Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 9
Drive My Car


Notas iniciais do capítulo

Hoje é quarta, então, se preparem, capítulo novinho e saído do forno!!
Espero que gostem, boa leitura!



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“Baby, you can drive my car

Yes, I'm gonna be a star

Baby, you can drive my car

And maybe I'll love you"

(Drive My Car – The Beatles)

Eu só tinha duas opções ao acordar, ou fingia que o despertador nunca tocou, virava para o lado e dormia por mais duas horas, ou pulava logo da cama para poder me arrumar e ir correr.

Por meros segundos, eu quis a primeira opção e realmente pensei em dormir mais e sair com Thor e Loki um pouco mais tarde, para que os dois dessem uma caminhada pelo quarteirão. Estava tão tentada em ignorar o despertador, que cheguei a cobrir novamente a cabeça e me ajeitar no travesseiro, clamando para que o sono voltasse, quase consegui isso, se não fosse por um pequeno detalhe.

Meu celular começou a tocar. Não, não era o despertador. Alguém me ligava às 5:15 da manhã.

Tateei o criado sem abrir os olhos, custei a encontrá-lo, mas tive que me levantar pois a coisinha estava plugada no carregador, e então eu li na tela o nome de quem me ligava.

— Alô... – Foi tudo o que eu consegui processar tão cedo.

— Bom dia, Kat! Como você não se importou que te ligassem quase a uma da manhã, achei que poderia tentar a sorte. – Alex me saudou.

— Bom dia! – Foi o que respondi, meu cérebro ainda estava aquecendo, ou melhor dizendo, pegando no tranco mesmo.

— Ainda está dormindo, não é?

— Mais ou menos. – Me alonguei, levantei e corri para abrir as cortinas, rezando para que a claridade do sol nascendo pudesse me despertar melhor.

Tudo o que ouvi como resposta foi a risada dele. Um tanto afetada por seu bom humor matutino, questionei.

— Você não dorme?

— Na verdade dormi muito bem. Mas planejei algo para essa manhã.

— É mesmo? – Perguntei enquanto me olhava no espelho, haja corretivo para dar um jeito nessa cara!

— Sim, você disse que hoje não teríamos café da manhã.

— Sim. – Falei enquanto trocava de roupa, iria deixar o banho para depois da corrida.

— Então eu resolvi trazer o seu café da manhã.

— Você já está no píer? – Tive que conferir as horas novamente, só para ter certeza de que não tinha caído no sono e agora estava atrasada.

Outra vez a sua risada bem-humorada.

— Não, estou na porta do seu prédio.

Parei no meio do meu quarto, meio pronta para ir correr, meio ainda de pijama, tentado absorver o que ele havia dito.

— Mas você não tem o meu endereço! – Retruquei, eu podia estar com sono, ter achado que uma parte da noite fora um sonho, mas eu tinha a certeza de que não havia passado o meu endereço para ele.

— Tenho sim. Se esqueceu que ontem à noite....

— Você conseguiu ler o endereço na tela do GPS do meu carro e ainda guardá-lo? – A incredulidade estava presente na minha voz.

— Katerina, tenho boa memória e consigo guardar o que leio quase imediatamente, e ainda bem que consigo.

Respirei fundo. Era verdade, ele é ator, TEM que guardar as falas.

— Ääliö [1]. – Murmurei.    

— Disse alguma coisa?

— Só murmurando alto, me xingando mesmo.

— Você não é lá muito matutina, é? – Eu podia ouvir o sorriso em sua voz.

— Normalmente não tenho problemas para acordar... mas dormi muito tarde e muito pouco. Dê tempo para o meu cérebro ligar.

— Isso fica mais fácil se você comer algo.

— Você disse que trouxe o café... – Constatei.

— Exatamente.

— Eu vou abrir a porta para você... – Falei e corri para a cozinha para destrancar o portão principal do prédio. – É o último andar. A porta estará destrancada. – Instrui e corri de volta para o meu quarto.

