Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 31
Capítulo 29




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Invasores Conhecidos

— Você conhece ela? — A voz do meu irmão é inquisitiva e raivosa

Um silêncio paira no grupo, mas não conseguia desviar o meu olhar de Skander.

— Me responda, homem!

— Eu… — Skander pigarreia, passando a mão na parte de trás de seu pescoço — Sim. Conheço.

Delilah resmunga um palavrão e se levanta com dificuldade.

— Oh, céus! O cavalheirismo realmente morreu — Ela limpa com as mãos a sujeira em seu vestido verde — Os dois. Tirem o capuz. Eles não vão machucar a gente — Seus olhos verdes sedutores encontram os meus — Olá, querida.

Aos poucos os capuzes começam a ceder, exibindo rostos conhecidos. Primeiro a pele levemente bronzeada e os olhos castanhos claros de Nicholas e depois a pele escura e brilhosa de Phyx. Eles me encaravam e eu não pude conter o meu próprio coração, que mais queria escapar pela minha boca.

— Eu… — Gaguejei, dando um passo para trás.

— Relaxem, homens — Ciana brandou, aproximando-se do centro, analisando os forasteiros — Nicholas, estou certa?

— S-Sim… — Ele se levantou com cuidado, mas logo perdeu o equilíbrio.

Corro em sua direção antes do seu corpo cair no chão. O aparo pelos seus braços, me ajoelhando na terra macia e lhe dando apoio para sentar confortavelmente. Ele grunhi, cerrando o maxilar.

— Está ferido.

— Não… Não é nada, Kyan — Falou, olhando para mim.

Eu sabia que ele estava mentindo.

— É o pé dele — Phyx murmurou, ainda assustada, aproximando-se de mim — Não sei se é uma torção ou ele realmente quebrou o tornozelo…

Analiso sua canela precariamente enfaixada, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, me sinto ser puxada para cima, forçada a ficar em pé e encarar os olhos prateados e raivosos de Draven.

— Não me diga que é o príncipe — Ele sibilou baixinho, fazendo um calafrio percorrer a minha espinha — Porque se for, estamos encrencados…

— Sim, Draven. É o príncipe — Fitei Phyx logo em seguida, sua cabeça estava baixa, analisando as bandagens de Nick — E minha aia quando morava na Alta Corte.

Ele rosnou, se afastando de mim a passos firmes, estava indo em direção a um de seus homens.

— Mãe — Me viro para Ciana, que vigiava cada movimento dos forasteiros — Nicholas está machucado e Phyx é uma amiga próxima. Ficarão sob minha tutela enquanto estiverem aqui.

— Filha…

— Por favor — Pedi, cerrando o punho e notando a surpresa no olhar da ninfa.

Ciana movimenta positivamente a cabeça.

— Manterá eles em segurança de agora em diante enquanto eu descubro o que fazer com essa bagunça — Era uma ordem e ela parecia severamente irritada — Skander.

Pude ver o capitão esmorecer, sua postura não era mais de um militar e sim de um menino assustado.

— Sim, minha senhora — Ele engoliu em seco e aproveitei a falta de olhares na nossa direção para ajudar Nicholas a se levantar.

— Cuida de sua namorada!

Ciana partiu sem mais nem menos, acompanhada de seus guardas.

Pego uma égua e ajudo o príncipe a montar nela, subindo logo depois. Um dos soldados entregou a Phyx um cavalo e ela montou.

— O que pensam que estão fazendo aqui? — Vociferei, esperando os soldados de Acqua se arrumarem em sua formação.

— Desde que Skander apareceu na corte desesperado e sem você, eu sabia que algo estava errado — A ninfa falou, olhando de soslaio para todas as outras pessoas ao nosso redor — E depois Dominic… Ferido e mais furioso do que um vulcão em erupção…

— Ninguém conseguiu acalmá-lo e quando partimos para Guenivere no dia que ele chegou falando que o capitão Valir invadiu o navio sequestrou você, achei que ele destruiria o salão do trono com as próprias mãos — Nicholas explicou, se ajeitando na sela, resmungando um palavrão obsceno quando bateu sem querer seu pé no animal — Quando… — Recuperou o fôlego e começamos a cavalgar — Quando chegamos no porto, nos deparamos com a ruivinha. Ela nos colocou em um navio e tivemos que roubar um bote para chegar até aqui.

