40 Dias escrita por Saori


Capítulo 9
Você acredita em destino?




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Os raios solares invadiram o cômodo timidamente, conforme a claridade adentrava pelos espaços dentre as persianas. Meus olhos abriram-se lentamente, em uma visão completamente desfocada. Pisquei-os algumas vezes, até que a minha vista se acostumasse com a luz ambiente. Deparei-me com Scorpius, também deitado, parecendo me observar atentamente. Inevitavelmente, eu sorri. 

Não disse nada por um tempo. De repente, uma série de devaneios preencheu a minha mente, ao mesmo tempo em que meu corpo encolhia-se debaixo do edredom. Pensei sobre o objetivo principal da minha viagem para Paris: conhecer o mundo. Depois, em como imaginei que tudo havia ido por água abaixo, por conta de um vírus amedrontador. E também em como vi a minha única salvação no meu maior inimigo, que depois se tornou o meu melhor amigo e, por fim, o meu amante. 

O universo era, no mínimo, surpreendente. Quem diria que, depois de anos, eu reencontraria Scorpius Malfoy, sob circunstâncias quase apocalípticas, e não o mataria nos primeiros cinco minutos. Nem mesmo o mais adorável dos clichês apresentaria uma sinopse tão incrível quanto a nossa história. Momentos como esses me fazem questionar se o destino realmente existe. Particularmente, eu sempre acreditei que nós definimos o nosso futuro por meio de nossas escolhas e sempre vi o destino como uma espécie de superstição. Agora, eu estava começando a duvidar das minhas próprias convicções, porque apenas algo tão forte quanto o destino seria capaz de me trazer de volta para o Scorpius. E eu seria eternamente grata por tê-lo ao meu lado novamente, mesmo que fosse durar pouco tempo. 

— Scorpius, você acredita em destino? — perguntei, de repente, com a voz um pouco rouca. 

Ele contraiu os lábios e ergueu as sobrancelhas, como se tivesse sido pego de surpresa. Não era algo que alguém facilmente perguntaria quando havia acabado de acordar. Permaneci fitando-o, a espera de uma resposta e, ao se dar conta de que a minha pergunta precisava ser respondida, Scorpius rapidamente pôs-se a pensar. 

— Sim — ele falou, em um tom de voz levemente duvidoso, mas sem dar quaisquer explicações. 

Definitivamente, eu não esperava por uma resposta positiva. Talvez isso tenha sido revelado pelo meu súbito e rápido arregalar de olhos. Scorpius costumava ser o mais cético e racional entre nós, então era no mínimo cômico que ele acreditasse em destino, e eu não. 

— Por quê? 

— Nossa, você realmente acordou inspirada hoje, Rosie. — Ele riu, divertido, e aproveitei-me da situação para dar um tapa fraco nele. 

— É sério, me responda — pedi, curiosa. 

— O que mais seria capaz de te trazer de volta para mim se não o destino? — ele falou, com total naturalidade. 

Meu coração automaticamente começou a bater mais rápido, porque era esse o efeito que Scorpius tinha sobre mim, mas anteriormente eu insistia em negar. 

— Não sei. Um avião? Albus? — indaguei, em tom brincalhão e sugestivo.

Scorpius gargalhou baixinho e revirou os olhos. 

— Eu nunca vi motivos para vir para a França além do desejo da minha mãe. Eu nunca quis, de fato, me mudar — começou a explicar. — Mas depois que ela se foi, eu também não encontrei motivos para voltar. — Deu de ombros, como se não fosse nada importante. — Eu acho que, no fim, eu fiquei aqui para que esse momento acontecesse. Para que “nós” acontecêssemos. No fim, tudo fez sentido para mim. 

— Então você acha que eu sou o seu destino? — as palavras escaparam dos meus lábios antes mesmo que eu pudesse raciociná-las. — Quero dizer, você não acha que poderíamos estar juntos se você tivesse retornado para a Inglaterra? 