— Até em alguns segundos. – Alex brincou e desligou a chamada.

Eu tinha noventa segundos. Arrumei a cama, acabei de trocar de roupa, lavei o rosto, tirando o creme da noite e escovei os dentes. Quando estava saindo do banheiro, escutei a voz dele.

— Kat... bom dia! – Ele parecia estar na porta.

Ao ouvirem uma voz completamente estranha, Thor e Loki começaram a rosnar. Thor correu para a porta, já Loki ficou na minha frente, como se estivesse me protegendo.

— Bom dia! – Respondi um pouco alto. – Não ligue para o Thor. Ele não morde. Quem morde está aqui comigo. – Avisei e sai do quarto para encontrar com Alex na cozinha. – Vejo que se fez à vontade. – Comentei ao passar perto dele. Loki me seguia, mas não abaixou a guarda.

— Presumo que esse aqui seja o Loki. – Ele disse apontando para o husky ruivo.

— Sim, só não me encostar que você estará bem. E aquele ali, sentado te olhando torto, é o Thor.

Alex encarou meus dois cachorros.

— Você tem algum petisco para eles?

— Quer arriscar em perder a mão?

— Não, Katerina, só tentando construir uma amizade aqui.

— Não diga que não avisei. – Comentei e entreguei dois petiscos em sua mão direita e saí de perto. Loki me seguiu.

Alex se sentou no chão, colocou um petisco em cada mão e as estendeu, como uma oferta, na direção de cada cachorro.

Thor resistiu à tentação por incríveis quarenta e cinco segundos, e depois correu na direção do petisco, parando ao lado da mão de Alex para farejá-lo e depois esperar que ele entregasse a barganha. Logo que ele fez isso, Thor simplesmente bateu as duas patas da frente no chão, rodopiou e se sentou mais perto de Alex, todo feliz por ter feito um novo amigo.

— Até que não foi tão ruim quanto eu pensei. – Alex comentou feliz, enquanto acariciava a cabeça de Thor.

— Boa sorte com esse aqui. – Apontei para Loki que tinha se deitado aos meus pés, mas com o focinho e a boca voltados para a direção de Alex, como se estivesse esperando que ele fizesse o movimento errado para atacar.

— Seu protetor?

— Pode apostar que sim. Ninguém desconhecido pode encostar a mão em mim que ele avança sem dó.

Alexander se levantou, se ajoelhando na frente do meu ruivo favorito. Lokinho começou a rosnar baixo, como que advertindo que, se Alex entrasse no espaço pessoal dele, iria levar uma mordida.

— Cuidado. – Avisei.

Alex não desfez o contato visual com meu cachorro, e em um ato bem corajoso, estendeu a mão com o petisco, na frente do focinho de Loki.

Eu fiquei o mais quieta possível, pois sabia que qualquer reação mais abrupta minha iria terminar com meu namorado... com Alex no pronto-socorro.

— Vamos lá, Loki. Eu não quero o mal da Kat. Aliás, prometo tomar conta dela quando ela não estiver do seu lado. – Alex tentava barganhar com o meu cachorro.

Loki se sentou sobre as patas traseiras, ficando ainda mais perto de mim.

— Podemos começar com o pé esquerdo ou com o pé direito, amigão. – Alex conversava com o husky como se ele fosse uma pessoa. – Você quer protegê-la e eu quero um abraço dela. Se nós dois não entramos em um consenso aqui, ninguém ganha abraço da Kat.

Loki parou de rosnar.

— Isso já é um começo. Posso chegar perto dela? – Alex apontou para mim. Loki rosnou na hora. – Possessivo.

— Você não faz ideia. Enquanto Thor é uma pamonha. Loki é o melhor segurança que alguém pode ter. – Respondi e acariciei a cabeça de Loki, que tinha apoiado no focinho no meu colo. – Vá lá. Faça amizade com ele. Te garanto que vai valer à pena. – Murmurei em finlandês para o meu cachorro e o coloquei no chão, de frente para Alex.

