1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 7
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

Heyo, tudo bem? Espero que sim!
Desta vez cheguei de supetão para jogar o capítulo de introdução das duas últimas personagens que precisavam ser apresentadas. Não tenho muito o que dizer a vocês, então não as segurarei muito. Apenas espero que este capítulo as agrade, em especial às criadoras das personagens em questão. E ah, mais tarde também sairá um edit no tumblr apresentando as chars, tal como foi feito nas outras duas. Então se puderem dar uma passadinha lá, estou certa que acharão bem legal
Boa leitura!



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Londres, 1812

 

Quase se podia acreditar que a primavera estava virando verão, embora ainda fosse começo de maio. O céu era de um azul profundo e claro, o sol brilhava, e o calor no ar fazia o xale de Ophelia Wright não só desnecessário, mas realmente muito pesado. Principalmente dentro do quarto abafado onde se encontrava. Havia uma certa deprimência na percepção de que, àquela hora, ela deveria estar realizando sua caminhada matinal pela propriedade, mas ao invés disso permanecia enclausurada dentro de sua casa. Embora tampouco tivesse coragem de se afastar mais que alguns passos do quarto.

Não que a casa ou quarto fossem seus, de fato. A mansão era uma das grandes construções que haviam sido levantadas em Mayfair, e era onde tinha vivido nos últimos quatro anos. Mas ela nascera em Midlands e ali continuara durante a maior parte de sua vida, mesmo após o incêndio que arrasara com a propriedade de sua família. Depois disso, deixara de viver com sua mãe afim de viver com um parente distante e disposto a abrigar a ela e a Adelaide, sua irmã, quando sua mãe fora incapaz de sustentar a ambas.

Ophelia se recuperara lá, na casa de Adam, mas quando ficara suficientemente estabelecida de novo e depois que Adelaide se casara, sentira que não era mais necessária a ninguém e realmente não pertencia a lugar nenhum. De modo que não lhe restava nenhuma opção além de procurar um lugar para si. Fora daí que tivera a ideia de estudar afim de se tornar uma professora – na verdade, a ideia partira de Adam, que passara de um desconhecido viúvo, estranho e solitário a um inesperado amigo querido, quase uma figura paterna, embora definitivamente não levasse nenhum jeito para paternidade.

E Jo a agarrara com força, pois parecia, naquele período, a melhor de suas opções. E ainda o era, na verdade. O problema fora que ela não tivera muita sorte em suas primeiras tentativas de encontrar um emprego. Até que, por sorte, encontrara um anúncio no jornal matinal que Adam encomendava de Londres, convidando uma respeitável mulher a vir se tornar governanta de uma senhorita de família abastada na capital. Ophelia tinha as qualificações necessárias e havia escrito para o endereço mencionado no anúncio, recebendo uma resposta rápida e favorável e se mudando, sem ter conhecido ainda, para o seu novo lar.

Ela tinha vivido ali ocupada e satisfeita desde então; por ser uma governanta, sempre tinha trabalho a fazer, e visto que conseguira um patrão honesto, nunca tinha ficado sem renda. Ela não era rica – longe disso. Mas o que ganhava de seu salário era bastante adequado para suprir suas necessidades, e sempre sobrava algo que ela guardava em sua chamada “economia de dias chuvosos”. Tinha o próprio quarto na casa de seus patrões, e os outros criados a tinham aceitado em seu meio. Ela não tinha nenhum amigo próximo ali, mas tinha muitos conhecidos agradáveis. E, embora seu serviço à família estivesse perto do fim, não havia do que reclamar.

Em resumo, sua vida era bastante boa, apesar do passado.

Mesmo que as cicatrizes continuassem lá, carregando seu eterno estigma. Elas marcavam-na como ferro quente, um lembrete não só daquele período de sua vida em que nada mais fora além de uma sombra expectadora das tragédias que lhe acometiam. Mas também de tudo o que aquele incidente significara; um divisor de águas em sua vida, o definidor dos passos que tomara em seguida e que a tinham guiado até onde estava atualmente. Numa posição que jamais imaginara um dia ocupar.

Ainda assim, ela não lamentava isso. Se recusava a fazê-lo; sabia, por experiência própria, que a autopiedade era também uma das piores formas de autossabotagem. E, além disso, era realmente uma pessoa de sorte. Apesar de tudo, hoje em dia morava num lugar acolhedor, tinha uma rotina ocupada e produtiva, tinha bons colegas, uma renda independente e adequada e membros da família com quem ainda mantinha contato.

Era verdade que nunca tivera alguém de sua família de quem não precisara renunciar em algum momento. Tinha tido sua irmã até que Ade tinha casado-se com seu atual marido. Tivera Adam e Bertha, durante todo o tempo em que tinha vivido às custas de seu amigo, mas após sua recuperação, não poderia ter permanecido com eles. Embora Adam tenha garantido que poderia viver com eles para sempre se desejasse.

— Para sempre e um dia. — acrescentara Bertha, sorrindo-lhe afetuosamente.

