Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 27
Capítulo 25




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Acqua, a terra além-mar

 

Não há palavras para descrever o que senti quando abri os olhos e me encontrei em um ambiente escuro, sombrio e hostil. Era frio, mas não como Elfdale onde o inverno nos acolhia como amigos, e sim o tipo que faz todos os pelos arrepiarem e o sentimento de perda de confiança. Podia sentir o frio das barras de ferro que me rodeavam, me trancafiando em um espaço pequeno e congelante.

Respiro fundo, deixando meus olhos se acostumarem com a escuridão. Meu coração palpitava, relembrando tudo o que aconteceu. O pesadelo de Dominic, suas cicatrizes, nosso beijo e nosso momento juntos, onde, pela primeira vez, eu o via como companheiro e não como inimigo, o vi frágil, com lágrimas em seus olhos, o vi descendo de seu pedestal de arrogância, o vi humano. Mas nossa conexão foi interrompida… Sequestrada.

Para poupar a vida de Dominic da força bruta de Skander, decidi seguir o meu suposto melhor, o acompanhar até o seu navio. A verdade era que eu não sabia o que diabos estava acontecendo. Estava verdadeiramente perdida. Skander trabalha para a Coroa, é conselheiro do conde Thorton, não deveria atacar um navio militar real e…

Viva a Rainha dos Mares…

A voz de Skander soava como veneno em minha mente. Fora isso que ele disse quando praticamente arrombou a porta do quarto do príncipe naquela noite. Ele não fazia parte daqueles que seguiam o rei Evander, a verdade era que ele era seu inimigo, um infiltrado na corte provavelmente para conseguir informações pessoais e eu… Sinto meu estômago revirar ao lembrar de tudo o que contei para ele, sobre os postos de militares em alguns portos estratégicos, alguns dos planos do rei para avançar contra os piratas…

Estava fornecendo o inimigo com informações.

— Está acordada. Isso é bom…

A voz tranquila e nojenta de Skander percorre a escuridão como um sopro perverso.

— Eu vou matar você! — Esbravejei, me levantando. Não precisava de luz para ver onde ele estava, orgulhosamente parado na frente das grades — Vai pagar por tudo o que fez…

— Me escute, Kya — Ele tentou falar, mas a raiva me consumia como fogo, impiedosamente.

Retraio os meus lábios e cuspo nele.

— Não me chame assim — Rosnei, me agarrando às grades — Não depois de mentir para mim. Você traiu a Coroa e me traiu também, Skander.

— Eu não menti… — Suspirou, limpando minha saliva com um pano esfarrapado — Apenas não te disse toda a verdade. Acreditaria em mim se tivesse sido sincero desde o início?

Uma pontada de dor faz meu coração vacilar. Ele havia se aproximado de mim para conseguir informações, nossa amizade foi iniciada para que Skander tivesse ainda mais vantagens contra o rei Evander… Uma mentira.

— Tudo… Tudo foi uma mentira?

— Bem, sim… — Resmungou, encolhendo os ombros — Quer dizer… Eu sabia quem você era no momento que coloquei meus olhos em você e sim, eu tinha uma missão. Me aproximar de você era o meu principal foco, mas eu não contava que… — Sua voz ficou cada vez mais baixa, um sussurro cortante — Você sabe o que aconteceu entre nós.

— Você me enganou, Skander — Sibilei, sentindo uma força estranha correr dentro de minhas veias. Mais parecia uma espécie de fogo líquido, ardente porém congelante — Me fez…

Engulo em seco, balançando a cabeça. Precisava esquecer o nosso beijo.

— Eu precisava manter você no escuro, Kya, quer dizer, Kyanite — Falou, acendendo uma lamparina ao seu lado.

Podia ver seu rosto inchado e roxo em algumas partes. Seu ombro estava enfaixado e imobilizado, seu machucado era bem grave para ele estar assim. Havia um tom triste e desapontado em seus olhos, como se estivesse prestes a chorar. Quase tive pena dele. Quase… Mas a verdade era que queria machucá-lo como ele me machucou.

— Era melhor me sequestrar do que apenas me dizer a verdade? — Indaguei, sentindo o frio queimar dentro de mim aos poucos.

— Eu… Você não foi sequestrada…

— Ah, não fui? — Minha voz era feroz, como a de um lobo — Me tirar do meu quarto as forças e me apagar com uma droga que eu não faço a menor ideia do que seja não é um sequestro?

Sua boca se cerra em uma fina linha, calando-se por longos minutos.

— Eu vim aqui para me desculpar — Falou finalmente, levantando-se do banco que estava sentado — O que fiz foi errado. Mentir para você e te sequestrar… Tudo isso foi muito errado da minha parte e peço perdão — Nossos olhos se encontrar e percebo um certo medo tomar conta de seu corpo grande e musculoso — Mas apenas segui ordens.