— Eu não sei, Rosie. Eu nunca serei capaz de responder a sua pergunta, mas será que você me enxergaria? — ele perguntou, receoso. — Eu acredito que as coisas seriam diferentes se eu tivesse voltado — explicou, temeroso. — Sim, Rose, eu acredito que você é o meu destino. Na verdade, eu acho que somos o destino um do outro. Não nos reencontramos por acaso, mas sim porque precisava ser assim.  

Foi assim que eu comecei a acreditar em destino, às sete e quarenta e oito de uma manhã parisiense quase congelante, deitada ao lado do homem que eu amava. Sem dizer nada, pensei sobre cada uma das palavras que ele havia dito e engoli seco, lembrando-me de que tudo estava prestes a acabar no dia seguinte. Era como se eu estivesse vivendo em um livro de romance com final trágico. Será que eu não merecia o meu final feliz? Céus, eu não deveria estar pensando sobre isso. Não agora, enquanto ele está deitado na minha frente, falando sobre como estamos destinados um ao outro. Contudo, a preocupação era inevitável e eu sentia o meu coração partir a cada instante em que eu me lembrava que, em breve, tudo entre nós estaria acabado, mesmo que contra a nossa vontade. Afinal, nós dois precisávamos voltar a viver as nossas vidas, como era antes da pandemia. Como deveria ser.

— Scorpius... — o chamei, em um tom de voz baixo e tristonho. — Eu sei que nós dissemos que não falaríamos sobre amanhã, mas... 

— Então não vamos falar, Rose — ele pediu, quase como uma súplica. Pensar naquilo provavelmente me machucava tanto quanto o machucava. — Vamos apenas viver a nossa história. Como você escreveu naquele seu livro mesmo? Algo como: “Finais felizes são apenas um detalhe quando toda a história é feliz.” 

— Céus, você realmente leu os meus livros? — eu quase gritei, surpresa. Mesmo que eu não tivesse duvidado da veracidade de sua informação quando ele havia me revelado já ter lido as minhas obras, eu ainda estava chocada com o fato. — Isso é constrangedor. 

— O que foi? Achou que eu tivesse dito aquilo só para te impressionar? — proferiu, com ironia. — Eu estava falando sério quando eu disse que você é boa. 

— Eu vou sentir a sua falta — falei, de repente, sentindo o meu coração apertar.

— Rose... — Scorpius levou os seus braços em minha direção e puxou-me para perto dele, até que eu me encaixasse em um abraço aconchegante e acolhedor. — Não é justo que eu tenha que te perder de novo. 

— É irônico, não é? — Eu ri, sem humor. — Eu te vi partir, da primeira vez. Agora é você quem vá me ver ir embora. 

— Eu não acho irônico — ele discordou. — Acho cruel, mas não acho que devemos pensar nisso agora. 

— Então quando vamos pensar nisso? — perguntei, em um tom de voz triste. — Amanhã, quando eu estiver com as malas prontas, prestes a ir embora?

— Não, Rose, eu só queria que compartilhássemos um dia bom hoje.

— Mas como eu posso fazer isso sabendo que amanhã eu vou estar em um avião, há milhas de você?

Aquela foi a primeira vez, em anos, que vi Scorpius parecer sem palavras. O clima tenso era evidenciado pelo silêncio, que nenhum de nós ousou quebrar por minutos. Scorpius, então, tocou as minhas mãos, segurando-as cuidadosamente. Automaticamente, voltei o meu olhar para ele novamente. Eu não estava furiosa ou irritada, mas sim preocupada. Era como se um pedacinho do meu coração se quebrasse todas as vezes em que eu me lembrava que eu iria perdê-lo de novo. Não era nem um pouco justo.   

— Desculpe, eu só não queria pensar nisso — confessou, parecendo frustrado. 

— Eu sinto muito. — Mordi o lábio inferior e respirei fundo, com um pouco de receio. — Então vamos tornar esse dia inesquecível, e o futuro a gente deixa nas mãos do destino. 