Mas Jo não pudera aceitar. Viver por conta própria era um negócio solitário, mas a solidão era infinitamente preferível a qualquer alternativa que tivesse conhecido. Tinha vinte e seis anos e era, para todos os fins, uma solteirona. Embora ainda não estivesse morta. Suas outras alternativas teriam sido se tornar acompanhante de alguém ou uma parente dependente, mudando-se indefinidamente da casa de Adam para a casa de sua irmã, então talvez – embora fosse tentar evitar isto a todo custo – para a casa de sua tia, onde sua mãe vivia.

Era muito, muito grata por seu emprego independente e sua existência solitária. O que mostrava grande sensatez de sua pessoa, embora não explicasse por quê, meses antes, estivera tão triste na companhia de sua família.

Sob a permissão dos Dashwood, tinha partido afim de passar o feriado natalino com sua irmã, o marido dela e seus sobrinhos, após receber um convite expresso de Ade para que fosse visita-los. Tinha esperado com grande expectativa esses dias no campo; tinha sonhado com fazer longas caminhadas para se revigorar do inverno, e com ir à igreja e ao salão de festas da cidade passeando entre brancos flocos de neve. E mal podia esperar pela oportunidade de passar tempo com seus sobrinhos e com sua irmã.

A verdade era que Jo ainda sentia muita falta de Ade. Mas sempre soubera que não a teria para sempre. Não se permitiu nem mesmo esperar que isso acontecesse. Quando ela se casara, ficara igualmente contente e triste por vê-la partir. Às vezes, por mais que trocasse correspondências regulares com todos, ainda pegava-se sentindo sua ausência com intensidade, assim como a ausência de Adam e Bertha.

De qualquer modo, fora muito bom vê-la de novo naquele Natal. E também a seus sobrinhos, que mal conhecia, mas pelos quais nutria tanto carinho quanto nutria pela mãe deles. Sua irmã estivera radiante em vê-la. Seu cunhado a recebera educadamente. Seus sobrinhos a tinham tratado como se fosse a mais divertida das tias existentes. Ela tinha se sentindo uma celebridade. Como uma estrela. E durante aqueles poucos dias tinha se sentido maravilhosamente viva.

Como era triste, não, patético, que em toda sua vida não houvesse lembranças tão vivas quanto essas para se recompor quando se sentava assim, um pouco cansada demais para fazer qualquer outra coisa. Ou à noite, quando estava na cama, incapaz de adormecer, como às vezes lhe acontecia.

Aquele Natal fora mesmo muito feliz. Mas, ao mesmo tempo, viera com uma sombra de uma melancolia terrível e inesperada. Foi como se o fantasma de uma lamúria antiga tivesse retornado para assombrá-la. Porque era verdade que ela ainda podia contar com sua família, embora vivesse distante deles e não mais os visse com constância. Mas não havia ninguém que pudesse preencher o vazio que eles haviam deixado em seu dia a dia. Ela não tinha nenhuma família própria da qual cuidar, nenhum verdadeiro lar para o qual retornar após o fim de um dia exaustivo de trabalho. Mas refletir nisto era tão produtivo quanto perseguir sonhos.

Ela descobrira, cedo demais, que na vida real não havia muito espaço para sonhos. Nem para nutri-los, nem para realiza-los. Pouquíssimas pessoas faziam sempre o que queriam. Jo reconhecia que mesmo os mais ricos e abastados tinham suas próprias limitações, muralhas que os cercavam e o guiavam sempre em direção a um único caminho possível.

E Jo não costumava lamentar por estas coisas. Estava verdadeiramente satisfeita com a vida que tinha, e com o direito de continuar estudando, como hobbie pessoal, os tópicos que lhe apeteciam, em especial a astronomia. Mas algo ocorrera naquele Natal. E ela demorara mais que algumas semanas para afastar aquele sentimento desagradável de vazio de seu peito.

Por sorte – ou azar – agora não tinha outra escolha a não ser deixa-lo de lado, visto que outra emoção ocupava-lhe o juízo e lhe turvava os pensamentos; preocupação. Havia duas noites permanecia acordada, trancada dentro de um quarto abafado, esforçando-se para cuidar daquela que tinha sido sua aluna nos últimos anos. No sábado, a senhorita Dashwood despertara muito bem, embora estivesse ocasionalmente espirrando, graças à chuva que tinha levado no caminho de volta ao passeio que tinha dado com seu irmão mais velho.

Mas na hora de comer sua temperatura começara a subir. E, à noite, seu corpo já estava fervendo.

Sua mãe, Lady Dashwood, partira afim de encontrar-se com o filho e a nora, os Senhor e Senhora Dashwood, que ainda estavam em seu caminho a Londres. De modo que só havia a jovem, sua governanta e a criadagem na casa. Ophelia então se pusera à frente da situação, enviando uma correspondência ao Visconde Bedwyn, que estava mais próximo, informando-o da situação de sua irmã. E lutando para impedir que sua própria preocupação se transformasse em absoluto e desregulado desespero.

O Visconde aparecera na manhã seguinte, após a primeira noite que Jo passara desperta, cuidando de Cecily. A jovem, embora tivesse alcançado sua maioridade recentemente, parecia pequena e frágil em sua grande cama. Estava ardendo e, quando abria os olhos, Ophelia notava que estavam opacos e era incapaz de fixar o olhar em algo concreto. Além disso, nos piores momentos em que sua temperatura subia até todo seu rosto ficar vermelho, delirava dizendo coisas incoerentes sobre vestidos, cavalos e marzipan.

