Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 24
Capítulo 24




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Dizer que eu estava desconfortável era pouco, eu não tinha ideia do que fazer a seguir. Para me livrar da obrigatoriedade de dizer alguma coisa, apanhei a fatia de pizza da mão do Harry, que ele já tinha até começado a comer, e dei uma mordida maior do que minha boca conseguia suportar. Aquilo seria suficiente para evitar que eu precisasse dizer alguma coisa, felizmente meu namorado não questionou a atitude e apenas se inclinou para pegar outro pedaço para ele.

Meus pais continuavam sentados, os dedos entrelaçados nos próprios colos, sem saber direito o que fazer a seguir. Olívio era o que estava mais perto deles, então foi o que se manifestou primeiro.

—Ginny, tenha modos e sirva seus pais! 

Gesticulei exageradamente para mostrar que estava mastigando enquanto os outros riam.

—Alguém tem que ser educado no lugar da filha de vocês. - Ele falou e se levantou. - Não precisam ficar envergonhados, vocês querem pizza de que?

—Pode ser qualquer uma, querido. - Minha mãe respondeu ainda sem saber direito como interagir com eles.

—Que isso, não, vocês tem que escolher o que gosta. Tem de queijo, Margherita, frango, uma esquisita com abacaxi que a Hannah gosta, atum e… o que é isso aqui mesmo, Colin?

—Linguiça vegetariana com espinafre.

—Você é vegetariano desde quando?

—Não sou, só gosto dessa linguiça.

Olivio rolou os olhos para ele e olhou para os meus pais outra vez.

—Então, o que vocês querem?

—Atum para mim, por favor. - Meu pai foi o primeiro a responder.

—Ah, agora sabemos quem a Ginny puxou, porque só ela come esse negócio. - Parvatti falou enquanto Olivio o servia. - Sem ofensa, Sr. Weasley, apesar de você e da Gin gostarem do mesmo sabor, só estou criticando o gosto dela, o do senhor é impecável.

Para o meu espanto, meu pai riu. Foi contido e ainda sem saber bem como responder, mas eu conhecia aquele sorriso e era genuíno.

—Sra. Weasley? - Olivio continuou a cortesia.

—Frango para mim, meu bem, por favor.

—Aqui, prontinho. Cerveja?

—Ah não obrigada, nós não bebemos.

—Vocês querem suco de laranja, Molly? Acho que tem na geladeira. - Harry ofereceu e se levantou para ir até lá.

Agora estávamos todos acomodados, comendo e bebendo. Por um minuto ninguém falou nada, até que Katie se virou para mim:

—Gin, o que você ia contar antes e acabou não terminando? Algo sobre o modelo do ensaio de ontem ter demorado horrores pra conseguir fazer as fotos?

De todos os assuntos para começar aquela noite, minha amiga não poderia ter escolhido um pior.

—Era só isso mesmo, por isso demoraram mais pra liberar a equipe. - Encurtei a história o máximo que eu podia.

Uma olhada rápida e notei que meus pais continuaram comendo quietos, sem esboçar nenhuma reação.

—Odeio quando isso acontece, ficamos presos quase uma hora e meia depois do nosso horário, atrapalhou todo o planejamento da minha noite. - Olivio resmungou.

—Seu planejamento de ir para casa dormir? - Perguntei sarcástica.

—É um compromisso importante, eu encaro com tanta responsabilidade quanto se fosse com outra pessoa.

—Mas só uma hora e meia nem é tanto assim, isso é normal quando tem algum problema urgente que acontece no final do dia. - Harry se pronunciou.

—Harry querido, alguns de nós escolheu bem a profissão e não precisa normalizar esse tipo de coisa. - Colin falou condescendente, nos fazendo rir e Harry rolar os olhos pra ele.

—Seja educado Colin, dessa vez temos mais um representante do mundo corporativo aqui. - Hannah o lembrou, apontado para o meu pai.

