Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 18
Capítulo 17




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Uma Chance ao Tempo

Um sonho, tudo aquilo tinha sido um sonho, era a única explicação possível. O rei Evander não pediu desculpas e nem me elogiou em um curto período de tempo e, acima de tudo isso, eu não me derreti como uma completa idiota com o toque deliciosamente perigoso de Dominic. Eu não tinha beijado o príncipe e ele não tinha deixado meus olhos rosas.

Isso é loucura demais para mim.

Tudo aquilo tinha sido um pesadelo febril, daqueles doentio e insanos que parece ter sido causado por ingerir cogumelos alucinógenos. Em Elvenore existe uma espécie de fungo popularmente chamado de trippie, que tem o chapéu roxo com laranja e todo o corpo de frutificação é manchado por estrias pretas, que gera os piores tipos de pesadelos e, mesmo em poucas quantidades, pode te deixar traumatizado para sempre. Os povos antigos que habitavam o mundo costumavam usá-lo como método de tortura.

Abro os olhos e encaro a mesinha do lado da minha cama, lá estava a chave de prata que o rei me deu, ainda presa pera corrente fina, e toda a esperança de deixar isso para trás foi por água abaixo.

— Droga — Resmunguei escondendo a minha cara no travesseiro.

Eu só queria esquecer tudo o que aconteceu ontem…

— Bom-dia, Kyan — Phyx falou, deixando uma bandeja de comida ao meu lado — Teve um pesadelo?

— Quem me dera…

Me levanto e a encaro, precisava tirar Dominic do meu sistema. Phyx prepara o meu banho e em menos de dez minutos eu estava pronta para encarar o meu dia. Minha fome era mínima, pois minha mente estava focada em repassar as imagens da sacada uma após a outra em vez de se preocupar com o funcionamento do meu corpo, então me visto com a calça escura e manta branca de sempre e caminho pelo castelo.

Sigo até o salão real, encontrando rei Evander e conde Thornton.

— Bom-dia — Digo, sorrindo para os dois.

— Bom-dia, Kyanite — A voz de Skander percorre o cômodo como um raio.

Ele parecia menos um pescador e mais um nobre, com sua roupa nova e bem passada. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo e desleixado, sua orelha tinha suas argolas de sempre. Apesar de seu manto marrom-escuro lhe dar o ar etéreo da nobreza, seu rosto apresentava as marcas do sol de uma vida no mar.

Assinto observando ele se aproximar de mim.

— Sumiu ontem do baile — Ele pega a minha mão e beija a junta de meus dedos, encarando-me — Está tudo bem?

— Eu — “Minta do jeito élfico, Kyanite”, me forcei — Passei um pouco mal por conta do calor… O espartilho estava muito apertado.

— Eu só consigo imaginar — Seu sorriso era diabolicamente encantador e seus olhos, como joias, me analisavam, procurando um ponto fraco — Gostaria de deixar uma coisa bem clara, Kyanite.

— O que, capitão? — Indago, observando ele se aproximar de mim, curvando-se para me encarar, pois ele era bem mais alto que eu.

Me recusava a ser fraca como fui com Dominic na noite anterior, precisava me portar como uma líder, como uma Liadon. Não podia deixar meu coração tomar as rédeas da minha vida, meu cérebro e minha inteligência tinham que fazer isso não só para o meu bem, mas também para o bem de Elfdale.

Evander estava certo quando disse que precisava de tutela.

— Eu não sou compromissado e…

— Kyanite — O rei me chama, interrompendo Skander.

— Acho que deveria dizer isso para outra pessoa, capitão — Sussurrei, virando-me para ele logo em seguida — Delilah.

— Kyan… — Skander fala, mas eu já estava longe demais.

Me aproximo do trono, curvando-me perante o rei antes de deixá-lo falar. Evander me entrega uma caneca com café preto e quente, hoje parecia mais severo, o que me leva a pensar o motivo de ter pedido desculpas ontem. Talvez fosse o vinho…

Ontem todos estavam meio bêbados. É isso! Eu bebi bastante e Dominic também, ou seja, tudo o que aconteceu, suas carícias e seu beijo não se passavam de uma infeliz coincidência. Eu estava no lugar errado, na hora errada e meu raciocínio estava inibido pela bebida.

— Quero que venha comigo hoje — O rei disse, afastando-me de meus devaneios — Seguiremos para o sul.

— O que faremos, majestade? — Pergunto, voltando o meu olhar para o mapa de Elvenore, que repousava delicadamente na mesa ao lado do trono.