Obviamente, Jo tinha ido à missa quase todos os domingos de sua vida. Era o que se esperava dela e era o que fazia gente boa e honesta mas, em realidade, ela nunca fora uma pessoa especialmente religiosa. Durante os sermões, costumava deixar voar a imaginação, cantava os hinos porque gostava da música e não porque sentisse uma elevação espiritual e, além disso, a igreja era o único lugar no qual uma péssima cantora como ela podia cantar em voz alta.

Entretanto, durante o resto daquele primeiro dia e toda a segunda noite que enfrentou acordada, enquanto contemplava sua jovem aluna, tinha rezado. O Visconde insistira em revezar vigília com ela, mas Jo se recusara a afastar-se de Cecily. Quando não lhe estava aplicando compressas frias na testa ou lhe estava fazendo beber caldo quente, a governanta inclinava-se sobre a menina com as mãos juntas e suplicava silenciosamente para qualquer um que quisesse ouvi-la.

Recordou então de todos os anos que tinha passado ao lado da menina. Anos dos quais sabia que sentiria falta quando findassem, após o inevitável début da jovem, que esta ansiara tão desejosamente durante os últimos meses. Tinha feito Jo rir tagarelando sobre o vestido verde-esmeralda novo que ganhara de seu irmão mais velho e sobre todos os convites que já recebera de antemão, toda juvenil e empolgada, lembrando como Adelaide era em sua idade.

Cecily iria melhorar. Precisava melhorar.

Naquela segunda manhã, ela não tinha piorado, mas tampouco tinha melhorado. Jo solicitara um médico na primeira noite, que viera e partira sem ter muito mais a somar além do que os criados já se esforçavam em fazer. Mas o Visconde, que parecia tão ou mais aflito que ela, solicitara a vinda de outro, e assegurara que desta vez receberiam ajuda adequada. Dissera ser o médico que cuidara dele após sua volta da Península. Enquanto dizia a Jo estas palavras, seus olhos cegos pareciam conter um temor crescente que ele se esforçava em controlar.

Certamente culpava-se pelo que ocorria, embora não tivesse culpa alguma; ele só quisera levar a irmã para um passeio, após tanto tempo sem vê-la. Não podia adivinhar que uma breve chuva teria tido este feito sobre ela. Ninguém poderia. Ophelia queria dizer-lhe estas palavras, mas não sabia exatamente como. E não sentia ter tempo para tal. Tudo nela estava voltado para sua aluna.

E então, como se alguém tivesse respondido a sua prece equivocada, por fim, perto do final da segunda manhã, a governanta escutara um ruído na porta e um homem entrara no quarto sem mais cerimônias. Estava encharcado pela chuva que voltara a cair ao amanhecer, com o cabelo grudado na testa e sobre os olhos claros. Mas, ao olhar Cecily, seu rosto não transmitia nada além de calma e atenção.

O Visconde surgiu atrás dele, totalmente descomposto, ainda usando as mesmas roupas do dia anterior. Mas seu comportamento antes alvoroçado parecia ter sido aplainado pela presença daquele sujeito desconhecido.

O mesmo não podia ser dito de Jo.

— Por que tamanha demora? — a governanta disparou, antes mesmo de conseguir pensar devidamente no que diria. Não era-lhe comum se deixar levar pelos seus sentimentos daquele modo. Mas aquela era uma situação fora do comum, e foi como se de repente todo a tensão e temor que tentara reprimir durante aqueles dias tivesse escapado de uma vez. Mesmo o Visconde pareceu meio aturdido diante de sua atitude, e deu um passo à frente, como se fosse tomar as rédeas da situação.

Mas antes que fizesse isso o médico, que parecera não tê-la notado até então, voltou-se em sua direção sem mudar sua expressão. Ophelia de repente esperou um corte duro – que certamente mereceria. Mas ao invés disso recebeu uma inclinação ligeira de cabeça:

— Me perdoe, senhora. Vim o tão rápido quanto me foi permitido. — o médico disse, brandamente. — Mas, agora que estou aqui, garanto que farei o que puder para ajudar a senhorita Dashwood a recuperar sua saúde.

Por um momento, Jo ficou sem saber como reagir diante do tratamento educado que recebera em resposta a seu deslize de impaciência. A única coisa que conseguiu fazer foi sentir vergonha; um terrível, embaraçosa vergonha. Talvez tivesse sido melhor que tivesse recebido um corte. Saberia como reagir diante disso.

Mas, de qualquer forma, antes mesmo de processar uma reação adequada à situação, sentiu uma mão repousar levemente em seu ombro direito. Voltou-se para encontrar os olhos esverdeados do Visconde encarando-a. Embora não houvesse nenhum sinal de reprimenda neles. Somente um cansaço intenso e um alívio mais intenso ainda.

Era como se ele acreditasse que, por fim, todos os seus problemas estivessem resolvidos.

— Talvez queira deixar o quarto um pouco, senhorita Wright? — ele pediu, não ordenou. Falou muito fracamente. Parecia prestes a desabar a qualquer momento. — Que tal tomarmos um pouco de chá enquanto o Senhor Holroyd trata de Cecily?

Ophelia não desejava afastar-se. Seus instintos protetores mais arraigados gritavam para que não se afastasse. Mas ela se pôs de pé mesmo assim, e seguiu o Visconde para fora do quarto.

