Role of a Lifetime escrita por noora


Capítulo 2
Primeiro Ato: BEST KEPT SECRET


Notas iniciais do capítulo

e agora no primeiro capítulo uhuuul! por favor não odeiem nenhumas delas hahaha apesar de eu ter passado muita raiva com as duas, elas não tão erradas coitadas... anyways um beijooo! bom capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802640/chapter/2

best kept secret

Pelos últimos 3 anos, Emmeline mentia para Lisa e dizia que ia mais cedo para o vestiário se trocar antes da aula de Educação Física porque tinha vergonha das outras meninas. A verdade era que aquele era seu momento a sós com Marlene no meio da semana. A loira se recusava a falar com Emmeline fora do quarto delas, apenas se fosse um oi e nada mais.

Marlene estava parada em frente de seu armário terminando de guardar suas roupas quando Emmeline entrou. Havia sempre um milésimo de segundo entre elas, em que Marlene avaliava o ambiente e só assim decidia como iria tratar Emmeline. Pelo sorriso que exibiu para a morena, tinha notado que as duas estavam sozinhas. Seus dedos se intercalaram e Emmeline notou como as mãos de Marlene estavam meio úmidas, mas não se importava. Amava segurar as mãos dela.

— E aí, aproveitou a missa? – Marlene perguntou.

― Claro, a melhor parte do meu dia – Emmeline sorriu, respondendo sarcasticamente.

— Eu não entendo toda essa sua resistência com Deus! Se você desse uma chance, ia perceber o quão bem ele faz para a gente.

— Lene, não é resistência. Eu só não acredito e até agora, todo esse papo de “Deus” só trouxe problemas para a minha vida.

Uma das maiores discussões entre as duas era a falta de fé de Emmeline. As duas haviam crescido em famílias católicas, porém ao contrário de Vance, Marlene era tão religiosa quantos os pais e não conseguia aceitar que sua colega de quarto não acreditava que nem ela. Emmeline sinceramente não aguentava todas as vezes que Marlene tentava convertê-la, mas fingia que estava tudo bem porque gostava demais da garota. Como sempre, tentou rapidamente mudar de assunto:

— As missas são chatas, mas seriam muito melhores se você se sentasse do meu lado – Emmeline passou uma das mãos pelo braço de Marlene.

Não notou, contudo o sorriso de Lene vacilou um pouco após escutar aquilo. A garota odiava quando Emmeline a pressionava para demonstrar afeto em público. Ela sabia muito bem que Marlene não queria que ninguém descobrisse que se sentia atraída por uma menina.

— Em... Você sabe que nós sempre estaremos juntas. É para sempre eu e você. Eu só preciso...

— Que ninguém saiba – Emmeline completou, soando cansada – Eu sei.

— Emmeline... – Marlene passou os dedos brevemente pelo rosto da morena, que fechou os olhos com o contato.

— ‘Tá tudo bem. Olha, queria te perguntar uma coisa e não diga não logo de cara! Sábado que vem depois das aulas vão ter audições para a peça da primavera e você bem que podia participar.

Marlene ia responder, mas as duas escutaram o barulho de vozes vindas do corredor e como se fosse na velocidade da luz, Lene se afastou de Emmeline, parecendo estar muito interessada em seu armário. Para não ficar parada que nem uma idiota, Vance foi em direção a uma das pias fingindo estar muito focada em lavar as mãos. Escutou as meninas que haviam entrado cumprimentarem Marlene entusiasticamente, como todos naquela escola faziam. Emmeline ficou parada apoiada no mármore da pia, esperando elas irem embora. Quando as meninas se trocaram e foram em direção ao campo, Marlene esperou mais um pouco para ter certeza de que estavam sozinhas.

— Em, você sabe que eu não atuo. Já discutimos isso ano passado. E além do mais, eu acho que vou tentar para o time de hóquei esse ano.

Emmeline soltou uma risadinha.

— Hóquei? Marlene você tem vontade de morrer toda vez que somos obrigadas a jogar na aula de Educação Física. E a gente passaria mais tempo juntas se você também passasse nas audições.

— Eu não atuo – Marlene respondeu, séria.

— Tem certeza? Porque eu acho que nós duas somos o maior ato que essa escola já viu.

