Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 74
Alexander


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui vai o capítulo da semana. E eu só digo uma coisa, foi o mais difícil de escrever até hoje, pois eu mudei temporariamente o narrador, hoje quem vai contar o que acontece é Alexander.
****** Um aviso, esse capítulo trata de depressão. Pode ser que seja gatilho para alguém, então, leiam com cuidado e caso não se sintam confortáveis com o passado da Katerina, podem pular para as notas finais, onde vou fazer um resuminho.
Boa leitura.



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Estávamos sentados na sala, Kat estava me mostrando algumas fotos e vídeos das primeiras tentativas de Elena de aprender a saltar com Algodão Doce. Elena, é claro, tinha vindo se explicar e, daquele jeito todo embaralhado e confuso, ela nos contava como tinha sido, mesmo que ao final ela só comentasse como Algodão Doce era fofinho e que um dia ele ia crescer e ficar do tamanho de Prince Hal. Eu não sabia o que falar, afinal pôneis não crescem, e foi Tanya quem explicou isso para a filha, porém Elena estava decida que Algodão Doce seria um cavalão...

Kat pediu licença e se levantou para pegar outra xícara de chá, e eu já tinha percebido uma característica interessante nos Nieminen e nos Spencer, as mulheres tomavam chá como se fosse água, já os homens só tomavam café e todas as vezes que alguma das mulheres comentava que iria colocar o chá para decantar no bule, algum deles fazia uma careta. Quando comentei isso com Kat, ela deu uma risada e só falou.

— Deveria ser diferença cultural, pois os finlandeses amam café, a Finlândia é o país que mais consome café per capita do mundo, mas acho que na minha família tem a ver com o cromossomo Y... porque nenhuma das mulheres suporta café. – Deu de ombros e bebericou a décima ou seria décima quinta xícara de chá do dia?

Tinha um certo tempo que ela tinha saído e o Sr. George começou a mostrar fotos bem interessantes. Da própria Katerina quando criança e a foto com a qual ele começou não foi outra a não ser a do momento que originou o apelido da minha noiva.

Ela com uma fantasia de gatinha. Com direito a cauda, orelhas pontudas e bigodes.

Elena que estava sentada no meu colo, já quase dormindo, comentou que a fantasia era parecida com o pijama que ela tinha. Tive que concordar, a única grande diferença era a cor, o pijama de Lena era rosa e a fantasia de Kat, branca.

— Katerina usou essa fantasia por quase uma semana. Ela dizia que se a usasse muito, ela iria virar um tigre siberiano e ia morar na Sibéria! – Dona Claire disse entre risos.

Lógico que KitKat tinha ouvido as risadas da avó e apareceu na porta da sala com cara de dúvida. Eu só levantei a foto.

— Ah! Isso. – Disse com um muxoxo. – Não diga que você não sabia, pois eu já tinha te contado a origem do apelido.

— Mas não tinha me falado que usou a fantasia porque queria virar um tigre siberiano.

Kat que já estava voltando para a cozinha aos pulinhos – aliás, ela e as sobrinhas quando queriam algo com muito afinco fazem isso, correm aos pulinhos. – parou no meio do caminho e depois voltou correndo para a sala.

— Foi por esse motivo?! – E colocando a mão na cintura, olhou para os avós.

— Sim. – Dona Claire confirmou.

Eu queria virar um tigre siberiano? De um gato à um tigre? O que eu tinha na cabeça? – Indagou um tanto indignada com sua própria mente de criança.

Foi Tanya quem respondeu a ela:

— Pôneis não viram cavalos. Mas pergunta se entende! – Apontou para Elena que já cochilava.

Mesmo assim Kat não aceitou muito bem o seu pensamento quando tinha cinco anos de idade e, murmurando algo em finlandês, voltou para a cozinha, dessa vez sem pular.

— Quando ela era criança, tinha as melhores ideias absurdas. Inventava histórias de princesa e cavaleiros que fugiam de um palácio cheio de guardas. Às vezes era uma princesa viking, e, um dia ela cresceu, se tornou analítica demais, parou de usar a mente como uma fonte de histórias fantásticas e, apesar de nunca ter desdenhado das brincadeiras dos sobrinhos de inventar as coisas e realmente imaginar o que estão dizendo, nunca encorajou que fizessem isso. E eu sinto falta das histórias que ela contava. – Dona Mina disse. – Às vezes acho que ela duvida que uma criança possa ter uma imaginação tão fértil. E, infelizmente, Oliva já está indo para o mesmo caminho. – Falou da bisneta que tinha se enfiado na biblioteca da casa e estava lendo um calhamaço sobre a Segunda Grande Guerra.