— Então você acredita em destino? — indagou, parecendo confuso. 

— Agora, eu acredito. 

 Dizem que quando fazemos coisas que gostamos, o tempo passa voando, então talvez seja por isso que aquela manhã e tarde passaram tão rapidamente. Fizemos panquecas para o café da manhã, depois assistimos uma maratona de filmes de Star Wars, até que a noite chegou sem que nem mesmo notássemos. 

Estávamos deitados na cama de Scorpius, enquanto ele me envolvia em seus braços. Definitivamente, seus abraços eram algo do qual eu sentiria falta. Levantei sutilmente a minha cabeça, a fim de observá-lo, como se necessitasse gravar cada detalhe de sua feição, desde os cabelos loiros e bagunçados até a pintinha que possuía em seu nariz. 

— Por que está me olhando assim? — ele perguntou, de repente. 

Inevitavelmente, meus lábios esboçaram um sorriso. 

— Quando você se apaixonou por mim?

— Quando? — ele perguntou retoricamente, pensativo. — Eu diria que aos treze anos. 

— Mas por quê? — indaguei, apreensiva. 

— Porque eu sempre te achei incrível — confessou, sorrindo. — Você não se importa com o que as pessoas dizem, sempre age como você mesma, e é admirável. Não é fácil ser quem você é em um mundo tão perverso, exige coragem, mas você nunca se deixou abalar. Você é muito forte e sempre zela por aqueles que ama — ele continuou. — Se almas gêmeas existem, Rose, então eu tenho certeza de que você é a minha.

Meu coração parou com a última afirmação. Era contraditório e engraçado o fato de Scorpius Malfoy ser uma das pessoas mais céticas que eu conhecia, mas, ainda assim, cogitar acreditar em coisas tão abstratas quanto o destino ou almas gêmeas. Independentemente disso, eu estava gostando de conhecer esse seu lado. Em uma relação séria, eu sempre acreditei que eu seria a parte romântica, mas definitivamente Scorpius parecia me superar, e era surpreendente de um modo bom. 

Lá estava eu, sorrindo feito uma boba apaixonada, sem ter certeza se já amei alguém em toda a minha vida. Eu já tive namorados, dezenas de encontros e até mesmo amizades coloridas, mas nunca uma pessoa me fez sentir como Scorpius me faz. 

O amor é gentil e acolhedor. É ter alguém para dizer que ficará tudo bem, mesmo que tudo pareça em ruínas. É cuidar; proteger e ser amigo. É multiplicar sorrisos; receber abraços inesperados; escutar brincadeiras bobas sorrir sem motivos aparentes. Para mim, o amor era Scorpius Malfoy. Por isso, eu tinha certeza: se almas gêmeas existissem, então Scorpius Malfoy era a minha. 

— Eu te amo — declarei, de repente. 

Um sorriso gentil e contente apareceu em seus lábios, antes de ele depositar um beijo na ponta do meu nariz. 

— Eu também te amo. 

Não dormi bem a noite. Postergar o sono me pareceu uma boa ideia. Talvez, se eu não dormisse, o dia seguinte não chegaria, e eu não teria que ir embora. No fundo, eu estava dividida, porque sentia uma saudade quase dilacerante da minha família, mas não estava preparada para voltar para casa e sentir o mesmo por Scorpius. Doía quase mais do que eu era capaz de suportar. 

As malas já estavam prontas e encará-las me causava embrulho no estômago. Albus me ligou pela manhã, falando sobre o quão empolgado estava para que eu voltasse para casa, mas eu já não estava mais tão animada quanto antes Eu estava vivendo sem metade de mim na França e viveria sem a minha outra metade na Inglaterra. Eu nunca estaria inteira novamente. 

— Já está pronta? — Scorpius perguntou ao aparecer na porta do meu quarto, com uma feição desanimada. 

Suspirei e assenti, com o mesmo desânimo. 

— Você não precisa me levar ao aeroporto. Eu sei que odeia despedidas, não quero ter que te fazer passar por isso. 