 Se Marlene ficou incomodada com a fala de Emmeline, não demonstrou. Olhou para os dois lados, checando se alguém não havia silenciosamente entrado no vestiário. Só então que se aproximou de Emmeline, colocando as mãos no mármore ao lado dela prendendo o corpo da garota.

— Pensa em hoje a noite, quando somos só nós duas. Podemos ficar abraçadas na cama e conversar.

Ela disse as últimas palavras enquanto se aproximava de Emmeline, terminando com um beijo. Sempre que Marlene a beijava, era como se seu corpo se acendesse.

— Isso foi para me calar? – Emmeline perguntou.

— Sim – Marlene respondeu, rindo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Juntou seus lábios de novo, mesmo que brevemente – Te vejo mais tarde, ok?

— Ok.

Emmeline esperou ela ir embora antes de suspirar e ir em direção ao próprio armário. Enquanto tirava a roupa para se trocar, pensou na situação com Marlene. Gostava tanto dela – as vezes, na calada da noite, pensava que até a amava –, mas era tão cansativo jogar o jogo dela. Marlene dizia que não atuava, mas Emmeline nunca havia visto alguém interpretar o papel de hétero tão bem quanto ela. Desde que as duas começaram a se envolver, Marlene se esforçava para conseguir a atenção de meninos dando em cima deles exageradamente, mesmo que ela não se importasse com eles de verdade. Emmeline sempre se perguntava qual era o papel que ela interpretava na vida de Marlene: seria ela a salvadora ou a pessoa que iria desgraçá-la? Será que algum dia McKinnon ia perceber que aqueles sentimentos não iriam a lugar nenhum e que ela teria que encará-los? Se isso acontecesse, o que seria de Emmeline em sua vida?

Balançou a cabeça, como se isso ajudasse a afastar os pensamentos. Quanto menos pensasse naquilo, melhor. Emmeline apenas terminou de trancar o armário e foi se juntar às meninas no campo, tentando não pensar mais naquilo.

Não tinha muito o que fazer em Hogwarts como atividade extracurricular (ou qualquer outra coisa), então participar das peças era basicamente um dos pontos altos da vida dos estudantes. A escola tinha uma política de que todos tinham que participar de algum jeito, ou seja, se você não fosse do elenco, iria ajudar na parte técnica. Emmeline, desde que havia entrado na escola, tinha participado da equipe que cuidava da iluminação, mas nos últimos anos a parte de atuação começou a chamar muito a sua atenção. Nunca tinha conseguido papéis muito grandes, o maior sendo A Freira 3, porém como aquele seria seu último ano estava focada em conseguir um dos principais. Quando anunciaram que a peça daquele ano seria Sonhos de uma Noite de Verão, ela sabia que aquele era o seu ano. Finalmente sua obsessão por peças de Shakespeare ia valer para alguma coisa.

Como sempre, os papéis principais eram deixados para os alunos do último ano algo que Emmeline não via sentido, mas ninguém contestava. A maioria das pessoas de seu ano estavam lá, espalhadas pelo teatro. O grupinho que chamava mais atenção se sentava nas poltronas mais próximas do palco, sendo bem iluminados. Lily Evans apoiava suas pernas em cima do colo de seu namorado, James enquanto ele conversava com seus melhores amigos contando alguma história muito engraçada a ponto de fazer Peter Pettigrew quase mijar nas calças.

Emmeline se sentava na diagonal deles, várias cadeiras acima. Tentava rever suas falas, contudo não conseguia se concentrar direito com toda a falação de sua melhor amiga em seu ouvido.

— Em, por que você vai tentar? A gente já sabe que Lily e Dorcas vão ganhar os papéis principais juntinho de seus namorados. McGonagall ama elas.

Ela revirou os olhos, ignorando Lisa.

— Você só está falando isso porque está brava que te deixei sozinha na iluminação.

— Claro que estou! Nosso propósito sempre foi estar juntas para tirar sarro do grupinho enquanto eles se humilham tentando atuar. Isso que dá ser colega de quarto de Marlene, só te faz querer ser um deles pra ser amiguinha dela!

Emmeline riu de Lisa, sabendo que ela estava apenas brincando. Ela nunca iria querer ser um deles, não depois de toda as piadinhas que teve que ouvir sobre si mesma.

— Pena que sua teoria está errada, já que Marlene nem está aqui.

