Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 2
Capítulo 2




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Sessões com a luz do amanhecer eram uma morte lenta, porque eu nunca havia sido o tipo de pessoa que acorda cedo com um sorriso no rosto. Infelizmente elas eram mais comuns do que eu gostaria entre o fim da primavera e início do outono, quando o clima estava agradável o suficiente para os modelos não pegarem uma pneumonia.

Hoje era um desses dias em que o trabalho me obrigou a sair de casa às quatro da manhã para chegar na estação de trem abandonada antes do sol nascer. A equipe e o modelo já estavam no local com tudo preparado. Colin Creevey, o figurinista, chegou até mim com uma caneca de chá que eu agradeci com um beijo estalado em sua bochecha.

—O que me espera?

—Estrelinha, mas do tipo empolgado, ainda não consegue acreditar que está aqui.

—Qual o tema do ensaio?

—Algo entre operário e maquinista, trouxemos até uma caixa de ferramentas.

—Ai, por favor. - Franzi o cenho e ele riu comigo. - De quem foi essa ideia?

—Do agente dele e a direção de cenografia achou que ficaria legal, então quem somos nós para discutir, não é?

Os primeiros raios de sol começaram a aparecer por sobre os muros, trazendo a iluminação que estávamos esperando, e a produtora acenou para mim indicando que era hora.

—Qual o nome do bonitinho? - Deixei minha caneca no trailer de produção e perguntei ao Colin.

—Will, uma gracinha.

Peguei a bolsa com as minhas lentes, enrosquei a câmera no pescoço e caminhei por entre os trilhos até o amontoado de pessoas ao redor do rapaz que posaria para mim em alguns minutos.

—Oi Will, tudo bem? - Me estiquei nas pontas dos pés e o cumprimentei com dois beijos no rosto. - Eu sou a Gin e vou fazer as suas fotos. É sua primeira vez?

A prática me ensinou que proximidade e um pouco de intimidade deixava todo mundo mais confortável.

—Fora de estúdio sim. - Como o Colin disse, ele era todo sorrisos.

—Não é tão diferente, só relaxe e vamos fazer um ótimo trabalho juntos, tudo bem? Se tiver qualquer problema é só me avisar. Pronto para começar?

Dei sinal para que as poucas luzes necessárias fossem ligadas e começamos a sessão. Ele era desinibido e deixou o trabalho mais fácil e rápido. Duas horas depois, quando o dia já estava totalmente claro, terminei de mostrar a ele e seu agente a prévia das fotos na pequena tela da câmera, o parabenizei pelo resultado, agradeci a todos os elogios que ele me lançou, e me preparei para voltar para casa.

Além da luz sem igual nas fotos, a única vantagem desses ensaios era terminar o expediente quando toda a cidade ainda estava se preparando para iniciar o dia. Estacionei de volta na rua do meu prédio alguns minutos antes das oito da manhã e caminhei até a Starbucks mais próxima, que ficava do outro lado do parque onde eu havia feito as fotos de Izzie alguns dias atrás.

Eu já imaginava que a fila estaria grande àquela hora da manhã, mas não me importei em aguardar a minha vez enquanto observava as pessoas apressadas ao redor, a maioria usando roupas sociais e com os celulares nas mãos, um contraste engraçado com minha calça jeans rasgada nos joelhos, botas Dr Martens, crop top e cardigan longo, que havia sido a minha roupa de trabalho naquela manhã de clima agradável.

Corri os olhos novamente por entre os outros clientes e meu olhar se deteve em um blazer azul marinho que eu achava já ter visto em algum lugar. Quando o dono do casaco se virou o suficiente para eu ver seu perfil, confirmei minhas suspeitas.

—Potter. - O atendente atrás do balcão chamou e o rapaz para quem eu olhava se adiantou e pegou seu copo.

Pelo amor de Deus, quem da o sobrenome numa Starbucks? O observei parar no balcão ao lado e virar dois envelopes de açúcar dentro da bebida, tampar novamente o copo e caminhar em direção à saída, perto de onde eu estava parada.

—Oi Potter. - Cumprimentei discretamente quando ele passou do meu lado.

Ele olhou confuso para o lado, procurando de onde o som havia vindo, e encontrou meu olhar um segundo depois. Sorri e pisquei para ele no momento em que vi o reconhecimento em seu rosto e, assim como no dia em que nos vimos no parque, suas bochechas ficaram levemente coradas.

—Oh, oi. - Ele lançou um sorriso sem graça na minha direção e continuou seu caminho apressado.