Contraio o maxilar, sabia que ele temia os meus olhos vermelhos e não fazia questão de tentar me controlar.

— Ordens? — Franzo o cenho, confusa — Ordens de quem?

— Da Rainha dos Mares.

Esse nome mais uma vez. A grande líder dos piratas, a maior inimiga da Coroa.

A razão de meu pai estar morto.

— Fora — Minha voz é fraca, a lembrança de meu pai me deixava desestabilizada, como se estivesse andando em ovos.

— Kyanite…

O frio toma conta de todo o meu corpo, congelando toda gota de compostura que ainda me restava. Era como se uma nova porta de força tivesse sido aberta em um só estalo.

— Fora! — Gritei, cerrando minhas mãos em punhos bem fechados

Os barris ao meu redor estouram, espalhando rum, água e vinho em todas as paredes, acertando tudo, inclusive Skander. O estrondo foi tão grande, que fui jogada para trás, chocando contra a grade, caindo com tudo na cama improvisada. Sinto um calor massagear minhas mãos e quando as levanto na altura dos meus olhos, vejo uma espécie de luz azul cintilante envolvê-las.

Parecia uma espécie de nuvem brilhosa, porém nem uma pouco maciça, feita de pura energia.

Congelo, assustada, observando a energia flutuar pelos nós dos meus dedos, que tremiam mais do que meu corpo. Nenhum elfo podia fazer aquilo, nosso poder está relacionado com nosso corpo, nossa força e energia. Favorece a caça e nada além disso.

— O-O que foi que eu fiz? — Gaguejei baixinho, voltando o meu olhar para o caos que me rodeava.

— Capitão! — Um marujo gritou, descendo as escadas rapidamente — Capitão!

— Estou… — Skander grunhiu, usando as paredes para se levantar — Ugh, estou bem.

— O que aconteceu? — O homem me olha e depois encora toda a bagunça e o que sobrou dos barris — Capitão?

— Acelere esse navio, homem — Skander sibilou, fuzilando-o com o olhar — Precisamos chegar em Acqua o mais rápido possível.

— O que faremos com… ela? — Havia um tom de nojo em sua voz.

Me retraio, sem tirar os olhos dos dois.

— Não devemos deixá-la apagada para evitar maiores danos, senhor?

Skander bufa, apertando a região de suas costelas, não sabia dizer se o que manchava a sua camisa era vinho ou sangue.

— Traga comida para ela assim que Guda terminar — Ordenou, arrumando a postura e se arrependendo amargamente de tê-lo feito — Argh!

— Capitão? — O marujo assustado se aproximou de Skander — Deixe-me dar uma olhada…

— Agora não, homem! — Rosnou, o empurrando — Desça com mais marujos para arrumar essa bagunça e depois traga o jantar para ela — Seu olhar furioso encontra o meu — E trate de comer. Está mais fina do que uma agulhinha.

Resmungando palavrões ele sumiu, deixando-me com o seu marujo e alguns outros homens, que estavam assustados demais para limpar muito perto da minha jaula. Minhas mãos voltaram ao normal com o passar do tempo, mas não conseguia esquecer nem a sensação do gelo queimante envolvendo meus dedos nem a cor azul suave da energia mutável e amorfa que destruiu os barris em um piscar de olhos

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Horas se passaram depois que um dos marujos desceu com um prato de sopa, meu estômago roncava e minha mente ardia por passar horas tentando internalizar tudo o que aconteceu. Minhas mão estavam geladas, estiradas em minhas coxas, inertes como se estivessem mortas.

— Chegamos! — Skander avisou, descendo as escadas, me afastando de meus pensamentos.

Me encolho na cama, suspirando cansada. Sabia que um dia inteiro tinha se passado desde que fui capturada pelo capitão Valir e se meus cálculos estiverem certos, o que é muito improvável, não estava muito longe de Guenivere, me dando esperanças de que em algum momento poderia fugir e voltar para o palácio da Alta Corte.

Agora eu precisava de um plano. Precisava reconhecer o que era Acqua e as melhores rotas de fuga.

Contraio o maxilar, respirando fundo. Tinha que seguir Skander mesmo sentido enjoada apenas ao olhá-lo, se eu fosse querer escapar e ser vitoriosa na minha fuga, tinha que entender como as coisas funcionavam naquela cidade.

— Vai me tirar daqui ou não? — Rosnei, apontando para o cadeado na grade que me cerceava.

Skander pisca devagar, caminhando na minha direção em silêncio. Depois de me destrancar, andamos até o convés, descendo por uma prancha de madeira podre até um porto cheio de vida e cores. Guenivere comparada a esse lugar era uma montanha de cinza e podridão.

Observo tudo ao meu redor, me sentia em outro planeta, em um mundo completamente diferente. O porto de Acqua era feito com uma madeira escura e bem cuidada, cheia de pinturas de diversas cores feitas de giz e tinta, os mercados e lojas eram todas vibrantes, azuis, roxas, laranjas, cada uma mais bonita que a outra.