Lokinho trotou até Alex, se sentou do seu lado e esperou.

— Ele está planejando me matar ou veio em paz?

— Está em uma missão de paz. Mas não faça movimentos abruptos ou ele te morte. – Avisei enquanto via Loki chegar mais perto de Alex e começar a farejá-lo.

Depois tornou a se sentar, dessa vez de frente para Alex e o olhou.

— E agora?

— Agora, Alexander, entregue o petisco.

Alex estendeu a mão, Loki a cheirou por um tempo, depois, muito educadamente, pegou o agrado.

— Muito bem, Lokinho!! – Fiz um carinho na cabeça dele. – E você está com mão inteira! – Brinquei com Alex.

— Para você ver... cachorros gostam de mim.

— Você tem um?

— Tenho.

— Qual a raça?

— Um pitbull.

Olhei para os meus quase lobos da neve. E depois comecei a rir.

— O que foi? – Alex quis saber, me olhando espantado.

— Existem pessoas mais opostas que nós? – Perguntei e olhei para ele.

Alex tombou a cabeça e me encarou, os olhos brilhando e, só pelo mínimo sorriso que ele deu, eu sabia que ele tinha uma ótima retórica.

— Os opostos se atraem, Kat, achei que você já tinha ouvido falar sobre isso...

— Depois sou eu quem tem uma resposta para tudo! – Comentei e inconscientemente cheguei mais perto dele. Alex deu um passo para frente, nossos narizes se tocaram, dali para frente era questão de segundos até o beijo que eu já estava esperando e sabia que ele também. Só que...

— LOKI! – Nós gritamos quando o husky pulou entre nós e quase mordeu a mão de Alex que estava apoiada na minha perna.

Meu cachorro rosnava e encarava Alex com todo ódio do mundo.

— Isso que eu chamo de ciumento. – Alex comentou.

Desci do banco onde estava e levei Loki pela coleira até onde fica a vasilha de água e ração dele.

— O que deu em você? – Perguntei. – Você não age assim! – Segurava meu cachorro que ainda rosnava, olhando para onde Alex estava e ameaçando correr até ele.

Alex veio para perto de mim.

— É melhor não. – Avisei. Loki deu um pulo e continuou a rosnar alto.

— Seu ex, alguma vez, fez algo contra você? – Ele perguntou à uma distância segura dos pulos de Loki.

— Como assim?

— Por acaso ele te bateu, ou vocês discutiram muito alto, a ponto de seus cachorros terem que te defender?

— Claro que não. Ele nem seria doido a esse ponto. Primeiro porque eu sei me defender, e segundo, ele não viveria outro dia. – Afirmei.

— E mesmo assim ele fez o que fez com você....

Respirei fundo.

— A igreja não foi a última vez que eu o vi. – Afirmei.

— E o Loki estava perto de você.

— Sim. Estava correndo em Londres, levei ele junto, porque ele andava no mesmo espírito nervoso que eu.

— E quando ele viu o seu ex...

— Na verdade, não foi quando ele o viu. Lucca me parou no meio da corrida, só para.... vamos dizer que o que me disse me deixou ainda mais brava e Loki meio que tentou avançar. Consegui controlá-lo, mas já era tarde. Lucca deu um chute nele, quebrando uma costela. Creio que o ódio dele é por conta disso.

— Ele chutou o seu cachorro e você o deixou vivo? – Alex se abaixou e tentou fazer um carinho entre as orelhas de Loki, que agora tinha se sentado aos meus pés. Loki se escondeu atrás de mim, porém Thor apareceu e tomou o lugar dele, até se jogando no chão e ficando de barriga para cima.

— Tudo o que eu queria na hora era ver o que tinha acontecido com o Lokinho. – Me ajoelhei no chão e Loki veio para perto de mim. – E ficar o mais longe possível de você sabe quem.