—Ah é verdade, o senhor era contador, não era Sr. Weasley? Gin sempre comentou que o senhor é ótimo em matemática e era o melhor em ajudar com a lição de casa. Conte pra nós, meros mortais, qual a sensação de entender aquilo?

Meu pai ficou vermelho e olhou brevemente para baixo, como se não estivesse esperando aquele comentário positivo vindo de mim, ou talvez de um dos meus amigos, era difícil dizer.

—Que exagero, a Ginny sempre foi muito boa com números sem a minha ajuda, eu só tentava deixar a matéria um pouco mais interessante.

—O senhor ainda atua na área?

—Não profissionalmente, estou aposentado há quase dois anos e agora faço parte do conselho municipal do nosso bairro como voluntário. É um bom exercício para não deixar esse cérebro cansado enferrujar de vez.

—E trabalho voluntário aquece o coração um pouquinho, né? Eu faço também. - Hannah comentou.

—Mesmo? Qual a sua função na equipe, querida? - Minha mãe perguntou, genuinamente interessada.

—Na equipe eu sou maquiadora, mas antes disso eu trabalhava como cabeleireira, então agora eu faço trabalho voluntário num orfanato, cortando os cabelos das crianças. De vez em quando também faço uma maquiagem rápida em quem quiser se maquiar, as crianças ficam loucas. É muito legal, eu adoro.

—Que generoso da sua parte. - Meu pai comentou e ela deu de ombros como se não fosse nada demais.

A conversa continuou entre um assunto e outro enquanto as pizzas iam sendo finalizadas. A presença dos meus pais deixou o consumo de álcool mais lento, mas todos pareciam estar se divertindo muito bem, mesmo sem algumas cervejas a mais. O mais curioso daquilo tudo, no entanto, era ver meus pais realmente interagindo com eles e cada vez mais a vontade.

Eu ainda estava dividida demais com tudo aquilo para saber o que pensar da situação. Ainda que o receio de que aquele encontro virasse uma catástrofe estivesse cada vez menor, minha mente ainda estava a mil tentando entender a lógica de tudo aquilo. Eu queria um espaço para conseguir respirar um pouco, o que felizmente consegui quando o celular da Katie tocou e todo mundo ficou em silêncio para ela conseguir atender.

—Vou levar algumas caixas vazias para a cozinha enquanto isso. - Falei a primeira desculpa que me veio a cabeça e me levantei.

Colin fez menção de se levantar do chão para me ajudar, mas Harry o interrompeu.

—Pode deixar que eu a ajudo, continue descansando das suas menos de duas horas extras de ontem.

Em dois, só precisamos de uma viagem para carregar tudo, deixei o conteúdo das minhas mãos em cima da pia e me apoiei na lateral com os olhos fechados, tentando frear o turbilhão de pensamentos que tentava montar o quebra cabeça que era as últimas duas horas de acontecimentos.

—Hey. - Harry me puxou de frente para ele e prendeu os braços ao meu redor. - Tudo bem?

—Eu não sei, eu não faço ideia de que loucura está acontecendo ali, então não sei se está tudo bem. Como eu ia imaginar isso, Harry? Meus pais e os meus amigos da equipe comendo pizza e tomando cerveja juntos num sábado a noite? - Terminei a frase meio esganiçada. - Eu estou o tempo todo esperando tudo virar um desastre e estragar minha relação com todo mundo ali.

—No começo eu também estava com medo, mas vendo como as coisas estão indo eu acho difícil isso acontecer, Gin. 

—Eu não sei o que pensar, alguém vai precisar me explicar muito bem o que está acontecendo aqui, porque sozinha eu não estou sendo bem sucedida em entender.

—Eu acho que eles querem se desculpar. - Meu namorado opinou.

—Eu duvido muito, eles nunca fazem isso.

—Bom, eles também nunca comem pizza com seus amigos num sábado a noite, comem?

Eu não tive o que responder para aquilo, então só apoiei o rosto em seu peito e suspirei.