Evander levanta-se, repousando sua mão em meu ombro e me guiando até a mesa. Seus conselheiros estavam ali, conversando baixo entre si, assim como o conde Thornton, que parecia um pouco mais sóbrio, porém suas bochechas continuavam rosadas. Eu sabia que ele não era mais velho que o rei, mas anos bebendo muita cerveja e se deliciando com a comida da corte não o fizeram tão bem.

Mesmo Evander tendo quase sessenta anos, seu corpo ainda era musculoso e altivo como o de um guerreiro sábio. Seu cabelo, diferentemente do de Dominic, era um pouco mais cinza, começando branco na raiz e terminando com as pontas mais escuras. Sua barba estava sempre feita, enquanto a do conde Thornton ia até sua barriga.

O tom coral levemente vibrante que assume as maças do rosto do conde, tomou conta de meus olhos na noite anterior enquanto Dominic percorria o caminho do meu pescoço até a clavícula com seus beijos quentes e singelos. Não sabia se a cor representava amor ou luxúria e não conseguia me importar menos.

O que fizemos na sacada foi errado e nunca deve ser repetido.

— Seguiremos até a aldeia do clã Fasbrir — Conde Ulftar explicou, sorrindo para mim — Bom-dia, jovem elfa.

Sorrio de volta, precisava tirar Dominic da minha cabeça, ele era como veneno, percorrendo cada célula do meu corpo devagar, mas vigorosamente, até me matar.

— Vamos recolher impostos no caminho e vai ser um bom jeito de você aproveitar um pouco de ar puro — Evander falou, apontando para Skander — Iremos em grupo, eu e você, uma pequena cavalaria, o conde e o capitão Valir.

— E Dominic? — Engulo em seco, a pergunta escapou dos meus lábios tão fácil…

— Ele está tratando outros assuntos reais, Kyanite — O rei soprou encarando o mapa.

— Ah, sim — Murmurei, dando um passo para trás — Er… Quando partiremos?

— Agora.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Rasdir estava inquieta no estábulo, relinchando como se a qualquer momento o céu fosse desabar, provavelmente incomodada com o meu estado de espírito. Dominic havia saído do castelo ao raiar do dia, foi o que o seu cocheiro me disse. Seguiu para o leste, em direção às Baixas Cortes, porém o motivo permanecia desconhecido. Talvez estivesse tão envergonhado quanto eu, mas essa seria a hipótese mais ridícula.

Tive tempo o suficiente para arrumar uma trouxa de roupa e uma cesta de lanche que duraria cerca de três dias. Levava apenas o essencial e um objeto a mais, a chave que o rei havia me dado, presa em um medalhão, que agora lutava contra o colar de meu pai, ocupando o mesmo espaço. Não sabia ao certo para que ela servia e ainda não tinha coragem de perguntar a Evander, afinal estava fazendo de tudo para esquecer aquele baile de máscaras.

A égua protesta mais uma vez quando o homem do estábulo colocou sua sela, suas patas atingem o chão com força, fazendo-o tremer e me afastar de meus pensamentos.

— Ainda não sei como consegue montar nela — Ele resmungou, me entregando as rédeas.

— Rasdir não é apenas um cavalo qualquer… — Tento explicar mas alguém me interrompe.

— Elfos criam laços eternos com suas montarias, os cavalos entendem o que se passa na cabeça de um elfo e obedecem seus donos por amá-los e respeitá-los — Skander se pronuncia — Estou errado, Kyan?

Como eu queria que ele estivesse…

— Não, capitão Valir — Sussurei, subindo em Rasdir — Não está errado.

Ele estava tão feliz que mal pude conter o meu próprio sorriso, apesar de sentir que deveria ficar longe dele, Skander deixava essa tarefa impossível com sua voz envolvente e aroma hipnotizante de espuma de barbear e rum. Ele era como o mar, divertido, cativante e apaixonante.

Seu cavalo se aproxima de mim e Skander acaricia a crina de Rasdir com cuidado, como se ela fosse uma potra, um filhote descobrindo o mundo. Um cuidado que não imaginei sair de um marujo acostumado com a dureza do oceano e as tempestades marinhas. Seus olhos verdes amarronzados encontram os meus em uma sintonia quase perfeita e, por um momento, senti meu coração acelerar.

Eu estava sendo uma completa idiota, mais uma vez.

— Ela é linda — Falou quando terminou seus carinhos — Assim como você…

— Skander…

— Não vai impedir um homem de dizer a verdade, vai? — Interrompeu-me, me incentivando a segui-lo.