— Como assim não está aqui? Ela chegou faz uns 2 minutos.

O pescoço de Vance até doeu de tão rápido que virou. Lisa realmente estava falando a verdade: lá estava Marlene, parada em pé enquanto ria de alguma coisa que Dorcas havia dito para ela. A loira se mexeu um pouco, olhando para os lados e, mesmo que estivesse razoavelmente escuro, Emmeline pôde jurar que seus olhares se cruzaram por alguns segundos. Lisa estava falando sobre alguma coisa, mas a morena não escutava nada: toda sua atenção estava focada em Marlene.

— Certo, alunos – a professora de Teatro, Minerva McGonagall, chamou a atenção de todos que estavam no teatro – Vamos começar as audições. Espero que todos estejam preparados, para evitar a improvisação que tivemos ano passado.

Ela olhou bem para onde Sirius Black estava. O ano anterior havia sido cómico: ao contrário de seus amigos, ele não se importava muito com a peça, só estava lá para não morrer de tédio. Emmeline suspeitava que ele estivesse chapado, mas Black subiu naquele palco e inventou as falas mais absurdas que poderiam estar em Romeu e Julieta. A professora quase teve uma síncope, no entanto, Sirius arrancou altas gargalhadas dos colegas. E, por isso, nos avisos do quadro daquele ano, foi bem explicitado que os alunos deveriam vir já com as falas decoradas.

— Bem, vamos começar por – ela parou de falar, olhando os nomes da lista dos inscritos. – Olha só quem temos aqui esse ano! Marlene McKinnon! Finalmente nos presenteou com a sua presença. Por que você não começa, querida?

Seus amigos começaram a bater palmas e gritar palavras de encorajamento enquanto Marlene subia até o palco. Sua postura era um pouco tímida e Emmeline sabia que era tudo um ato: ela amava a atenção que recebia dos outros. Sorriu para a professora quando o holofote a iluminou, seu sorriso carismático que conquistava qualquer um.

— Quando estiver pronta, querida – McGonagall disse, encantada.

Marlene respirou fundo, preparando-se. Quando ela abriu a boca, era como se uma atriz profissional dos palcos de Shakespeare tivesse assumido seu corpo. Ela era tão boa: enunciava as palavras com as emoções certas, fazendo ênfase quando era necessário. A luz a iluminava de um jeito que fazia seu cabelo brilhar com tanta força que parecia um anjo. Marlene era a menina mais linda que Emmeline já tinha visto.

Quando ela terminou, o som de palmas preencheu o teatro. Emmeline levou alguns segundos para começar a bater palmas, de tão impactada que havia ficado. Enquanto a professora despejava elogios na menina, ela se curvava para a plateia em forma de agradecimento. As audições continuaram: James Potter foi incrível e provavelmente iria ganhar um dos principais, junto com Remus Lupin; Dorcas Meadowes estava meio fraca aquele ano, tendo gaguejado no meio das falas; Lily Evans como sempre havia sido ótima, mas não melhor que Marlene; e Sirius Black foi a grande surpresa da tarde, tendo decorado as falas e realmente se empenhado.

— E por fim, vejamos – a professora leu a lista de inscrições, procurando pelo único nome que não havia sido riscado – Emmeline Vance! Por favor, venha até o palco.

Lisa deu palmadinhas de apoio na coxa de Emmeline antes dela levantar, descendo as escadas. Teve que esperar seus olhos se acostumarem com a luz forte do holofote. Com um pouco de dificuldade, encarou a professora que sorria para ela.

— Quando estiver pronta.

Emmeline ficou em silêncio, respirando fundo. Conseguiu ouvir um assovio e “vai Morte!” vindos de Sirius, antes de ser silenciado por alguém perto dele. Ignorando a vontade de revirar os olhos, Emmeline começou a declamar suas falas. Ela estava confiante com o que estava fazendo. Sonhos de uma Noite de Verão era a sua peça favorita, sabia o texto de cabo a rabo. Quando terminou, foi recebida com palmas mornas, exceto por umas muito entusiasmadas provavelmente vindas de Lisa. Agradeceu à professora e voltou para seu lugar, sendo recebida por elogios da melhor amiga:

— Você arrasou!

— Tem certeza?

— Óbvio! Se ela não te escolher, vou ter que causar uma rebelião pela injustiça!