—Vai ficar tudo bem, tenho certeza de que eles só querem conversar. - Me permiti relaxar no abraço que ele me deu e fiz que sim com a cabeça, ainda de olhos fechados e aspirando seu cheiro.

—Será que pega mal se eu tomar uns quinze shots de vodka antes de dormir? Preciso de alguma coisa pra me ajudar a apagar depois que essa noite acabar.

—Se você quiser, eu te faço esquecer até de si mesma depois que essa noite acabar, garota. E nem vai estragar seu fígado. - Olhei para cima e encontrei seu olhar e o sorriso de canto em seu rosto, que ele abaixou o suficiente para respirar perto da curva do meu pescoço. - A única coisa que você vai se lembrar é do meu nome.

—Convencido, Potter. Mas tentador.

Ele riu e beijou meu pescoço antes de se levantar com um sorriso divertido, Harry sabia como me fazer rir quando eu estava tensa.

—Vem, vamos voltar antes que alguém estranhe a demora.

Ele plantou um beijo rápido no topo da minha cabeça, pegou minha mão e caminhamos juntos para o cômodo ao lado. Antes mesmo de chegar ao nosso destino, ouvi a voz da minha mãe naquele tom típico de quem estava explicando alguma coisa, com paciência e afeição na voz.

—Não querida, samambaias não se dão bem na varanda se for muito exposta. - Ela estava inclinada e Parvatti prestava atenção a cada palavra que ela dizia. - Lá elas vão pegar sol e não são plantas pra isso, coloque dentro de casa, perto da janela e regue pouquinho, você vai ver que logo ela cresce e começa a ficar caída no vaso, ficam lindas.

—Então deve ser isso que eu estou fazendo errado, porque a minha não cresce e aí eu achei que era falta de água, agora nem verde ela está mais.

Olivio riu e se juntou à conversa:

—Amiga, aceita que você não nasceu para isso. - Antes de continuar, ele se virou para a minha mãe. - Sra. Weasley, no ano passado ela conseguiu matar um cacto.

Minha mãe riu com isso, e os dois acabaram rindo com ela. Ao lado, meu pai estava explicando ao Colin alguma coisa sobre imposto de renda, mas não prestei atenção.

Os dois ainda não pareciam completamente a vontade, eu conhecia a postura um pouco rígida e expressões contidas, mas como meu namorado tinha me dito, não havia nenhuma hostilidade presente no ambiente. Não fosse a minha própria tensão, isso seria só mais uma noite como algumas outras em que nos reunimos na casa de alguém do grupo, e por algum motivo os pais estavam presentes.

Harry e eu voltamos a nos acomodar onde estávamos, Katie se virou para mim assim que me sentei.

—Minha mãe te mandou um beijo, Gin.

—Claro que mandou. - Colin ironizou e se virou na direção dos meus pais. - Ginny é a encantadora de pais do grupo, todos os pais a amam.

—Não exagera, Colin. - Falei entre mais um gole da minha cerveja.

Meus pais olharam curiosos de mim para eles, uma pitada de constrangimento em seus semblantes e eu sabia que isso se devia ao entendimento implícito de que eles eram os únicos pais que ainda não tinham sido apresentados.

—Mas é verdade. - Hannah corroborou. - Gin é meu coringa, só preciso dizer que estou na casa dela e magicamente está tudo bem.

—Os meus pais vão ainda mais longe. - Olívio falou. - O sonho da minha mãe seria eu chegar em casa um dia dizendo que Ginny e eu vamos nos casar.

—O casal do século. - Parvatti ironizou.

—Mas não precisa se preocupar Harry, felizmente para você ela não faz o meu tipo.

—E quem disse que você faz o meu? - Perguntei, mas fui ignorada porque ele se virou para os meus pais com certa pressa.

—Não que a filha de vocês seja feia, por favor não me entendam mal.

—Aliás, agora a gente sabe a quem ela puxou, principalmente o cabelo que todas nós sempre quisemos ter. - Hannah olhou para a minha mãe com admiração, fazendo-a corar.

—Oh meu bem, imagina.