A adrenalina causada pelo temor parecera ter disfarçado os efeitos da exaustão em seu corpo. Pois, quando ainda guiada pelo Visconde, a governanta entrou na sala de estar da Casa Dashwood, sentiu como se todos os seus músculos tivessem sustentado o peso do mundo nas últimas horas. O cansaço a atingiu com a força de uma carruagem em alta velocidade. Então compreendeu – e dividiu – a necessidade do Visconde por um pouco de chá.

Mesmo segurar a xícara de chá que Maryann, uma das criadas de quarto, trouxe, pareceu-lhe um esforço laborioso demais. Sentia-se uma impostora parada naquela sala. Definitivamente não tinha o direito de estar ali, nem tampouco de ser servida por uma de suas colegas daquela maneira. Mas quando apresentou estes argumentos, o Visconde os dispensou com um gesto de mão.

— Merece sentar-se nem que seja por um minuto num sofá confortável, senhorita Wright. Principalmente após tudo o que fez por minha irmã. — ele abrira então um sorriso jovial em sua direção, embora não a estivesse olhando diretamente nos olhos; errara a direção por alguns centímetros, dirigindo-se a seu queixo.

— Mas, Milorde...

— Sente-se, moça. — ele insistiu. Fez um gesto cansado com a mão. — Se não pode atender ao pedido de um bonito cavalheiro, que atenda a ordem de seu patrão.

Alguns poderiam confundir a gentileza e a galanteria com a qual o Visconde tratava todas as mulheres como sedução descuidada. Mas Ophelia sabia, embora o tivesse visto poucas vezes em sua vida, e falado com ele menos vezes ainda, que o Visconde não era um homem maldoso. Ela gostava de pensar que havia se tornado uma boa juíza de caráter ao longo dos anos, e Lorde Bedwyn definitivamente não parecia o tipo de libertino que flertaria descuidadamente, ou seduziria uma mulher que não soubesse o que estava fazendo, nem tampouco que a arruinaria, pelo menos não de propósito.

Quando o conhecera, ele fora solícito e gentil. Tinha acabado de retornar da longa recuperação dos ferimentos que recebera em batalha, na Península, e se apresentara muito diferente do homem deficiente, enlouquecido e descontrolado que os criados tinham descrito a ela assim que chegara. É claro que, mesmo após os cuidados que recebera, ele continuara cego. Mas, assim como Jo, parecera ter encontrado uma forma de levar sua vida apesar de suas sequelas.

Não que suas situações pudessem ser comparadas. Mas, ainda assim, Ophelia sempre sentira uma grande empatia pelo sujeito, que sempre a tratara como certamente tratava qualquer outra moça, de berço nobre ou não. E não deixara de fazê-lo em nenhuma das outras vezes em que tinham-se encontrado. Embora raramente visitasse a família, sempre enviava cartas afim de saber sobre a vida e a educação de sua irmã mais nova.

Era aquele tipo raro de alma simples e puramente bondosa. Jo tinha conhecido muito poucas assim em sua vida. E lamentava sinceramente, embora não fossem de modo algum próximos, todas as tragédias que tinham acometido aquele homem. Ao mesmo tempo, gostava de saber que recebia seu salário de um sujeito com essa natureza.

— Só fiz o meu trabalho, milorde. Nada mais que isso. — respondeu sobriamente às palavras que ele lhe dirigira inicialmente, depois de se permitir sentar. Só por um minuto. E foi sincera. Cuidar e preocupar-se com Cecily não era nada mais que natural, àquela altura.

Viu-o suspirar, sentado numa poltrona próxima à lareira, após certamente ter passado as últimas vinte horas inteiramente tenso. Ele se fez muito à vontade – é claro, estava na casa de sua família. Era ela a criada atrevida agindo como se fosse uma visitante.

— Admiro o carinho que tem por minha irmã, você sabe? E me alegra muito saber que ela está sob o ensino de tão boa cuidadora. — o homem disse, de repente, surpreendendo-a pelo elogio inesperado. Então concluiu, falando seguramente: — Não se preocupe. Ela está nas melhores mãos. Eu confiaria minha vida ao Senhor Holroyd, e definitivamente confio de olhos fechados a saúde de minha irmã a ele. Embora meus olhos, mesmo abertos, não possam ver nada de qualquer modo.

Ophelia se esforçou para conter o sorriso diante da piada descuidada e autodepreciativa. Notou que ele estava tentando tranquilizá-la. E não pôde evitar ficar perturbada diante disso. Nenhum patrão se sentava daquele modo com uma empregada. Tampouco iniciava qualquer conversa com ela que não fosse sobre suas responsabilidades. Mas ali estava ele, falando a ela como se fosse uma conhecida amigável, tentando apaziguar a preocupação que certamente ele também sentia. Embora estivesse definitivamente mais tranquilo desde que aquele médico chegara.

Jo de repente sentiu novamente aquela vergonha cegante pela sua postura anterior.  

— O Senhor Holroyd... — começou, hesitante.