— Eu quero ir — ele insistiu. — Eu quero te ver até o último segundo possível, não posso cometer o mesmo erro duas vezes. 

Não o respondi, porque não havia nada a ser dito. As coisas se repetiriam e cada um seguiria o rumo de sua vida, sem se esquecer da nossa história. Na primeira vez em que Scorpius fora embora, ainda que ele não fosse meu namorado, foi difícil. Eu chorei quando soube. Não de raiva, como Albus deduzira na época, mas de decepção e, até mesmo, um pouco de saudade. Eu nunca odiei Scorpius Malfoy e, mesmo que no passado eu fingisse detestá-lo, parte de mim sempre se importou com ele. Agora, eu o amava por inteiro, então provavelmente seria dez vezes mais difícil ter que lidar com o adeus. 

— Eu levo as suas malas. 

Eu ri assim que ouvi aquelas palavras, e o Malfoy me encarou, sem entender. 

— No meu primeiro dia, você nem sequer saiu do carro para me ajudar, agora vai levá-las? — Ergui as sobrancelhas, desafiadora. 

— É porque eu era secretamente apaixonado por você, agora que sou publicamente apaixonado, acho que posso levar as suas malas — ele brincou. 

— Eu nunca achei que você fosse do tipo meloso — comentei, despretensiosa, enquanto caminhávamos até a garagem. 

— E você por acaso ficava pensando nisso? — ele questionou, provocativo. 

— Não! — retruquei, rapidamente, e ele riu, nada convencido. 

— Certo, vou fingir que acredito. 

Eu não o respondi com nada além de um revirar de olhos. 

A estrada até o aeroporto estava calma e quase completamente livre, por isso, não demoramos muito para chegar. O caminho foi silencioso, uma vez que não trocamos nenhuma palavra e tudo o que ouvimos durante todo o trajeto foram as músicas tocadas na rádio.

Meu estômago parecia se revirar cada vez mais enquanto eu observava as horas passarem. Scorpius, em geral, não aparentava estar tenso ou nervoso, mas o seu silêncio provavelmente significava algo. 

— Você tem medo de aviões? — ele me perguntou, e eu ri. 

— Um pouco — respondi, não muito preocupada. 

— Você sempre teve medo de altura, me admira que não esteja apavorada agora — ele falou, entre risos.

— É, também me admira. Agora, eu preciso me livrar dessas malas, será que consegue me ajudar?

— Claro, eu levo.

Scorpius pegou as minhas malas e foi comigo até a área de despacho, onde as deixamos. Era difícil acreditar que eu já estava prestes a ir embora e arrependia-me amargamente de não ter me dado conta dos meus sentimentos antes. Caso contrário, eu teria aproveitado melhor os quarenta dias que passamos juntos e, também, a nossa relação. Contudo, eu fui teimosa demais e, agora, consigo perceber o quanto neguei os meus sentimentos, até que se tornasse insuportável.

Depois de nos livrarmos da mala, sentamos em um dos bancos do aeroporto. Impacientemente, encarei o meu relógio e desejei poder congelar o tempo, ainda que fosse impossível.

— Está ansiosa para ver a sua família? — ele perguntou, sorrindo.

Lembrava-me de Scorpius estar sempre sério e quase inexpressivo, mas, ultimamente, ele andava sorrindo bastante. Era algo muito bom de se ver, pois mantinha o meu coração aquecido.

— Sim — respondi, ao mesmo tempo em que concordava com um movimento de cabeça. — Mas eu vou sentir a sua falta.

— Eu sei — ele respondeu, convencido.

Eu ri e dei um tapinha fraco no braço dele.

— Se você acredita em destino, então por que ele está fazendo isso conosco? — perguntei, repentinamente.

Ele ficou quieto por alguns segundos, parecendo ponderar sobre minhas palavras.

