All you left behind escrita por Fanfictioner


Capítulo 1
Nada mais importa


Notas iniciais do capítulo

Uma pequena death fic (porque se escrevesse mais, seria tortura), para pensar um pouco nos sentimentos de perda e luto com aquelas que sofrem do começo ao fim: as mães. Daqui uma semana faz um ano que disse adeus ao meu vozinho, e tenho estado reflexiva.

Fica também como uma fic de homenagem a qualquer um que precisou se despedir de alguém, recentemente ou há muito tempo. O amor continua além da perda, e o vazio se preenche com as memórias boas.

Boa leitura



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ASTORIA

 

Parecia ser mentira. 

Astoria queria que fosse mentira. Queria como nunca tinha querido mais nada na vida. Mas o celular sobre a mesa da cozinha - bem ali ao lado dela -, parcialmente destruído, não a deixava esquecer por um segundo que era extremamente verdade.

Nem todas as ligações que ela estava ignorando, nem a passagem vagarosamente rápida da hora. Porque era exatamente esse o paradoxo que sentia. Queria que tudo acabasse rápido, e queria que durasse para sempre, porque uma vez que tivesse acontecido, então restaria o nada.

Draco entrou, vindo da garagem, silencioso como nunca fora, e o cabelo louro parecia destituído de ânimo, escorrido e pálido. Escorrido e pálido como as lágrimas que ela sentia que não paravam há horas. Astoria não queria ir, mas tudo a lembrava que precisava. A roupa arrumada e escura do marido, que voltara para buscá-la, seu vestido preto como o cabelo, as flores que, com certeza, estavam no banco de trás do carro.

Ocupando o lugar que era dele e, num instante, deixara de ser.

Sentia que flutuava, porque não achava que estava viva. Definitivamente não podia estar. Não sentia fome, nem sede, nem nada além de um vazio que chegava a sufocar. Um vazio que jamais tinha experimentado, e ela nunca imaginara que o vazio pudesse doer tanto.

Órfão designava quem perdera os pais. Viúvo e viúva, quem perdera o conjuge. 

Mas que nome se dava a quem perdia o coração fora do peito? Nem existia uma palavra, porque a dor era intransponível, e inexpressável. Astoria queria que fosse mentira, mas ela estava indo rumo a um cemitério, havia um caixão prestes a sair de uma igreja, e seu único filho estava dentro dele. 

Fazia menos de doze horas que ela deixara de ser mãe, e nada mais fazia sentido.

 

HERMIONE

 

Hermione era juíza.

Sabia inúmeras leis e códigos jurídicos de cabeça, sabia dar sentenças duras com palavras leves, sabia ser rígida com quem desrespeitava a lei, e já tinha condenado inúmeros réus por homicídio - doloso e culposo.

Mas, naquele momento, ela entendia que o que fazia era garantir a justiça, nunca cessar a dor. Porque um irresponsável e homicida tinha matado sua filha em um acidente de carro, e Hermione não conseguia acreditar que o que ele sofreria seria um julgamento e a prisão.

Uma prisão em troca de uma vida.

De várias vidas, porque Hermione se sentia morta. Rose, sua Rose. Seu primeiro amor, sua primeira experiência maternal. Os lindos cachinhos ruivos e volumosos, e os olhos que brilhavam inteligência e doçura desde pequena. Sua Rose que acabara de passar na faculdade. Sua Rose que tinha acabado de ter o primeiro namorado.

Era como se houvesse um abismo em sua frente. 

De repente, não havia mais chão, não havia nada.

Todas aquelas pessoas em seu entorno, todas elas, familiares, amigos, conhecidos. Amigos da filha. Nenhum deles seria capaz de conceber o que ela sentia. Perder uma filha e um sobrinho, era devastador. Era como derrubar uma bomba no deserto e tentar enxergar em meio a poeira.

A seu lado, Ron se sacudia, chorando. Draco, ali junto, abraçava a esposa, que chorava ruidosamente pela perda do filho, o motorista e primeiro a falecer. O primeiro namorado de Rose. Ginny chorava silenciosa, e Harry apertava os olhos. Hermione não conseguia chorar.

Sentia o nada, sentia a compressão aterradora, sentia seus órgãos caindo no vazio que ficara dentro dela e, no entanto, não conseguia chorar.

Quando cobriram o chão com terra, Hermione sentiu necessidade de gritar, e como em uma sincronia, Ron o fez, caindo de joelhos no chão. Ela desejou poder chorar como a cunhada, o cunhado, o marido… mas ela simplesmente não era capaz.

Sua menina tinha ido embora, e apesar de Hugo ainda estar ali, metade de Hermione tinha ficado embaixo da terra, com a filha. Metade de sua maternidade tinha ido embora e nada mais fazia sentido, nem mesmo chorar.

 

GINNY

 

Ninguém prepara uma mãe para enterrar seu filho, porque é anti-natural. 

Os mais velhos vão primeiro, essa é a lei da vida. Era só nisso que Ginny pensava na silenciosa e deprimente volta para casa, após o funeral de Albus. O vazio que tinha ficado no peito de Ginny era o mesmo que o lugar do meio do banco do carro, e ela sabia que toda a família sentia o mesmo.

Astoria só tinha Scorpius. Hermione tinha Hugo e Rose. Ginny tinha James, e Albus, e Lily. E mesmo assim, ela tinha certeza de que nenhuma das três sentia mais ou menos. Estava doendo o mesmo tanto, porque as três tinham acabado de enterrar as partes mais preciosas delas. O melhor de si que já tinha existido.

E, de repente, não existia mais.

Não havia mais piadas irônicas, nem comentários sobre astrologia, nem soquinhos no banco de trás. Não havia os carinhosos olhos verdes, iguais aos de Harry, sorrindo para a mãe ao ajudar na cozinha, e não havia mais quem levasse Lily Luna para ensaios de ballet. Albus Severus simplesmente não havia mais, e por mais que Ginny tivesse um mais velho, e uma mais nova, o buraco que Albus deixava era exatamente aquele: um vazio gigantesco, bem no meio.

No meio da família, no meio dos irmãos, no meio dela.

Ginny, assim como sua mãe, continuaria a ser mãe para além do luto, mas perder um dos filhos era tão cruel e devastador como perder todos. Ginny ainda era mãe, e precisava estar ali para seus filhos, mesmo que tivesse acabado de enterrar um, e nada mais fazia sentido.


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