Emmeline riu, balançando a cabeça. Continuaram ali conversando, enquanto esperavam a professora se decidir sobre os papéis. Meia hora demais, McGonagall chamou a atenção dos alunos.

— Atenção! Já temos a lista do elenco. No papel de Hermia... Marlene McKinnon.

Vance viu a loira ser abraçada pelas amigas e deu um sorriso, mesmo sabendo que a menina não conseguia vê-la.

— Como Lysander, teremos James Potter! Já Demetrius, Remus Lupin. Terminando nosso quarteto principal, Emmeline Vance como Helena.

Lisa deu um gritinho de alegria, abraçando Emmeline. Enquanto comemorava com a melhor amiga, a morena conseguiu ver Marlene sorrindo para ela, o que aqueceu o seu coração. A professora continuou a falar a lista do elenco, mas Emmeline não podia se importar menos. Havia conseguido o que queria e sentia como se pudesse conquistar o mundo.

Marlene não se lembrava direito de ter chegado na missa. Na verdade, nem se recordava de ter acordado. Olhou para os lados, apreensiva, vendo que Lily e Dorcas estavam muito focadas no que o padre estava falando. Isso deixou Marlene mais confusa, porque de algum modo tudo o que ele estava falando soava abafado.

— Ei Lil, quando foi que chegamos aqui? – ela se inclinou em direção à amiga, perguntando.

— Fica quieta, estou tentando ouvir o que o padre está dizendo!

Marlene voltou a se apoiar no banco e percebeu que, de repente, podia escutar o que o padre estava falando. Era algo sobre como duas mulheres se deitarem juntas era impuro e errado.

— Vocês podem tomar de exemplo aqui a senhorita McKinnon!

Como se fossem robôs, todas as cabeças na capela se viraram para ela. Marlene estava aterrorizada. O padre continuou a proferir ofensas em sua direção, enquanto alguns dos colegas se juntavam. Ela se levantou e começou a passar pelos colegas em direção ao corredor, sem se importar se estava machucando as pernas de alguém. Só precisava sair dali o mais rápido possível. “Onde está Emmeline?”, perguntou-se enquanto corria tentando chegar à saída. Só que, ao chegar perto da porta, todas as estátuas saíram dos lugares que estavam e se colocaram em sua frente. Marlene virou-se para o outro lado, mas de lá vinham seus colegas e padre gritando “Abominação!”. Não sabia o que fazer, como iria sair dali, porém estava desesperada não aguentando mais aquilo. Apenas se agachou no chão, colocando as mãos por cima das orelhas e gritando para tentar abafar o barulho.

Marlene acordou suada, debatendo-se na cama. Seu coração batia tão forte que parecia que iria explodir em seu peito. Ficou parada por uns minutos, respirando com calma para tentar diminuir o nervosismo. Levantou-se, indo até o banheiro jogar uma água no rosto. Quando voltou para o quarto, Emmeline estava acordada. Marlene sorriu ao ver o rosto amassado da morena. Ela estava adorável.

— Você ‘tá bem? – Emmeline perguntou no meio de um bocejo.

— Sim... Foi só um pesadelo.

— Quer deitar aqui comigo?

Emmeline abriu espaço na cama apertada. Marlene olhou para ela, considerando a oferta. No fim, rendeu-se. E se odiou ainda mais depois de como se sentiu quando Emmeline a prendeu num abraço, enterrando o rosto no cabelo de Marlene. Como se aquele lugar fosse o espaço mais seguro do mundo.

O tempo passou e com ele, veio novembro. A rotina dos alunos era basicamente acordar, ir para a aula, ensaio da peça, voltar para o quarto e dormir. Depois das férias de verão, havia aquela euforia inicial de voltar para a escola e ver todos os amigos, já que a maioria morava em cidades afastadas umas das outras. Mas, conforme eles iam se acostumando com a rotina, o tédio ia aparecendo aos poucos. Naquele ano, o primeiro a surtar fora Sirius.

— Quer saber? Nós vamos ter uma festa.

A fala atraiu vários olhares do resto dos colegas, que estavam juntos na sala comum que a escola provia para os seus alunos. Por ser Sirius quem estava proferindo, muitos começaram a ficar animados, considerando que sabiam que ele não falava as coisas por falar. Emmeline revirou os olhos, voltando à sua lição de casa. Conseguia ouvir Sirius conversando com as pessoas pela sala, organizando como seria tudo. Já se preparou para a dor de cabeça quando notou a voz dele se aproximando cada vez mais.