Seguro as rédeas de Rasdir e saio dos estábulos com o Capitão Valir ao meu lado. Encaro a terra molhada debaixo de mim, eu não sabia o que responder nem mesmo como agir, permaneço quieta até alcançar a cavalaria que nos esperava. Rei Evander dá um aceno, iniciando a nossa viagem.

Posiciono Rasdir logo atrás do cavalo do rei enquanto Skander permanece ao meu lado, com sua postura estoica e lábios alegres. Para a minha alegria ele estava em silêncio, analisando a paisagem que mudava de tropical para montanhoso em poucas horas.

Elvenore era uma mistura de biomas, mais ao sul, principalmente na região da Alta Corte e Guenivere, o clima tropical, quente e salgado, os coqueiros e as praias mais amenas dominava. O oeste era marcado pelo frio, a região de Elfdale e as Montanhas de Elderdragon são as partes mais frias de Elvenore.

O extremo norte, uma região pouco visitada por conta do domínio pirata era fria, porém não gélida o suficiente para água congelar e para impedir plantações. Conhecida por suas planícies férteis e florestas mágicas, o norte era a parte de Elvenore que eu sabia muito pouco.

A aldeia humana do clã Fasbrir ficava no meio termo, uma mistura de selva com vegetação tropical, pois ficava perto do Mar Partido, um amontoado de água que dividia Elvenore em dois, separando as terras campestres da Baixa Corte e o frio extremo de Elfdale e das Montanhas de Elderdragon.

Deixar a brisa marinha e o sal da Alta Corte parecia o pesadelo, sem sombra de dúvida sentira falta do calor e da sensação de liberdade infinita que o oceano me passava. Depois de quase dez horas cavalgando, quando o sol se escondia no horizonte, eu percebi como eu sentia falta da mata densa. Tudo ao meu redor eram árvores, não como os pinheiros de Elfdale, mas sim árvores de tronco largo e copas gordas, orquídeas maravilhosamente coloridas e bromélias

Os animais eram mais diferentes, não eram nem cervos, lobos ou esquilos, e sim macacos, uma variedade surpreendente de insetos e onças. O caminho que seguíamos era estreito, cabia apenas um cavalo por vez e, pela primeira vez hoje, eu estava sozinha, dando-me liberdade para apreciar o local sem ser interrogada ou receber um elogio indesejado. Nunca nem cheguei perto de uma selva, até hoje, e podia ver claramente a diferença entre a Floresta de Galodonel e a selva que abrigava as diversas aldeias humanas de meu mundo.

A copa das árvores eram o meu céu, deixando o fim de tarde mais escura do que com o que eu estava acostumada. Tudo ao meu redor era mata densa e barulhenta, os animais em sua grande maioria pareciam mais despertos, borboletas de várias cores, sendo as verdes minhas preferidas por conta de suas asas chamativas, voavam em busca de um lugar para pousar. Micos, macacos pequenos e fofinhos, pulavam de galho em galho acima da minha cabeça, comunicando-se com os outros membros de sua família em uma melodia sem fim. Ouvia serpentes rastejando, sapos coaxando, aranhas teciam suas redes mortais e o riacho que nos acompanhou o caminho inteiro desembocou em um rio extenso e agitado.

Subimos pela margem até uma espécie de entreposto que nos forneceria uma balsa para atravessar o rio. O conde Thornton, com sua testa suada e seu paninho bordado, me explicou que o clã Fasbrir ficava do outro lado do rio, dois dias e meio de viagem ainda. No entreposto reconheço os soldados, eram do rei por conta de seu uniforme vermelho.

Pegamos a balsa sem dificuldade, mas deixamos grande parte de nossos pertences do outro lado, inclusive Rasdir, que ficou revoltada por ter sido deixada para trás. Precisei afirmar dez vezes que voltaria para que ela se acostumasse com a ideia de ficar com o cocheiro de lá.

Atravessar o rio não foi a pior parte, e sim observar as cobras e jacarés que passam perto da balsa, fazendo o meu coração parar de bater. Eu podia ver os olhos brilhantes dos jacarés quando passavam do meu lado, tão misteriosos que eu não sabia se eles queriam me jantar ou apenas aproveitar a noite.

Sento-me em uma cadeira no centro da balsa, estava sendo estúpida.

Jacarés não pulam em balsa, ou pulam?

Agarro o arco em minhas mãos, podia escutar a madeira reclamando.

