A Queda Divina escrita por Vinefrost


Capítulo 9
Luxúria




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799669/chapter/9

Retiro o vestido da caixa com delicadeza, o primeiro presente que ganho, bom, segundo se contar com o Toque de Deus, o presente divino que me concedeu a vida. Nunca entendi muito bem o apego humano ao material, ao dinheiro, mas vivendo entre eles abriu meus olhos para o conforto que ofereciam. Por isso deveria ser grata a cada dia por ter um local confortável e seguro para dormir a noite, mesmo que seja a residência de um demônio, meu oponente natural. 

Caminho até o espelho do banheiro e desdobro o vestido o colocando em minha frente e encarando-o por inteiro, o tecido macio é um deleite ao toque. Ouço leve batidas na porta e me assusto por não perceber que Nádia está parada na suíte chamando minha atenção, estava tão absorta em me imaginar vestindo a roupa que acabei desligando os demais sentidos.

— Você se parece comigo quando encontrei o vestido para o baile de formatura, há anos atrás, também não tirava o sorriso do rosto. Espere só até experimentá-lo! - Ela se aproxima e chacoalha a caixa em suas mãos. - Tenho mais algumas surpresas, lembra da última viagem de Mark, a que o acompanhei?

— Sim – afirmo.

— Caim pediu para trazer algumas coisas, pelo visto está se preparando há um bom tempo para esse encontro, finalmente teve coragem de convidá-la.

— Coragem nunca foi algo que lhe faltou, muito menos o atrevimento - rebato.

— Ah, Celeste... Sei que sou humana, mas acho que nessa área tenho mais experiência que você - Nádia me acompanha até a cama, onde nos sentamos lado a lado. - Quando homens sentem atração, vão mostrar imediatamente seu interesse. Mas, quando há algo mais profundo que isso, pensam e remoem exatamente suas ações para não perderem sua chance. E receber um não é um golpe no ego masculino, por mais tradicionalista que isso soe, é a realidade.

— Não entendo – questiono confusa.

— Caim estava apenas esperando o momento certo para convidá-la – responde direta.

— Me convidar? Diria que fui intimada.

— Convidá-la à sua maneira, admito – ela se aproxima e segura minha mão ao perguntar: - Como você está se sentindo com o encontro? Posso arrumar alguma desculpa caso não queira ir. 

O questionamento da governanta me pega de surpresa, a atitude de Caim foi inesperada, mas se for para ser sincera com o que sinto, estou lisonjeada. Seria apenas um jantar no mesmo local que frequentamos há vários dias, mas o peso que essa noite carrega é diferente. Um encontro tem conotação romântica, e por mais que aprendesse a tolerar, quem sabe até gostar, do demônio ultimamente, sentimentos mais profundos estão além da minha natureza. E, principalmente, do que fui ensinada.

— Esta noite pode ser uma incógnita, mas é algo que devo desvendar sozinha – revelo, apertando sua mão em agradecimento pela preocupação. 

Em toda minha existência tive apenas certezas, a de que deveria seguir minha rotina, ser obediente, buscar conhecimento, ouvir e não questionar. Mas nem minha submissão foi garantia para a minha certeza de que sempre estaria no Céu ao lado da minha família. Então me daria o luxo de, ao menos nesta noite, não ter certezas em relação a nossas espécies. Apenas hoje, deixaria a incerteza de qual caminho seguir me guiar, viveria o agora. E, por fim, esta noite não somos anjo e demônio, apenas Celeste e Caim.

— Muito bem, vamos acrescentar uma vírgula nesse sozinha - Nádia retorna à atenção para a caixa que carregava – Tenho mais algumas coisinhas para você, por isso que acompanhei Mark, produtos femininos.  

Franzo a testa e ela prossegue:

— Você realmente não precisa de tudo isso, mas eu queria que tivesse a experiência. Venha, vou lhe explicar como tudo funciona, depois volto para ajudar a se preparar.  

Enquanto estou na banheira aproveitando o momento, sinto o nervosismo com o rumo que a noite pode tomar crescer, penso e formulo respostas como se repentinamente não soubesse mais como conversar com Caim. Decido deixar para o improviso, nós nunca tivemos problemas em nossas interações. Me concentro em aproveitar os produtos que Nádia me apresentou, balanço as mãos embaixo da água e observo a espuma se mover na superfície. Levanto as mãos curiosa e assopro a espuma, sorrio divertida ao observar os resquícios voarem. Esfrego meu corpo com o sabão perfumado recém adquirido e, para finalizar, saio da banheira e a esvazio em seguida só para poder me abaixar e retirar do cabelo o creme que Nádia me aconselhou a usar.  