Era fofo que ele ficasse com as bochechas vermelhas, e curioso encontrá-lo aqui a essa hora da manhã. Estávamos em uma área relativamente residencial, apenas alguns pequenos comércios e restaurantes ao redor, o que significava que ele provavelmente morava por perto. Sendo o caso, dividíamos o mesmo bairro.

Quando minha bebida ficou pronta, peguei meu chai latte e me acomodei em um dos bancos, apreciando-o sem nenhuma pressa enquanto todos ao redor pareciam estar correndo. Tirei o celular do bolso e abri o Instagram para passar o tempo. Rolei a tela inicial por alguns minutos e cliquei nas minhas notificações. A última foto que eu havia postado tinha recebido recebido alguns likes novos desde a noite anterior e eu passei os olhos brevemente pelas notificações, até que um usuário me chamou a atenção: @hj.potter.

Estreitei os olhos para a tela e me ajeitei no banco antes de clicar no perfil dele, porém não foi com surpresa que eu percebi que sua conta era privada, com nada além de H. J. Potter na bio. Mas também o que eu estava pensando? Ele da o sobrenome na Starbucks, claro que não vai ter uma rede social aberta. Já era praticamente um milagre que tivesse uma rede social, para começar.

Olhei a foto de perfil com atenção e sem dúvida nenhuma se tratava do tal Potter que lia jornal no parque e aparentemente não dava seu telefone a estranhas. Talvez ele gostasse de dar seu telefone a estranhos, ponderei a possibilidade. Como eu precisava de mais informações para saber por qual gênero de desconhecidos ele se interessava, cliquei no botão azul embaixo de sua foto e enviei uma solicitação para segui-lo. Em seguida cliquei no link para enviar-lhe uma mensagem privada:

“Aparentemente eu falhei em manter minha conta anônima para todos os seguidores.”

Cliquei em enviar, terminei minha bebida e voltei para casa. Ainda não eram nem dez da manhã quando cruzei a porta de entrada do meu apartamento, então fui direto para a cama, compensar as horas perdidas de sono.

Quando acordei e puxei meu celular para ver as horas, o que prendeu minha atenção não foi exatamente o relógio, mas sim a notificação de mensagem recebida no Instagram. Imediatamente mais desperta e com a curiosidade aguçada, me acomodei de lado no travesseiro e abri o aplicativo.

“Falhou parcialmente, até cinco dias atrás eu não fazia ideia de quem era o olhar por trás dessa conta. Belas fotos.”

Fazia cinco dias que eu havia postado a foto que tirei dele no parque, então isso queria dizer que ele já me seguia antes disso.

“A proposta ainda está de pé, posso te enviar algumas delas em tamanho e resolução originais.”

Minha mensagem foi lida quase imediatamente, e eu esperei sua resposta com o aplicativo aberto.

“É, eu sei. Só preciso te dar meu telefone.”

Eu achava o clima de provocação interessante, então resolvi subir minha aposta:

“Isso era antes, agora eu quero um encontro.”

Como da outra vez, ele leu minha mensagem assim que a enviei, mas dessa vez sua reposta demorou um pouco mais e, quando finalmente chegou, ele não havia enviado nada além de um emoji com a mão cobrindo o rosto.

Nossa conversa acabou ali e me deixou ponderando por alguns minutos o fato de que ele não havia dito sim em nenhuma das duas vezes que pedi seu contato, mas também não havia dito não. Assim como não havia aceitado minha solicitação para segui-lo, mas também não tinha recusado. Quem sabe um dia, pensei comigo mesma e me levantei para aproveitar o resto da tarde.

O final de semana chegou rápido. Levantei empolgada no sábado, pois havia marcado com Luna e Nev de passar o dia com eles e levar as fotos da Izzie, que eu havia finalizado na noite anterior. Passei numa padaria que eles gostavam e levei nossa sobremesa preferida.

Eu adorava todos os momentos que passava com eles, porque aqueles três conseguiam me fazer sentir em casa como ninguém mais. Nós não poderíamos ser mais diferentes, qualquer pessoa que olhasse de fora diria que nem somos do mesmo mundo, mas não fazia a menor diferença porque no fundo concordávamos com a verdade mais importante para o bom convívio social: pessoas devem ser quem elas quiserem ser.

Para mim, a maior prova disso era o convívio direto que a filha deles tinha comigo e como essa relação era incentivada. Eu era a pessoa com quem Izzie ficava para os pais saírem a noite e eu sabia que isso não mudaria, pois eles sabiam que eu a protegeria e cuidaria da forma como ela merece ser cuidada e protegida.