— Você não contou isso para mais ninguém, contou?

— Não.

— Posso saber o motivo?

Fingi que não escutei a pergunta e me sentei no chão, Loki e Thor vieram e cada um colocou a cabeça em meu colo.

— Não ouvi a resposta. – Ele se sentou do meu lado, atrás de Thor. Loki levantou a cabeça e o olhou, depois desistiu de rosnar e ganiu me olhando.

— Foi menos de quinze dias depois que tudo aconteceu... eu só queria ficar longe dele, ainda doía... e, bem, vamos dizer que algumas pessoas que conheço me ofereceram algumas propostas para tirar Lucca da minha vida permanentemente... foi por isso que não falei nada.

— Você tem amigos leais... se eles estavam dispostos a isso.

— A cena na igreja não foi bonita... e eu... bem, eu gostava realmente dele, não sei se o casamento era o ideal, mas achei que era, na época em que disse sim ao seu pedido. Mas vendo hoje, ele só queria o poder que teria ao se casar comigo. Trabalhávamos no mesmo escritório.

Alex novamente tentou se aproximar de Loki, ou como ele o estava chamando, de meu Guarda Costas.

— Vamos lá, garoto. Nós dois queremos a felicidade dessa Loira aqui e para isso teremos que ser uma dupla. Já que não podemos contar com seu irmão para muita coisa, não é? – Alex comentou e eu olhei para Thor que tinha se jogado no chão entre Alex e eu e estava com a língua para fora.

— Ele tem sérios problemas... – Comentei diante da atitude do meu outro cachorro e acariciei o focinho dele.

Loki parecia entender o que Alex conversava com ele e depois de muito relutar, se levantou e se sentou ao lado dele, finalmente permitindo que Alex acariciasse a sua cabeça.

— Não baixe a guarda, ele se chama Loki não por causa do personagem do filme da Marvel, mas porque ele é realmente trapaceiro e traiçoeiro. – Avisei para Alex.

— Vou poder beijá-la agora ou você tem algo contra isso, Loki?

— Sério?! Perguntando ao meu cachorro se você pode... – Olhei incrédula para ele. E mais pasma eu fiquei quando Loki deu uma cabeçada na mão de Alex e depois de dar uma mordida na cauda de Thor, saiu arrastando o irmão. – Eu acho que tenho medo do meu próprio cachorro. – Comentei diante da cena.

Alex se levantou do chão e me ofereceu a mão para me ajudar.

— Muito obrigada... – E antes que eu terminasse, ele, sem soltar a minha mão, me puxou para perto de si, abraçou a minha cintura e me deu um beijo.

— Agora sim, bom dia! – Alex me disse ao apoiar a testa na minha.

— Bom dia! – Respondi ainda sem ar.

— Vamos tomar café?

— Você toma o café, vou fazer um suco para mim. Apesar de que quero ver o que tem naqueles pacotes...

E ele me puxou pelo braço para dentro da minha própria cozinha, e me sentou no banco onde estava antes, ocupando o que estava ao meu lado. Logo vi meus cachorros entrando na cozinha e os dois se deitaram aos nossos pés.

— Você realmente ganhou a confiança da dupla. – Comentei ao ver que Thor estava muito à vontade ao lado dele.

— Tem quantos anos que você os tem?

— Dezesseis anos. Foram o presente de meu avô quando fiz treze.

— Isso explica, e muito, a reação deles perto de você.

— Chorei muito no ouvido deles durante os anos. Mas e o seu? Sei a raça, mas não o nome... ficha técnica do pitbull que vou ter que amansar.

— Quer saber do Stark?

— Vejo que alguém tem um pezinho no mundo nerd!! Marvel ou Game of Thrones?

— Isso importa?

— Só curiosidade...

— Ele já chegou com esse nome, é adotado.

— Interessante... quantos anos?

— Ele tem seis. Está comigo há três.

— Maus tratos?

— Sim. O outro dono não o tratou como devia...