— Ele já recebeu tratamento pior. Não se preocupe. — o Visconde interrompeu-a, como que lendo seus pensamentos. Ele sorriu-lhe de novo. — Na primeira vez em que tentou me tocar? Eu avancei nele e lhe gerei alguns hematomas e ferimentos que levaram uma vida para sarar. Mas ele não desistiu. E não saiu de perto de mim em nenhum momento.

A governanta comprimiu os lábios. Então, como se tivesse lembrado do fato somente naquele momento, seu patrão reiterou:

— Ah! Parece que logo iremos perde-la, não é? Assim que Cecily debutar...

— Ela não precisará mais de uma governanta, sim. — Jo concluiu, acenando. Sorriu levemente, permitindo-se desviar de assunto. Era claro que ainda tinha a mente em Cecily. Mas não queria que o Visconde achasse que seus esforços em acalmá-la estavam falhando. — Pode se orgulhar, milorde, sua irmã cresceu para se tornar uma dama exemplar. E uma mulher mais esplêndida ainda.

Ele anuiu, sorrindo de volta em sua direção.

— Estou certo disso. — murmurou. — Mas independente disto, quero que saiba que não a chutaremos daqui de imediato, senhorita Wright.

Jo estava pronta para rebatê-lo. Não desejava um tratamento especial. Há muito sabia que seus dias trabalhando para os Dashwood estavam contados, e embora lamentasse profundamente sua partida, pois se apegara ao trabalho, à casa e, claro, a própria Cecily, aceitara sobriamente que logo teria de encontrar outro emprego. Mas o Visconde ergueu uma mão, solicitando silêncio. Continuou:

— Serviu muito fielmente nos últimos quatro anos. É claro que não a deixaremos desamparada. Lhe daremos mais umas semanas para buscar um novo emprego, que duvido que vá demorar a achar, com a excelente carta de referência que lhe escreveremos. Então, quando estiver firmemente estabelecida, poderá nos deixar como certamente ansia fazer.

— Ah, eu não anseio isso, Milorde.

— Bom, você não diria mesmo que ansiasse, certo? — ele piscou-lhe, cúmplice.

Neste momento, o tal Senhor Holroyd juntou-se a eles na sala. Tirara o casaco molhado, mas o resto de suas roupas ainda estavam úmidas ou completamente encharcadas. Os dois que estavam sentados puseram-se de pé de imediato.

— Ela ficará bem, Will. — disse, dirigindo-se diretamente ao Visconde. — Foi muito bem cuidada durante esses dias e o pior já parece ter passado. Só precisa de algo mais forte para baixar a febre. Escrevi as instruções necessárias numa folha que deixei em cima do criado-mudo.  

Pareceu a Jo que todo o corpo do Visconde relaxou de uma vez só.

— Ah, Levi, abençoado seja você.

O médico balançou a cabeça, abrindo um pequeno sorriso:

— Não, abençoado sejam vocês que cuidaram tão bem da Senhorita Dashwood. Imagino que ela poderá ir ao casamento de Aiden, como desejava ir.

— Ah, isto fará ela muito feliz. — o Visconde concordou, começando a rir, certamente de puro e simples alívio graças a notícia de melhora de sua irmã. Voltou-se para Ophelia. — Por favor, Senhorita Wright, pode se certificar das instruções que o Senhor Holroyd deixou no quarto?

Jo, que sentia como se tivesse sido pega em flagrante de algo muito vergonhoso, já pegara a bandeja de chá em mãos e só aguardava uma oportunidade para escapar. O médico a olhava então. E isso só aumentou seu constrangimento ao lembrar do modo como tinha falado com ele. Mas antes que pudesse realizar sua fuga com eficácia, o Visconde a fez parar uma última vez, ao dizer:

— Se Cecily melhorar o suficiente, espero que a acompanhe ao casamento, sim, Senhorita Wright? Afinal, ela ainda não debutou. E continua precisando de acompanhante. — ele a indagava como se pedisse-lhe um favor, e não como se aquele fosse seu trabalho. Por isso gostava dele.

— Decerto, Milorde. — Ophelia murmurou, sorrindo levemente.

Então correu de volta para Cecily.

Khaleesi Augustenborg iria se casar.

Não que ela o desejasse, ou o tivesse planejado, mas isto iria ocorrer. Soubera disso somente naquela manhã, embora os planejamentos do arranjo certamente estivessem correndo já há algum tempo – este não era o tipo de questão que era estabelecida rápida e impulsivamente. Exigia um plano bem medido, uma consideração cuidadosa e ações metódicas afim de que se tornasse plausível e então saísse da simples pauta. E ela não participara desta pauta. Somente fora comunicada dela quando foi julgado que lhe seria conveniente saber.

Foi somente comunicada daquele acontecimento que definiria seu destino e viraria toda sua vida de cabeça para baixo.

Ela iria se casar.

Com um homem que descobrira existir somente naquela manhã.

E que nunca vira em toda sua vida.

Em frente a Deus – ou aos Deuses – e aos homens, tornaria-se posse deste homem. Pelo resto de sua existência lhe deveria obediência e fidelidade. E não havia maneiras de evitar isto. Por tudo que era mais sagrado, não havia escapatória. Era como uma presa acuada diante de seu caçador, tremelicando em seus últimos instantes de vida, precedendo que logo a luz em seus olhos se extinguiria. E não havia como fugir.

A única coisa que poderia controlar era como reagiria ao fato.