— Ele já foi generoso demais nos dando uma segunda chance, mesmo sem eu ter me despedido da última vez. O que mais eu poderia pedir, Rose? — proferiu, como se já tivesse se conformado. — Eu sou feliz por ter passado esses quarenta dias com você.

— Scorpius — o chamei, um pouco envergonhada, embora soubesse que ele estava prestando atenção em mim. — Por que você não me pede para ficar? — pedi, quase implorando.

Scorpius respirou profundamente e passou uma das mãos pelos fios de cabelo loiros e consideravelmente longos.

— Eu não poderia, seria egoísta demais da minha parte, mesmo que eu preferisse você aqui. — Seus lábios se movimentaram até exibirem um sorriso fraco e sem ânimo. — Eu não posso tomar as suas decisões por você. Acima de tudo, eu quero que você seja feliz, é o que mais importa.

— Isso é tão injusto — desabafei, já sentindo um nó se formar na minha garganta.

— Ei, está tudo bem. — Scorpius falou e, em seguida, se aproximou de mim, envolvendo-me com um de seus braços. — Você vai reencontrar a sua família e vai ficar feliz, nem mesmo vai ter tempo para se lembrar de mim — ele brincou, tentando quebrar o clima, mas eu não ri.

— Isso não tem a menor graça — proferi, chateada.

“Chamada para embarque do vôo AR 2234.”

— Acho que é o seu vôo — Scorpius falou, sem ânimo algum.

— É... — suspirei, angustiada.

— Eu acho melhor você ir, não queremos que corra o risco de se atrasar.

— Eu não quero ir — falei, feito uma criança birrenta.

Ele riu.

— Eu tenho algo para você. — Scorpius vasculhou um dos bolsos internos de seu casaco, de onde retirou um envelope de papel, que estendeu na minha direção. — Você só pode ler isso depois que o avião decolar.

Sem pensar duas vezes, eu peguei o envelope e o encarei, a procura de alguma pista do que seria.

— Isso não é justo — retruquei, indignada.

— A vida não é justa — ele rebateu, em um tom de voz cômico. — Agora, acho que você precisa ir.

— É... — concordei, mesmo contra a minha vontade.

Em um ato de desespero, aproximei-me de Scorpius e envolvi-o em meus braços, em um abraço apertado, tendo em mente que talvez eu nunca mais tivesse essa oportunidade novamente. Meu coração apertou quando eu pensei nisso, pois não conseguia sequer imaginar uma vida sem tê-lo ao meu lado.

Scorpius entrou na minha vida quieto e sorrateiro, aos quatro anos de idade, tornou-se um bom amigo até os treze, meu maior inimigo a partir dos catorze e meu grande amor aos vinte e sete anos.  

Eu não queria me afastar dele, mas, tendo isso em mente, Scorpius deu um passo para trás, desvencilhando-se do meu abraço.

— É sério, você não pode se atrasar — ele disse, preocupado.

Eu assenti.

— Se lembrar de mim, mande uma mensagem quando chegar. Não me faça ter notícias suas pelo seu primo — ele proferiu, em tom de brincadeira.

— Não é como se eu fosse esquecer de você quando cruzar as fronteiras — respondi, no mesmo tom zombeteiro.

— Como eu posso saber? — ele perguntou, falsamente desconfiado. — Faça uma boa viagem, Rose.

— Obrigada — eu forcei um sorriso.

Em passos lentos, afastei-me de Scorpius. Segundo a minha inexperiência no amor e vasta experiência nos livros, o amor deve ser gentil, puro e verdadeiro, e essa era a personificação de cada uma das coisas que eu via nos olhos de Scorpius Malfoy, enquanto ele me observava partir para o embarque, com o coração partido. Eu não queria deixa-lo para trás, não era justo com ele, e nem comigo. Antes que eu pudesse de fato entrar na zona de embarque, dei meia-volta e o chamei.

— Scorpius. — Ele não havia tirado os olhos de mim nem mesmo por um único segundo, mas decidi chamar a atenção. — Se almas gêmeas existem, então você é a minha.