— Como ela sabia desse lugar? — Segurei as rédeas para não socar a árvore ao meu lado. Delilah…

— Ficaria surpresa com o que esse aqui fala quando está bêbado — Pude ouvir sua voz sensual e viperina antes de vê-la montada com Skander, agarrada a sua barriga trincada.

Trinco os dentes, contendo o fogo frio que me consumia. Não podia me descontrolar.

— Não é, queridinho? — Ela dá um beijo na bochecha de Skander e ele nem tenta desviar, parecia ter desistido de tudo — Ah, Kyanite… Você não sabe como é esse homem na cama — Ela piscou os olhos várias e desnecessárias vezes — Os segredos que ele compartilhou comigo…

— Cale-se, Delilah — Explodi, bloqueando o cavalo de Skander com o meu, fuzilando o capitão — Não esqueça que está em um reino onde minha família comanda — Meu olhar encontra as esmeraldas brilhantes em seu rosto de marfim — Se eu fosse você, tomaria cuidado.

Cavalgo com cuidado e devagar, me afastando dos dois. Precisava levar Nicholas para o curandeiro logo, para resolver o que quer que esteja o machucando. Phyx ia ao meu lado, observando a natureza ao meu redor, sua pele brilhava, sua natureza de ninfa aflorava. Ela parecia feliz, inspirando o ar amadeirado da mata.

O príncipe, por outro lado, pendia sua cabeça em meu ombro desconfortavelmente enquanto respirava ofegante a cada galope do animal abaixo de nós. Notei uma fina camada de suor cobrir a sua testa e um semblante cansado e estressado lhe tirar o brilho de seus olhos cor de amêndoas.

Ele estava com dor, disso eu não tinha dúvidas.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

O curandeiro que Ciana nos disponibilizou era cuidadoso, analisou o tornozelo de Nicholas devagar e concluiu que era apenas uma torção. Depois de enfaixar e prescrever um xarope para dor, levei o príncipe de Elvenore para um quarto perto do meu, onde tratei de lhe preparar uma banheira com água morna para ele. Enquanto pedi para algumas das mulheres da fortaleza cuidarem de Phyx, me encarreguei de limpar Nicholas.

Ele reclamou durante todo o processo, até que afundou na água, usando apenas sua roupa íntima. Nicholas estava vermelho e evitava o meu olhar a todo custo, mas eu não me sentia envergonhada, ele precisava de ajuda com o banho e estava feliz por ajudá-lo.

— Não precisava fazer isso… — Ele murmurou, encolhendo-se quando levantei sua perna machucada — Ai!

— Desculpa! — Pedi, pegando o pote com sabão — Está certo. Não precisava te ajudar, mas eu quis — Comecei limpando seu braço — Você teve uma jornada difícil até aqui e no meio do caminho machucou feio o seu tornozelo…

— Não foi tão ruim assim — Ele revirou os olhos, fitando-me logo depois — O curandeiro disse que preciso de duas semanas descansando e depois estarei novinho em folha.

Sorri timidamente. Sua voz é calorosa e animada, apesar das olheiras fundas e roxas debaixo dos seus olhos cansados me dissessem que ele estava exausto, relutante com o banho, pois queria desabar na cama no cômodo ao lado. Meu coração aperta, não sei o que fizeram para chegar aqui, mas sabia que todos, até mesmo Delilah, mereciam uma boa noite de sono.

Depois do banho rápido, Nicholas engoliu em segundos uma sopa de tomate e pão, caindo de braços abertos na cama. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele apagou. Levanto-me da mesa, caminhando em silêncio até ele, cobrindo seu corpo com o cobertor e elevando seu pé enfaixado com algumas almofadas (recomendação do curandeiro).

Fui até a janela e deixei ela levemente aberta. As noite em Acqua eram frias, não como as de Elfdale, mas não aconselharia deixar as janelas escancaradas, a não ser que queira um resfriado. Sai do quarto de fininho, encontrando um jovem menino no corredor e pedi para que avisasse a cozinheira para prepara um bom café da manha para os três forasteiros.

Caminhei pela fortaleza, sentindo a brisa refrescante e fria tocar a pele exposta dos meus braços. Algo em mim doía e eu não sabia dizer o que era. Não era a dor comum dos treinos, aquela que permanece por alguns dias nos músculos quando nos esforçamos demais. Era algo mais interno, perto do coração (ou talvez dentro dele…).

Inspiro vagarosamente, me encostando numa janela qualquer. A lua brilhava no alto, iluminando o pequeno pátio de entrada da fortaleza, assim como o jardim levemente mau cuidado nas bordas internas das grades. Reconheço duas figuras, mesmo estando escuro. Uma grande e musculoso, outra mais esguia. Skander e Draven.

