Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 5
Capítulo 04




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Uma Estranha no Ninho

 

Voltamos para o castelo assim que a lua assumiu seu lugar no céu. Meu coração palpitava feliz, Nicholas havia arrancado algumas risadas de mim e me mostrado duas conchinhas coloridas, uma branca e uma verde, que ele fez questão de guardar alegando que faria uma surpresa para mim.

Assim que entro em sua casa, sou escoltada por duas empregadas, que me levaram às pressas para o meu quarto. O cômodo é claro, com uma grande cama com um dossel florido, uma penteadeira e várias outras futilidades da realeza.

Fui rapidamente levada pela rotina real, sendo banhada em uma água que fedia a lavanda, seca por duas toalhas macias, meus cabelos foram penteados por uma das moças, que logo descobri que seriam minhas damas de companhia. Fui vestida em algo que presumo que seja um vestido, mas era muito tecido para uma peça de roupa que deveria ser tão simples.

Demorou muito para que minhas três damas de companhia me deixassem sozinhas no quarto, com enjoo por conta do perfume doce e tonta por conta do penteado apertado que mais parecia sugar o meu cérebro. Me olhos no espelho, parecia um bolo de casamento.

— Isso já é demais… — Suspiro arrancando os grampos que prendiam o meu cabelo.

Volto para o banheiro e lavo meu rosto com água, tirando toda a maquiagem brilhosa que passaram. De volta ao quarto, meus dedos tocam o corpete e seu tecido macio, desfazendo-se com certa dificuldade das fitas que o prendiam ao meu corpo. Finalmente estava livre para me movimentar sem sentir minhas costelas serem esmagadas pelo osso de baleia que era usado para sustentar a postura exigida para quem usasse o corpete.

Pego de minha pequena mala um vestido branco e comprido que havia separado. Era a coisa mais chique que tinha, pois era a roupa usada em eventos especiais em Elfdale. Ia até o chão, formando uma pequena cauda, sua manga era em formato de sino, cobrindo minha mão fina.

Uma fita prata e cintilante rodeia a minha cintura duas vezes, sendo amarrada na parte de trás, deixando o resto de seu comprimento cair pela cauda do vestido. Pego algumas de minhas jóias, uma tiara de prata fina com algumas pedrinhas de brilhante, que era colocada na minha testa e sumia em minhas madeixas.

Eu estava pronta.

Saio do quarto quando escuto o badalar do relógio, avisando que eram, exatamente, oito da noite. Me perco pelos corredores algumas vezes, até chegar à sala, onde Evangeline, Nicholas e Dominic me esperavam. A rainha estava mais bela do que no momento em que a vi, usando um vestido vermelho, elegante e sóbrio, com sua coroa dourada e elegante.

Seus filhos pareciam reis, com ternos de alfaiataria, Domininc com um preto, sério e quieto, enquanto Nicholas usava um azul-claro.

— Vejo que não gostou do vestido que mandei…

— Desculpe-me por não usá-los, mas não estou acostumada com… — “A sensação de me sentir uma mistura de vômito de unicórnio com chiffon”, pensei — Hum, roupas tão elegantes.

A rainha sorri, erguendo sua mão em minha direção.

— É um belo vestido — Falou, quando toquei a pele suave de sua palma.

— Eu que fiz…

— Impressionante — Nicholas exclamou, aproximando-se de mim com um copo de líquido vermelho que presumi que fosse vinho, uma bebida humana.

— Não é nada demais. Apenas um tecido e alguns dias costurando — Explico, curvando-me. Nicholas merecia minha educação.

— Sente ao meu lado no jantar, Kyanite, por favor. Cada vez mais estou fascinado por vocês, elfos…

— Nick, ela é nossa convidada e não seu objeto de estudo — Reprimiu a rainha, encarando-o com o olhar.

— Perdoe-me — Ele disse, curvando-se — A curiosidade costuma tomar o melhor de mim.

— Não tem problema, rainha Evangeline — Minha voz sai doce e me assusta, estava sendo tão delicada que poderia confundir todos os elfos de Elfdale — Eu aceito o convite, Nicholas.

— Está vendo, mãe? Ela não é chata que nem o Dominic.

Escuto o irmão mais velho grunhir, com seu olhar fixado em mim.

— Devemos ir — Sua voz é rouca e séria, como se ele nunca tivesse sido feliz na vida — Ou querem deixar a nossa comida esfriar?

Assinto, seguindo o príncipe mais novo até a próxima sala, que é ainda mais ornamentada do que o castelo. Cheia de velas e um lustre brilhoso no teto, a mesa estava cheia de comida e os pratos pareciam ser feitos de prata. Havia mais talheres do que estava acostumada a usar, ou melhor dizendo, para alguém que se alimenta usando uma cumbuca e uma colher, quatro garfos e quatro facas pareciam um exagero. Sem contar com os três tipos de taças que estavam na mesa, uma delas com água.

