1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Quarentena me deu tempo o suficiente para ler e reler romances de época, então por que não escrever um? Ainda mais com guerra e personagens trágicos no meio



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O tempo bem que poderia estar melhor.  

Do lado de fora, nuvens pesadas atravessavam o céu, empurradas por uma forte ventania, e a chuva que ameaçara cair durante toda a semana finalmente havia começado a desabar, na forma de uma tempestade de primavera. O vento e a água castigavam violentamente a pedra rebocada do Castelo de Stirling, açoitando suas paredes sem dó. Era um cenário infeliz e caótico. Mas no interior da fortaleza, em seus salões e pelos corredores, velas ardiam em todos os castiçais disponíveis, trazendo um calor bem-vindo que aplacava a umidade gelada e os sentimentos negativos que poderia trazer. As chamas dançavam e tremeluziam, parecendo tão ansiosas quanto aqueles sentados à mesa de jantar.  

Aquela noite marcava o fim das duas semanas que haviam compartilhado. Havia um clima de lamento no ar mas, ao mesmo tempo, de um contentamento pacífico. Aquelas pessoas eram, umas para as outras, as pessoas que mais amavam no mundo. Embora poucos ou nenhum deles fosse admitir isso com todas as palavras, e por mais que isto soasse estranho, visto que eram todos homens. Eram as quatro pessoas em que mais confiavam no mundo. Não havia nada de superficial em sua relação.  

A guerra os havia unido. Era nisso que acreditavam. Três deles haviam servido como oficiais, três ex-oficiais militares que haviam sido feridos em combate e enviados de volta para casa afim de se convalescerem. Um havia servido como médico em campo; o médico que, posteriormente, havia tratado os outros três, ajudando-os a repousarem e se restabelecerem até que estivessem recuperados. Ou, ao menos, parecessem estar. 

Aqueles quatro haviam criado um forte laço durante o longo período em que haviam estado juntos. E, como todos sempre carregariam marcas da guerra, havia nascido entre eles a jura de que, quando retomassem suas vidas longe da segurança do chalé onde viveram isolados por dois longos anos, nunca se afastariam por completo. Se reencontrariam anualmente afim de reafirmar sua amizade, conversar e lamber as feridas que talvez existissem – as antigas e as novas. Nada, nos céus ou na terra, seria capaz de quebrar com este seu laço. Nem com o significado que tinha.  

Era esta a promessa que estava tatuada em seus corações. Embora nem todos ali gostassem – ou pudessem – admitir que tinham um. 

Era nisso que Levi Holroyd, o supracitado médico, pensava enquanto observava os seus amigos. O jantar já havia terminado há muito, mas eles tinham permanecido sentados, partilhando uma garrafa de conhaque e seus pensamentos. Era o que sempre faziam. Por mais que sua viagem anual para a Escócia tivesse como objetivo passarem tempo juntos, não passavam os dias grudados. Mas parecia que havia algo de sagrado nas noites. Não era algo programado, apenas algo que acontecia – começava sempre com uma conversa esparsa, talvez sobre a longa viagem ou sobre administração de terras. Mas logo se tornava um diálogo que os levava até a madrugada e às vezes além.  

A noite era o sinal de abertura para as coisas que somente eles dividiam entre si. Era o chamado para que os fantasmas retornassem e as feridas se reabrissem. De modo que não restava a eles nenhuma opção além de falar. E era isso o que faziam.  

Naquele ano, a última noite acabou se tornando de Aiden Gillingham, que para o mundo agora era o Duque de Barclay. Mas, naquela sala, não passava de Aiden. Não tinha como não ser, considerando as circunstâncias.  

— Lamento muito que você tenha chegado mais tarde que o resto de nós, Aiden — Levi disse, depois de já terem conversado por uns bons minutos sobre outras amenidades. — E lamento ainda mais saber o motivo do seu atraso. 

Aiden balançou a cabeça.  

— Tinha um dos pés dentro da carruagem quando o médico surgiu com as notícias sobre o meu avô. — contou. — Ele já estava de cama, compreendem? O fim era inevitável. E eu não queria vê-lo. De modo que estava disposto a fugir.  

