Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 15
Capítulo 14




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Sangue Prata e Sangue Azul

Nicholas me deixou na torre de Zya, onde a maga me emprestou um vestido verde-escuro e longo, extremamente confortável. Nos sentamos em sua sacada, onde havia duas cadeiras de palha de balanço com uma mesinha de centro.

Ela havia preparado dois copos cilíndricos de chá gelado de pêssego. Da sua sacada eu podia ver a parte de Guenivere que não ficava perto do mar, onde as casas de pedra e madeira se erguiam até o horizonte, onde a vida real pulsava.

— O rei quer que eu explique um pouco sobre… Bem, os piratas — Ela suspirou, tomando um gole da bebida refrescante.

— Os maiores inimigos da coroa — Soprei, ainda observando a paisagem.

— Exatamente.

— Meu pai me contou um pouco sobre o que o que está acontecendo — Falei, olhando para ela — É uma legião de homens que controlam grande parte ao sul de Elvenore.

— E por que o rei o considera eles como inimigos?

— Eles não são fiéis a coroa — Rio, revirando os olhos — Ele odeia isso. Evander quer controlar toda Elvenore e considera todos aqueles que ficam em seu caminho como inimigos.

— Você não está errada… — Zya me passa o mapa de Elvenore — Mas há algo que você não sabe.

Encaro-a, confusa.

— Temos uma suspeita de que há terras valiosas além dos mares do sul e os piratas bloqueiam essa região — Ela pontou para uma extensão de terra ao sul — Não conseguimos seguir em frente porque nossos navios são barrados e estilhaçados.

— Rei Evander não consegue racionalizar com os piratas?

— O rei não é conhecido por ser diplomático, Kyanite, e você sabe disso — Balanço a cabeça positivamente — E foi por isso que seu pai foi mandado para uma aldeia humana no Mar Partido… Para tentar entrar em acordo com o chefe dos piratas, mas…

— Ele foi morto por eles, sim, eu sei perfeitamente o que aconteceu — Rosnei, desviando o olhar.

— Evander quer uma parceria com você, Kyanite. Ele não é o seu inimigo, mas também não facilitará as coisas — A voz de Zya é severa, fria — Vocês dois, juntos, seriam capazes de derrotar os piratas e desvendar os mistérios além-mar.

— O rei pediu para você falar isso? — Indaguei, pegando o chá.

— Não, Kyan, estou falando, pois acho que isso pode estar conectado com o que vi na visão.

Engasgo com o líquido frio.

— Realmente acha que isso vai dar certo? — Perguntei, respirando fundo.

— Só tem um jeito de saber… — Ela murmurou, apontando para o colar no meu pescoço — Draiko era uma boa pessoa, a melhor para dizer a verdade. Se ele seguia o rei, você deveria fazer o mesmo.

— Eu sei… — Minha voz não se passou de um sussurro, a última coisa que queria fazer era decepcionar o meu pai — Mas o que eu faço é rodar pelo palácio, aprendendo bons modos e coisas que eu já sei fazer.

— Acha mesmo que não precisa de aulas de luta?

— Tenho certeza — Afirmei, encarando-a — Fui treinada pelo meu pai e por Novak desde de pequena. Eu sei lutar.

— Falarei com o rei sobre isso — Ela toca a minha mão, apertando-a de leve — Apesar de ele se portar como um ditador, Evander é bem flexível quando se trata de você.

— Do que está falando? — Seguro a minha risada.

— Ele sabe da situação de Dominic, com a pedra e você morando aqui…

— Quer saber, prefiro não entrar nesse assunto — Levantei as mãos, interrompendo-a — Podemos não falar de Dominic hoje?

— Como quiser — Ela sorri, bebericando o chá.

Suspirei, encostando minha cabeça na cadeira.

— Alguma novidade com a visão? — Perguntei, fechando os olhos, aproveitando a tranquilidade.