— Por isso você fez aquela cara quando falei sobre o Lokinho...

— Exatamente.

— Por que não o trouxe para correr? Pitbulls se dão muito melhor no calor do que esses dois peludos aqui... – Cutuquei a dupla com o pé.

— Porque achei que fosse nos atrasar.

Olhei para a parede.

— Nós já estamos atrasados. – Comentei.

— Então vamos! – Ele se levantou da cadeira e foi lavar a caneca que tinha entregado a ele.

— Não precisa, eu faço isso. Tenho o meu.... – Alex tomou o copo vazio de minha mão e o lavou também.

— Muito obrigada... – Falei espantada. – E parabenize a sua mãe, ela te criou muito bem. – Brinquei e dei um beijo na bochecha dele. – Vou pegar o meu tênis e as chaves do carro.

— Não precisa das chaves. O meu está lá embaixo, te trago de volta depois.

— Não vai te atrapalhar?

— O que tenho que fazer é só depois das dez. – Ele comentou.

— Uhn... o teste de ontem deu resultado?

— Não, esse é outro. – Ele falou e ficou sem graça ao notar que eu calçava os tênis.

— Você não fica calçada dentro de casa, fica?

— Não. Não fico. Na verdade, isso é um costume finlandês. Mas não se preocupe, eu não imponho isso a ninguém. – Falei ao terminar de me calçar.

— Deveria ter falado que eu tirava o tênis.

— Não esquenta. Vamos?

— Primeiro as damas. – Ele segurou a porta para mim e eu passei para fechá-la, não sem antes me despedir da dupla que já tinha se apossado de suas camas.

Chamei o elevador e nós dois caímos em um silêncio confortável, até que eu tive que perguntar.

— E qual foi o motivo de você trazer o café aqui na minha casa?

— O mesmo motivo de ter conversado com você no domingo e ter parado na frente do seu trabalho ontem... queria ficar perto de você. – Disse sinceramente, olhando nos meus olhos.

E eu juro, por tudo o que há de mais sagrado, que eu quis perguntar por que raios eu não o tinha conhecido antes!

E logo que disse isso, Alex puxou a minha mão e entrelaçou a dele na minha. Um gesto que eu sempre evitei fazer, mesmo quando fiquei noiva, afinal, era um gesto que refletia a confiança e a cumplicidade do casal, a forma que se tem de mostrar a todos que a pessoa do seu lado é importante. E, aqui, nesse momento, eu não liguei. Parecia e era certo. Era como puxar uma memória antiga...

— Por que ficou tão calada tão de repente? – Me perguntou quando entramos no elevador.

— Nada. – Respondi.

— Mesmo? Isso aqui não te incomoda, certo?

— Não. Não me incomoda. – Falei firme. Podia ter me incomodado antes, mas com Alex, jamais. Era certo.

Ele olhou no fundo dos meus olhos, buscava a resposta ali também.

— Por que eu ainda tenho a impressão de que te vi em algum lugar? – Murmurou ao se afastar. Ele soltou a minha mão e enlaçou a minha cintura por trás. – Onde foi que nós nos conhecemos?

Essa pequena pergunta me levou de volta a um passado, para um lugar que eu jamais pensei que tinha vivido.

As cruzadas. A guerra pelo domínio da Terra Santa. Os guerreiros templários versus os mulçumanos. E dessa vez, nós não estávamos do mesmo lado. Pois ele tinha uma enorme cruz vermelha estampada no peito e por baixo da bata branca, uma armadura completa, elmo, espada e uma enorme lança....

O elevador parou no saguão e, sem tirar os braços de mim, Alex me guiou até o seu carro.

— Hoje você vai andar em um carro de verdade. – Brincou ao abrir a porta.

— Sério... não sabia nem que BMW’s eram carros.... quanto mais de verdade. – Brinquei com ele.

Alex só sorriu de lado e, depois de fechar a porta, deu uma corrida e logo estava se sentando ao meu lado.