Passo o hidratante corporal desfrutando seu perfume e a sensação que causa em minha pele após a aplicação. Quando finalmente retiro a toalha do cabelo molhado, desembaraço os fios apreciando a maciez deixada pelo produto. Visto minha roupa íntima, a sensação do sutiã sem alças me incomoda, mas a governanta me afirmou que seria a melhor opção para usar com o vestido quando separou a peça. Quando finalmente estou com o roupão, Nádia aparece para me ajudar com o cabelo e maquiagem. 

Ela seca meu cabelo com o secador deixando-o com leves ondas, em seguida, separa a metade superior e prende as mechas num penteado, finalizando com prendedor dourado com pequenos cristais incrustrados para manter tudo no lugar. Insatisfeita com o resultado, ela separa duas mechas para ficarem soltas na frente, depois desaparece para olhar na caixa e retirar um objeto que definiu ainda mais os cachos. Quando finalmente termina o penteado, usa um spray para fixá-lo.

— Bom, primeiro vou passar um hidratante na sua pele, depois a base, peguei uma com cobertura leve, não precisa de muita coisa nesse rosto quase perfeito – a encaro de volta confusa, parecia conversar mais consigo mesma do que comigo. - Depois um blush rosado para dar uma cor, um delineado para marcar os olhos azuis e máscara de cílios!  

Nádia me encara maravilhada pela sua criação, até que recorda de algo e mais uma vez remexe a caixa em busca do que procura:

— Como poderia esquecer, é o principal – ela contorna meus lábios com o batom escarlate e depois anuncia: - Voilà! Vá se vestir e calçar os saltos, está quase na hora do jantar. 

Me olho no espelho admirada com o reflexo que me encara de volta, o vestido de cetim com alças finas e decote em formato coração está perfeitamente ajustado em meu corpo, como se fosse feito sob medida.

— Fiz alguns ajustes – diz, Nádia. Como se lesse em minha expressão o questionamento.  

Continuo a absorver cada detalhe com atenção, o tecido termina um pouco acima do joelho, seguindo por um leve drapeado e uma fenda lateral que toma conta até metade da minha coxa esquerda. Sigo o olhar em direção aos pés, encarando o salto aberto, preso apenas por algumas tiras prateadas em sua base e em meu tornozelo

— O que achou deles? - Pergunta Nádia.

— Desafiadores – respondo honesta, ainda estou me acostumando a caminhar com os saltos nos pés. - Porque escolheu o vestido dessa cor?

— Não escolhi, Caim pediu, insistentemente, ressalto, por esta cor em específico. O que tornou a busca um pouco mais complicada, muito complicada, diga-se de passagem – admite ao se levantar para sair. - Vou arrumar a mesa, bato na porta para avisar que já pode descer.

Afirmo com a cabeça, meu olhar continua preso no espelho encarando o vestido carmesim em meu corpo, a mesma cor das minhas asas. 

★☆★ 

Após ouvir as batidas de Nádia, permaneci no quarto por mais alguns minutos assimilando a situação, estava certa da minha decisão quando conversei com a governanta, mas a sensação de que estou desapontando minha família martela em minha cabeça insistentemente. Fecho os olhos e respiro fundo, é apenas um jantar, repito mentalmente várias vezes. Escancaro a porta motivada e desço as escadas me apoiando no corrimão, ainda me ajustando aos sapatos.  

Quando chego na sala de jantar, me distraio com o cenário elaborado, a mesa perfeitamente arrumada, vasos com flores enfeitam o ambiente do qual somos iluminados apenas por velas. Caim realmente se esforçou para mudar o local que estamos acostumados a frequentar. Assim que me dou conta de que não estou sozinha, prendo os olhos no homem parado no canto da sala envolto pela escuridão.  

Caim se aproxima mostrando o terno escuro ajustado perfeitamente em seu corpo másculo, o cabelo e a barba foram recentemente aparados, assim como eu, ele também se preparou para o encontro. Me encara com mais seriedade que o normal, seus olhos passam pelo meu corpo como se estivesse admirando o que vê, mas não de uma forma lasciva, e sim imaculada. Retribuo seu olhar e ele percebe, exibindo o sorriso faceiro que me tira do sério, o que indica que fui pega fazendo algo não tão angelical.

— Anjo – diz ao me entregar uma rosa vermelha, mas antes deposita um beijo em minha mão, me cumprimentando. - Estou sem palavras.

— Nádia deve ter feito um trabalho muito bom, você sempre tem algo na ponta da língua.