Estavam brigando, baixo demais para outras pessoas escutarem, mas eu podia ouvi-los muito bem.

— Precisa se livrar dela, Valir — Era uma ordem e não um conselho.

— Não acha que tentei, Draven? — Skander rosnou, cerrando os punhos — Quando me mandaram para conde de Thorton, eu tive que fazer muitos negócios em Guenivere. Delilah estava lá, de braços abertos para receber qualquer homem com dinheiro — Sua voz falhou por um momento, mas ele pigarreou para desfaçar — Quando me avisaram que a filha de Ciana estava na Alta Corte e tratei de me afastar de Delilah, mas ela é pior que cola…

— Não quero desculpas, Valir — Frio e cortante, era assim que Draven falava com todos por ali — Resolva seus problemas e… — Ele se aproximou perigosamente de Skander, quase como se estivesse pronto para matá-lo — Se envolver Kyanite nisso, se considere um homem morto.

Draven começou a se afastar, mas Valir parecia nem um pouco satisfeito ou até mesmo pronto para terminar a discussão.

— Para alguém que acabou de conhecer a própria irmã, você está muito superprotetor, Draven — Skander ladrou, segurando-se para não falar mais alto.

Engulo em seco ao ver meu irmão se mover tão rapidamente que o perdi de vista. Tudo o que consegui ver foi Skander caído de costas no chão em um estalo surdo. Draven estava em cima dele, com o joelho perfeitamente apoiado em sua garganta e algo brilhava em sua mão, uma faca.

— Não esqueça de seu lugar, capitão Valir — Ele sibilou, forçando seu peso contra Skander, que apenas rosnou de volta — Sabe que sempre quis encontrar minha irmã. Ela é a minha família, mesmo eu a conhecendo a poucas horas, seu imprestável — Draven se afasta, saindo de cima de Skander, mas ainda perto de seu ouvido.

O que ele falou em seguida eu não consegui ouvir, meu coração batia rápido demais, pulsando sangue para a minha cabeça e me deixando surda. Draven estava a minha procura desde que se reencontrou com a minha mãe, ou até mesmo antes disso. Ele sabia que estava em Elfdale, mas ele nunca pode me ver.

Encaro o chão e corro até o meu quarto, parando na porta e me apoiando na madeira. Queria falar com ele, então esperei. E esperei. Algumas horas se passaram e ele não veio dormir. Respirando fundo eu decidi entrar no quarto, teria algumas horas para dormir e sabia que o dia seria corrido e cheio de afazeres. Treinaria os homens de Maren, depois tinha pensado em almoçar com Nicholas (tudo dependia do quanto ele estaria cansado) e passar a tarde com Phyx, saber como estava a situação no palácio da Alta Corte.

Abro a porta e desabo na cama, fechando os olhos.

— Boa noite, Kyanite — A voz de Draven percorreu o cômodo como a brisa que entrava pela minha janela entreaberta.

— Draven, eu…

— Não precisa falar nada — Ele se apoiou no portal de madeira, cruzando os braços e me olhando nos olhos — Sabia que estava nos observando.

Engulo em seco, arregalando os olhos.

— Eu sou um drow, lembra? — Brincou, entrando no cômodo enquanto eu me acomodava desconfortavelmente entre os travesseiros, apontando para suas orelhas levemente pontudas.

Ele desenrola o cobertor e movimenta sua mão para que eu me deite.

— Amanhã o dia começará cedo — Falou, sua voz era mais calma — Maren tem a mania que fazer as coisas antes do raiar do sol.

— Certo — Pigarreie, sentindo o rubor tomar conta das minhas bochechas.

Deito-me e deixo ele me cobrir. Draven deseja um “boa noite” e se encaminha para saída.

— Draven? — O chamei, me agarrando a coberta macia.

— Sim.

— Eu… — Fechei os olhos, lutando contra a montanha de palavras que se formava na minha garganta — Obrigada.

Escuto ele rir, baixinho.

— Não fiz nada, Kyan — Ele falou, espiei com um olho, havia um tom brilhoso de alegria em seus olhos prateados — Deve estar mesmo exausta…

— Eu…

— Vai dormir, irmã — Ele me cortou, saindo do quarto — Boa noite.

Não tive tempo de responder, meu cansaço me pegou no segundo piscar de olhos.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Eu estava certa de que não era nem quatro da manhã quando Maren escancarou a minha porta, com a luz de sua lamparina incomodando minhas pálpebras fechadas. Bufo e tapo meu rosto com um travesseiro, devia ter dormido no máximo umas cinco horas.