Eu já tinha notado que desde que chegaram, meus pais lidavam melhor com a situação quando estavam sendo apenas expectadores ou participando de conversas genéricas. A cada elogio destinado a eles, cada menção de algo que eu falava dos dois e cada sinal óbvio de que apesar de tudo, eu criei para eles uma boa imagem dentro do meu grupo social, os deixava mais deslocados e, eu podia ver, de certa forma envergonhados.

—Mas a Gin sempre disse que tinha puxado os cabelos dela. - Colin interveio. - Confirmamos que é verdade, agora resta saber se o bolo de frutas vermelhas é tudo isso que ela diz mesmo.

Notei aquela mesma expressão de constrangimento encobrir um pouco seu rosto e dessa vez eu achei que fosse melhor intervir. Uma coisa era um encontro inesperado na minha casa, outra completamente diferente era o auto convite implícito para que minha mãe faça um bolo para eles.

—E desde quando eu minto pra vocês, gato? Sou uma pessoa de muito bom gosto, se eu digo que é o melhor bolo do mundo, é porque é.

—Muito bom gosto é altamente questionável, gata… não por causa de você, Harry, você está mais do que aprovado.

Rolei os olhos em sua direção e Harry riu junto com os outros, antes que o assunto se estendesse minha mãe voltou a se pronunciar e as atenções voltaram-se a ela:

—Eu sempre faço esse bolo para o aniversário da Gin e já é daqui algumas semanas, porque vocês todos não vem também esse ano? Eu faço um bolo maior e todo mundo tira suas conclusões.

Todas as vozes ao meu redor se tornaram um coro de concordância e empolgação, meus amigos sabiam muito bem como mostrar animação e não estavam poupando esforços. No meio daquilo tudo, o olhar da minha mãe se cruzou com o meu e dessa vez nenhuma de nós duas desviou o rosto de imediato, nos encaramos por alguns segundos até ela se virar para responder para um deles que não precisavam se preocupar em levar nada.

Dentro de mim, qualquer dúvida sobre aquele encontro ser o primeiro passo deles em se desculparem se dissipou por completo, dando espaço para nascer uma incerteza inesperada sobre como lidar com aquilo.

Parecia estranho pensar nisso dessa maneira, mas por mais que me deixasse triste e irritada, eu sabia muito bem lidar com a implicância. Esse cenário de agora, no entanto, com meus pais convidando amigos sobre os quais eles nunca quiseram saber um detalhe sequer, para passar um dia inteiro na casa deles era novo. Principalmente considerando que eu sabia perfeitamente bem que o único objetivo com aquele gesto era o de me agradar.

Disfarcei a minha falta de reação tomando mais um longo gole da minha bebida, que infelizmente acabou antes do que deveria. A conversa se estendeu por mais poucos minutos, até Olívio cortar o assunto:

—Vamos indo galera? Já são quase dez da noite e nem deixamos os Srs. Weasleys falarem com a Gin em paz.

Assim como todos eles, eu também me alarmei ao ouvir as horas, porque o tempo tinha passado depressa demais. Aquilo me deixou alarmada também, porque cada minuto a mais deles ali significava um minuto mais longe de uma conversa que eu queria muito ter, mas tinha um pouco de medo do resultado.

Um por um eles se levantaram e se despediram, trocando beijos e abraços com meus pais, comigo e com Harry, reafirmando uma vez mais que estariam no meu aniversário e agradecendo pela companhia.

—Nós que agradecemos pela pizza e pela noite, crianças. - Meu pai respondeu, cortês.

Apenas alguns minutos depois a minha sala, até então cheia de gente, se encontrou com apenas quatro pessoas. Ninguém parecia estar confortável, mas entre todos nós o mais deslocado era Harry, coitado. Meus pais e eu tínhamos uma razão prática para estarmos ali, meu namorado só não sabia o que todo mundo esperava dele.

Tê-lo ali do lado era uma ideia tentadora, mas eu sabia que Harry não cabia nesse assunto. Tenho certeza que ele sabia disso também, só não tinha certeza de como sair sem parecer rude.