— Mas você voltou. — interveio Will. William Hayes, Visconde Bedwyn, encarou o amigo consternado com os grandes olhos azulados que eram tão chamativos. Aqueles olhos eram feitos para derreter o coração das damas. Assim como o cabelo louro que era sempre rebelde, e o sorriso franco e bem-humorado, quase angelical, que Will carregava. Levi sempre achara o olhar dele desconcertante. 

Pois Will era cego. 

— Voltei. Pois estava à porta de casa. Se estivesse dez metros à frente, teria fingido não ouvir nada e continuado minha viagem.  

— E é justo se remoer por isso? — indagou Griffith, o caçula do grupo e proprietário do castelo onde residiam naquele momento. O rapaz levou o copo de conhaque até os lábios e botou para baixo quatro dedos da bebida de uma vez. 

— Não. Provavelmente não. — Aiden franziu o cenho. — Ele deixou uma considerável fortuna para minha avó. Mas me legou o ducado e todo o império que construiu. Agora sou dono de uma riqueza e poder que nem sou capaz de contabilizar. 

— Oh, que grande tragédia! Tanto dinheiro e tanto prestígio! Pobre Aiden, meu coração está arrasado! — Griffith declarou, com um drama teatral, enquanto levava uma mão até a própria testa.  

— A questão é que estive bem, este último ano. Ao menos, não estive terrível. E agora... Há isto. O ducado é o que menos me aterroriza, de alguma forma. O que mais incomoda é a responsabilidade de fazer o mesmo que me foi feito. Passar isto adiante. 

— Pois não se dá para passar um ducado para um primo ou um irmão. — Levi concluiu o pensamento, anuindo. 

— Eu poderia fazer isso. Mas devo a minha avó.  

— Se está com medo de arranjar uma esposa, Aiden, saiba que você está certo. Mulheres são aterrorizantes. — disse Will, estremecendo dramaticamente. — Deus, não consigo nem imaginar! Vejam bem, não tenho nada contra mulheres, elas são belas criaturas de se observar... Ou, pelo menos eram em minha época, mas pensar em ter uma todos os dias na minha vida... Ou na minha casa... 

William não vivia em nenhuma das grandes propriedades que obtivera ao herdar o título de Visconde. Ele morava sozinho, num apartamento em Londres. E vivia mudando de endereço. No último ano, não viera para a Escócia ver os amigos pois havia ido para as Índias. Tudo para fugir da presença das mulheres que tentavam controlar e proteger sua – pressuposta – vulnerável vida.  

Griff riu.  

— Na verdade, é bem simples, Aiden. — declarou, ficando de pé. Sustentava-se com a ajuda de duas muletas, embora não conseguisse passar muito tempo repetindo aquele esforço. Aquela era a resposta que tinha dado a todos os especialistas – inclusive o próprio Levi – que tinham dito que jamais voltaria a andar ou a realizar qualquer outra atividade que exigisse a parte inferior de seu corpo. Griff jurara que não seria, em suas próprias palavras, um “maldito aleijado inútil” para o resto de sua vida. 

Aleijado ele ainda era – precisava passar a maior parte do tempo em sua cadeira de rodas, pois suas pernas não suportavam o próprio peso por tanto tempo. Inútil, certamente que não. Maldito? Sem dúvida alguma. 

— Você está em pé de novo, Griff. É a criatura mais teimosa que já conheci. — Levi o repreendeu. 

— Nós competimos de igual para igual, Levi. — o rapaz rebateu, antes de virar-se desajeitadamente na direção de Aiden. — Escute bem, Aiden. Você só precisa abordar a primeira mulher bonita que ver caminhando pela Grosvenor Square, dizer que é um duque e pedir para que ela se case com você. Daí, é só relaxar dentro de sua carruagem enfeitada com o brasão ducal e assisti-la tendo um desmaio de tanta ansiedade e emoção.  

Aiden riu. O que, para ele, era um feito e tanto. Mesmo em circunstâncias comuns. Aquela risada fora uma coisinha frágil, apagada, era verdade – não uma gargalhada autêntica, do tipo que alcançava os olhos e fazia o estômago doer de deleite. Mas só seu surgimento podia ser considerado um milagre.   

Aiden nunca sorria ou ria. 