— E você, Morte? Não pode ter uma festa sem você nela – ele se virou para Lisa, que estava ao lado de Emmeline. – Você também Gallagher, minha duplinha favorita.

As duas se entreolharam. A relação delas com Black era engraçada: eles e os amigos faziam piadinhas sobre a aparência das duas, mas nunca de um jeito que fosse muito cruel a ponto de ser considerado bullying. Ao mesmo tempo, de vez em quando, pareciam esquecer que as achavam esquisitas e falavam com a dupla como se fossem parte da turma.

— Vou ter que te dizer não – Lisa falou, dando tapinhas no braço de Sirius que estava apoiado no sofá.

Ele exagerou uma expressão triste, fazendo um beicinho. Os dois olharam para Emmeline, na expectativa do que ela iria responder. A menina olhou para Lisa e Sirius e depois para Marlene, que estava do outro lado da sala. Depois da loira ter tido um pesadelo e dormido com Emmeline, ela havia se afastado um pouco. Vance estava um pouco desesperada, porque sentia que estava perdendo-a. Talvez essa festa fosse uma oportunidade de falar com Marlene sem que os outros ficassem muito em cima, considerando que a maioria estaria muito bêbada.

— Quer saber? Eu topo.

Sirius celebrou, oferecendo sua palma para Emmeline bater. Lisa a olhava chocada, não esperando aquele comportamento da amiga.

— Você está maluca? E se te pegarem? – ela questionou, ainda não entendendo o que estava acontecendo.

— Já fizemos várias festas e nunca fomos pegos – Sirius interveio. – Primeiro que os túneis ficam tão abaixo dos quartos que as freiras nunca escutam. E não é como se elas ouvissem alguma coisa, já que são velhas e surdas.

Lisa olhou para Emmeline, que apenas ergueu os ombros como se não tivesse mais nada a dizer. A outra suspirou, voltando a prestar atenção na lição de casa na sua frente.

— Faz o que você bem entender, mas se for pega nada de vir choramingar para mim.

30 minutos de festa e Emmeline se arrependeu de não ter convencido Lisa a ir com ela. Por algum motivo imbecil, acreditava que só por estar num ambiente diferente as pessoas iriam falar ela. Estava parada naquele mesmo canto desde que a festa havia começado e nenhuma pessoa tinha ido trocar alguma palavra com ela.

Deu uma olhada no ambiente: a festa se encontrava numa sala abaixo da escola. Por ser um lugar muito antigo, havia tuneis embaixo muito por causa das guerras local que os alunos poderiam usar para se protegerem, caso houvesse algum bombardeio. Ninguém sabia como, mas anos antes Sirius havia conseguido as chaves da porta que levava para os túneis e, consequentemente, para aquela sala em específico. Era um ambiente aberto, com móveis antigos espalhados pela sala que servia, provavelmente, como um depósito para os que não funcionavam mais.

Marlene estava sentada em um dos sofás rasgados, conversando com um menino da sala delas. Suas pernas jogadas em cima das dele e a visão fazia Emmeline tremer de raiva. Terminou sua cerveja num gole só e estava pronta para ir embora e voltar para seu quarto, quando Sirius passou por ela cambaleando de bêbado. Quando avistou a menina, apontou para a mesma e abriu um sorriso que mostrava os dentes.

— Vance! Vem comigo, vamos jogar Verdade ou Desafio.

Ela podia culpar os três copos de cerveja e sua fraqueza para bebida, contudo nem parou para pensar antes de aceitar. Sirius passou o braço pelo ombro dela, guiando-a pela sala até a rodinha que aconteceria o jogo. Todos os amigos dele estavam lá, incluindo Marlene. Quando a loira avistou Emmeline, desviou o olhar fingindo estar muito interessada no que o garoto ao seu lado estava falando. O jogo começou com perguntas idiotas como “de quem você gosta?” e desafios bobos como virar copos de cerveja de uma vez. Ninguém parecia muito interessado em Emmeline, que não havia recebido nenhuma pergunta ou desafio. Até que a vez voltou para Sirius. Olhando bem diretamente para ela, abriu um sorriso de hiena antes de soltar a bomba:

— Verdade ou Desafio?

