Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 39
Capítulo 36




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Sangue, Suor e Lágrimas

Kyanite

Ver Dominic partir fazia meu coração tremer de ansiedade, eu estava de volta ao castelo da Alta Corte, e, pior do que tudo isso, presa nas masmorras. Cercada de pedras frias e duras e barras de metal inquebráveis.

Eu era a vantagem de Evander e ele me usaria para destruir o exército de minha mãe. Mas naquele momento eu só podia pensar em uma coisa: o príncipe.

Dominic estava mudado, parecia mais magro e pálido. Havia olheiras escuras debaixo de seus olhos azuis e sua boca, outrora tentadora, estava seca e quase sem cor. Era como se ele estivesse doente. Porém, ele permaneceu aqui, me trouxe comida e tratou de limpar os meus machucados. Seu toque foi suave, mais leve do que costumava ser.

Minha mente dizia que eu não deveria acreditar em nada que saia da boca dele, não deveria confiar nele, mas meu coração clamava o exato oposto. Suas órbitas azuis-escuras imploravam pelo meu perdão apesar de ele não ter dito nada disso. Havia uma dor dentro dele… A dor de um homem que tinha apenas uma coisa para perder e dava tudo de si para impedir isso…

A verdade era que ele me amava.

— Kyanite Lyadon — A voz grossa e ditatorial de Evander me acorda de maus devaneios.

Um calafrio percorre a minha espinha quando nossos olhares se encontram. Ele se sentia vitorioso, isso estava claro em sua postura, mas o brilho em seu olhar estava diferente. Levemente opaco e distante, parecia meio perdido em seu pensamento, provavelmente focado em destruir tudo que minha mãe lutou para construir.

Majestade — Praticamente cuspi as palavras me apoiando da grade.

— Ah, não seja tão rude, elfa — Falou, erguendo seu queixo, ordenando que seus homens nos deixem em paz — Eu vim em paz.

— É claro — Resmunguei revirando os olhos — Veio para me ameaçar, isso sim.

— Fazer um acordo na verdade — O rei disse, sentando-se na cadeira logo na frente da minha cela.

Passo minha língua pelos meus dentes, ele só poderia estar de brincadeira.

— Não me faça rir, Evander — Sibilei, fuzilando-o com o olhar, incrédula com suas mentiras e desonestidade — Você não é um homem de acordos.

— É ai que se engana, Kyanite…

— Não fale meu nome! — Vociferei, socando a grade — Você não tem esse direito!

— Enquanto estiver nessas terras, sob o meu domínio, garota, eu faço o que bem entender com você! — Evander devolveu no mesmo tom, rígido e levemente rosnado — Agora não tem ninguém do seu lado, elfa. Nem mesmo o estúpido do meu filho.

Cerro as minhas mão em punhos bem fechados, aquele homem me enchia de nojo.

— Não ouse falar de Dominic assim — Ousei, trincando o maxilar.

Um sorriso cínico e quase maníaco surge em seus lábios a medida que ele se acomodava na cadeira na minha frente.

— Então minha teoria estava certa… — Devaneou sozinho, percorrendo meu corpo com o seu olhar — Portanto, Kyanite, escute muito bem o que eu tenho a dizer.

Meu nome em sua boca parecia veneno e revirava o meu estômago.

— A proposta é a seguinte: Lute ao meu lado e eu pouparei a vida de Dominic.

Sinto minha boca pender, mas antes que ele pudesse ler meus sentimentos eu me viro de costas, sentindo todos os pêlos do meu corpo se arrepiarem. Ele só pode estar mentindo…

Eu não sou o herdeiro, Kyanite”, foi o que Dominic disse Nicholas ocupada esse papel. Meu pai bolou esse plano para caso um inimigo do rei decidisse dar ultimato, eu iria para o saco e não Nicholas…”

Não… Nenhum pai seria capaz de matar o próprio filho.

— Não — Murmurei, girando meus calcanhares, voltando a encará-lo — Me recuso a ficar ao lado de um homem tão cruel e nojento quanto você, Majestade.

— Você quem sabe — Ele deu de ombros, levantando-se elegantemente, como se não tivesse acabado de dizer que mataria o próprio filho — Te darei o resto do dia para pensar nisso.