Depois de um sábado cheios de risadas de criança, comida boa e conversas leves e agradáveis, no domingo eu acordei cedo para o almoço na casa dos meus pais.

Cheguei alguns minutos antes do horário marcado e os encontrei sentados na cozinha, o almoço já no forno. Cumprimentei os dois com um beijo no rosto, respondi que estava bem e me sentei em uma das cadeiras.

—Cadê o Ron?

—Ainda não chegou, deve ter acordado tarde coitado, eles nos disse que estava trabalhando bastante essa semana. - Minha mãe respondeu com orgulho.

Já fazia muito tempo que eu havia passado da fase de reclamar sobre os dois pesos e duas medidas que meus pais usavam para medir o meu comportamento e o do meu irmão. E na verdade eu nunca cheguei a questionar a total falta de consideração deles com o meu trabalho e os meus horários loucos, pois eles sempre deixaram claro que não estavam interessados. Mas ainda que eu não reclamasse e uma parte de mim de fato não ligasse, eu ainda notava cada uma dessas diferenças como se elas viessem em luzes de neon, impossíveis de passar despercebidas.

Me acomodei no sofá e passei um tempo no celular até o almoço ser servido, o que aconteceu apenas depois que meu irmão chegou. Questionei onde estava Hermione quando o vi chegando sozinho, e ele informou que ela não pôde vir porque havia marcado algo com um amigo, mas mandou beijos para todos.

Uma coisa podia-se dizer com certeza da minha mãe: a comida dela era sem igual, e pelo tamanho do prato do Ron ele concordava plenamente. Assim como toda mãe, mesmo que a gente se levantasse da mesa com os botões das calças abertos e se arrastando pela casa, ela nunca achava que havíamos comido o suficiente e sorria de orelha a orelha quando alguém se esticava para repetir.

—Estava tudo maravilhoso, mas eu vou precisar sair dessa mesa rolando. - Ron falou com a voz preguiçosa quando terminou seu almoço.

—Eu também, acho que não aguento mais uma azeitona. - Concordei e meus pais riram.

—Gin, meu bem, eu fiz aquela mousse de chocolate que você adora para sobremesa, não vai provar nem um pouquinho? - Minha mãe perguntou com um sorriso divertido, sabendo que eu não negaria.

—Imagino que não tenha azeitonas na sobremesa, então isso eu posso comer.

Ainda que todos estivéssemos mais do que satisfeitos, metade do doce desapareceu em alguns minutos.

—Xadrez? - Ron me perguntou quando demos o almoço por encerrado.

—Está com espírito perdedor hoje? - Provoquei e saímos em direção à sala de estar.

Esse era nosso jogo preferido e a briga entre nós era equilibrada e longa, mas a gente se divertia bastante.

—Como estão as coisas no trabalho? - Ele perguntou com o rosto concentrado em suas peças.

—Tudo indo bem, essa semana tive meu primeiro ensaio do ano com luz do amanhecer.

—Meus pêsames.

—Nem me fale, toda vez que fico sabendo que vou ter que acordar as três da manhã eu me pergunto se não seria melhor já nem dormir.

—Foi pra qual capa?

—A masculina, um dos ensaios mais bregas que já fiz. Sabe a estação de trem abandonada que fica na saída de Londres, sentido sul?

—Não, mas eu não sei onde é a maioria dos lugares estranhos que vocês encontram mesmo.

—A sessão foi lá e o agente do cara teve a brilhante ideia de fazer uma temática meio maquinista, meio operário, sei lá qual foi a inspiração. Só sei que não foi a coisa de mais bom gosto que já tive o prazer de presenciar.

Ron riu alto da minha descrição, e eu acabei rindo com ele.

—O que é tão engraçado, crianças? - Meu pai estava passando pela sala e nos perguntou.

—Nada, só estou contando para o Ron algumas coisas que aconteceram nessa semana no trabalho.

—Hm. - Foi tudo o que ele disse, com aquela mesma cara de desagrado já tão bem conhecida, e continuou seu caminho para as escadas.

—Toquei no assunto proibido. - Comentei enquanto movia minha torre em direção ao seu bispo.

—Eles só estão sendo ranzinzas, você sabe, coisa de gente mais velha.

—Ron eu já me acostumei ao título de problema da família, acho inclusive que combina comigo, não precisa mais ficar passando pano para eles toda hora.

—Você diz que eu passo pano para eles, eles dizem que eu te encoberto em tudo. Assim fica difícil eu me posicionar. - Falou consternado, mas eu notei a zombaria por trás do seu tom.