— Não, por mais que seja grato pela sua ajuda, Nádia apenas ressaltou aquilo que já estava ali. É tudo você, Celeste – ele segura minha mão e me acompanha até a mesa, puxando a cadeira para poder me sentar.  

Sinto meu estômago revirar, mas não de fome, e sim de nervoso. A adrenalina percorre meu corpo como se fosse entrar em combustão espontânea a qualquer momento. Minhas bochechas ardem e encosto o torso da mão no local, que se revela aquecido. Caim percebe minha reação a sua presença e estende ainda mais o sorriso pelo rosto.

Durante o temido jantar, percebo que o nervosismo inicial foi perda de tempo, continuamos conversando normalmente. Como se não fosse uma noite diferente das anteriores, a não ser por um detalhe, dessa vez Caim me dá liberdade total para conversar enquanto ele apenas escuta, me fazendo perguntas ocasionais sobre o Céu e minha rotina. E eu respondia animadamente, como uma lembrança de antigamente.  

Quando finalmente terminamos de comer, ele liga a vitrola e me puxa para uma dança:

— Não sei o que fazer – sussurro envergonhada ao me encaixar em seus braços.

— Apenas me deixe conduzi-la.  

E eu o deixo, sigo seus passos de um lado ao outro durante várias músicas, até que encosto minha cabeça em seu peito e digo pesarosa:

— Talvez eu não volte amanhã.

— Eu sei – responde no mesmo tom.

— Foi por isso que organizou esse encontro?

— Em parte – assume, ele se afasta para que possa me olhar. - Queria testar algo e obtive minha resposta.

— E gostou do que descobriu?

— Não, detestei – responde sincero. 

Finalizo nossa dança, mas o mantenho próximo, o caminho que esse diálogo está tomando me deixa confusa:

— Qual foi o veredicto? - questiono, com receio da resposta.

— Sentimentos não são exclusivos aos humanos – diz simplesmente, arfo surpresa.

— Tenho um pedido... - começo.

— Eu também - ele corta.

— Quero que me beije – dizemos em uníssono.  

A incerteza do desfecho do meu plano me afetou mais do que gostaria de admitir, estar entre os humanos também, ansiava por experiências que poderia não ter acesso depois da chegada do médico encarregado de me ressuscitar. E sentir os lábios de Caim nos meus é uma delas, mas parece que não imaginei o mesmo sozinha.

— Se perdê-la sem saber qual o seu gosto ou a sensação do seu toque, não me perdoarei por não ter tipo a coragem de tomá-la em meus braços. 

Caim permanece parado, como se precisasse de mais uma confirmação para seguir em frente. Insinuo para continuar ao erguer meu rosto e aproximar nossos lábios, ainda assim não o alcanço completamente. Ele me encara com intensidade e desejo, se abaixa para me alcançar, antes de finalmente selar os lábios aos meus, ele apoia sua testa na minha e fecha os olhos pensativo. Como se aproveitasse cada segundo antes do ato em si.  

O beijo é receoso, como se ambos não soubéssemos como reagir. Logo suas mãos percorrem minhas costas, enquanto uma repousa em minha cintura, a outra permanece em meu pescoço. Reproduzo seu movimento ao colocar as minhas em seu peitoral e deslizá-las para sua cintura. Desgrudamos os lábios e o simples toque foi capaz de nos deixar agitados. Ansiosa por mais, tomo a iniciativa e o beijo novamente.  

Dessa vez a experiência é diferente, Caim também sente o mesmo. A urgência do momento e minha inexperiência tornam o contato desajeitado, até que, por fim, nossas línguas parecem trabalhar em conjunto, e nossos corpos seguem o exemplo ao se ajustarem perfeitamente um ao outro. As mãos agarram com força e destreza a carne, as cabeças se movem em sincronia com os lábios.  

Assim como Caim disse mais cedo, também estou sem palavras. Ao imaginar a sensação de ser tocada, não sabia a intensidade do sentimento. Meu corpo tem vida própria e é movido pela luxúria momentânea. A diferença de altura me atrapalha, interrompo o beijo ao anunciar:

— Me pegue – pulo em seus braços, prendendo as pernas em sua cintura. Caim semicerra os olhos com o ato, nossos rostos colados, a respiração irregular. 

— Anjo - roga com a voz arrastada e grave ao aproximar sua boca da minha, me arrepio.

Estamos a centímetros de completar a ação, mas somos interrompidos por batidas na porta. Ouvimos atentamente, sem desprender nosso olhar, enquanto Nádia recebe Thomas. O médico finalmente chegou para completar a tarefa imposta por Caim, a de me matar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Queda Divina" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.