Quando recebera a carta, à mesa do desjejum, sua mãe estendera a mão e entrelaçara seus dedos afetuosamente.

— Você pode enfrentar isso, querida. — fora o que dissera. Então lhe sorrira, em toda sua elegância e classe. E Khaleesi lhe acenara com a cabeça. Não havia mais o que ser dito. Afinal, isto era esperado, não? Sempre fora esperado.

Como qualquer outra dama nobre, Khaleesi crescera sabendo que um dia teria de casar-se. Mesmo na Dinamarca, seu país de nascença, o costume era o mesmo. E nascera a filha de um duque. Nascera e fora criada para ser exemplar, resoluta, perfeita. Tivera cada passo de sua vida medido e decidido por terceiros, em especial seu pai, o Duque de Augustenborg. E nem sempre estivera satisfeita com isto.

Quase nunca estivera, mas sempre se comportara impecavelmente. Ou quase sempre. Ela fora uma jovem grande, conhecida e apreciada por praticamente todos mas, simultaneamente, se não fossem constados seu irmão, sua mãe e sua dama de companhia, Agatha, estivera permanentemente solitária.

Até conhecer Erik Sigfridsson.

Khaleesi tinha provado poucos momentos de genuína felicidade seus vinte e dois anos de vida. E praticamente todos estes haviam sido ao lado de Erik. Ele fora um sonho inalcançável que de repente se tornara alcançável; e ela mal pudera esperar até o momento em que estariam livres e ela poderia gritar para o mundo em alto e bom som que estava apaixonada, apaixonada, apaixonada. Teria sido capaz de sair girando pela casa só de pensar naquilo, como uma menina exuberante, mas sempre se contentara em guardar e saborear aquele seu delicioso segredo sozinha.

Então o ano de 1807 chegara em Copenhague. E a Inglaterra, com seu poderoso e inescrupuloso exército, bombardeara a capital de uma terra que se quer estava envolvida em sua estúpida guerra contra Napoleão. E todos seus sonhos e planos tinham sido arrasados, perdidos para sempre – tal como Erik. O mais certo era que estivesse morto. Embora ela nunca tenha desejado admitir isto em voz alta. Como poderia, quando ele significara toda a esperança que um dia ela tivera?

Agora, vivia e estava debaixo do poder do país que fizera isso consigo. Pois não havia escolha. Pois não tinha poder ou liberdade para decidir o próprio caminho. E sua situação atual não passava de nada mais que um lembrete renovado disso.

Ele estava de pé próximo à lareira apagada da sala de visitas, mas de frente para a porta. Parecia ocupar metade do cômodo. Era alto e estava vestido na mais absoluta elegância num paletó azul de tecido nobre, além de calças do mesmo tom do casaco e botas de cano alto muito bem engraxadas. O lenço que trazia ao redor do pescoço estava amarrado com aprumo, mas sem ostentação. As pontas do colarinho quase encostavam em seu maxilar. E tanto a camisa quanto o lenço eram imaculadamente brancos. O homem segurava sua cartola em uma das mãos. Os cabelos, escuros e fartos, eram cortados muito curtos, como se faziam os militares, e arrumados à perfeição.

Mas não foi o modo como vestia-se que a manteve, a princípio, em silêncio e paralisada, somente encarando-o quando certamente deveria ter tomado uma atitude. Mas sim algo em seu olhar e sua conduta. Tinha uma expressão implacável nas feições marcadas, acentuada pelas sobrancelhas e cabelos escuros. Era um rosto severo, com lábios finos de aparência cruel. E havia algo em seus olhos, muito azuis, que era francamente perturbador.

De primeira instância, Khaleesi não pôde detectar do que se tratava. Mas então, quando as orbes voltaram-se em sua direção, no momento em que pôs os pés para dentro do cômodo, compreendeu num lapso qual era o problema; Não havia nada naqueles olhos. Eram duros, opacos e completamente vazios. Careciam de calor, de emoção. Ao encará-los, a sensação era de que seu olhar ricocheteava de volta em vez de penetrar na pessoa que estava ali dentro. Em contrapartida, era evidente que tinham a capacidade de enxergar para além da cabeça de quem estivesse à sua frente.

Mas não foi somente seu olhar que a perturbou. Foi também o modo absolutamente seguro e orgulhoso com que ele se postava, a arrogância nítida em sua postura, a inclinação da cabeça. Ficou claro à Khaleesi que aquele era um homem que ditava as regras de seu mundo com facilidade e exigia obediência imediata de seus inferiores – os quais provavelmente deveriam incluir qualquer outro ser vivo.

Ela conhecia bem este tipo de homem. Vivera rodeada por este espécime, tendo sua vida guiada e ditada por seus caprichos e ordens inflexíveis.

Era um aristocrata da cabeça aos pés.

Não, pensou amargamente. É também um soldado. Um Comandante. Como se não bastasse.

O sujeito a encarou ainda por um longo instante antes de inclinar-se numa mesura.

— Senhorita Augustenborg.

— Sua Graça. — ela respondeu-lhe, ainda próxima à porta. Khaleesi ouviu a própria voz como se estivesse vindo de algum lugar muito distante. — Ou deveria chama-lo Comandante?

Se notou o tom particularmente desagradável com o qual pronunciou a última palavra, o homem não demonstrou.

