Wicked Love. escrita por Beatriz


Capítulo 1
Capítulo 1: Maya.




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Depois de passar três dias presa, Maya já começava a pensar que nunca sairia dali até ouvir que haviam pagado sua fiança. Finalmente, ela pensou. Já estava cansada de ter que dividir o ambiente com Renegados. Ela preferia a morte a isso. Enquanto caminhavam pelo corredor com os policiais a escoltando, sentia os olhares de alguns Renegados em si, mas ignorava todos. Só de olhar para eles, ela sentia vontade de vomitar e, por não ter comido quase nada nesses três dias, ela não duvida que acabasse vomitando mesmo.

Na sala do diretor da prisão, ela encontrou com seu pai: Karlheinz Sakamaki, o rei de Transilvânia. Mentalmente, ela suspirou, já prevendo o sermão que ele daria nela, mas não disse nada. Apesar de tudo, ela sabia que o melhor a se fazer era ficar bem quieta até que toda essa situação fosse esquecida e ela aprontasse alguma outra coisa. Ele estava segurando a espada dela, que fora confiscada no momento em que ela fora presa. As mãos de Maya coçaram de vontade de segurar sua espada novamente, mas ela não tentou pegá-la do pai, sabia que seria uma péssima ideia, considerando a expressão em seu rosto.

O pai e o diretor da prisão trocaram algumas palavras, ignorando a presença dela, e, na hora de ir embora, Maya caminhou em silêncio ao lado do pai. Um carro SUV preto já esperava por eles do lado de fora e os dois sentaram lado a lado no banco de trás enquanto o motorista dirigia até a sua casa. Durante todo o percurso, Maya ficou olhando pela janela do carro, observando as pessoas andando para lá e para cá. No carro em movimento não dava para Maya distinguir quem poderia ser vampiro e quem poderia ser humano, todos pareciam iguais para ela.

Distraída, Maya só percebeu que haviam chegado em casa quando o carro parou em frente ao castelo que os Sakamaki chamavam de mansão e que era o lar de Maya. Uma lua crescente estava bem alta no céu e não havia nenhuma estrela no céu, apenas nuvens, como se fosse chover a qualquer momento. Assim que ela entrou em casa foi direto na direção das escadas, ansiando por chegar logo em seu quarto e tomar um longo banho quente, e esquecendo-se por um instante de sua espada, mas a voz de seu pai a fez parar no primeiro degrau.

— Vá para o meu escritório — ele disse.

— Preciso tomar um banho — ela rebateu, olhando o pai pelo canto do olho.

— Para o meu escritório, Maya — ele repetiu, firme. — Agora.

Karlheinz saiu da vista da filha e Maya segurou o corrimão da escada com força, talvez o pai não deixasse esse episódio passar com tanta facilidade como das outras vezes. Porém, qualquer que fosse o castigo que ele tivesse em mente para ela, Maya não achava que poderia ser tão ruim. Mas ela realmente queria um banho, estava chateada apenas por causa disso, na verdade. Três dias sem tomar banho havia sido o suficiente, se ela passasse mais um com toda certeza teria um ataque histérico.

Sem ter muito o que fazer, ela caminhou em direção ao escritório do pai. A porta estava aberta e Karlheinz estava sentado à sua mesa. Assim que ela fechou a porta atrás de si, o pai levantou o olhar para ela, como se fosse a primeira vez que estivesse vendo a filha. A espada dela fora cuidadosamente colocada em cima da mesa do pai e agora o objeto estava entre eles dois.

— Eu gostaria de tomar um banho — Maya disse, se aproximando um pouco mais da mesa. — Se não for pedir muito, é claro.

— Precisamos conversar — Karlheinz olhava para a filha sem nenhuma emoção no rosto.

— Pai, se for sobre o que aconteceu, agente poderia conversar depois do meu banho! — Maya franze o cenho.

— Você está de castigo — ele disse calmamente, ignorando o que ela disse.

— Ah, grande coisa — Maya revirou os olhos. — O que vai ser dessa vez?

— Você vai para a Academia de Vampiros — ele disse, sem rodeios.  

Maya fica um tempo sem dizer nada, apenas absorvendo aquela informação. A Academia de Vampiros era um internato onde alguns vampiros adolescentes estudavam. Muitos estavam lá porque queriam mesmo receber algum tipo de educação vampírica e outros iam parar lá como punição por fazer algo errado, como era o caso de Maya, ou eram órfãos acabavam indo parar lá de algum jeito. Para ela a escola parecia uma prisão. Em todos os seus 16 anos de vida ela nunca imaginou que um dia estaria indo para lá.  