― Verdade.

— Morte, você é sapatão?

Emmeline ouviu alguém se engasgar com a bebida. Foi uma virada violenta de assunto e ninguém estava preparado para isso. Ela olhou para os seus colegas à sua volta, que pareciam estar até curiosos para o que seria respondido. Seu olhar parou em Marlene, que evitava fazer contato visual com a morena. Doeu um pouco em Emmeline, que pigarreou antes de responder:

— Não.

Ele se inclinou para frente, parecendo muito interessado:

— Tem certeza? Porque você parece.

Havia uma atmosfera pesada no ambiente. Parecia que só os dois estavam na sala, Sirius olhando atentamente para Emmeline. Ela voltou a responder, séria:

— Sim. Tenho certeza.

— Ok – Sirius não parecia muito convencido, mas deixou o assunto passar – Sua vez.

Emmeline fez uma pergunta boba para Dorcas. Estava planejando sair dali depois de mais umas três rodadas, porém quando voltou para Sirius ele novamente atacou.

— Minha querida Marlene! Já que sua última escolha foi verdade, agora vai ter que ser desafio. Então, eu desafio você a beijar a Vance.

O coração de Emmeline começou a bater muito rápido, o nervosismo se apossando de seu corpo. O rosto de Marlene estava vermelho e sua boca se movia de um jeito que sempre fazia quando estava nervosa.

— Eu não vou fazer isso.

— E por que não?

— Porque é nojento. Eu não a beijaria. Não beijaria nenhuma menina. Não vou fazer isso.

Ela se levantou rapidamente e se afastou, sendo seguida por Lily e Dorcas. James começou a falar alguma coisa para Sirius, repreendendo-o e Remus o apoiava na bronca. Ninguém pareceu notar que Emmeline também havia se levantado e saído da sala. As lágrimas escorriam de seu rosto enquanto caminhava o mais silenciosamente possível pelos corredores da escola. Encontrou-se na frente na capela, já que sabia que era o único lugar que ninguém iria procurá-la.

Sentou-se em um dos bancos e ficou tentando olhar para as estátuas iluminadas pela luz da lua que entrava pelas janelas. Não soube quanto tempo ficou ali sozinha, mas ao ouvir as portas abrindo já se preparou para a bronca que iria receber. Só que não foi isso que aconteceu: Sirius Black apareceu, sentando-se ao seu lado. Os dois ficaram um pouco em silêncio, até Sirius começar a falar:

— Desculpa. Por tudo aquilo de sapatão. Não é da minha conta, só quis provocar alguém por estar chateado com... Coisas.

— Não estou brava com você. É que... Eu odeio ser ignorada! Odeio ser tratada desse jeito! Odeio quando Marlene-

— Marlene?

Ela levou as mãos a boca quando percebeu o que tinha dito. Ainda estava meio bêbada e misturado com a raiva, resultou em falar o que não deveria. Virou o corpo para Sirius, agarrando o braço dele:

— Por favor, não conta para ninguém! Eu não devia ter dito isso, devia ter guardado para mim...

Sirius colocou a mão em cima da dela, tentando acalmá-la.

— Ei, está tudo bem. Não vou falar nada – ainda vendo o rosto assustado de Emmeline, Sirius continuou: – E se te faz sentir melhor, estamos no mesmo barco.

— Com quem?

— Remus.

Emmeline ficou surpresa. No ano anterior, havia rolado um rumor entre os alunos de que Sirius e Remus Lupin eram muito mais do que só melhores amigos. Isso foi refutado quando Lupin começou a namorar com Dorcas, fazendo os rumores sumirem aos poucos.

— Achei que fosse mentira – ela comentou.

— Tecnicamente, era. Lestrange só acertou sem querer. Mas Remus surtou e começou esse namoro estúpido com Dorcas. E mesmo assim ele ainda quer se encontrar para... Você sabe.

Emmeline concordou, compreendendo Sirius num nível que nunca achou que iria. Ela achava que ele era apenas um riquinho mimado tentando chamar a atenção das pessoas porque não recebia em casa, mas havia se esquecido que Sirius também era uma pessoa com sentimentos. Emmeline apoiou a cabeça no ombro dele e o menino apoiou a dele em cima da dela.