—Me encobrindo, como se eu tivesse quinze anos. - Rolei os olhos. - Estamos dando a eles uma coisa da qual eles não tem motivo nenhum para reclamar, que é o sonho de todo pai e mãe que eu já ouvi falar, eles deveriam ficar felizes. - Zombei também.

—Você está falando do fato de que encobrimos um ao outro desde sempre? Porque se for, não sei quanto disso eles consideram uma vantagem…

—Mas se eles não fazem um esforcinho para ver o lado bom disso, que é o fato de nos darmos muito bem, o que a gente pode fazer?

—Fingir que brigamos, sei lá. - Ele deu de ombros casualmente, me fazendo rir.

Era legal poder rir da situação com meu irmão, que passou por todas as mesmas cobranças na adolescência e que também precisou da minha ajuda em várias ocasiões para contornar as regras de uma criação um tanto rígida demais que no fim não surtiu nenhum efeito além de nos fazer querer sair de casa assim que possível para finalmente ter um pouco de liberdade sem precisar travar uma guerra por isso.

Continuamos nosso jogo enquanto eu contava a ele os planos para as próximas semanas, quando minha agenda estava mais cheia, depois ele me contou sobre o novo cargo e como estavam as coisas com Hermione.

—Nós estamos muito bem, pra falar a verdade. Acho que depois de toda a enrolação pra finalmente tentar algo sério as coisas estão caminhando.

—Nem demorou tanto assim, vai.

—A gente se encontrava casualmente para fins recreativos há uns quatro meses, é um tempão.

—Ron, tem quatro anos que eu me encontro casualmente para fins recreativos com um cara, isso sim é um tempão.

—Nossa, e quando vocês vão assumir isso? Já está na hora, não?

—Deus me livre, do Michael eu não quero nada além dos fins recreativos mesmo, muito obrigada.

—Você sempre chocando a família tradicional, Ginevra.

—Alguém aqui nessa casa tinha que fazer isso em tempo integral. - Movi outra peça. - Mas voltando ao assunto inicial dessa conversa, eu gosto da Mione.

—Ela gosta de você também. Comentei que vou viajar na semana que vem?

—Não.

—Me pediram para passar a semana na loja de Liverpool, aí vou na próxima segunda cedo e volto na sexta.

—Você está curtindo as novas responsabilidades?

—Sim, é mais corrido que antes mas o salário vale a pena também.

Quase uma hora depois o nosso jogo ainda não tinha terminado, ainda que eu estivesse mais próxima da vitória do que ele. Minha mãe voltou à sala com cara de recém acordada de seu cochilo da tarde e perguntou se ficaríamos para o jantar.

—Eu não, vou jantar com a Mione. - Ron respondeu primeiro.

—Também não, tenho umas coisas para fazer em casa.

Na verdade eu não tinha nada para fazer, mas não ficaria se ele não ficasse.

Mais meia hora de partida indefinida e decidimos que era melhor abandonar o jogo e nos prepararmos para voltar para casa. Peguei minha bolsa transversal e a jaqueta jeans e me despedi dos meus pais, Ron fez o mesmo e saímos de casa juntos.

—Você tem mesmo alguma coisa para fazer em casa? - Me perguntou quando já estávamos longe da porta da entrada e não corríamos o risco de ser ouvidos.

—Não.

—Quer jantar com a gente? Eu estava mesmo pensando em marcar algo só nos três, pra ser mais descontraído.

Desde que eles começaram a namorar eu só havia encontrado Hermione junto com os meus pais, e de fato não era o que se pode chamar de meus momentos mais espontâneos.

—Aonde vocês vão?

—Em casa mesmo, ela vai me encontrar lá em uns quarenta minutos.

—Tudo bem então.

Como previmos, esse encontro não teve absolutamente nada a ver com os que tivemos na casa dos meus pais. Estávamos todos mais à vontade, comendo pizza no chão da sala e bebendo refrigerante direto da lata, no meu caso, e cerveja direto da garrafa no caso deles. Eu já havia gostado de Hermione nas outras vezes que a encontrei, mas foi nesse dia que eu reconheci nela alguém mais do que a namorada legal do meu irmão e passei a ver uma pessoa de quem eu poderia facilmente ser amiga.


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Notas finais do capítulo

O segundo capítulo começou e terminou, e o tal do Potter nada de entender que ali está o amor da vida dele. Harry já foi mais rápido em algumas outras histórias minhas...
Acho que DV me deixou viciada em construir relações legais entre a Gin e o Ron, então podem esperar isso por aqui também.
Não deixem de me dizer o que estão achando da história. Espero vê-los nos comentários.
Beijos e até daqui duas semanas.