— Você não pode estar falando sério — é o que Maya consegue dizer finalmente depois de ter passado um bom tempo só encarando o pai como se ele fosse maluco.

— Estou falando bem sério, Maya. Já foi decidido e você vai partir para lá daqui a pouco.

Daqui a pouco? – ela quase gritou. – Eu nem arrumei uma mala e...

— Todos os seus pertences já foram enviados para lá.

Ele cruzou os dedos em cima da mesa e ficou encarando a filha. Maya estava com a boca formando um perfeito “O”. Ela pensou que pudesse estar sonhando, era a única explicação.

— Fala sério, pai. Tudo isso por causa de uma prisão?! Você mesmo foi preso quando tinha a minha idade. Você não era nenhum santo antes de se tornar rei e agora quer me punir por uma besteira?

— Eu era um rebelde sim, Maya! — Karlheiz ficou de pé, encarando a filha agora com raiva. — Fui preso mais do que posso contar e fugi muitas vezes, mas foi por uma boa causa, por algo que mudou o mundo em que você vive hoje. Não me arrependo de nada do que eu fiz. E você? Por que foi presa? — era uma pergunta retórica, então Maya nem abriu a boca para responder. — Ah, é claro. Você foi presa por destruição de patrimônio público e por ter transado na porra de um chafariz! — a voz dele estava tão alta que reverberou pela mente de Maya como um eco. Ele bufou e sentou de novo em sua cadeira, quase quebrando a mesma. — Eu não entendo porque vocês são assim.

— Vocês quem? — Maya perguntou ao pai e ele balançou a mão, dizendo para ela deixar para lá.

— Eu disse você. Porque você é assim. Eu te criei da melhor forma possível, te dei toda a atenção e te mimei como qualquer pai deveria fazer. Acho que esse foi o meu erro porque eu, sinceramente, não entendo onde você quer chegar com essas suas atitudes.

— Não tenta mudar de assunto, pai! Você disse “vocês”, no plural. De quem mais você estava falando? De mim e de algum dos meus irmãos que você insiste em não me deixar vê-los? — Maya tentou ignorar tudo o que o pai havia falado, pois nem ela mesma entendia porque fazia todas aquelas coisas. Não era só para chamar atenção, ela queria conseguir algo mais fazendo tudo isso, só não sabia explicar o que seria.

— Chega desse assunto — Karlheinz se levantou de novo e pegou a espada de Maya em sua mesa, jogando para a menina que a pegou no ar. — Daqui a pouco o motorista vai estar esperando. Esteja pronta em menos de trinta minutos.

Sem dizer mais nenhuma palavra, ele saiu da sala, deixando Maya sozinha com seus pensamentos. Ela queria gritar e quebrar toda a sala do pai se fosse possível, mas sabia que não adiantaria de nada, só o deixaria mais nervoso. Então, já com sua espada em mãos, ela finalmente foi para o seu quarto e tomou o tão esperado banho. Passou mais de trinta minutos debaixo do chuveiro e nem se importou com o que o seu pai diria quando ela saísse. Porém, Maya se surpreendeu quando, depois de terminar de se arrumar, viu que não havia nenhum vampiro soltando fogo pelas ventas do lado de fora do seu quarto. A casa estava bem silenciosa e ela não viu mais o pai.

Enquanto entrava no carro levando apenas sua roupa do corpo e sua espada, ela pensou em sua mãe, Elizabeth Sakamaki, e se perguntou se ela sabia de tudo o que estava acontecendo. Esperava que a mãe não soubesse de nada e se surpreendesse tanto quanto ela quando Karlheinz falasse do paradeiro da filha, pois Maya teria uma aliada e, talvez, ela não precisasse passar mais de um dia naquele internato.

A mãe de Maya era caçadora de vampiros antes de conhecer Karlheiz e, quando eles se apaixonaram, o pai de Maya acabou transformando sua mãe em vampira também. Ela ficou muito feliz de poder passar a eternidade ao lado do amor de sua vida, mas muito triste também, pois fora impedida de continuar sendo uma caçadora. Os caçadores consideraram o que ela fizera ao se transformar em vampira uma traição e hoje Elizabeth não pode nem mesmo pisar na Academia de Caçadores. É irônico pensar isso, pois o irmão mais novo de Maya, Luke Sakamaki, mesmo sendo um vampiro, estuda na Academia de Caçadores porque ele quer seguir os passos da mãe. Mas, é claro, o menino esconde o fato de ser um vampiro e de qual família faz parte para conseguir estudar lá.