— Bom dia, princesa — Escuto seus passos e vários outros adentrarem no quarto, como formigas.

— Maren… — Resmunguei, sentindo alguém puxar o cobertor de cima de mim — Que horas são?

— Três e meia em ponto — Respondeu, levantando o travesseiro — Se esqueceu do que ia fazer hoje?

Encarei seus olhos quase que felinos, ela estava disposta demais para alguém que acorda antes do sol.

— Treinar seus homens — Murmurei, usando toda a minha força para levantar — Porque trouxe tanta gente?

Havia duas meninas, usando o uniforme padrão da fortaleza, que consistia em calças pretas e blusas de manga comprida para o frio. Na mesa de canto do quarto havia uma bandeja, com café e pão e na cômoda nova estava uma espécie de armadura.

— Elas vão te ajudar a vestir a roupa — Maren sorriu, sentado-se na mesa e bebendo um pouco do café disponível.

— Eu consigo me vestir sozinha — Revirei os olhos, alongando-me — Muito obrigada, meninas, mas não preciso de ajuda.

— Claro, princesa — Uma delas falou, curvando-se.

— É Kyanite — Sorrio para ambas, movimentando as mãos para que não se curvassem novamente — Só Kyanite.

— Certo! — Elas se entreolharam, voltando sua atenção para mim e acenando a cabeça como despedida.

Respiro fundo o ar frio dessa manhã, arrastando meus pés até a cômoda. A verdade era que o uniforme não era difícil de ser colocado, era um macacão preto, de material resistente porém macio. Precisei colocar as ombreiras metálicas, a parte mais difícil do uniforme, pois precisei de uma precisão para encaixá-las no suporte. O boldrié foi fácil e já segurava duas adagas.

— Coma — Maren ordenou, atirando o pão na minha direção.

Apenas levantei minha mão e o peguei no ar.

— Rápida.

— Eu sou uma elfa, Maren — Mordi, ainda estava quente e macio.

— Quero testar sua pontaria — Sua voz é firme, tão resistente quanto o tronco de uma árvore — Se você não se importar, é claro.

— Sem problema — Bebi o café, que esquentou meu corpo — Como são seus homens?

— Brutamontes sem cérebro — Ela revirou os olhos, cruzando os braços — Mas são os melhores arqueiros de Acqua. Molengas, porém sabem acertar o alvo.

— Como é feito a divisão de homens aqui? — Indaguei, me sentando à sua frente — Na Alta Corte todos são treinados e especializados em diversas armas. Dominic… — Engasguei com o pão e pigarreie. Seu nome soou dolorido, mas rezei para que Maren não tivesse percebido — Dominic me disse que precisam saber usar pelo menos quatro armas com maestria.

— Somos divididos em setores — Ela explicou, seus olhos pareciam brilhar na luz fraca da lamparina — Cuido dos arqueiros. Skander é responsável por treinar homens para combater batalhas marinhas, como usar arpões, os canhões e toda essa baboseira de pirata — Maren para sua explicação para beber mais café — Draven cuida do treino com espadas, corpo à corpo. O batalhão dele e ele são a nossa primeira linha de defesa caso forasteiros avancem por terra.

Engulo em seco, ainda bem que Draven era ótimo com espadas.

— Endora treina amazonas, são nossas últimas linhas de defesa. Apesar de cuidar da segurança do povo, elas são treinadas exclusivamente por Ciana — Ela bufou, mexendo na ponta de seus cabelos presos em uma trança — Eu tenho inveja, mas nós duas estamos presas na mesma legião, Kyanite.

— “Estamos”?

— Claro! — Ela se levantou, pegando algo dentro do bolso de seu macacão — Agora é uma Arawn.

Contenho meu sorriso quando ela me entregou um broche com duas flechas flamejantes cruzando entre si. Meu pai, sem dúvida, estaria muito feliz se estivesse aqui, Novak também, ele costumava dizer que eu era a melhor arqueira de Elfdale.

— Mas só poderá usar o broche se provar-se útil hoje — Sua voz é dura, afinal, eu era sua subordinada — Vamos!

Me levanto prontamente, acompanhando ela pelos corredores escuros e frio do castelo. Pedi para que me dissesse o nome de cada legião e ela o fez com calma. Skander era líder da Legião Aegirne, Endora encabeçava as Eponas e Draven comandava os Scatha. Com a cabeça girando com todos esses nomes, fui introduzida brevemente ao batalhão de Maren.