— Não, nada — Resmungou, irritada — Acho que estou em um beco sem saída…

— Bem, hoje aconteceu algo estranho na praia — Falei, abrindo os olhos e observando cautelosamente a pele do meu braço — Minha pele brilhou quando entrei no mar…

— O que? — Ela guinchou, sentando-se ereta, derrubando a bebida no chão.

— Zya! — Exclamei, levantando os pés, desviando dos cacos de vidro.

— Você disse que sua pele brilhou quando estava no mar? — Indagou, encarando-me.

— Sim! — Observava o líquido caramelo queimado escorrer pela sacada e pingar da beira da grade — Precisamos limpar isso…

— Não pode ser… — Zya murmurou, entrando em sua torre, deixando-me do lado de fora.

— Zya? — Chamei, mas ela parecia não ouvir — O que está fazendo?

Ela andava em círculos, com as mãos repousadas na cabeça, falando consigo mesma coisas que eu não conseguia entender. Me levanto da minha cadeira, movimentando-me com cuidado em sua sala, mantendo uma distância segura dela. Suas tranças magicamente foram presas em um coque no topo de sua cabeça, ao mesmo tempo que livros deslizavam de sua estante até a sua mesa de poções.

— Zya? — Tentei, mas ela parecia presa em seus pensamentos.

Desvio de um livro de capa duro poucos segundos antes de ele me atingir na cabeça. Encosto-me em uma das paredes de pedra fria, deixando a sensação gélida se espalhar das minhas mão pelo meu corpo.

O comportamento da maga me assustava e, pior ainda, o cheiro de alecrim de sua magia inundavam o pequeno cômodo, fazendo o chá se revirar dentro de mim.

Meu coração palpitava, parecia uma pássaro raivoso preso em uma jaula de ossos.

Respiro fundo, reunindo minhas forças. Não devia temer sua magia, pois, assim como ela, eu era uma criatura, um dos seres mágicos de Elvenore. É óbvio que elfos não tinham os poderes de um mago, mas, ainda assim, a magia antiga corria em minhas veias assim como corre nas delas.

“Seja forte, minha pequena.”

A voz serena e grave de minha mãe ecoa pela minha cabeça, fornecendo a estabilidade necessária para que eu me afastasse da parede e me aproximasse de Zya.

— O que está fazendo, mulher? — Segurei seus braços, seus olhos dourados brilhavam como o sol e me encaravam.

— O que você sabe da sua mãe, Kyanite? — Um soco, ou melhor, milhares de socos atingem minha barriga.

Nada. Eu não sabia nada e essa era a dura verdade que escolhi ignorar por todos esses anos.

— Eu…

— Aposto que não sabe nada — Ela falou, desviando do meu toque.

Afirmei com a cabeça, encarando o chão.

— Agora entendo o motivo de Draiko nunca falar da esposa… — Ela suspirou, indo até sua mesa — Elfos não brilham quando entram em contato com a água do mar, Kyanite e, agora, a visão se tornou tão clara quanto a luz dia…

— Eu não entendo — Sopro, encarando-a.

— É claro que é uma elfa, seus olhos estão azuis, ou seja, está com medo — Ela apontou para um espelho, forçando-me a me olhar — Uma elfa muito inexperiente e é isso que fez Evander te trazer para a Alta Corte. Há muito para você aprender, Kyanite.

— Eu sei — Sibilei, desviando o olhar.

— Mas Draiko escondeu algo de você… De todos nós — Murmurou, vasculhando seus livros e revirando pergaminhos até achar a página certa, chamando-me até sua mesa. Não me movo — Sangue sereiano, sangue azul corre em suas veias, Kyan. Você é uma mistura de sangue prata e sangue azul!

Engulo em seco.

Impossível.

— Eu sou uma elfa, Zya — Falo entredentes — Nasci e fui criada em Elfdale, não tem como…

— Sua mãe era de Elfdale? — Interrompeu-me, encarando-me com seus olhos brilhantes.