Aquela foi a última coisa que eu disse antes de embarcar e, como resposta, tenho certeza de que recebi um sorriso.

Não demorou muito para que eu adentrasse o avião, contudo, ainda faltava meia hora para a decolagem. Troquei algumas mensagens com o meu primo durante esse tempo, mas nada me fazia tirar Scorpius da minha cabeça. Eu nem sequer havia decolado ainda e só conseguia pensar nele. Angustiada e tomada por uma curiosidade arrebatadora, peguei a carta que ele havia me entregado antes de eu embarcar. Ponderei por um instante, decidindo se eu iria ou não abrir aquele envelope. Depois de uma longa batalha interna contra os meus princípios, decidi abrir e ler o conteúdo que estava dentro.

“Querida Rose,

 

Lembro de quando tínhamos catorze anos, e você disse para Albus que um dos seus maiores desejos de amor era receber uma carta, mas não qualquer uma. Você queria uma carta escrita à mão; como nos velhos tempo; como em “Orgulho e Preconceito”. Não sou perito em escrever cartas, tampouco em expressar meus sentimentos, mas espero, ao menos, conceder o seu desejo.

Poder passar esses quarenta dias ao seu lado foi o maior privilégio que eu recebi nesses últimos anos. Saiba, Rose, que tê-la ao meu lado foi uma das melhores coisas que já aconteceu em toda a minha vida. Por muito tempo, vi-me desamparado e perdido em meio a uma escuridão que parecia infinita, mas você foi a luz capaz de me guiar; a estrela mais brilhante do meu céu noturno.

Passei anos da minha vida acreditando ser uma pessoa cética, mas apenas você foi capaz de me fazer acreditar em baboseiras como o destino ou almas gêmeas. O meu destino, Rose, é você, seja lá onde você estiver.

Eu te conheci aos quatro anos, me apaixonei aos treze, como um adolescente bobo, fingi te odiar a partir dos catorze e tomei coragem para te contar sobre os meus sentimentos aos vinte e sete. Eu não sou patético? Por favor, não responda, porque tenho total convicção de que sua resposta seria “sim”.

Eu continuei te amando, mesmo quando fui embora, e continuarei amando-a, mesmo quando você partir. Sinto muito por não ser capaz de te fazer viver um dos seus clichês favoritos, eu queria que a vida real fosse tão fácil quanto os livros e filmes.

Continuarei aqui por você sempre que precisar, seja como o seu maior inimigo, o seu melhor amigo ou o seu amor. Desejo que tenha uma vida muito feliz, Rose, mas, do fundo do coração, só espero que não me esqueça, de todas as dores que já enfrentei na vida, acho que essa seria a única que eu não iria suportar.

Não existem palavras que expressem a minha gratidão. Eu serei eternamente feliz por te amar e por ter sido amado por você.

Agora, eu vou responder a pergunta que você me fez quando tínhamos apenas onze anos: “Qual é a sua pessoa favorita no mundo?”

Naquela época, eu não soube responder, mas hoje, a resposta é nítida: a minha pessoa favorita sempre foi e sempre será você.

Com amor,

Scorpius.”

Ao ler aquela carta, lembrei-me da lista de desejos que fiz aos catorze anos, sobre metas românticas que eu pretendia cumprir.

 

Cometer uma loucura por amor;

Amar alguém com todo o meu ser;

Receber uma carta de amor escrita à mão;

 

Eu nunca cometi uma loucura por amor. Esse provavelmente era o único item da minha antiga lista que ainda não havia cumprido. De fato, eu acho que nunca amei alguém de verdade até reconhecer os meus sentimentos por Scorpius. Ler aquela carta fez o meu coração acelerar, ao mesmo tempo em que lágrimas inundavam os meus olhos. Eu não sabia exatamente o que estava sentido, mas a única certeza que eu tinha era que eu precisava sair daquele avião. Pareceu-me um momento bastante propício para realizar o primeiro desejo da minha lista.  