Contudo, mesmo tendo sido expulsa do circulo de caçadores, a mãe de Maya ainda trabalha como uma, ela é o braço direito de seu pai quando se trata de caçar vampiros, renegados e seja lá mais o que. Neste exato momento, por exemplo, ela estava viajando a trabalho, caçando alguém. Maya sabia que ela voltaria ainda essa noite e esperava ansiosa para que sua mãe a tirasse daquele internato o quanto antes.

O internato era um pouco longe da casa de Maya, mas, quando ele apareceu em seu campo de visão, não demorou muito para o motorista parar o carro. Ela saiu do banco de trás, olhando o prédio que parecia muito intimidante apenas pelo tamanho. Já estava anoitecendo e ela podia ver alguns vampiros estudantes andando para lá e para cá no pátio da frente usando o uniforme da escola. Maya estalou a língua, produzindo um barulho de reprovação. De todos os castigos que seu pai poderia inventar, ela nunca imaginaria que ele acabaria a mandando para esse lugar. Mas ela ainda tinha uma esperança: sua mãe. Quando ela chegasse de viagem, talvez conseguisse convencer Karlheinz de que isso era uma péssima ideia.

Suas malas já havia sido todas enviadas por seu pai e ela agora só carregava sua espada. Quando os portões se abriram para que ela entrasse, alguns olhares viraram em sua direção, mas ela ignorou todos, sustentando uma expressão intimidadora no rosto. Ela não estava ali para fazer amigos, afinal imaginava que não ficaria muito tempo. Dentro do prédio, Maya se lembrou do que seu pai havia lhe dito: ela precisava ir até a secretaria, pedir a chave de seu quarto. Ela teria que falar com Cordelia. Ela fechou os punhos com força, nesse momento odiava o pai mais que tudo por fazê-la ser obrigada a ter algum tipo de interação com aquela mulher.

Ela estava perdida nos corredores, mas, por orgulho, se recusava a pedir informação a alguém de onde ficava a secretaria. Um segundo depois, ela se arrependeria de não ter parado para pedir ajuda, pois, alguns passos mais tarde, ela se deparou com Kaname Kuran e sua turminha.

Maya sempre achou o clã Kuran insuportável eram tão certinhos que chegava a dar nojo, e a turminha que andava com Kaname era pior ainda. Um bando de hipócritas. Na frente de Kaname eles eram como santos, agindo como se fossem os salvadores do mundo, mas por trás faziam uma besteira atrás da outra. Maya já havia passado uma noite com um cara daquele grupinho: Aidou Hanabusa. Ele era o mais desobediente do grupinho do Kuran e, um dia, acabou ficando com ela. Nesse dia, eles fizeram coisas um pouco questionáveis, mas no dia seguinte, já próximo de Kaname, Aidou agiu como se nem a conhecesse. Não que isso a tivesse machucado, ela não sentia absolutamente nada por ele, apenas ficou com raiva do quão covarde Aidou e todos os outros que seguiam Kaname eram.

Quando os olhos de Maya encontram os de Kaname, ela deu um passo para trás, não por medo, mas porque poderia acabar socando a cara dele caso estivessem perto demais. Como sempre, ele olha para ela com aquele semblante impassível, sem demonstrar qualquer emoção e, por Maya ser mais baixa que ele, Kaname a encara de cima. Já fazia algum tempo que Maya não o via pessoalmente, mas ele não havia mudado desde a última vez em que se viram. É claro que ele ainda continuava muito bonito e muito atraente, mas dava para ver nos olhos dele o mesmo desprezo que ela sentia por ele.

— Kaname Kuran — ela disse, sarcástica, quebrando o silêncio. — Quanto tempo.

— Você por aqui, Sakamaki? — foi Aidou quem respondeu por Kaname. Maya inclinou um pouco a cabeça para conseguir ver o loiro. — O que foi que você aprontou de tão ruim?

— Hanabusa — Kaname chamou a atenção do outro que ficou duro como uma pedra.

Maya soltou um ar pelo nariz, quase rindo da atitude do loiro perante Kaname. 