— Nós dois merecemos mais que isso – Sirius começou a falar. – Sério. Não podemos deixar esses dois nos tratarem assim. Ou eles nos assumem ou terminamos.

Os dois levantaram suas cabeças, olhando um para o outro. Sirius levantou a mão, oferecendo seu mindinho para Emmeline.

— Combinado?

Ela sorriu, juntando seu dedo com o dele.

— Combinado.

De repente, já era final de dezembro e todos os alunos foram mandados para casa para comemorarem as festas de fim de ano com as suas famílias.

Emmeline morava com sua mãe numa casa nos subúrbios de Londres. Costumavam ter a companhia de seu pai, no entanto ele havia morrido uns anos antes. As duas tinham uma relação meio complicada: Dorothy era uma mulher muito católica que não conseguia entender que a filha não acreditava nas mesmas coisas que ela, nunca acreditou. Antes mesmo de definir que não achava que Deus existia, Emmeline tinha problemas em ir para a Igreja com os pais todo domingo. Para ela, era a coisa mais chata do mundo aquela uma hora sentada num banco ouvindo o padre falar. Odiava os vestidos que sua mãe a obrigava usar e os sapatos também. Todo domingo Dorothy tinha que passar pelo menos uma hora convencendo a filha a se arrumar. As coisas melhoraram depois que Emmeline foi para Hogwarts, onde podia se esconder ao invés de se juntar à missa.

Dorothy havia começado a pegar leve nos últimos anos: mesmo ainda obrigando a filha a ir para a missa de Natal e da Páscoa, parou de falar tanto de Deus para Emmeline. Logo após a morte do marido, percebeu que era melhor não falar tanto sobre isso ou iria acabar perdendo a própria filha. O que deixava Emmeline mais feliz era o fato de que sua mãe nunca a obrigava a fazer a oração para agradecer pelas refeições. Enquanto segurava a mão da mãe, olhava para o rosto focado. Mesmo que tivessem suas diferenças, amava muito Dorothy e sabia que ela era a única coisa que possuía de verdade.

As duas começaram a comer, o ambiente ainda preenchido pela voz da mais velha, que contava as novidades do bairro e do seu círculo de amigas.

— E você não vai acreditar: Sophie pegou a filha beijando uma menina uns dias atrás!

Emmeline quase se engasgou com o pedaço de frango que tinha colocado na boca. Aquilo era um tópico um tanto sensível: as duas nunca haviam conversado sobre o que sua mãe achava de gays, mas lembrava-se de seu pai. Ele acreditava que gays eram errados e que quando morressem, iriam queimar no inferno. Sua mãe nunca falava sobre, porém como ela e seu pai pensavam muito parecido, Emmeline só assumia que a mãe pensava igual.

— Nossa, verdade? – ela tentou aparentar como se não se importasse.

— E ela estava querendo expulsar Amanda de casa, mas felizmente consegui colocar um pouco de senso em sua cabeça.

— Então você não concorda com ela? – Emmeline levantou os olhos do prato, agora prestando bastante atenção na mãe.

— Nem um pouco! Olha, eu não entendo isso de gays, mas é sua filha. Tem que amar e respeitar. Mesmo quando você não entende ou até acha que é errado.

Emmeline sentia vontade de chorar. Ouvir aquelas palavras de sua mãe significava o mundo para ela. Significava uma oportunidade maior para Emmeline, uma realidade onde ela poderia viver em paz sendo quem ela deveria ser, sem medo nenhum.

— Então – ela não olhava nos olhos da mãe, estava focada na comida que mexia no prato – Quer dizer que se, hipoteticamente, eu não gostasse só de meninos você ficaria ok com isso?

Dorothy parou de comer, ficando pensativa.

— Em teoria, sim – ela semicerrou os olhos, olhando bem a filha – Emmeline, tem alguma coisa que você quer me contar?

A filha foi rápida em negar.

— Não, não, não. Só fiquei surpresa, não esperava isso de você.

A mãe ainda parecia estar desconfiada, mas só aceitou o que Emmeline disse e as duas voltaram a jantar em silêncio.