Eram no máximo trinta homens e mulheres, segurando arcos de boa qualidade e com expressões guerreiras no rosto. As idades variavam, mas todos carregavam pelo menos uma cicatriz visível e alguns hematomas.

— Essa é Kyanite, uma elfa — Pude escutar algumas pessoas bufando e pigarreando, era óbvio que muitas pessoas em Acqua odiavam a minha linhagem — Ela vai treinar hoje e não quero que me envergonhem.

Eles assentem positivamente.

— Acabe com eles, princesa — Ela falou baixinho no meu ouvindo, dando um tapa incentivador nas minhas costas.

Respiro fundo e começo.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Os homens de Maren eram bons com seus arcos, não tinham uma mira muito boa, mas disparavam as flechas com força. Além dos exercícios físicos para se aquecer naquela manhã fria, eles treinaram luta corpo a corpo e nisso falharam miseravelmente. Foram necessárias duas horas para que todos ali se acostumasse com o movimento de esquivar e mais uma hora para conseguirem acertar um soco sem machucar muito a mão.

Perto da hora do almoço eu e todas as pessoas ali estavamos cansados. Com um assobio Maren dispensou a legião, virando-se para mim.

— Como eu disso, um bando de brutamontes sem cérebro — Resmungou me entregando uma garrafa de água.

— Eles não são ruins — Pronuncie, enxugando o suor que escorria pela minha testa, precisava desesperadamente de um banho — São bons arqueiros e são resistentes, não é todo homem que aguenta o meu passo quando estou correndo.

Ela se calou, sentando-se ao meu lado. De onde estávamos podia ver a fortaleza por inteiro, seus muros de pedra, as janelas esquias, as grades dos portões que protegiam a entrada. Tudo era muito quadrado e cinza, certamente combinada com o ar militar do local e contrastava com a colorida vila portuária. Me pego imaginando quão tranquilo devem ser as fazendas na região interna do continente.

— Quero levar eles para caçar um dia — Falei, virando-me para ela — A mata é um bom ambiente para eles treinarem os sentidos e fortalecerá suas pernas.

— Faça o que quiser com eles, Kyan — Ela sorriu, pegando o broche que deixei perto do meu boldrié — Você é o meu braço direito aqui.

Maren colocou a peça na minha armadura, com cuidado para não me furar com o alfinete.

— Obrigada — Murmurei, tocando o objeto metálico.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Eu e Maren seguimos de volta para o castelo, ela se despediu no salão principal, onde os soldados estavam comendo. Me encaminhei para o quarto de Nicholas, mas antes que pudesse chegar no corredor, percebo dois guardas em sua porta e Skander apoiado na parede na frente do aposento.

— O que está fazendo aqui? — Rosnei, fuzilando-o com o olhar — Não devia estar cuidando da sua namora?

— Kyan…

— Nicholas está sob minha guarda e está de cama, não vai fugir e não apresenta nenhum perigo para a fortaleza — A raiva se acumulava em mim a medida que eu me aproximava dele — Saia daqui. Você e seus homens.

Valir respira fundo, endireitando a postura, olhando para mim.

— É para sua segurança — Sua voz é branda, mas podia ouvir um tom de irritação nela — Apesar de ser seu amigo, ele ainda é o príncipe de Elvenore e filho do nosso inimigo.

— Fora — Ordenei.

— Um guarda ficará durante a noite e dois durante o dia — Estava calmo demais para o meu gosto — Quer queira quer não.

Bufo, contendo a minha raiva e minha vontade de socá-lo.

— Não tem uma namorada para vigiar? — Ousei, arqueando a sobrancelha.

— Eu já disse que não tenho namorada — Rosnou baixinho, segurando o punhal da espada ao lado de seu corpo — Sabe muito bem que tenho interesse em outra pessoa.

Trinco os dentes. “Ao inferno com o que sente, Skander!”, vociferei mentalmente.

— Quero conversar com você — Pediu, olhando-me nos olhos.

— Estou ocupada — Desvie o olhar, se o encarasse era capaz de cair na perdição de seus olhos cor de mel.

— Kyanite — Ele tentou falar, mas o interrompi.

— O dia todo.

Arrumei a postura, me xingando mentalmente, pois estava dolorida por conta do treino hoje de manhã. Skander toca meu ombro com cuidado, incerto se eu iria socá-lo ou acertar sua mão com uma das adagas em meu boldrié. Ele sorri gentilmente ao ver o broche da Legião de Arawn.