— Talvez eu esteja pegando por tudo o que nós dois fizemos naquela noite, Aidou — Maya lançou um sorriso malicioso na direção dele e uma veia saltou na testa de Hanabusa. — Aliás, você já contou aos seus amiguinhos o que nós fizemos aquele dia?

— Talvez seja melhor você calar a boca, Sakamaki — ele retrucou, franzindo o cenho.

— Já chega. Vamos embora — a voz de Kaname era firme e todo o grupinho se pois a andar, muito obedientes.

Kaname foi o último a passar por Maya e ele a encarou mais uma vez pelo canto do olho antes de sair do campo de visão dela. Idiota, Maya pensou. Tentando esquecer o encontro péssimo, ela dobrou em mais um corredor, já odiando essa escola em um nível bem grande. Por que uma escola precisava de tantos corredores? Assim que ela dobrou, viu uma plaquinha de frente para ela fixada na parede em que dizia “secretaria” e bem ao lado tinha uma porta onde devia ser a secretaria. Ela abriu a porta sem bater e imaginou que encontraria com Cordelia, mas, para sua surpresa, quem esperava por ela era Rido Kuran, pai de um dos amiguinhos de Kaname: Shiki Senri. Um ruivinho bonito que nunca havia sequer trocado alguma palavra com Maya.

Maya nunca gostou de Rido. Sempre que haviam bailes em sua casa, e os Kuran eram convidados, Rido acabava aparecendo e ela nunca gostou do olhar que via nos olhos dele. Era o mesmo olhar que ela via em Cordelia: um olhar malicioso, como se estivesse a todo momento pensando em um jeito de te passar a perna. A única diferença era que Rido escondia a sua verdadeira personalidade atrás de uma máscara de bonzinho, e Cordelia não estava nem em aí em esconder o quão perversa era.

Os olhos de Rido encararam Maya com curiosidade e aquele sorriso malicioso que ela já conhecia apareceu nos lábios dele. Maya quis socar aquela cara bonita com olhos de cores diferentes.

— De todas as coisas que eu esperava ver hoje, a sua presença aqui com certeza não era uma dela — ele sorriu para Maya, um sorriso que poderia muito bem ter sido gentil, se ele não parecesse um predador olhando para a sua presa. — O que a traz aqui, senhorita Sakamaki?

— Eu... — Maya se deteve por um tempo. Ela nunca falaria “eu estou de castigo e ficar aqui com vocês é a minha punição”. — Eu vou estudar um tempo aqui. Estava entediada — ela completou.

Rido sorri para ela, se ele achava que era mentira ou não, não deixou transparecer.

— É uma honra ter você aqui.

Talvez fosse o jeito como ele a encarava ou fossem os olhos com cores diferentes, mas Maya já estava começando a se sentir muito desconfortável na presença dele.

— Acredito que o meu pai já havia avisado da minha chegada. Quero a chave do meu quarto.

— Acredito que é essa — ele pegou um cartão dentro de uma gaveta. A fechadura da porta era moderna, tinha que passar um cartão nela para poder entrar. Maya pegou o cartão da mão dele e ficou analisando o objeto, havia seu nome e o número do quarto nele. — E esses aqui são os seus horários e as suas aulas — ele deu dois papéis para Maya e ela já ficou com preguiça só de ver o tanto de coisa escrita ali. — Para encontrar o dormitório feminino, você terá que passar pelo arco da lua e verá uma placa escrita "feminino", indicando seu destino. 

Sem dizer mais nenhuma palavra e sem agradecer, Maya simplesmente deu meia volta e saiu da sala o mais rápido que pôde. Ela não se importava nem um pouco em ser educada com pessoas que ela não gostava.

Sem ter mais o que fazer, Maya seguiu para fora do prédio das aulas, passando, um momento depois, pelo tal arco da lua, que era um arco feito de ferro com um lua crescente no centro. 

Maya percebeu que os caminhos do lado de fora da escola eram de paralelepípedo e achou interessante e até mesmo bonito esse fato. Alguns alunos passavam por ela e ficavam a observando, percebendo que Maya era uma aluna nova, pois nunca a haviam visto pela escola antes. Ela não estava absolutamente nem aí, nem devolvia os olhares, apenas passava reto por todos. No fim do caminho de pedras brancas, Maya encontrou o dormitorio feminino exatamente como Rido havia dito.

Maya se aproximou e subiu as escadas, parando na frente da porta branca dupla. Ergueu a mão para bater, mas pensou melhor e aproximou sua mão da maçanete, pensando que tinha o mesmo direito das outras garotas de entrar ali sem ser convidar, afinal era aluna também. 