— A resposta continuará sendo não.

— Não tenho tanta certeza disso… — Gargalhou levemente, sua risada era como um hino fúnebre.

Ele se virou para ir embora, deixando o cárcere mais frio e o ar mais impuro, pesado. Encosto minha testa contra o metal frio e respiro fundo diversas vezes. Precisava encontrar uma saída urgentemente… Mas, e se o rei estivesse realmente falando a verdade?

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Dominic

Já estava escurecendo quando finalmente cheguei no ponto mais distante do porto de Guenivere, apenas a luz da lamparina que eu carregava iluminava o caminho de madeira podre e velha. As ondas se socavam contra as rochas com força, avisando que ninguém deveria velejar a essa hora.

— Casper! — Chamei, incapaz de ver alguma coisa naquela escuridão.

— Dominc! — Ele respondeu, sua voz direcionando o caminha — Por aqui, cara!

— Ah, homem, não grite tão alto — A voz de Delilah o reprime — Não posso ser descoberta!

— Fechem as matracas, vocês dois — Pedi, dando a lamparina para Casper — Estão todos bem?

— Sim — A ruiva sussurrou se encolhendo no casaco velho que estava usando — Só está frio.

— Sim, cara — Casper disse baixinho dando um tapa de leve em meu ombro — Como está a Kyan?

— Chegou faminta e meio desidratada, mas está melhor, eu suponho…

— É bom ouvir isso, apesar de não sermos tão próximas — Delilah comentou, olhando para a madeira debaixo dos nossos pés — Quando posso partir?

— Um pouco depois de amanhecer, a maré estará mais calma. Há um navio chamado Strong Boy, ele vai daqui até a Ilha de Fuchian — Expliquei pegando um saco de moedas de dentro de meu casaco — Lá há piratas, busque um navio com a bandeira de uma sereia vermelha, pertence a um pirata chamado…

— Skander — Ela me cortou tensionado o maxilar. Ela o conhecia…

— Aqui está o dinheiro — Avisei, entregando a ela a bolsinha — Há muitas moedas de ouro, então tome cuidado. Deve conseguir um bom quarto no porto e pagará pela viagem.

— Obrigada, Majestade — Ela sorriu agradecida.

Casper me cutuca, impaciente como sempre.

— E o plano, cara?

“Não está na cara que eu não sei o que fazer, seu idiota”, rosnei mentalmente.

— Preciso tirar a Kyanite das masmorras antes que meu pai possa feri-la de alguma forma — Balanço a cabeça afastando os pensamentos nefastos que davam nós em meu estômago — Arrumarei uma forma de transporte para sair desse maldito continente.

— E se não conseguir? — Delilah indaga, me olhando nos olhos.

Eu não tinha a opção de não conseguir.

Se Kyanite continuasse em Elvenore ela seria morta pelo meu pai ou pelos seus homens.

A guerra seria então inicializada e muitas pessoas morreriam…

“Céus…”, sussurrei mentalmente.

— Eu tenho que conseguir, Delilah — Murmurei, desviando o olhar, encarando o infinito escuro e turbulento que era o oceano — Não tenho outra opção.

— Isso é sombrio, cara…

— Nós… — Delilah suspirou, olhando de um lado para o outro — Não estamos mais sozinhos…

— Do que está falando? — Casper reclamou, cruzando os braços — Está um silêncio sepulcral aqui nesse fim de mundo!

— Bordeis te ensinam muita coisa… — Ela se volta para mim, esperando uma reação.

Viro a cabeça, focando minha atenção no silêncio… Casper estava errado, o silêncio não é sepulcral e eu sabia muito quem estava vindo atrás da gente.

— Vão! — Ordenei e por um momento eles travam — Corram!

Delilah me obedece, desaparecendo na escuridão.

— Dominic? — Casper indaga, assustado, com os olhos arregalados.

Coloco as duas mãos em seus ombros.

— Volte para o castelo, mas volte com algo de Guenivere, um vinho ou potes de tinta — Falei, olhando em seus olhos castanhos — Vai!

— Dominic…

— Vai, Casper! — Dessa vez ele me obedeceu mesmo hesitante.

