— Assino, só tem um problema. Esse emprego é pra minha mulher. 

O senhor Assunção olhou para ele sem entender. 

— Achei que tivesse lido que não contratamos mulheres casadas. - lhe explicou. 

— Mas ela não é casada não. - Petruchio negou com a cabeça. - Somos divorciados. Ela é solteira, desquitada, separada, dona de sua própria vida, mas ainda meu favo de mel. Como o senhor preferir falar. 

— Não estou entendendo essa palhaçada. 

— Eu que não entendi quando foi gratuitamente ofender ela na escola que ela trabalhava. Foi agressivo com ela nas palavras, sei que ocê quase a agrediu fisicamente. 

O senhor começou a se lembrar brevemente, se atentou ao sobrenome dele. 

— Senhor Petruchio? O ex-marido de Catarina Batista? Saiba que fiz pouco, não quero aquela desfrutável na escola que minha filha frequenta. E quanto a agressão. Ela que me agrediu. - o senhor ergueu parte de seu cabelo caído na testa e mostrou uma pequena cicatriz vermelha. - Ela me acertou um vaso. Poderia ter feito muito pior com ela. 

 — Só um vaso? - Petruchio riu pelo nariz. 

— O senhor veio aqui, se prestou a esse papelão, para que? - Perguntou sem paciência. 

— Vim só deixar claro que minha mulher pisa onde quiser, trabalha onde quiser, e que ela não tá mais sozinha. - Petruchio se levantou e sem aviso prévio deu um soco no rosto dele. - Pra combinar com sua cicatriz na testa. 

O senhor Assunção começou a bufar nervoso, chamou os seguranças para tirar Petruchio de sua fábrica. 

— Eu sei a saída. Meu recado tá dado. 

Saiu andando de cabeça erguida enquanto o senhor bufava nervoso. Tinha se redimido com os três homens que haviam ferido Catarina. Não ia deixar ela sozinha nunca mais. 

 


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