Antes que ela pudesse girar a maçaneta e abrir a porta, a mesma foi aberta e duas vampiras passaram por ela usando uniformes iguais. Uma tinha cabelos brancos curtos e a outra tinha cabelos cor de mel bem longos. Elas saíram rindo ruidosamente, não prestando atenção em Maya, e desapareceram alguns metros depois quando dobraram na direção do prédio das aulas. A vampira revirou os olhos e entrou no prédio a sua frente.

O dormitório era enorme, ela quase se perdeu de novo com todos aqueles corredores e portas. Além dos quartos, haviam uma sala comum onde as alunas podiam se reunir quando não estivessem fazendo nada. Havia algumas vampiras por ali, conversando, lendo, escutando música e coisas do tipo. Novamente ela atraiu alguns olhares, mas se concentrou em procurar seu quarto. Quando ela encontrou a porta com o número 116, passou o cartão na fechadura e a porta se abriu com um clique. Ela entrou e trancou a porta atrás de si.

O quarto não era enorme como o que ela tinha em sua casa, mas também não era minúsculo. Havia uma cama de casal no centro, um guarda-roupas, uma mesa para estudos com cadeira e um notebook, uma janela grande, televisão, um banheiro e uma escrivaninha ao lado da cama. No guarda-roupas ela encontrou todas as suas roupas e em cima da cama havia três pares de uniforme (saia, blazer, blusa branca e gravata vinho), um sapatinho fechado de escola e meias pretas para o caso de ela querer varias o visual. Maya suspirou, olhando aquelas roupas. Ela já se sentia sufocada só de se imaginar vestindo todas essas coisas.

Maya deixou sua espada encostada no parede e se jogou na cama – pelo menos ela era bem confortável – e começou a pensar em tudo o que teria que aguentar enquanto estivesse nesse internato: o Kuran e sua ganguezinha, Cordelia, um monte de aula chata... Ela gemeu, virando de bruços e escondendo a cabeça no travesseiro. Maya sempre odiou se sentir presa, tudo o que ela mais gostava na vida era a sua liberdade, e agora viveria como um passarinho na gaiola.

Horas se passaram até que ela escutasse batidas na porta. Maya estava ouvindo música em seus fones de ouvido e apenas escutou as batidas por causa de sua super audição. Ela tirou os fones do ouvido e franziu o cenho, olhando para porta. Quem poderia estar querendo falar com ela? Maya revirou os olhos enquanto levantava da cama, imaginando ser ou Rido ou Cordelia vindo reclamar por ela não ter ido para aula logo em seu primeiro dia. Ela já tinha uma resposta preparada para quem quer que fosse dos dois.

Porém, quando Maya abriu a porta, deu de cara com sua mãe. Ela quase chorou de emoção quando viu a mulher parada a sua frente, mas apenas abraçou a mãe bem apertado. Maya e Elizabeth Sakamaki eram extremamente parecidas: os mesmos cabelos pretos longos, os mesmos traços finos e bonitos do rosto. Elas tinham o corpo muito parecido também, sendo a única diferença que o corpo de Elizabeth demonstrava ser mais maduro que o da filha, afinal ela tinha apenas 16 anos. Além disso, a única diferença entre elas também eram os olhos: os olhos de Elizabeth eram pretos com petróleo e os de Maya eram vermelhos como uma pedra de rubi.

Quando as duas finalmente se separaram e Elizabeth fechou a porta atrás de si, a mulher colocou as duas mãos na cintura fina e lançou um olhar reprovador para a filha que estava sentando na cama.

— Ah mãe, por favor — Maya revirou os olhos. — Você não veio até aqui para brigar comigo também, né?

— Não, Maya, não vim — Elizabeth se aproximou da cama e puxou a orelha da filha não muito forte, mas o suficiente para doer. — Mesmo que você esteja merecendo muito.

— Ai! — Maya deu um tapinha na mão da mãe e ficou emburrada enquanto a mulher se sentava ao lado dela.

Maya e Elizabeth, apesar de serem mãe e filha, sempre foram muito parceiras uma da outra e, na maioria das vezes, se tratavam como amigas, mas Elizabeth sempre foi uma ótima mãe, mesmo que ela não conseguisse controlar a filha de vez em quando.

— Não vou brigar com você porque acho que estar nesse internato — Elizabeth olhou o quarto, fazendo uma cara de “nossa, eu não queria estar no seu lugar, Maya”, pois ela sempre fora uma amante da liberdade também assim como a filha. — já é castigo suficiente.