Não demorou muito para os homens do meu pai me encontrarem, mas a figura que mais me surpreendeu foi a do General Nox. Ele deveria estar organizando o exército e treinando seus soldados e não atrás de mim.

— General Nox — O cumprimentei com um aceno de cabeça.

— O que está fazendo aqui, Majestade? — Indagou inexpressivamente.

— Tomando um pouco de ar — Menti, girando meus calcanhares e passando por ele e seus homens — Boa noite, homens.

— Majestade, não posso deixar que ande sozinho — O general pigarreou — O rei ordenou que eu servisse como sua escolta por tempo indeterminado.

Soltei o ar que não sabia que estava segurando, meu coração palpitava, mas mesmo sentindo que meus joelhos fossem falhar a qualquer momento eu permaneci em pé, ereto e de cabeça erguida.

— Certo, general — Falei tentando acalmar a minha respiração. Meu pai nunca colocaria seu melhor general como minha escolta pessoal…

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

A caminhada de volta para o castelo foi demorada e cansativa, os soldados tinham seus olhos grudados em mim e General Nox fazia questão de ter sua presença notada por mim, andando constantemente ao meu lado. Tudo aquilo era estranho… Nicholas deveria ser a pessoa que receberia a atenção perene de Nox, e não eu…

Quando adentrei o perímetro do castelo notei uma comoção estranha nas portas da frente, era meu pai e vários outros soldados. Caminhando com calma eu passei por ele, mas para minha infelicidade ele notou a minha presença, assobiando para que eu o olhasse.

— Pai — Disse, assentindo positivamente.

— Sala das Chaves.

E então todo o meu chão entrou em colapso.

A Sala das Chaves não era onde ficavam as chaves para cada cômodo nesse castelo e sim onde meu pai guardava seus instrumentos de tortura e onde eu costumava passar a maior parte da minha adolescência. Engulo em seco, tentando esconder o suor frio que descia pela minha testa.

A última sessão de chicotadas tinha sido no baile na primeira noite de Kyanite na Alta Corte, quando o rei me viu saindo da sacada com as bochechas avermelhadas e ofegantes. Evander ficou fora de si quando viu Kyanite sair logo em seguida, enrubescida. Eu passei a noite inteira naquele cômodo infernal, metade do tempo levando as chicotadas e a outra metade lutando contra o meu próprio corpo que se recusava a levantar.

— Claro, meu pai — Foi tudo o que eu consegui dizer…

Segui para a Sala, eu não tinha nenhuma opção se não ir por boa vontade, ou eu seria arrastado pelos soldados até lá, eu sabia disso, pois uma vez me recusei a ir e um homem do meu pai me segurou e, mesmo eu protestando e chorando, ele me puxou pelas pernas e me levou até o meu destino. Mas eu não tinha mais onze anos…

Podia escutar o tilintar do cinto de couro que meu pai sempre usava, o feixo tinha um penduricalho de falcão que fazia esse barulho. O rei vinha logo atrás de mim e o percurso até a Salas das Chaves foi curto. Abro a porta com as mãos tremendo, apesar de estar me esforçando muito para manter uma expressão serena no rosto.

Era disso que eu estava protegendo Kyanite…

A Sala das Chaves é bem grande para uma câmara de tortura. Se localizava no andar inferior ao térreo, bem debaixo do Salão de Bailes e ao lado das celas onde Kyanite estava. Era isolada acusticamente, mas o isolamento podia ser facilmente retirado quando meu pai queria fazer seu ouvido…

Olho ao redor…

— Você tirou o isolamento… — Comentei, sabendo o porquê dele ter feito isso.

— Eu não — Inexpressivo como sempre ele se aproximou de onde estavam os chicotes — Os criados.

Revirei os olhos discretamente, encarando o tronco de madeira que normalmente eu ficava preso.

— Nox, faça as honras, por favor.

Cerro o maxilar, nossa sessão seria aberta ao público e infelizmente Kyanite seria capaz de ouvir. Não… Não conseguiria traumatizá-la desse jeito.