—Vocês fiquem a vontade, vou só recolher as garrafas com o Harry e já volto.

Ele entendeu a deixa e veio atrás de mim, mal chegamos na cozinha e ele perguntou:

—Você quer que eu fique? - Achei fofo ele ter oferecido, mas seus olhos gritavam que ele preferia ir embora.

—Não, acho melhor eu falar com eles sozinha. Você pode ir embora com meu carro, se não quiser caminhar a essa hora da noite.

—Vou fazer isso então, obrigado. Vou ficar acordado também, se você quiser conversar depois.

Sorri para ele em agradecimento e voltamos para a sala para terminar a tarefa. Harry foi ao meu quarto tempo suficiente para calças os tênis e pegar as chaves do carro. De volta à sala, demorou apenas tempo suficiente para se despedir.

—Tchau Molly, Arthur. Bom ver vocês.

—Já vai, querido? - Minha mãe perguntou em meio a um abraço carinhoso e fraternal.

—Sim, está ficando tarde para mim também.

Eu o acompanhei até a saída e trocamos um selinho carinhoso que a porta atrás de mim encobriu.

—Boa sorte. - Ele sussurrou baixo o suficiente para eu quase não escutar.

Assenti e o beijei novamente.

—Cuidado no caminho, mais tarde eu falo com você.

Harry se virou em direção às escadas e eu voltei para dentro do apartamento. Meus pais continuavam sentados no mesmo sofá, mas agora a mesma expressão de indecisão e tristeza de quando chegaram estava mais presente do que nunca. Nem se eu tivesse uma semana de aviso prévio para me preparar para aquele momento, eu não conseguiria. Então apenas respirei fundo, me sentei na poltrona de frente para eles e esperei.

Por um momento ninguém disse nada, os dois se entreolharam e minha mãe se virou para mim antes de quebrar o silêncio:

—Eles são muito simpáticos, os seus amigos.

A primeira mudança apareceu aí, pois essa era a primeira vez que ela os chamava de meus amigos.

—Sim, eles são ótimos.

—E eles nos trataram tão bem… - O comentário veio acompanhado daquela mesma expressão desconcertada de quando algum elogio era direcionado a eles.

—Não era o que vocês esperavam?

Nenhum dos dois respondeu a esse comentário, e eu achei melhor não insistir no assunto para não deixar o ambiente ainda mais pesado.

—Como você tem passado, meu bem? - Meu pai perguntou antes que o silêncio se tornasse desconfortável.

—Bem, o mesmo de sempre. E vocês?

O semblante desanimado dos dois não me ajudou a acreditar quando disseram que estavam bem também.

—Estivemos preocupados com você. - Minha mãe emendou logo depois. - E sentimos saudades também, nunca antes ficamos tanto tempo sem nos vermos.

—Eu senti saudades também. - Optei por ser honesta aqui.

—Você nunca mais apareceu para os nossos almoços.

—Não senti vontade de ir. - Continuei com a sinceridade.

Essa verdade pareceu machucá-los e eu me senti um pouquinho culpada, mas se eu queria uma relação melhor para mim, deveria dizer tudo o que estava sentindo.

—Por causa da nossa última conversa? - Meu pai perguntou.

—Não, por causa de tudo. Vocês são meus pais e eu amo vocês, mas eu gostaria de querer passar tempo com vocês porque sei que vai ser agradável e construtivo, e não sentir essa obrigação de estar presente porque caso contrário uma tempestade se formaria. Muitas e muitas vezes antes eu também não quis ir para o almoço de domingo, depois da nossa última conversa eu só respeitei minha própria vontade.

—Você nos deu muito em que pensar em nossa última conversa, meu bem. - Minha mãe falou, os olhos pregados nas próprias mãos. - Não foi fácil ouvir tudo aquilo.

—Não foi fácil dizer também, mas aquela é a verdade de como eu me sinto.