— Eu… — Contraio o maxilar, cruzando os braços — Não sei. Suponho que sim…

Um riso de escárnio escapa de seus lábios.

— Ela não era uma sereia — Retruquei, estressada — Disso eu tenho certeza.

— Precisamos falar com o rei… — Murmurou, aproximando-se de mim e tocando o meu ombro — Ele pode nos ajudar.

— Eu não deveria ter te dito isso… — Me afastei de seu toque, seguindo até a porta — Espero que mantenha a boca fechada, Zya. Não é o seu segredo para contar.

— Muito esperta, Kyanite — Ela assentiu com a cabeça — Não falaremos com o rei, mas vamos chegar no fundo disso.

— E se eu não quiser? — Ousei, olhando-a de soslaio.

— Acho que isso está fora de questão.

Respiro fundo e saio de sua torre, caminhando pelos corredores sem um rumo certo até parar nos estábulos. Meu coração mal batia, era como se tivesse desistido de continuar depois do Zya falou. Escuto Rasdir relinchar, pulando por cima da grade que a prendia e acelerando até mim.

Seu focinho longo e rígido toca a minha face, pressionando a pele fria da minha bochecha. A abraço, deixando que seu corpo quente me acalme. Ela se abaixa, permitindo que eu suba com mais facilidade, marchando devagar assim que me sento. Deixo ela guiar o caminho, pois minha visão estava turva demais por conta das lágrimas.

A cada dia que se passa na Alta Corte, eu percebo o quão fechada para mundo eu estava em Elfdale. Agora, acima de toda a confusão, eu podia ter sangue de sereias em minhas veias, algo que eu nem ao menos tinha uma suspeita. Minha vida inteira eu tinha uma certeza: eu era uma elfa, uma Liadon.

Porém, a vida na corte me mostrava que eu estava errada.

Rasdir acelerava pela orla, fazendo o vento morno e salgado atingir a minha face, deixando minhas lágrimas frias e meu cabelo, bagunçado. Por um momento, a trança simples e única, feita todos os dias, que Novak me ensinou para fortalecer a minha inteligência emocional não fazia mais sentido. Meu coração estava estilhaçado, como se ele fosse feito de vidro e alguém o arrancou de dentro de mim e o atirou no chão.

“— Seja forte, Kya”

— Não… — Solucei, piscando várias vezes tentando controlar o choro — Não consigo.

A voz da minha mãe estava tão presente na minha cabeça que achei que ela estava cavalgando ao meu lado. O timbre firme e grave, delicado como uma pincelada certa em um quadro, fazia meu corpo vibrar de saudade. Ela estava morta, seria impossível estar ao meu lado. Suspiro, afundando o meu rosto na crina de Rasdir, o cheiro de madeira e orvalho invadem minhas narinas, era o aroma de sempre de Elfdale.

Do lugar que não pertenço mais.

Como posso governar as famílias élficas se, aparentemente, mal conheço a minha?

“— Você é uma Blysinth, uma guerreira”

Sua voz percorria a minha mente como ondas, indo e voltando. Talvez fossem memórias chegando a superfície da minha consciência, tentando me consolar e falhando miseravelmente. Eu queria um lugar seguro, onde todas as possibilidades de combinações gênicas não existissem, queria voltar para a certeza de antes, saber quem eu era, de onde eu vim e o motivo de estar na Alta Corte.

“— Kya, você também é uma Liadon, um porto seguro, o sonho de todo marujo. Uma certeza”

— Chega… — Falei entredentes, agarrando a crina de Rasdir.

“— Estou com você, minha pequena”

— Não… Você não está — Um soluço faz eu levantar o meu rosto.

Eu não via o resto da orla e o horizonte tropical. O que estava parado na minha frente era algo que fez o meu corpo tremer por completo. O meu coração parou, caindo até o meu estômago, fazendo uma corrente gélida percorrer a minha coluna. O ar, outrora morno e salgado, tornou-se frio e mentolado, como o sopro do meio do oceano.