No momento em que botou os pés de volta na escola, a primeira coisa que Marlene fez, quando as duas se encontraram sozinhas no quarto, foi implorar de joelhos para Emmeline perdoá-la. Disse que o que tinha feito na festa havia sido completamente errado e que tinha sido apenas uma reação imediata. Não pensava daquele jeito e não queria perder Emmeline.

A conversa com Sirius ecoava em sua cabeça. “Nós dois merecemos mais do que isso”. No fundo, Emmeline sabia que Marlene iria desapontá-la de novo, mas naquele exato momento ela disse todas as coisas que a morena queria ouvir, então a perdoou. As duas pareciam estar no paraíso nos dias seguintes, com todos os momentos românticos na calada da noite. Emmeline finalmente achou que era aquilo. Que o relacionamento delas iria para frente e que, em pouco tempo, Marlene estaria pronta para contar para todos como se sentia e que iria começar a chamar Emmeline de namorada.

Mas ela estava errada.

Foi numa sexta-feira à noite, logo depois do toque de recolher. As duas estavam no quarto conversando sobre como havia sido o feriado de final de ano. Emmeline ria da história de Marlene sobre um de seus irmãos tentando cozinhar e falhando. Tudo estava bem, as duas deitadas na cama, os braços intercalados com as mãos se tocando levemente. E foi apenas uma pergunta inocente de Marlene que estragou tudo:

— E você, como foi com a sua mãe?

— Foi bem – ao se lembrar da conversa que teve, Emmeline levantou o tronco ficando sentada na cama. – Na verdade, foi ótimo. Eu descobri que ela não é homofóbica como eu pensava e resolvi que quero contar para ela sobre a gente.

Marlene deu uma risada sincera, desdenhando de Emmeline.

— O que foi? – a morena perguntou, não entendendo a graça.

— Você ‘tá brincando né?

— Não! Eu preciso contar para ela. Preciso que ela saiba.

Foi a vez de Marlene se levantar da cama, andando nervosa pelo quarto.

— Não, ‘tá bom, vamos contar para sua mãe que vai ligar para a minha mãe que vai contar para o meu pai e daí os dois vão vir até aqui e me encher de porrada. Sim, vamos fazer isso!

— Marlene, eu preciso falar sobre isso. Está me matando por dentro faz anos manter isso um segredo. Eu até sem querer contei para Sirius antes do feriado de Natal.

Você o quê? – o rosto de Marlene perdeu a cor. – Você ‘tá completamente maluca?

— Lene, isso não precisa ser um problema para sempre. Daqui uns meses nós duas vamos nos formar e nada disso vai importar mais.

— Não, isso vai sempre ser um problema. Quer saber? Isso, nós duas... Precisa acabar.

Emmeline sentia como se seu coração tivesse afundado em seu peito. Ouvir aquilo de Marlene era uma das piores coisas que já tinha escutado na vida. Aquela garota era sua alma gêmea e não entrava em sua cabeça que tudo o que elas haviam construído iria acabar.

— Marlene... Onde está a menina que me disse que eu era o seu sonho? Não estou te reconhecendo.

Marlene parecia impaciente. Ela levantou os braços e os jogou ao lado do corpo, como se não aguentasse mais.

— Ela não está mais aqui! Não esteve aqui desde que você resolveu mudar as regras. Só porque você decidiu o que quer fazer, não quer dizer que eu tenho que acordar. Emmeline, você acha que nós somos um conto de fadas? Que você é a heroína que vai ter seu final feliz? Está na hora de acordar, finais felizes nem sempre acontecem e não existem heroínas que são queer!

Marlene levantou a voz, quase gritando a última parte. Emmeline sentiu vontade de chorar. Não queria ficar mais ali, olhando para ela. Pegou seu casaco, indo ver se poderia dormir aquela noite com Lisa. Ao chegar na porta, parou após ouvir a voz de Marlene.

— Emmeline.

Ela olhou para trás. Em vão, achou que Marlene iria retirar tudo que tinha acabado de dizer e concordar em contar para Dorothy e todos. Porém ela apenas abaixou o tom de voz e perguntou:

— Promete que não vai contar nada para ninguém?

O lábio de Emmeline tremeu. Ela não disse nada, apenas saiu do quarto, batendo a porta e deixando Marlene ali dentro completamente sozinha.

FIM DO PRIMEIRO ATO


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

vejo vocês nos comentários e no próximo (e último) capítulo! um beijooo