— O que mais lhe aprouver, madame.

As mãos dela uniram-se atrás de suas costas, mas ela não disse mais nada. Somente permaneceu ali, pairando próxima da entrada, como se mal conseguisse suportar o desejo de se retirar por lá. O sujeito continuou parado, olhando-a, não, averiguando-a, embora seus olhos não saíssem de seu rosto. Ela sabia que ele permanecia de pé pois ela ainda não sentara. E que não sentaria até que ela o fizesse.

Mas, se sentasse, teria de passar mais tempo naquela sala do que realmente desejava. E o que realmente desejava era não ter de passar nenhum tempo. Embora certamente fosse detestar ainda mais se aquela visita não fosse feita; se fosse obrigada a, naquela semana, casar com um homem cujo rosto jamais tivesse visto ou com quem nunca tivesse falado.

Naquele momento, ela perguntou-se se realmente não conhece-lo teria sido a pior das possibilidades. Mas estava sendo injusta. Era óbvio que não alegrava-se do arranjo no qual ambos tinham sido metidos, mas nada no modo como o sujeito comportava-se indicava que estava muito contente em vê-la também. Sua mãe não dissera que fora ele quem acertara particularmente os detalhes daquele acordo com seu pai.

Ela teve a impressão de que talvez suas posições fossem mais similares do que pensava. Mas isto não ajudou a aumentar sua empatia.

— Madame. — ele pigarreou, começando novamente, quando ficou óbvio que ela não diria nada mais. — Vim aqui com o intuito de apresentar-me. E deixar claro meu posicionamento quanto a este... Arranjo, no qual fomos incluídos você e eu.

A franqueza daquelas palavras e o modo deliberado como foram ditas pegou Khaleesi despreparada. Ah, mas talvez fosse melhor assim. Não eram duas crianças inexperientes e ansiosas. Não precisavam de cortesias introdutórias. Nada de rodeios. Clareza franca e direta.

Ela por fim sentou-se num dos pequenos sofás dispostos.

— Meus ouvidos lhe pertencem, Comandante. E espero que a recíproca seja verdadeira.

A última frase foi dita quase como um desafio.

O duque anuiu, sem deixar-se perturbar. Khaleesi tentou pensar de um modo positivo. Talvez houvesse alguma chance de que ele tivesse a intenção de começar aquilo com bons termos; era verdade que a condição de ambos não era o começo mais promissor, mas talvez pudessem acabar se entendendo. Talvez pudessem ser amigos. Aquele casamento não precisava obrigatoriamente ser uma tortura a qual estariam permanentemente condenados. A primeira impressão que estava tendo dele até então não era a melhor, mas talvez estivesse se equivocando, já que não estava nada contente com a situação no geral. Talvez...

Ele franziu o cenho, voltando-se para a lareira, particularmente para um enfeite posto acima dela. Pegou o objeto numa de suas mãos como se não só ele, mas tudo no cômodo e na casa lhe pertencesse.

— Preciso me casar, madame. — falou, simplesmente. — Quero que saiba que não a escolhi particularmente. Uma força maior apresentou a opção a mim e aqui estou eu. Suponho que não tenha sido diferente com a senhorita. De qualquer modo, independente de com quem vá me casar, quero que seja com alguém que saiba o que a espera. Que saiba o que posso e não posso dar-lhe.

Khaleesi permaneceu serena diante de sua fala, embora por dentro houvesse algo dentro de si que comemorasse o fato do sujeito também não ter tido muita chance de escolha, assim como ela. Suas palavras teriam sido consoladoras, numa ocasião comum; Eles estavam tecnicamente no mesmo barco, e ele estava ali para falar sobre pretensões. Queria deixar claro seus sentimentos e intenções sobre o matrimônio que logo os uniria. Um gesto sensato, que talvez fosse até gentil, considerando que certamente muitos casais uniam-se com muito menos transparência que isso.

Podia ser o primeiro passo para que aquilo se tornasse menos terrível do que realmente era.

Mas nada que dizia soava consolador. Nem gentil. Ditas por aquele homem, por alguma razão aquelas palavras deram a Khaleesi um frio na barriga.

Ela tampouco conseguia conceber que força maior atuaria sobre um Duque. Especialmente sobre aquele Duque.

Até que percebeu.

Acima de um duque só há a família real.

Seu pai parecia ter-se superado desta vez.

— E o que é que pode e não pode dar-me, senhor? — indagou, encarando-o. Mas a expressão dele bastava para que soubesse que não desejava saber a resposta. Não realmente.

Ele permaneceu atento ao enfeite em sua mão.

— Posso lhe dar meu sobrenome e tudo o que ele significa hoje e significará no futuro. Posso lhe dar riqueza e minha posição social a você. Posso lhe dar um lar e filhos. De fato, filhos são algo que pretendo trabalhar com diligência para dá-la, pois preciso deles para manter o ducado em minha família. Posso também lhe dar segurança e respeitabilidade e proteção. Contudo — neste momento ele decidiu voltar-se em sua direção, trespassando-a com aqueles olhos enervantes. — devo deixar claro, madame, que não deve esperar amor ou romance por minha parte. Nem se quer uma afeição fingida que não sinto. Isso não é algo cogitável. Mas me comprometo a trata-la com o respeito e a cortesia devidos a uma esposa. E permitirei que tenha liberdade dentro dos limites da respeitabilidade.