—Por que você nunca nos disse antes, Ginny? - Meu pai perguntou com o rosto cansado, como se estivesse se questionando aquilo por vários dias.

—Porque eu nunca senti que o jeito que eu me sentia importava. - Não precisei nem pensar para responder a essa questão. - Como eu me sentia não importou quando eu comecei os meus estudos, não importou quando eu trabalhei num emprego que odiava, nunca importou em todas as vezes que vocês falavam muito mal de coisas que eu amo. O que me faria pensar que como eu me sinto importa agora?

Nesse momento minha mãe derramou uma lágrima e eu precisei desviar o rosto para não chorar também.

—É muito difícil enxergar que mesmo com a melhor das intenções, fizemos tudo errado. Nós amamos você, minha filha, tanto quanto amamos o seu irmão, e gostaríamos muito que você acreditasse que nada disso foi feito com outro objetivo que não te ver feliz.

Meu pai afagou as costas dela e se virou para mim para continuar o que minha mãe não conseguiu concluir:

—Mas aparentemente nós erramos com você e reconhecemos que somos nós que precisamos consertar isso. - Eu podia sentir no tom de sua voz que não estava sendo fácil dizer aquelas palavras, mas eu queria e precisava ouvir cada uma delas. - Nós nos sentimos muito orgulhosos da sua independência, mas gostaríamos que a nossa casa fosse a sua casa também sempre que você quiser ou precisar de um refúgio.

Dessa vez eu que precisei desviar o olhar para limpar rapidamente uma lágrima que caiu, porque eu queria aquilo também.

—Eu adoraria também, mas isso não vai se construir assim de um dia para o outro só com uma conversa. Hoje, a casa de vocês é um dos lugares onde eu menos sinto que posso ser eu mesma, e isso vem de tanto tempo que eu não sei quanto tempo mais eu precisaria pra mudar isso dentro de mim.

—Nós sabemos, meu bem. Mas estamos muito dispostos a criar essa relação pouco a pouco, só nos dê a chance de fazer isso. - Minha mãe pediu com a voz mais estável. - Queremos saber como você está, se está tudo bem ou se tem algum problema, queremos ser pra quem você pede ajuda se precisar. Queremos você conosco nos domingos, como sempre foi.

—Mas eu não quero ter que estar lá todos os domingos, mãe. - Joguei os cabelos para trás por puro hábito, antes de continuar. - Por mais que nossa relação seja maravilhosa, a obrigação de estar lá todos os domingos tira um pouco o prazer do momento. Vão ter domingos em que eu vou querer estar em outro lugar, ou só em casa mesmo e eu quero que isso não signifique uma recepção de cara fechada pra mim da próxima vez que a gente se ver. Do mesmo jeito, vão ter semanas que eu vou querer ir depois do trabalho, ou algum outro dia. Eu quero esse contato e quero essa relação próxima, mas não como uma obrigação semanal, me entendem? Eu preciso de espontaneidade.

Eles me olharam como se nunca tivessem olhado a situação por aquele ângulo, o que era uma característica muito marcante dos meus pais. Do mesmo jeito que eu tinha acabado de dizer que precisava de espontaneidade, eles precisavam de uma rotina pré estabelecida e imutável. 

—Claro que você pode ir quando tiver vontade, meu bem. Só achamos que ter um dia fixo para nos encontrarmos seria uma boa maneira de ter você e Ronald reunidos também.

—Tenho certeza que o Ron concorda comigo que podemos nos reunir todos juntos sem isso. Nós dois já nos encontramos tanto fora dos almoços de domingo, seja sozinhos ou com Harry e Mione.

Eles não responderam nada, então ficamos em silêncio por um tempo.

—Vocês convidaram meus amigos do trabalho para o meu aniversário. - Afirmei depois de um tempo, iniciando novamente a conversa.

—Sim, vai ser bom poder retribuir a gentileza com que nos trataram hoje.

—Em algum momento eles vão falar de trabalho, contar histórias do estúdio, comentar dos ensaios. - Não precisei dizer mais do que isso para que eles entendessem minha preocupação.