Eu queria gritar, falar alguma coisa, mas o susto estava embolado na minha garganta.

— Mãe? — Guinchei, forçando Rasdir a fazer uma parada bruta.

A imagem na minha frente era a minha mãe, eu reconheceria a cicatriz de longe. Porém, dessa vez podia ver todo o seu rosto. Sua face é quadrada, com o maxilar bem marcado, entretanto, suas maças do rosto são altas e levemente rosadas na região da cicatriz. Seus olhos, amendoados e finos, são de duas cores, um verde-escuro e vibrante, como os meus, e um marrom terroso e misterioso.

Outra marca, essa mais nova, pois parecia ainda cicatrizar, cortava sua sobrancelha esquerda, poupando por pouco seu olho castanho, e descendo até suas bochechas. Seus lábios, finos, sorriam para mim, mas não era alegria, e sim o sorriso que se dá para alguém quando você quer abraçá-lo e confortá-lo.

Seus cabelos castanhos estavam um pouco maiores, descendo até os seus ombros, mas penteados para trás e com uma fita de um dourado enferrujado circulando sua testa.

“— Seja forte, Kya”

— Mãe… — Solucei, sentindo Rasdir reclamar.

E tão rápido como apareceu, ela sumiu. Podia ver o resto da orla e o horizonte, o oceano de três tons de azuis diferentes. Agarro o colar de meu pai, respirando fundo enquanto cravava a imagem da minha mãe na minha mente, eu não queria mais esquecer, me recusava a esquecer.

— Kyan! — Alguém me chama.

Soluço, limpando com a manga da minha manta as lágrimas que ainda desciam.

— Kyan! — Nicholas grita e escuto seu cavalo se aproximar.

“Seja forte, Kyanite”, pensei, lembrando do rosto guerreiro e altivo da minha mãe mais uma vez. Seguro a crina de Rasdir, movimentando-a para que eu me vire para Nicholas. Ele estava montado em um cavalo branco, acelerando na minha direção.

— Pode parar de fugir? — Resmungou quando chegou perto de mim.

— Estava apreciando a vista — A verdade se acumulava na minha garganta, forçando sua saída — Precisava de um tempo sozinha.

— Você tem um quarto — Falou, mordendo o lábio inferior — O que aconteceu? O que a Zya fez?

— Nada — Sorri, a mentira tinha gosto de ferro quente — Apenas me disse algumas coisas que eu precisava remoer — Encaro-o, acariciando o pescoço de Rasdir — Sozinha.

— Sabe que não podemos te deixar sozinha — Seu cavalo relincha, trotando até Rasdir, nos deixando lado a lado — Aqui não é muito seguro.

— Eu sei me virar — Retruquei, revirando os olhos.

— Você estava chorando? — Ele cerrou os olhos, analisando o meu rosto.

Me calo, se eu falasse algo, meu sangue élfico me forçaria a dizer a verdade.

— Vou aceitar isso como um sim — Nicholas repousa sua mão em cima da minha — Se precisar conversar com alguém, eu estou aqui, Kyan.

— Eu mal conheço você.

— Sorte a sua — Ele sorriu, apertando de leve a minha mão — Estou determinado a mudar isso.

— Ah, por favor, não… — Suspirei, fechando os olhos.

— Apareça em meus aposentos — Continuou, ignorando-me por completo — Perto das oito da noite.

— E se eu não quiser? — Olho se soslaio, escapando de seu toque.

— Levarei a minha ideia até você — Um sorriso malicioso surge em seus lábios.

Balanço a cabeça negativamente, revirando os olhos, não tinha como escapar dele.

Entretanto, algo dentro de mim queria escapar. “Evite ficar perto do Nicholas.”, a voz rouca de Dominic ecoava na minha cabeça como um mantra, uma lembrança recorrente de que tenho que manter os olhos abertos na Alta Corte.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!



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