Nem sequer pensei ao levantar do meu assento e correr para fora da aeronave, de volta ao aeroporto. Continuei o mais rápido que pude, até finalmente desembarcar. Com os olhos atentos, vasculhei todo o aeroporto com os olhos, procurando-o nos arredores, mesmo sem qualquer esperança de que Scorpius ainda estivesse lá.

Caminhei sem rumo em meio aos desconhecidos, até avistá-lo prestes a ir embora. Corri o mais rápido que pude, até conseguir segurá-lo por uma de suas mãos. Scorpius virou-se em minha direção e pareceu sem reação por alguns segundos, como se estivesse processando o que estava acontecendo. Eu queria dar-lhe explicações, mas, a princípio, estava ofegante demais para dizer qualquer coisa.

— Rose, você vai perder o voo! — ele falou, em um misto de preocupação e irritação.

— Eu não vou — falei, entrecortada pela minha respiração afobada.

— Sim, você vai perder se não voltar para aquele avião — disse, bravo.

— Não é isso. — Movi a minha cabeça de um lado para o outro. — Eu não vou voltar para Inglaterra.

— O que? — ele perguntou, completamente confuso. — Você não vai voltar para casa?

 — O meu lar é onde você estiver, Scorpius — falei, com um sorriso nos lábios. — Eu já estou em casa.

Ele sorriu, singelo e envolveu-me em seus braços, aproximando-me de seu corpo em um abraço carinhoso.

— Eu te amo, Rose Weasley — ele falou e, embora eu não pudesse vê-lo, eu tinha plena certeza de que estava sorrindo. — O que te fez mudar de ideia?

— Não fique bravo comigo, mas eu li a sua carta — admiti, preparada para o sermão que ele provavelmente me daria.

— Você é muito bisbilhoteira mesmo — disse, em tom divertido. — Mas você tem certeza? Eu não quero que se arrependa.

— Scorpius Malfoy, eu quero passar o resto da minha vida ao seu lado e tenho plena certeza disso. Será que pode acreditar em mim? — perguntei, completamente convicta das minhas palavras.

Scorpius deu uma passo para trás, desfazendo o abraço apenas para me olhar, como se quisesse averiguar a veracidade das minhas palavras. Inevitavelmente, eu sorri.

— Isso foi um pedido de casamento? — perguntou, risonho.

— Entenda como quiser — falei, misteriosa. — Eu te amo, Scorpius e só serei feliz se tiver você ao meu lado.

— Rose Weasley, você não faz ideia do quanto me fez esperar — ele falou, sorrindo. — Bem, acho que precisamos pegar as suas malas de volta então.

Ergui o meu pulso, a fim de ver a hora no meu relógio e bufei, levemente irritada.

 — É, acho que não vamos conseguir hoje. O avião já decolou. — Revirei os olhos, indignada.

— O quão azarada você se considera em uma escala de zero a dez? — Scorpius perguntou, fingindo preocupação.

— Não sei... — Fingi estar pensativa, levando o meu indicador até o queixo. — Acho que onze.

Nós dois rimos da situação.

— Vamos para casa? — Scorpius proferiu, e eu sorri em concordância.

Pela primeira vez em muito tempo, senti-me pertencente a algum lugar. Senti-me em casa.

Quando eu viajei para a França, eu quis realizar um sonho: conhecer o mundo. Em menos de uma semana, considerei-me a pessoa mais azarada de todo o planeta por ter que enfrentar uma pandemia em outro país, longe de casa, ao lado do meu maior inimigo. Por um bom tempo, acreditei que o universo estava zombando de mim, fazendo-me pagar por todos os meus pecados. No entanto, talvez a minha viagem não tivesse perdido o seu ponto. Afinal, eu havia conhecido o mundo. O meu mundo.

Em quarenta dias, eu vivi com o meu ex-amigo de infância; maior inimigo; melhor amigo e encontrei a minha alma gêmea. Nem mesmo o melhor dos clichês seria capaz de contar essa história.


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