Eu sou a Protagonista escrita por Vatrushka


Capítulo 3
Estrelas




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Nós cumprimentamos Astronauta e Xabéu, que não coincidentemente também estavam no comando do Chronos.

Astronauta estava com sua máscara rígida e indiferente de sempre, como se ninguém sacasse seu esforço sobre-humano pra não parecer vulnerável.

Se as pessoas soubessem o quão facilmente são lidas, não fariam tanto esforço para fingir serem o que não são.

E Xabéu continuava simpática e linda como sempre. Me abraçou, falou como eu tinha crescido, o quanto sentia a minha falta.

Ela sempre gostou muito de mim, por ser a menina-que-meu-irmãozinho-sempre-gostou. Uma pena que eu a tenha desapontado. Mas eu gosto dela. Seria uma boa cunhada.

Como Dorinha e eu éramos as duas únicas estudantes de Jornalismo daquela atividade de extensão, nos ocupamos mais gravando cada palavra da longa explicação de Astronauta sobre Chronos — uma eterna e entediante encheção de linguiça — do que fofocando com Xabéu.

Ao final do dia, estávamos com os neurônios fritos. Mas ainda sim, não estava morta: era inevitável que eu não reparasse os constantes olhares de Xabéu em direção ao Astronauta.

500 anos se passaram e eles ainda não se resolveram? Pensei comigo mesma. Credo. Parecem o Cebola e a Mônica. Parece que todos nós estamos presos nesse looping infinito de dor e sofrimento.

"Mas Denise, o Astronauta não tinha uma namorada?" Olha, reza a lenda que sim, viu? Porém, muito prazer. Nunca vi a figura, acho que é um negócio meio lenda urbana mesmo.

— Dorinha. — Chamei minha amiga, quando estávamos a caminho de nosso quarto depois de um dia cheio de trabalho.

— Oh-oh. — Ela sorriu. — Você só me chama de Dorinha quando quer pedir um favor.

— Não é um favor... É um convite, apenas isso.

Ela ergueu a sobrancelha, me convidando a continuar.

— O que acha de uma operação cupido?

Dora riu alto. — E quer a minha ajuda? Não é melhor o Ângelo?

Bufei. — Qualquer um menos ele. Ele é péssimo pra essas coisas.

Dora suspirou. — Normalmente eu sairia fora, mas... Confesso que senti um climão considerável entre os dois. — Admitiu, franzindo o cenho. — Mas o Astronauta não tem uma namorada?

— Não conheço. Você conhece?

Ela negou com a cabeça.

— Então ela deve ter sido uma invenção resultada de uma histeria coletiva, mesmo. Segue o jogo.

Dora riu. Eu fiquei animada: — É a nossa maior contribuição pro mundo, se todos os nossos esforços pra ter sucesso no trabalho derem errado!

Dora sorriu. — Quem te vê de longe nem acredita o quão pessimista você é. — Ela debochou de mim. — E o que te faz pensar que o nosso trabalho daria errado?

Suspirei. — É sempre a mesma coisa, Dora. Já te contei a minha teoria.

— E é só o que ela é. Uma teoria. — Reforçou Dora.

Cruzei os braços. — Com evidências consideráveis, ao longo de toda a nossa vida.

— Da sua vida. — Corrigiu Dora. — Essa noia aí é sua.

— Não pula do barco agora! — Me indignei. — Você sempre reclamou de ser uma personagem terciária...!

— Sempre reclamei de ser excluída. É bem diferente. — Ela se defendeu. — Nunca me senti uma personagem terciária, porque também nunca me considerei só isso.

Aquilo me acertou como uma bofetada na cara. Justo. — Pisa menos, miga.

Ela riu. — Talvez a sua vida mude pra você a partir do momento que você mudar em relação a ela.

Bufei. — Que papo gratiluz, Dora.

Minha amiga deu de ombros. — Acho que o universo tem mais o que fazer do que ficar tentando te ferrar o tempo todo.

Suspirei. — Ok, ok... Acho que faz sentido.

Dora e eu nos aproximamos mais na faculdade, quando optamos pelo mesmo curso e viramos colegas de sala. A início foram os perrengues das aulas que nos aproximaram — mas eventualmente nossos dramas parecidos nos tornaram cúmplices de confissões nas piores crises existenciais.

Ironicamente, a minha melhor amizade veio justamente da pessoa mais improvável de todas. Afinal, sempre tentei me enturmar com as pessoas mais populares e relevantes. Antes, não teria lhe dado a devida atenção — como de fato não dei por muito tempo.

Um lógica perversa, parando pra pensar. Reclamava do que faziam comigo, mas ajudava a reforçar a ideia de “importância” de algumas pessoas sobre as outras de alguma forma.

Mas não mais. A Denise puxa-saco está morta e enterrada, que nem a velha Taylor Swift.

 

 

Para variar, eu não conseguia dormir.

Isso que dá tomar café demais.

Me levantei, me vesti e saí silenciosamente do quarto. Não sabia exatamente o que eu arrumar pra fazer, mas qualquer coisa me parecia melhor do que ficar encarando o teto da beliche.

A vista do espaço era definitivamente mais bonita. Podia encará-la da grande janela do centro da base pelo resto da noite. “Noite” dentro do Chronos era uma imposição arbitrária para seguir os horários da Terra, já que não necessariamente víamos o Sol nascer ou se pôr.

Me sentei em uma das cadeiras da cantina, satisfeita por só admirar o infinito na minha frente. Respirei. Um momento de paz invejável, um silêncio reconfortante.

O que obviamente não duraria muito tempo.

— Bonito, né? — Uma pessoa puxou assunto, sentando-se do meu lado. — Nunca me canso de ver.

Ergui a sobrancelha em um espanto silencioso ao ver que de todas as pessoas com as quais eu poderia me esbarrar ali, estava Carmem.

Não quis perder tempo com cumprimentos. Os “ois” e “como está vocês” me pareceram desnecessários pro contexto. Ela parecia achar o mesmo.

— Aninha comentou comigo que estava estagiando aqui. — Me limitei a dizer.

— Sim. — Ela admitiu, puxando o cabelo para trás. Me surpreendi por ela não estar usando nenhuma de suas máscaras de beleza. — Toda base é obrigada a oferecer tratamento odontológico para seus tripulantes. E cá estou.

Sim, isso mesmo que vocês ouviram. Carmem cumpriu o seu destino de loira odonto, em toda a sua glória e alegoria. Terrivelmente previsível, como tudo nessa merda.

Me limitei a assentir. Em tempos mais antigos eu me debruçaria sobre ela exigindo todas as novidades, mas agora eu só estava cansada. E honestamente? O que ela fazia ou deixava de fazer não me interessava mais.

— Será que em algum momento nós fomos realmente amigas? — As palavras pularam da minha boca antes que eu pudesse avalia-las. Não é como se eu tivesse alguma coisa a perder ali, de qualquer forma.

Ela não respondeu, apenas encarando o nada. Honestamente, eu nem sei porque aquilo ainda me doía.

Acordei, com uma sensação esquisita no peito. Óbvio que foi um sonho, pensei comigo mesma. Carmem nunca admiraria as estrelas.


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