— Você pode tentar conversar com ele, mãe? Eu vou surtar aqui.

— Você e seu pai são muito parecidos em diversas coisas, querida, vocês são dois cabeças duras, então quando colocam algo na cabeça e dizem que aquilo está certo, é muito difícil vocês voltarem atrás. Não acho que irei conseguir fazê-lo mudar de idéia quanto à isso — Elizabeth segurou a mão da filha. — Por que vocês fez todas essas coisas, afinal?

— Ah, sei lá, mãe — Maya ficou olhando para a sua mão junto a de sua mãe. — Acho que eu estava entediada.

— Bom, da próxima vez que você estiver entediada, vem viajar comigo e não sair transando em chafarizes.

Maya riu soprado e olho nos olhos da mãe. Estava feliz que ela estava ali, pois sua mãe sempre sabia como melhor o humor da filha.

— Você encontrou com a Cordelia no caminho para cá? — Maya perguntou.

— Não encontrei, ainda bem — a mãe dela franziu o nariz. — Se eu tivesse encontrado, provavelmente tinha arrancado aqueles olhos verdes ridículos da cara dela.

As duas riram ao mesmo tempo como duas melhores amigas falando mal da pessoa que elas mais odiavam.

— Só de pensar que eu vou ter que conviver com ela já me dá náuseas — Maya apertou a ponte do nariz.

— Você vai ficar bem — Elizabeth passou a mão pelos cabelos da filha. — A Cordelia é a parte mais fácil disso tudo, eu quero que você tenha cuidado mesmo com os seus meio irmãos.

Ah, aí estava. Finalmente alguém havia falado sobre eles. Os seis meninos pareciam uma nuvem pesada pairando em cima da cabeça de Maya, para onde quer que ela fosse ali naquele internato, eles estariam, se não presentes então em pensamento. A sensação de ter eles sempre por perto agora depois de tanto tempo sem vê-los era quase atordoante.

— Não se preocupe, mãe, acho que posso lidar muito bem com seis moleques — Maya sorriu.

Não tenha tanta certeza assim, Maya, foi o que Elizabeth pensou em resposta a filha, mas resolveu não falar nada para não piorar ainda mais a situação em que Maya se encontrava.

— E você já sabe: se alguém descobrir que você é uma híbrida, não hesite em usar sua espada. Afinal, você pode ser meio vampira, mas sempre terá uma parte de caçadora dentro de você, como eu.

Maya balançou a cabeça, concordando. Elizabeth então ficou de pé, dizendo que não poderia demorar muito, pois precisava falar com Karlheinz, passar todo um relatório de como havia sido a viagem dela. E ainda tinha que ir buscar sorrateiramente Luke na Academia de Caçadores. Maya gemeu em protesto, não queria que a mãe fosse embora e ela ficasse sozinha.

— Pelo menos, diz para o papai que, no momento, eu o odeio — Maya resmungou quando a mãe dela a apertou em outro abraço. Elizabeth riu contra o cabelo da filha.

— Não odeia não. Se cuida, meu amor — disse, se afastando e segurando o rosto de Maya. — Qualquer coisa você pode me chamar.

— Mãe, não sou mais criança, eu sei me cuidar.

— Você e Luke sempre serão meus bebês, ok?!

Elizabeth deu um beijo bem forte na bochecha da filha antes de sair do quarto. Elas duas foram caminhando juntas pelo dormitório e, quando saíram dele, seguiram caminhos diferentes. Elizabeth fora para a saída da escola e Maya resolveu ir atrás de algo para comer, pois já faziam três dias que ela não comia nada decente. Pela primeira vez, ela resolveu pedir ajuda a alguém, perguntando onde era o refeitório. Uma vampira simpática deu a direção à ela e Maya caminhou para lá.

Ela voltou para o prédio das aulas. Não havia ninguém nos corredores, pois todos estavam em aula e Maya se sentiu mais à vontade andando sozinha pela escola. O refeitório ficava bem próximo à algumas outras salas, como por exemplo a sala de música. Maya estava parada bem em frente à um refrigerador que continha várias bolsas de sangue, decidindo qual tipo sanguíneo ia querer, quando escutou uma melodia. Alguém estava tocando piano na sala próxima da onde ela estava. Maya teria deixado para lá, pegado sua bolsa de sangue e voltado para o seu quarto, afinal quem quer que estivesse tocando não era da sua conta.