—Isso tudo faz parte do que te faz feliz, não faz querida? - Minha mãe respondeu simplesmente, como se fizesse todo o sentido. - Vamos nos acostumar com isso.

Por um tempo, eu não soube o que dizer. Era difícil mudar uma dinâmica estabelecida há tanto tempo, mas eu sentia que nesse caso precisaria embarcar nessa tentativa com eles. Vendo que eu não disse nada, minha mãe se levantou de onde estava e sentou-se ao meu lado.

—Pais também erram, Ginny. - Ela colocou a mão nas minhas costas e me afagou levemente. - Nós nunca deveríamos ter feito você se sentir assim, lamentamos muito mesmo que isso tenha acontecido e estamos aqui para pedir desculpas e mudar isso, pois acreditamos que seja possível.

Ao invés de responder com palavras que eu não tinha, me inclinei e aceitei o abraço que eu queria e sentia falta. Seus braços me envolveram de bom grado e senti seu rosto apoiado no meu cabelo.

—Você é nossa menina e nós te amamos do jeito que você é, desculpa se em algum momento fizemos parecer diferente.

Concordei com um aceno e continuei em seu abraço confortável por algum tempo. Era bom estar ali de novo, afinal colo de mãe sempre carrega aquela sensação confortável de lar. Meu pai nos deu esse tempo, mas também me abraçou depois que nos separamos.

—Você não andou se alimentando muito bem por essas semanas, não foi? Estou te achando um pouco magrinha demais. - Ela perguntou depois de um tempo, o olhar avaliador sobre mim.

Aquele comentário me fez rir, porque se havia qualquer coisa mais característica de Molly Weasley do que querer entupir todo mundo de comida, eu não saberia dizer.

—Eu te garanto que meu peso não mudou nada nesse tempo, mãe.

—E eu notei que você ainda não arrumou aquela segunda trava da sua porta, Gin. - Meu pai falou com o tom sério. - Eu te disse para me avisar se não encontrasse alguém para consertar, não é seguro você deixar sua porta desprotegida desse jeito.

Arrumei mais uma desculpa para a trava que eu nunca lembrava de mandar consertar, e nem via necessidade para tal, e fiquei sentada ali entre os dois por mais um tempo. Não era uma cena típica, meus pais não costumavam vir a Londres com frequência e nem saíam de casa no sábado a essa hora da noite. Eu podia ver em seus semblantes como estavam cansados, mas era legal passar esse tempo com eles.

Como eu disse, eu não acreditava que tudo fosse se resolver magicamente, mas era bom sentir que esse primeiro passo tinha vindo de livre e espontânea vontade. 

—Vocês gostariam de ficar para dormir? - Perguntei quando minha mãe bocejou e meu pai olhou as horas no relógio de pulso.

—Não meu bem, muito obrigada, já vamos indo para casa.

Eu não esperava realmente uma resposta positiva, eles odiavam dormir fora de casa.

—Te vemos amanhã para o almoço?

—Amanhã não posso, Harry e eu combinamos de almoçar com a Luna. Mas semana que vem estarei lá.

Se eles não gostaram dessa resposta, foram muito bons em disfarçar.

Nos abraçamos mais uma vez quando eu os levei até a porta, e foi impossível não sorrir quando fiquei sozinha no meu apartamento. Se no início daquela noite eu estava me sentindo prestes a explodir, nesse momento eu não poderia me sentir mais leve.

Me preparei para dormir e deitei em minha cama com o celular a postos para contar ao Harry como as coisas tinham acontecido, pois se bem o conhecia ele estava aguardando a postos para compartilhar comigo o desfecho daquela visita.


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Notas finais do capítulo

Não sei vocês, mas eu estava ansiosa demais pra esse encontro da nossa garota com os pais. E me diverti muito escrevendo a cena de todo mundo junto nesse encontro improvável, espero que vocês tenham gostado também.
Não deixem de me dizer nos comentários.
Beijos e até daqui duas semanas



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