— Está se achando só porque você pilota carros de rally?

— Claro que não... mas eu acho que entendo uma coisinha ou outra a mais que você... – Continuei no tom brincalhão.

Ele me olhou de lado e, fingindo me ignorar, ligou o som.

— Mas veja só... o Garoto da Califórnia ouve o Quarteto de Liverpool!! Quem diria... – Comecei a brincar.

Alex aumentou o som.

— Só para constar, eu amo os Beatles! E pode aumentar mais.

E ele não só aumentou o som, como começou a cantar. Uma das minhas músicas preferidas.

“Baby, you can drive my car

Yes, I'm gonna be a star

Baby, you can drive my car

And maybe I'll love you"

Não resisti e cantei junto. E quando a música terminou, soltei sem querer... aliás eu estava falante demais hoje:

— Tudo bem... você vai ser uma estrela... será que eu posso dirigir seu carro quando voltarmos?

Alex, que estava procurando uma vaga onde pudesse parar, simplesmente me deu um sorriso de lado.

— Só se eu quebrar o pé.

Mordi o lábio e olhei para ele.

— Terei que te empurrar então... – Constatei.

— Terá que me pegar primeiro. – Ele me respondeu, descendo do carro.

— Se você começar a correr sem alongamento será mais fácil de te pegar. O problema é que vai demorar mais tempo para você ficar famoso...

— E qual vai ser a sua estratégia? – Ele quis saber, dando a volta no carro e parando do meu lado enquanto eu me alongava.

— Se eu contar, deixa de ser uma estratégia... mas só te dou uma dica. – Falei em tom conspiratório.

— Que é?

— Jamais abaixe a guarda, você nunca sabe o que pode te acertar!

Ele deu uma risada.

— Realmente, preciso ter medo de você!

Terminamos nosso alongamento e começamos a correr.

— Vai querer ir até o posto 10 e voltar de novo.

— Creio que está tarde demais...

— Você ainda não aprendeu? – Ele questionou.

— Aprendi sobre o que?

— Viver na Califórnia.

— Eu estou aqui há cinco dias. Não consegui aprender nada!

— Então, me escute dessa vez, por favor! – Ele fez uma cara de quem estava conversando com uma criança birrenta. – O pessoal aqui sai para correr, para o yoga, para o surf... depois vão para o trabalho. Esqueça a mentalidade de Londres e se adapte.

Resmunguei qualquer coisa.

— Esquecer Londres é impossível.

— Lá só chove! – Ele tentou me fazer ver Londres pelos olhos de quem adora o sol.

— Não generalize. Sim, lá chove, mas também não é assim! – Defendi a cidade que tanto amo.

Ele balançou a cabeça em negativa e aumentou o ritmo.

— Quer chegar aonde, correndo assim?? – Abri os braços como que me rendendo.

— É você quem está com pressa, só estou te ajudando a não chegar atrasada no trabalho.

— Você quer é me matar! – Reclamei assim que consegui alcançá-lo. – Posso saber o motivo dessa súbita mudança de pensamento?

— Não quero que você tenha uma desculpa para dirigir o meu carro.

Foi a minha vez de rir.

— Nem queria mesmo. Deixei minha carteira em casa. Fique tranquilo, seu belo BMW azul escuro não vai reclamar o quanto você dirige mal, porque o pobre nunca vai saber como uma piloto dirige. – Soltei a pérola e ele me olhou quase ofendido.

— Mas é convencida até onde foi, parou e ficou.

— Você ainda não viu nada! – Dei um tapinha no rosto dele e sai correndo. Não foi uma ideia muito boa, pois ele me alcançou com poucos segundos.

— Quando fizer isso de novo. – Ele começou assim que emparelhamos. – Certifique-se que seu oponente não tenha pernas mais compridas que as suas.

— Bem... a únicas pessoas contra quem posso competir então são Liv e Elena.

— Mas Elena é uma criança!