General Nox se aproximou de mim e arrancou sem muitas formalidades o meu casaco e minha camisa. Meus pêlos se arrepiam e luto contra mim mesmo para não escolher os meus ombros por conta do frio, não podia dar esse prazer ao meu pai. Com o coração acelerado eu ergo meu punhos, que são rapidamente acorrentados a madeira.

O ferro é frio, mas familiar.

— Posso saber pelo que estou punido? — Eu ousei, virando a cabeça para tentar ver o meu pai.

— Não se finja de tolo, filho — Sibilou testando seu chicote preferido — Você sabe muito porque está aqui.

Engulo em seco, deitando meu rosto no meu braço para enxugar o suor.

— Caminhas noturnas nunca foram o motivo das nossas sessões…

— Preciso fazer a Kyanite entender a seriedade do problema — Ele disse finalmente — Sei que ela tem um afeto muito grande por você, filho e isso pode ser nossa vantagem nessa guerra.

— Recebeu notícia de Acqua? — Indaguei, ele não sabia de meus sentimentos por Kyanite o que fez eu respirar com mais leveza o ar frio da parte de baixo do castelo.

— Não. Ainda não — Continuou, assumindo sua posição — Você entende porque estou fazendo isso, não entende, meu menino?

— Claro, meu pai — Trinquei o maxilar, preparando-me para o que eu estava preste a receber.

— “Onde for derramado sangue Drogomir…

— Cresceremos mais poderosos” — Completei o estúpido ditado.

Sem nem ao menos me dar um segundo para respirar, ele começou. O estalo alto preencheu o quarto, minha pele ferveu e meu corpo se chocou com a madeira. Grunhi, me agarrando as algemas para não cair com tudo no chão. Tinha pelo menos uns três anos que aquele chicote não acertava as minhas costas, minhas feridas tinham finalmente cicatrizado por completo, virando apenas um montante de cicatrizes sem formas e brancas.

Ele me açoitou mais algumas vezes, cada uma pior que a outra, até minhas costas ficarem viscosas e pulsantes. Eu podia sentir minha pele dura queimar, cada célula latejava e clamava por misericórdia. Meus joelhos já estavam falhos, me ajoelho parcialmente no chão frio, respirando fundo, sentindo o meu suor se misturar com as lágrimas.

— Ele está pálido, meu rei…

— Dominic consegue aguentar, general Nox — Ele acertou em cheio mais uma vez. Meu pai nunca errada.

Mais uma vez, duas, três…

Eu já tinha perdido as contas, tudo parecia estar em câmera lenta ao mesmo tempo que tudo passava rápido, girando. Meu corpo estava mole, apesar de eu estava usando toda minha força para me manter ereto. Não havia gritado em nenhum momento, Kyanite não merecia ouvir isso, mas minhas pernas e meus braços estavam falhando.

Tento me levantar, mas escorrego no meu próprio sangue, caindo de lado e me enrolando nas algemas. Agora estava frente e frente com o meu açoitador, meu corpo estava frio ao mesmo tempo que fumegava, mas meu pai não perecia nem um pouco preocupado.

O cheiro do meu sangue, férrico e meio doce, preenchia todos os espaços, visíveis ou não, da Sala das Chaves. Eu já não estava mais no controle me mim mesmo, meu corpo tinha entrado no estado de sobrevivência e eu sabia que em pouco tempo apagaria. A dor era tão grande que ficar acordado não era mais uma opção.

— C-Conseguiu… — Pigarreei, minha boca estava seca demais — Conseguiu o que queria, pai?

Pisco rápido tentando não só focar a minha visão mas também afastar as lágrimas.

— É isso que vamos ver — Ríspido como o de costume — Nox.

Quando Nox me desalgemou meu corpo caiu no chão com tudo, mergulhei na poça feita com o meu próprio sangue. A dor foi tremenda que finalmente gritei, não tinha como segurar. Nox tinha feito aquilo de propósito. O urro queimou a minha garganta e eu me encolhi como um garotinho assustado, aquilo tudo trazia memória que eu tanto tentava esquecer. Tudo aquilo era demais

E então tudo ficou turvo e eu já não sabia mais onde eu estava ou para onde estavam me levando, mas eu rezava para todos os deuses para que eles estivessem me levando para a enfermaria ou para os meus aposentos…


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