As pessoas não usavam tecidos de má qualidade, e sim roupas práticas e felizes, algumas mulheres usavam vestidos de uma renda delicada enquanto outras usavam calças e alfaiataria de cores que variavam do verde-claro até um cinza elegante. Homens usavam vestimentas formais e informais, alguns de saias quadriculadas e outros com bem menos tecidos, se preparando para um bom dia de sol na praia.

— Parece surpresa — Skander falou, movendo a cabeça para que eu continuasse a andar — É diferente de Guenivere em todos os aspectos. Aqui não há sistema de classe, não há ninguém mais importante.

— Exceto a Rainha dos Mares — Minha voz é ácida, corrosiva.

Um sorriso tímido surge em seus lábios, enquanto balança a cabeça, levantando seu melhor braço para uma ponte que interligava as docas ao porto.

— Bem, ela que criou esse lugar, encontrou um porto seguro para todos aqueles que precisavam de paz — Ele explicou, esperando-me — Todos nós aqui temos uma dívida com ela, mesmo ela não gostando nem um pouco disso.

Pigarreio ao observar uma mulher de cabelos totalmente brancos nos encarando como se estivesse prestes a nos matar. Seus braços cruzados, expostos por usar uma regata azul-escura, eram cheios de tatuagens, vários símbolos, ondas, golfinhos, ramos de árvores, algas e raízes, uma completa obra de arte. Seus olhos são de um tom tempestuoso de marrom, não como a terra, sereno e reconfortante, mas do tom de um vulcão prestes a jorrar toda sua raiva, variando de um marrom intenso para um vermelho fumegante.

— O que pensa que estava fazendo, seu idiota? — Ela esbravejou, andando até nós com passos pesados que faziam a madeira estalar — Eu sei que caiu do berço quando era um bebê, mas precisa ser tão burro?

— Me escuta, Maren… — Skander tenta falar, mas é interrompido com um soco muito bem-dado.

— Não venha com essa de “Me escute, Maren…” — A mulher sibilou, fuzilando-o com o olhar — Sabia muito bem que não devia tê-la trazido por agora, tínhamos combinado de ser feito depois do… — Seus olhos furiosos encontram os meus e ela respira fundo, tentando controlar a raiva dentro de si — Quer saber, não importa. Ela já está aqui.

Maren se curva perante mim, ainda queimando de raiva.

— Bem-vinda, princesa — Falou ternamente, voltando-se para Skander — Vamos. A rainha está te esperando. Esperando aos dois.

— Estou muito encrencado? — Sinto Skander se encolher como nunca antes.

— Encrencado é pouco, canalha.

— Hum… — Pigarreio observando os dois se afastarem de mim — Você disse princesa, não disse?

— É claro — Concisa e rápida.

— Eu não sou uma princesa — Falei, aproximando-me dos dois.

— Princesa, você é sim da realeza e…

— Não diga nada, Maren — Skander a interrompeu, voltando seu olhar preocupado para mim — Não é o nosso trabalho dizer à Kyanite isso…

Minha cabeça dá voltas, estava tão confusa que até mesmo me esqueci de respirar. Maren toma minha mão, incentivando-me a segui-la e assim o fim, em modo automático, enquanto tudo em meu corpo gritava por respostas. Eu não era da realeza, disso eu tinha certeza. Meu pai era o líder de uma aldeia élfica e não o rei. Eu sou apenas uma líder e não uma princesa, esse título não cabia a mim.

— Ela é sempre assim ou você deu algo estragado para ela durante a viagem? — Maren sussurrou nem um pouco discreta — Acho que ela vai desmaiar…

— Kya… — Skander tenta dizer, mas o corto.

— Não… — Respiro fundo, sentindo minhas pernas vacilarem — Não me chame assim — Encaro Maren, a medida que ela se afasta de mim — Estou bem, só quero resolver esse mal entendido o mais rápido possível.

Maren e Skander se entreolham.

— O trajeto não é demorado, princesa… Quer dizer, Kaynite — Maren explica, fechando os lábios em uma fina linha — Podemos chegar ainda mais rápido se estiver disposta a usar cavalos.

Cavalos… Rasdir deve estar morrendo de preocupação a essa altura, dando coices em todos que aparecem em seu estábulo. Uma pontada de dor toma conta de meu coração. E se eu nunca conseguir escapar? E se eu ficar presa aqui em Acqua, o que aconteceria com Rasdir? Ela definharia de nervosismos do jeito temperamental dela… Pior ainda, como ficaria Elfdale? Será que Fiery manteria o acordo? Os piores meses de inverno chegariam logo e eu não estaria perto do meu povo para ajudá-los. Engulo em seco.

— Vamos usar os cavalos — Ordenei, precisava resolver tudo isso rápido.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo S2



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