Porém, a pessoa mudou de melodia e foi isso que fez Maya sentir um arrepio por todo o corpo. A pessoa na outra sala tocou três vezes a mesma tecla do piano e começou a tocar a música desejada: Eyes On Fire. A mão de Maya parou na direção da bolsa O negativo que ela pegaria e ela percebeu que seus dedos estavam trêmulos. Ela não ouvia essa música tocada no piano há 10 anos.

Sem conseguir conter a curiosidade, Maya deu meia volta e saiu do refeitório. Todos os sons das salas de aula pareciam ter silenciado e a única coisa que Maya ouvia reverberar pelo corredor era o som das teclas do piano. Quando ela finalmente chegou à porta da sala de música, ficou um tempo parada antes de abri-la. Ela queria mesmo ver quem estava lá dentro? Maya já imaginava quem seria, pois ninguém mais tocaria essa música específica no piano, e há muito tempo não pensava nele. Sua mãe disse para ter cuidado com ele, então era seguro ela abrir essa porta?

Seus dedos seguraram a maçaneta fria da porta e ela a girou, abrindo a mesma. Silenciosamente, a porta foi empurrada para trás enquanto Maya entrava na sala. Estava um breu ali dentro quando fechou a porta atrás de si e Maya, em um primeiro momento, não viu ninguém, quase achou que a música era fruto de sua imaginação.  Até que ela olhou para um canto da sala, onde estava uma das grandes janelas e ali ela o viu: sentado de costas para ela estava seu meu irmão e a única pessoa com quem ela ousava tocar Eyes On Fire no piano, Laito Sakamaki.

Ela não o teria visto se não fosse a luz da lua incidindo diretamente nele, como se Laito estivesse dando um show e a lua fosse sua espectadora. Ele estava usando o uniforme da escola e um chapéu fedora. Mesmo de costas, ele estava tão diferente desde a última vez em que se viram que Maya poderia não ter o reconhecido. Mas ela reconheceria Laito em qualquer lugar, de qualquer jeito, em qualquer forma. Assim como parecia impossível o sol não nascer todos os dias, parecia impossível para ela não reconhecer Laito Sakamaki.

Os cabelos ruivos do menino pareciam reluzir por baixo do chapéu, reluzindo à luz da lua. Era como se ele estivesse sugando essa luz toda para si. Mas Laito sempre fora assim, Maya pensou. Sempre que entrava em algum lugar parecia sugar tudo para si desde a atenção de todos até a alma de quem se atrevesse a olhar para ele por mais tempo que o necessário.

Sem que ela percebesse ou pudesse impedir, os pés de Maya a levaram para perto de Laito. Tão perto que ela já conseguia ver os dedos dele se movendo por cima das teclas do piano. Eram dedos longos e finos, típicos de pianistas. Desde que eles foram separados, será que ele praticou todos os dias? Laito agora tocava como um profissional, sem desafinar ou pular alguma tecla. Todo seu jeito de tocar mudara, Maya percebeu, assim como ele. Se tornara um homem. Todos os sentidos de Maya estavam mais aguçados que o normal: audição, visão, olfato... Ela sentia o cheio de Laito por todos os cantos da sala, era um cheiro doce, como o aroma que uma planta carnívora costuma soltar para atrair sua presa antes de dar o bote. Maya queria sentar ao lado dele, tocar ao seu lado, deixar que suas mãos se encontrassem com as dele nas teclas.

Como aconteceu no refeitório, sua mão se ergueu na direção de Laito. Ela queria tocá-lo, saber se ele era real. Seus dedos estavam a apenas centímetros de distância das costas do menino. Ela observou seu corpo se mover enquanto ele tocava, de um lado para o outro, seus olhos acompanhando os movimentos dos dedos, enquanto seu corpo seguia o ritmo da música. Antes que os dedos dela o tocassem, ele falou e a música parou, bem próxima do final, mas sem acabar de fato. Exatamente como havia sido a história deles até o presente momento: interrompida abruptamente, sem ter fim algum. Ela saiu de seu transe, a flor havia dado o bote e a presa havia perdido. Maya só tinha duas opções: dar um jeito de se soltar e ir embora ou ficar e esperar sua ruína. Ela ficou. E a voz de Laito a alcançou. Não haveria mais nenhuma escapatória para ela, era o fim da linha agora.