— Somos todos muito competitivos na minha família. – Terminei o assunto.

— Eu tô perdido quando conhecer esse povo.

E eu não sei o motivo, um nervoso muito parecido com o pânico de estreia se instalou no meu estômago ao pensar em apresentar Alex à minha família, principalmente ao meu pai. E a voz de Pietra ecoou como uma lembrança de mau agouro, quando me lembrei do que ela falara ao telefone comigo: “Aleluia! Katerina Nieminen saiu da zona de conforto e achou alguém que o pai dela jamais aprovaria!!

O problema era que A Louca Italiana tinha razão. Apresentar Alex ao meu pai seria como iniciar a Terceira Guerra. E eu me vi ainda mais assustada quando percebi que estava disposta a lutar essa guerra se fosse para ficar ao lado dele.

O restante de nossa corrida foi como uma reprise da anterior. Conversamos sobre nada em particular, brincamos um com outro, e ele começou a fazer planos para o final de semana.

Além de me querer na praia cedo ao seu lado, agora ele fazia planos para me mostrar a cidade. Me mostrar a Los Angeles que só os moradores conheciam.

Quando argumentei que não tinha dado certeza se estaria disponível ou não, Alex só soltou:

— Eu sei onde você trabalha, onde você mora. Fiz amizade com seus dois guarda costas. Se precisar, eu te sequestro de dentro de casa e te trago para cá.

E ele disse isso com tamanha certeza que eu só pude acreditar.

Ao voltarmos para o píer, uma vozinha me alertava: “Dessa vez eu já tinha passado de todos os limites, ou eu freava o que estava acontecendo ou esse relacionamento, ou o que quer que fosse que tínhamos, iria virar um trem descarrilhado e acabar com as minhas chances de voltar para Londres e ser a toda poderosa da Nieminen Trade e Shippment.”

E, se há duas semanas eu estava quase a ponto me afogar em uma garrafa de whiskey com medo de ter pedido essa chance, hoje eu já não ligava tanto assim, pois uma outra vozinha, até então desconhecida por mim, simplesmente ponderou.

“Você é a poderosa desse escritório. Tem a chance de ser feliz com um cara que realmente gosta de você, que mal faz você nunca mais voltar para a Europa? Lá você foi escrava do trabalho, nunca foi reconhecida de verdade e ainda foi humilhada na frente de tantos, para poucos te estenderem a mão... ficar aqui não é uma ideia ruim. Pode ser a sua salvação.”

Assim, dividida entre duas realidades que para mim eram importantes agora, me vi pensando no que era melhor para mim.

— Eu falei alguma coisa errada enquanto corríamos? – Alex me perguntou assim que entramos no carro.

— Não! Por quê?

— Você simplesmente ficou calada de uma hora para outra.

— Só pensando nas mudanças da minha vida. – Fui sincera.

— As boas ou as ruins?

— Todas elas culminaram aqui, não foi?

— Então no fim, quem ganhou fui eu. – Ele disse todo convencido, me lembrando da sua versão viking ao dizer para o meu eu de tantos séculos atrás que ele era o melhor partido.

— Se você está dizendo. – Entrei na brincadeira e notei que ele fazia um caminho bem diferente do que eu fiz nos últimos três dias e acabou chegando ainda mais rápido na minha casa. – Você precisa me ensinar esse caminho! – Comentei.

— Quando você virar uma californiana de verdade, você aprende... – Foi a resposta que recebi.

— E se eu não virar?

— Eu sei que vai. – Alex me respondeu, sempre cheio de certeza, sempre convicto de que no fim, nos dois acabaríamos juntos.

— Como você tem tanta certeza disso? – Eu estava genuinamente curiosa com a confiança que ele exalava.

Alex olhou no fundo dos meus olhos, talvez querendo ver a minha alma, talvez procurando a Katerina de outra era, não sei dizer.