Khaleesi sentiu toda a esperança que tentara construir no minuto anterior desmoronar de vez. Foi como levar um soco no estômago. Não havia nenhuma emoção na voz ou nos olhos do homem, mas ele falava em casamento – no seu casamento com ela.

Permitirei.

Sempre haveria alguém para decidir seus caminhos.

Não deve esperar amor.

Ela não cogitara isso, cogitara? Nem tivera tempo de fazê-lo.

Nem mesmo uma afeição fingida.

Por que, então, aquelas palavras eram tão opressoras?

Pensou por um segundo nos sonhos de romance, de amor e de casamento que um dia tivera quando ainda na Dinamarca. E o terrível despertar que liquidara estes sonhos. A sua realidade atual era muito diferente deles. Ela tentara deixa-los para trás, esquecê-los, mas sentia que uma parte de si continuara se agarrando aos seus fragmentos. Pois precisava se agarrar a alguma coisa para manter a esperança. Esta parte esperara que um dia Erick ressurgisse. Mas era uma parte tola e desesperada de si que não a levaria a lugar algum além da decepção.

Fechou os olhos com força e tentou imaginar se estar casada sob circunstâncias tão desoladoras seria pior do que permanecer como estava. Embora este casamento fosse fruto deste controle, a afastaria do controle que seu pai exercera em sua vida até então. Pelo menos sabia o que esperar deste casamento. Não haveria surpresas, portanto não haveria altos e baixos emocionais.

Precisava estar certa. Mas, mesmo que não estivesse, não havia como fugir.

— Compreendo, Comandante. — foi o que disse, por fim, quando retomou sua capacidade de falar. — Mas peço-lhe um favor encarecidamente.

O homem aguardou enquanto ela erguia o queixo, encarando-o ferozmente.

— Enquanto não tiver colocado uma aliança em meu dedo, pare de me tratar como se fosse sua propriedade. Pois não sou. Não sou obrigada a sentar aqui e ouvi-lo ditar suas palavras como se eu fosse um de seus subordinados. Repito: Eu não sou. E quero que esteja ciente disto e me trate de acordo.

A expressão no rosto do sujeito não mudou. Mas ele esperou um momento antes de murmurar vagamente:

— Decerto não é, madame.

Ela fechou os olhos novamente. Torceu para que aquele fosse o fim. Mas, passado mais um minuto, o Duque continuou:

— Residiríamos no interior. Imagino que prefira a estar na capital?

Khaleesi voltou a abrir os olhos, mirando-os inexpressivamente na direção do sujeito. Mas ele se virara novamente em direção à lareira, as mãos atrás das costas, as pernas e os pés unidos numa rígida posição militar. Tudo nele era rígido. Principalmente sua voz.

— Sim.

— De qualquer forma, sempre que desejar estar em outro lugar... Será livre para partir. Tenho uma abundância de propriedades em toda a Inglaterra e mesmo fora dela. Poderá transitar entre elas sempre que desejar. Embora... — fez uma pausa. — Talvez seja melhor que permaneçamos por perto. Ao menos até que seja capaz de engravidar. Não concorda?

Khaleesi desviou os olhos. Um filho. É só o que precisa. Não foi isso que disse?

— É claro.

Ele voltou-se novamente em sua direção, então.

— Dito isso... Lhe proponho casamento, senhorita Augustenborg.

Lhe proponho casamento. Khaleesi poderia ter rido diante de suas palavras. Sentiu vontade de fazê-lo, embora se isso ocorresse, seria por puro desespero e amargura. Mas não devia transparecer isto. Não podia. Precisava manter-se de pé.

— Ah. Não acho que possa lhe dizer não, Comandante. — disse, numa fraca tentativa de fazer uma piada, com um esgar de lábios que era uma péssima imitação de sorriso.

Ao menos o sujeito não respondeu a isso. Somente permaneceu encarando-a, até que ela pôs-se de pé, colocando sua melhor máscara de serenidade resignada.

— Algo mais, Comandante? — ela reiterou.

— Pediu-me que lhe devolvesse o favor de ouvi-la.

— Ah. Não se preocupe. — abriu um sorriso. Mas não pôde conter o sarcasmo em suas palavras. — O senhor tirou todas as palavras de minha boca, garanto. Não há nada mais a ser dito. Considerando isto...

O homem compreendeu sua deixa.

— Logo virei busca-la afim de hospedá-la com minha irmã, Lady Beaumont. Ela se prontificou a ajuda-la com os preparativos para o casamento. Embora, é claro... Lady Augustenborg esteja livre para acompanha-las, se for de seu desejo.

— Minha mãe logo precisará partir afim de encontrar meu pai e meu irmão. Mas levarei minha dama de companhia comigo. 

Ele se quer piscou.

— Compreendo. Bem, tenha uma boa tarde, senhorita Augustenborg.

Assim que ouviu a porta fechar-se, Khaleesi se deixou desabar novamente no pequeno sofá onde antes estivera sentada. E ali ficou pelo que pareceu uma eternidade.


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Notas finais do capítulo

Então? Que dizem? Me deixem saber!
Xêro!



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