— Quando me falaram que você viria para cá, eu pensei: é mentira — ele tirou as mãos das teclas do piano e virou o corpo parcialmente na direção de Maya, a observando pelo canto dos olhos. — Então eu vi você entrando pelo portão e pensei: finalmente...

Ele se levantou e ficou de frente para ela. Maya deu um passo para trás, um pouco assustada com o movimento brusco de Laito, afastando a mão que estava próxima dela como se ele tivesse lhe dado um choque. Ela percebeu que eles estavam próximos demais, quase com as pontas dos pés encostando umas nas outras.

O maior erro de um humano era olhar nos olhos de um vampiro. Uma vez olhando dentro dos olhos de uma criatura dessas, você estaria marcado para sempre, como um vestido branco manchado de vinho. E Maya não era completamente humana, mas ela cometeu esse erro no momento em que ergueu a cabeça naquela sala de música e olhou nos olhos de Laito. Ainda eram os mesmos olhos verdes esmeralda que ela se lembrava, mas agora pareciam em chamas – e ela estava sendo queimada por dentro.  

O que Laito fez depois disso foi tão rápido que Maya nem teve tempo de processar em sua mente os movimentos dele. Ele ergueu uma mão até o pescoço da menina e fechou seus dedos ali, empurrando Maya com força contra a parede da sala de música. Ela fechou os olhos quando sentiu o impacto de suas costas contra o mármore, rachando um pouco o gesso. Apesar da violência do gesto, Maya não havia quebrado nenhum osso, mas, dentro dela, algo estava doendo. Ela podia sentir no interior de seu peito.

— Finalmente vou poder ter a minha vingança — ele continuou, a voz mais baixa próximo ao rosto de Maya.

O vento assobiou através da janela, deixando a sala mais fria do que já estava quando Maya entrou, mas ela não sentia frio algum. Os dedos de Laito pressionavam seu pescoço apenas o suficiente para ser incomodo, mas não para parar a circulação de ar em seus pulmões. Ele sabia o que estava fazendo.

Os olhos de Laito prenderam a atenção de Maya mais uma vez e ela não conseguia formular nenhuma frase coerente em seu subconsciente. Quando o vampiro aproximou o rosto do dela e a respiração dele tocou sua bochecha, Maya desejou ter algo para se apoiar além da mão de Laito em seu pescoço.

— Seu papaizinho vai se arrepender do dia em que teve a ideia de colocar você aqui — o nariz roçou no maxilar dela, bem próximo ao pescoço. Maya sentiu todo o ar deixar seus pulmões e ela se sentiu sufocada pela primeira vez.

— Do que... Diabos você está falando? — ela conseguiu perguntar com dificuldade, franzindo o cenho.

Laito levantou a cabeça, um sorriso brincava em seus lábios. O olhar naqueles olhos verdes, Maya pensou, não era, nem de longe, o mesmo de quando eles eram crianças. Havia algo travesso neles, algo voraz se escondia por trás desses olhos. Eram olhos famintos. Não era o mesmo Laito que ela havia convivido anos atrás. Se um dia aquele antigo Laito fora de verdade, há muito ele já parara de existir.

— Você não vai querer saber — ele sussurrou próximo ao ouvido dela. — Vadia.

Ele segurou a aba do chapéu com a mão que estava livre e ergueu a cabeça como se estivesse fazendo uma saudação à Maya, como um cavalheiro. Mas então ele passou a língua pelo lábio inferior e ela entendeu que não era cavalheirismo que ela via nele, mas sim malicia. Ele estava faminto sim, por ela, por seu coração. Sua alma, se é que vampiros tinham alguma.

Quando Laito a soltou bruscamente, ela levou uma mão ao pescoço, sentindo pontos quentes onde os dedos dele haviam ficado. Ele a encarou uma última vez antes de dar as costas para ela e ir andando até a porta. Quando o vampiro finalmente saiu, Maya escorregou até o chão e ficou sentada ali, no escuro, sem acreditar no que havia acabado de acontecer. Ela se beliscou uma única vez para ter a certeza de que tudo havia sido real e não apenas fruto de sua mente cansada.

É claro que havia sido real, a dor de seus dedos pressionando sua pele fora tão real quanto a sensação dos dedos de Laito em seu pescoço. De todos os infernos nos quais seu pai poderia colocá-la para puni-la por seus pecados, ficar no mesmo local que Laito, convivendo novamente com ele, era o mais perverso deles. Infelizmente, nem Maya e nem Karlheinz sabiam disso ainda.


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