— Não é assim que tem quer ser, Kat? – Ele murmurou ao puxar o meu rosto para perto do seu.

Internamente eu sabia que sim, ele tinha me prometido, porém... depois do que eu vi...

— Eu te prometi isso. – Ele falou tão rápido que eu pensei que tinha escutado errado, e depois, antes que eu pudesse perguntar o que ele havia falado, ele me beijou.

E não foi em nada como o beijo de ontem, ou o que compartilhamos na minha cozinha. Foi exatamente como o beijo entre o casal viking, cheio de amor, paixão e desespero.

E eu não gostei disso.

Logo ele terminou o beijo e tornou a me olhar, fiz o mesmo, tentando descobrir o futuro dentro de seus olhos azuis, não achei nada, só uma pitada de tristeza.

—  O que foi?

— Me promete que não vai ficar até quase meia-noite dentro do escritório?

— Hoje não vou ter jantar surpresa? – Brinquei para aliviar o clima.

— Não sei que horas vou sair do estúdio.

— Você não me disse o que irá fazer.

— Te mostro quando ficar pronto.

— Eu sofro de ansiedade, dê nem que seja um spoiler. – Pedi com um beicinho.

— Não vai demorar tanto assim para ficar pronto.

 - Se você está dizendo... – Murmurei.

— E então, você vai vir cedo para casa?

Tomei fôlego para responder e ele me cortou.

— E não venha com o papo de que não sabe como vai ser o dia no escritório ou como será o serviço. Eu só aceito uma resposta.

Revirei os olhos.

— Tá, eu venho, mas só te digo que vou trabalhar em casa.

— Pelo menos você estará aqui e não sozinha em um prédio enorme. – Ele disse isso quase aliviado demais.

— Que horas você tem que estar, aonde mesmo? – Eu não tinha desistido de saber o que ele iria fazer.

— Às 10:30.

Olhei para o painel do carro, era 8:15.

— E eu tenho que ir. – Comentei e me inclinei para dar um beijo nele, fiquei tentada em chamá-lo para subir, mas pensei melhor, a presença dele lá em cima iria me atrapalhar ainda mais.

— Chegue cedo. – Ele me disse.

— Já disse que vou chegar. – Afirmei e abri a porta, um estranho sentimento de não querer sair do lado dele me atingiu. Balancei a cabeça, desci do carro e, depois de fechar a porta, me abaixei do lado da porta e disse: - E boa sorte com o trabalho de agente secreto que você vai fazer hoje.

Alex deu uma gargalhada.

— Você não desiste, hein?

— Não, e depois dessa, talvez eu até faça uma pesquisa completa sobre você, só para descobrir o que você vai fazer! – Falei e me levantei.

— Você não vai saber o que é!

— Eu sempre descubro o que eu quero, Alexander. Sempre.

— Mas você não sabe nem o meu sobrenome.

Parei de costas para o carro e fiz uma careta. Isso era verdade.

— Você que pensa! – Disse toda confiante, me virei para ele, dei uma piscadinha e corri para dentro do prédio. Fiquei pensando na verdade das suas palavras.

Eu tinha saído com um completo estranho por quase dois dias, tinha passado meu nome, telefone, endereço e local de trabalho e nem sabia o sobrenome dele.

Comecei a rir histericamente, onde tinha ido parar aquela Katerina completamente preocupada com a segurança pessoal?

Em minha cabeça, uma vozinha disse: “Ficou morta e enterrada em Londres. Te mandaram para cá contra a sua vontade, agora eles que lutem para conhecer essa nova Katerina.”

E só por pensar assim, até as minhas amigas me internariam em uma clínica psiquiátrica.

 

[1] Idiota.


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Notas finais do capítulo

Não me responsabilizo se você ficar cantando Drive my Car pelo resto do dia e se lembrando desses dois, são as contraindicações da história!
Volto na semana que vem!
Feliz Páscoa para vocês! Que o Coelhinho não traga chocolates, mas a vacina!
xoxo



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