— Ah… — Arfei, maravilhada com tanta prataria, quadros, velas e castiçais.

— Está tudo bem, Kyanite? — Nicholas perguntou, apontando para uma cadeira ao seu lado, que ele havia mexido para que eu pudesse sentar.

— Eu não tenho palavras para descrever o que estou sentindo — Sussurrei, sentando-me na cadeira macia e quente — É muito brilho para quem está acostumada com neve.

— Imagino que esteja achando tudo isso um exagero. Fútil?

— Não, na verdade é muito bonito…

— Uh, dessa vez você me surpreendeu — Ele sorri, parecia o sol me dando bom dia.

As comidas foram sendo servidas aos poucos. Primeiro uma salada, com cores diferentes de alface, perfeitamente temperada com um molho ácido e saboroso e com pedaços de queijo e pãezinhos crocantes.

Depois veio tiras de carne de veado com um molho escuro, que recusei, apesar de meu estômago reclamar. Era errado comer carne animal como os humanos comem. Troquei pelo macarrão vermelho com cogumelos comumente chamados de flyters, que tem um gosto mais parecido com abobrinha. Me servi, logo em seguida, com um amontoado de massa e queijo, Nicholas disse que se chamava lasanha e estava divina.

Por último a sobremesa, três, para falar a verdade. Uma espécie de espuma de chocolate, servida em um copinho, um doce de morando com uma base de biscoito e um bolo gelado. Comi mais do que deveria e, no final da refeição, o príncipe mais novo ofereceu uma caminhada pelo castelo.

— Não sabia que estava faminta — Mencionou, oferecendo meu braço para que andemos juntos, observando a orla e o mar.

— Nunca havia provado esse tipo de comida — Expliquei, envergonhada — Em Elfdale, comemos muito peixe, salmão na maioria do tempo, com muita salada e nozes. Não comemos muita carne animal… Só quando ocorre o degelo.

— Dois meses por anos — Afirmou, feliz.

— Exatamente — Digo, observando a lua brilhar na água — Comemos muito pão e queijo, mas nada parecido com o banquete que comi hoje.

— Sobremesas? Nada?

— Geleias… Fazemos mel de algumas seivas de árvores — Minha voz é quase infantil, lembrando de uma vez que eu e meu pai tentamos fazer mel com uma seiva doce que encontramos e o resultado final mais parecia fezes de cervo, uma desgraça total — Temos um creme de avelã delicioso também…

— Vocês… hum, realmente vivem conectados com a natureza, não é?

Assenti, sentindo ele parar de andar.

— É bom conhecer alguém que vive longe dos excessos da realeza — Falou, apoiando-se em um poste de luz — Me diz, como é em Elfdale?

— Frio, muito frio… — Minha voz é serena, parecia conversar com Novak ou com… meu pai — Salgamos ou congelamos salmões para durar o inverno e quando é tempo do degelo, caçamos alguns animais. Cervos, na maioria das vezes, porque conseguimos tirar mais carne deles para dividir com a aldeia. A época de caça é divertida, os melhores arqueiros vão para a floresta e dividimos tudo entre nós e glorificamos e agradecemos a terra por nos providenciar tanta comida — Explico, observando as feições de Nicholas, ele parecia entusiasmado, me ouvindo com um largo sorriso no rosto — É nesse período que começamos a fazer as compotas e geleias, para durar os próximos meses. A aldeia toda é mobilizada porque é um evento divertido… Fazemos com os pés, sabia?

— Fazem o que? — Perguntou, desconfiado, arqueando a sobrancelha.

— Pisamos nas frutinhas — Sorrio, meu pai amava as geleias mas odiava o processo — É uma espécie de tradição, eu acho… Não me lembro de um degelo que não fizemos isso…

Noto uma certa estranheza em seu olhar.

— Não se preocupe, limpamos muito bem os pés antes disso — Afirmei, balançando a cabeça — Somos higiênicos.

— Eu não duvido disso — Brincou — Elfos não podem mentir.

Fecho os olhos e um sorriso tímido ocupa os meus lábios.

— É bom vê-la sorrindo — Falou, voltando seu olhar para o horizonte — Não costumo ver muito disso aqui e… Ah! Olhe! 

Rapidamente me movo para onde ele estava, apoiando-me na grade. Meus olhos captam um fenômeno único e de beleza extraordinária, eram as sereias. Seus corpos meio humanos e meio peixes pulavam pelas ondas e suas escamas brilhavam, refletindo a luz branca da lua. Pareciam felizes, aproveitando a brisa fresca e gentil da noite enquanto nadavam e respiravam um pouco do ar puro da praia.