— Que bom que é fácil assim. Quando partir para Londres, amanhã, vou dar um passeio demorado pelo Hyde Park e esperar que algumas mulheres bonitas apareçam por lá. Assim, talvez tenha um filho à caminho até o fim desse ano. 

— Não mulheres, no plural, Aiden. — Will reclamou. — Você não quer ver jovens damas brigando por sua causa. Procure uma mulher. É o suficiente. E ela não precisa ser uma beldade. Você é terrivelmente feio e ninguém aqui está reclamando.  

— Me pergunto como você poderia saber isso, Will, se nunca viu meu rosto. 

— Eu não preciso ver você para saber isso. Essa é mais uma prova do quão horrendo você certamente é.  

— Eu devo discordar, Will.  — interveio Griff. — Porque se for para ter uma mulher todos os dias em minha vida, mandando em minha casa, eu prefiro que seja uma mulher bonita. Não que aparência fosse ser algo relevante para você.  

— Por sorte, não sou eu quem serei enforcado se não me casar. — o Visconde disse, abrindo um sorriso alegre. — Deveria acompanhar Aiden, Grifo, dessa forma poderia abençoá-lo com mais de suas infalíveis táticas casamenteiras. 

— Nem o diabo pode me tirar do Castelo de Stirling, sabe disso, William.  

— Que bom que não sou o diabo. — Aiden respondeu. Então ergueu o copo numa saudação. — Sou dez vezes pior.  

— Eu não tenho medo de carrancas, Aiden. Ninguém usa elas melhor do que eu. 

— Eu acho justo que você vá para Londres, Griff. — argumentou Levi. Todos olharam para ele. Até Will, que só errou a mira por um ou dois centímetros. — Todos estaremos vivendo lá, pelo menos nas próximas semanas. Talvez pudéssemos burlar a tradição por um ano e cruzar nossos caminhos novamente.  

— Isto é chantagem emocional, Levi. — o rapaz apontou um dedo acusatório em sua direção. — Um golpe baixo demais, até para você.  

Mas o médico sabia que uma decisão havia acabado de ser tomada.  

Não havia nenhuma lógica nem racionalidade na ideia de que Griffith fosse para Londres, obviamente. Na verdade, a situação chegava beirar o perigo. Sua estadia seria difícil, na melhor das hipóteses. Mesmo que somente ficasse recluso na casa de Aiden, o que dificilmente ocorreria, ainda seria desagradável para ele sair de seu casulo tão perfeitamente projetado. Além disso, havia o risco de que ficasse doente – e nenhuma enfermidade era, para Griffith Shawcross, como era para as pessoas normais. Levi sabia disso, é claro. Pois conhecia ele. Assim como conhecia os outros dois – tudo o que haviam sido, tudo o que eram e mesmo o que estavam se tornando. 

Mas, naquele momento, ele não quis ser racional. Somente queria seus amigos consigo. Pois eles eram os únicos capazes de proporcionar a si a coisa mais próxima de alegria genuína que conhecia. Traziam cores à sua existência cinzenta. Eram tudo o que acreditava precisar.  

Aqueles homens, que acreditavam que haviam sido curados por ele, na verdade eram a sua cura. Ou a coisa mais próxima que tinha disto.  


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Notas finais do capítulo

Eu espero que tenham gostado! :D
Por favor, deixem uma - muito recente - autora feliz e deixem suas reviews aqui embaixo! Mas antes, lembrando umas coisas importantes: Chequem o tumblr da fanfic ( https://1812-story.tumblr.com/ ) porque lá, além de conteúdo extra como edits e alguns textos complementares, vocês podem conversar comigo. Qualquer dúvida ou sugestão, não se acanhem, venham de chat! Eu vou adorar, e mesmo que eu não responda na hora, sempre vou responder o mais rápido possível
Outra coisa, como a fic tem poucas vagas, por hora só vou estar aceitando uma ficha por pessoa. Mas isso pode vir a mudar.
Vocês podem enviar as fichas por MP do Nyah ou pelo próprio tumblr, só mandar o link do doc para mim
Ficha base: https://1drv.ms/w/s!ApO1hybnQhLqjEisWVkAx8FMTjts?e=MvFJcw
É isso. Beijo e até mais! ❤



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