— Por favor — Pediu de novo e algo em mim cedeu.

Havia uma neblina úmida em seus olhos, mas antes que eu pudesse entender se eram lágrimas ou algo da minha imaginação, ele desviou a face, erguendo os braços e apontando para uma sacada perto de nós. Suspiro, olhando para a porta do quarto de Nicholas e depois para ele… Seriam apenas alguns minutos.

— Você tem cinco minutos — Sibilei, me encaminhando para a sacada.

Ficamos ali, em silêncio por alguns minutos, observando a vista da cidade portuária.

— Eu sei que o que eu fiz foi errado — Ele falou, apoiando-se na grade — Não deveria ter tocado em você daquela forma, não deveria ter te machucado e agarrado e arrastado você ao Sirena Vermelha — Engulo em seco, lutando com a minha mente para não lembrar daquela noite — Não deveria ter te sedado e muito menos te mantido no fundo do navio.

Skander se cala, respirando fundo.

— Não estou no direito de pedir perdão, mas odeio… — Ele levanta seu olhar para mim, fazendo minha postura enrijecer mais. Desmorono ao ver seus olhos indo do castanho claro para o verde por conta das lágrimas acumuladas — Odeio saber e ver que não me suporta.

— Eu… — Cerrei os lábios, sentindo meu coração acelerar.

— Eu não queria ter feito aquilo, mas se não a tirasse daquele navio, Evander proibiria as minhas visitas… Sua vida é importante demais para ele — Skander se aproxima de mim, me prendendo entre ele e a grade da sacada — É importante para mim também.

Sua mão encontra a minha, quente e áspera, anos trabalhando no mar e no exército. Pela primeira vez eu vi os fios brancos que caiam por sua cabeleira castanha. Ele não é tão mais velho do que eu, apenas cinco anos de diferença e já tinha tantos fios brancos… Noto algumas rugas, principalmente na região do cenho, bronzeada e marcada pelo céu.

Skander parecia tão fraco…

Ele levanta a minha mão, repousando um beijo gentil e demorado nas juntas dos meus dedos.

Sinto o calor conhecido tomar conta de minhas bochechas.

— Eu sinto muito, Kyanite. Por tudo o que eu fiz — Ele murmurou, aproximando sua boca da minha testa. Meu corpo trava, queria empurrá-lo ao mesmo tempo que queria abraçá-lo com força, ficar presa em seus braços, onde eu me sentia segura — Não me arrependo, entretanto, de me apaixonar por você…

Seu beijo na minha testa faz um corrente elétrica percorrer o meu corpo, eriçando todos os meus pelos.

— Cometi muitos erros na minha vida, mas amar você não foi um deles — Nossos olhos se encontram e observo seu semblante triste e sombrio — Não quero que me odeie, não quero mesmo, mas tudo o que fiz… Você tem o direito de me odiar, é isso que eu estou tentando dizer — Ele suspira, se afastando — Mas deixe-me protegê-la, princesa.

Skander sorri amarelo, sabia que ele estava tentando ser engraçado, mas a tristeza em seu olhar não enganava ninguém.

— Posso viver com você me odiando, mas morreria se algo de ruim acontecesse com você, Kyanite… — Sua voz falhou por um momento e ele se afastou por completo, se encaminhando para a saída da sacada — Me odeie o quanto quiser, apenas me deixe protegê-la.

Cerro os lábios, mordiscando a parte interna da bochecha.

A verdade era que, mesmo com a raiva queimando dentro de mim, ter Skander ao meu lado sempre me fez sentir amada e protegida. Porém, eu não estava mais na minha vida de antes, onde eu precisava apenas absorver tudo o que Evander me ensinava. Agora eu fazia parte do grupo rebelde, dos piratas, da força oposta a um mundo inteiro que nos odeia.

— Vá — Skander me acorda de meus devaneios — Acho que o príncipe está te chamando.

Apenas assinto com a cabeça e colo meus olhos ao chão, disparando da sacada sem ao menos me despedir, como uma garotinha estúpida. Grunhi ao passar pelos guardas e entra no quarto.

— Eca! — Nicholas reclamou — Você está fedendo!

— Queria que esse fosse o meu maior problema… — Murmurei baixinho, me recompondo e olhando para meu amigo logo em seguida — E você está ridiculamente feio — Ele sorri angelicamente — Pronto para comer?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado. Te vejo no próximo capítulo!



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