Todas elas pareciam um borrão de alegria, suas caudas eram um espectro de cores, variando do azul mais escuro e misterioso até o verde-água mais claro e doce. De onde eu estava, na saca ao lado oeste do castelo, podia observá-las com perfeição, como se estivesse assistindo a um festival dançante. As escamas eram redondas, cintilantes como pérolas e no mundo humano valiam muito. Sabia como devia ser para elas, sou uma criatura observada e estudada pelos homens, sendo eles súditos da Alta Corte ou da própria realeza.

Por mais que Elvenore seja cheia de outros seres, como magos, bruxas e anões, os homens e mulheres mundanos tomaram conta da terra a muitos anos atrás, se denominando reis e rainhas. Pessoas como Evangeline e Evander governavam grande parte do meu mundo, principalmente as aldeias dos súditos e as Baixas Cortes, era parecido com uma acordo de paz, servimos ao rei e a rainha quando precisavam, pois fazíamos parte de seu domínio, apesar de não seguir todas as suas regras e tradições. Outras criaturas seguiam a norma, servir quando requisitados, pois uma guerra contra os humanos seria uma loucura, já que possuíam um exército treinado e uma grande população.

Meu pai, assim como outros arqueiros de Elfdale, serviam o rei Evander quando ele precisava de ajuda com os Drows do norte, piratas de sangue élfico sem o menor pingo de honra. Foi em uma dessas investidas contra os piratas que meu pai foi morto, assassinado em nome de um rei que não deveria estar no trono.

Meu coração batia melancólico, como que a qualquer momento eu pudesse me acabar em lágrimas. Seguia com o olhar os pulos que as sereias davam para tentar afastar a tristeza, não podia chorar, pelo menos não ali, ao lado de Nicholas. Seu pai, ganancioso e sedento por sangue e mais terras, foi o culpado pela morte de Draiko e isso eu jamais seria capaz de perdoar. Seu domínio real ia desde de Elfdale até as terras mais ao leste de Elvenore, uma faixa de terra tão grande que era mais do que a metade do mundo, mas nada disso era o suficiente para Evander, ele sempre queria mais.

As sereias emergiam e submergiam com tanta delicadeza que mais pareciam golfinhos e eu, por uma fração de segundo, quis estar com elas, ali, livre, capaz de escolher o meu próprio destino. Queria poder mergulhar e desaparecer, deixar tudo isso para trás. Queria viver com a natureza, enfiada no meio da neve espessa de Elfdale, entre os elfos e nossas comemorações e tradições. Queria ser livre para escolher o que fazer.

Livre… Essa palavra estava tão longe de mim que fez meu corpo estremecer. Minha morada agora era o palácio luxuoso da Alta Corte Real, eu fazia parte do mesmo ciclo social de Domininic e Nicholas. Era estranho pensar que um elfo poderia viver assim, no meio de tanta comida, um exagero de decoração e tanto dinheiro gasto com futilidades. Imagino que o perfume, com o qual as minhas damas de companhia praticamente me embalsamaram, tenha sido caro, provavelmente conseguiria comprar pontas de flechas de prata com esse dinheiro. O banquete em me enfartei nesta noite alimentaria minha aldeia por no mínimo três dias. O quarto em que havia sido colocada era do tamanho da minha cabana em Elfdale.

Vivia em um mundo agora que era o completo oposto da minha aldeia. Fico imaginando, enquanto observava as sereias dançarem no oceano, se era assim que meu pai sentia-se quando tinha que prestar serviços ao rei Evander, um deslocado, um peixe fora d 'água. Tinha certeza que sim, pois meu pai amava Elfdale e, como o grande líder que era, fazia o possível e o impossível para manter a nossa vila vibrante e bem.

Rei Evander… Seu nome ecoa pela minha mente como uma maldição, um lembrete de que eu era sua, como se eu fosse um objeto e isso me deixava enojada.

Ele não estava no jantar hoje…

— O rei… — Murmurei, virando-me para Nicholas — Onde estava seu pai hoje? Não o vi no jantar.

Tentei soar casual, mas pelo olhar de preocupação em sua face, eu sabia que havia falhado. Ele engole em seco, evitando encarar-me, algo estava errado e Nicholas sabia o que era.

— Ele, bem… — Emudeceu-se, com o seu olhar vidrado em algo atrás de mim.

Sinto um ar quente, diferente do vento frio do mar, toca a pele do meu pescoço, atiçando os meus instintos de luta.

— O rei Evander está ocupado, elfa — A voz era gélida e cortante, como uma lâmina.

Meu corpo estremece, eu me sentia minúscula perto da presença obscura atrás de mim, densa e misteriosa, como cair em um buraco repleto de areia movediça. Era Dominic, podia sentir o seu perfume amadeirado e levemente alcoólico. Ele tinha esse poder, subjugar você apenas por estar ao seu lado e eu odiava isso.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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