— Eles não vão pular na balsa — A voz de Skander me desperta de meus devaneios — Ela é alta justamente para evitar isso.

— Não estou… — A verdade era como uma noz presa na minha garganta — Eu sei.

Ele ri, puxando uma cadeira para se sentar ao meu lado.

— Seus olhos estão azuis, Kyan — Murmurou, passando seus braços pelos meus ombros, envolvendo-me — Não precisa mentir…

— O que pensa que está fazendo? — Pergunto, empurrando sua mão com o meu arco, fazendo ele resmungar.

— Tentando te reconfortar… Mas acho que não precisa — Revirou os olhos

— Obviamente.

— Por que vocês elfos são tão teimosos? — Indagou cruzando os braços.

Arqueio as sobrancelhas, respirando fundo para não xingá-lo.

— Não somos teimosos — Retruquei, apertando ainda mais o arco — Somos independentes.

— Ah, sim. Claro — O tom de escárnio tomou conta de sua voz.

— Presunçoso — Murmurei baixinho, desviando o olhar

— Eu escutei — Ele se levantou, tocando o medalhão.

— Que bom — O encarei, esperando Skander ir embora.

E para a minha infelicidade, ele quebrou minhas expectativas.

— O que eu faço com você, Kyanite? — Seus olhos me analisavam, centímetro por centímetro.

— Não sei se entendi sua pergunta — Resmunguei, cerrando o maxilar.

— Eu sei o motivo de ter desaparecido do baile, Kyan — Sussurrou, agachando-se na minha frente.

Engulo em seco. “Droga”, pensei.

— Eu vi o príncipe saindo de fininho da sacada e você logo depois. Não acredito que prefira Dominic a mim… — Tentei conter a minha risada, mas falhei miseravelmente, interrompendo-o e atrapalhando o silêncio da noite.

Gargalhava tanto que até minha barriga doeu, precisei de muitos minutos para me acalmar. “Preferir Dominic a ele…”, pensei “Homens realmente não tem senso…”. Meu coração batia tão rápido que podia explodir, fazia anos que eu não ria assim. Lágrimas corriam pelos meus olhos e precisei enxugá-las com os meus dedos, antes de encarar Skander.

— Seus olhos estão amarelos — Pronunciou, estava tão sério que me fez rir ainda mais — Certo, eu entendi. Estou parecendo um idiota…

— Deveria… — A risada me atrapalha — Deveria investir na sua carreira de comediante, capitão Valir.

Ele balança a cabeça, estava irritado.

— Ai… — Os músculos da minha barriga ardiam, mas eu não conseguia parar de rir.

— Quando terminar, podemos conversar que nem gente — Revirou os olhos, pegando seu frasco com rum.

— Desculpa… — Me curvei, respirando fundo — Foi muito engraçado.

— Ha-ha-ha — Ele estava definitivamente muito irritado — Estou rindo muito…

Tapo a boca com a mão, encarando-o.

— Sua risada pode melhorar — Falei, tocando seu ombro — Entenda de uma vez por todas, Skander, não estou atrás de um namorado.

— Não foi isso que seu corpo me disse quando dançamos — Sério, como se estivéssemos em um tribunal.

Me calo, ele estava certo. Dançar com ele me fazia sentir em casa, amada como nunca antes. Suspiro, olhando para cima, a lua brilhava como os olhos de Skander quando dançamos pela primeira vez naquela taverna suja em Guenivere.

— Vejo que não estou errado — Sua mão toca a minha, fazendo uma corrente elétrica percorrer o meu corpo.

— Skander…

— Eu sei o que vai falar, Kyan, mas não estou nem um pouco a fim de ouvir — Falou, tocando a minha bochecha. Sua pele é tão quente que parecia um vulcão em erupção, mesmo no frio úmido da selva — Vamos ver o que acontece… Deixar rolar. O que acha?

— Eu não estou na Alta Corte para encontrar um namorado, Skander — Queria me afastar, mas seu calor era tão reconfortante… — Estou aqui para aprender a liderar o meu povo.

— Então vai apenas se fechar para outras coisas boas que podem acontecer?

Fecho os olhos e respiro fundo. “O que esse homem está fazendo comigo?”.

— Eu mal te conheço…

— Não é uma boa desculpa, Kyan — Ele sorri, descendo o seu carinho para os meus ombros, massageando-os — Podemos mudar isso se me der a chance…

— Não quero ser sua próxima Delilah, Skander — Minha voz sua firme como a de minha mão, tão dura que poderia ser confundida com uma pedra, calando-o.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!



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