Kat voltou a sala com uma bandeja, metade tinha os utensílios para chá e a outra metade, quatro canecas de café bem forte. Ela se ajoelhou no chão e sem falar nada, foi servindo o chã para cada uma das mulheres, primeiro as avós, depois a mãe, a cunhada, se levantou e levou uma xícara para Liv. Entregou o café para cada um e pegou a própria xícara de chá, se sentando do meu lado e colocando os pés no sofá.

— Eu não sou analítica demais. Sou realista. Certas coisas existem. Outras são impossíveis. Como é impossível um gato virar um tigre! Simples assim. – Deu de ombros.

— Ter um pouco de imaginação faz bem para todos. – Dona Diana comentou.

Kat deu um sorrisinho e olhou para o pai.

— Foi o senhor quem falou comigo que devemos acreditar no que vemos e no que a matemática ensina. Fora a exatidão da matemática, não devemos acreditar em mais nada.

Meu sogro, sempre calado, só olhou para a filha e disse simplesmente:

— E pelo visto você não me ouviu atentamente, KitKat, afinal, ainda fica lendo esses romances velhos. – Ele apontou para a cópia de Razão e Sensibilidade que minha noiva tinha pegado para ler na noite anterior alegando que estava sem sono.

— Viu, não sou tão realista assim. Talvez eu ainda acredite em amor à primeira vista! – Ela disse isso e me deu um cutucão com o cotovelo. – E você, Surfista, o que acha? Sou realista demais ou sonhadora demais? - Me encarou com uma sobrancelha levantada e um sorriso de lado, o tipo de sorriso que eu dou para ela quando sei que estou jogando-a na fogueira.

Fiquei calado olhando para ela que deliberadamente escondia o sorriso vitorioso atrás da xícara de chá. Mas então me lembrei da palavra que gosta muito de usar.

— Depende.

Ela quase se engasgou e meu sogro se ajeitou no outro sofá para ver a reação da filha e o que eu iria falar.

— Como assim, depende, Alex? – Kat abaixou a xícara, apoiou no joelho e me encarou, seus olhos cor de lilás faiscaram, me indicando que eu teria que ter muito cuidado em como eu iria explicar.

— Depende sobre o que você está falando. Normalmente você é analítica e extremamente realista no que diz respeito ao seu trabalho. Você sabe o que tem que fazer e faz, independentemente se as outras pessoas vão gostar ou não. São as regras e você as segue. Não há meio termo ali.

Isso pareceu acalmar Kat um pouco e agora ela tinha a cabeça tombada, o que mostrava que ela estava interessada no assunto.

— E quando eu não sou realista?

— Quando se trata da sua família. – Disse simplesmente.

Ela deu um pulo no sofá, como um gato que levou um susto e arregalou os olhos.

— Desculpe-me? – Todo o seu sotaque inglês evidenciado em uma única frase.

— Você não pensa muito com a razão quando se trata de sua família. Você só reage. Toma decisões que, se você parar e analisar por um minuto, não faria. Não te torna uma sonhadora, mas também não uma pessoa fria e calculista que vê o mundo através de números.

Na minha diagonal, vi minha sogra sorrir, talvez eu tenha falado algo demais, ou talvez ela esteja contente que pelo menos alguém tenha mostrado para Kat como ela é realmente.

Katerina, ainda tentando absorver o que eu tinha acabado de falar, fez um bico e depois se afundou no sofá, ainda pensando na sua própria personalidade.

— Vai ficar calada depois de um banho de água fria desses, Kat? – Ian perguntou.

Kat levantou os olhos na direção do irmão mais velho e só o encarou friamente.

— Nunca gostou de ser criticada. – Ele continuou.

— Não fui criticada, ou espero que isso não tenha sido uma crítica.

— Não foi. Só falei a verdade.  – Afirmei antes que eu virasse o alvo de suas encaradas.

— E a verdade dói, ainda mais para a Miss Perfeição ali. – Tanya arremessou uma almofada nela e Kat pegou de primeira, colocando debaixo do pescoço quando resolveu olhar para o teto, atitude que arrancou risadas do irmão.

— Agora vai ficar calada por quase uma hora, pensando na vingança. – Dona Diana falou sobre a filha. – Só não se esqueça de que tem que limpar tudo isso aqui. – Ela apontou para os utensílios de chá.

— Todos já terminaram?! – Katerina perguntou assustada.

— Sim. – Respondemos juntos.

Ela se levantou daquele modo elegante que só ela sabe, juntou tudo na bandeja, e, depois de pedir licença, foi até a biblioteca, pegou a xícara de Liv e foi para a cozinha.

— Leva numa boa quando falam algumas verdades para ela, hein? – Ian falou na minha direção. – Se acostume, Alex. É desse jeito. E nem queira ver quando está com vontade de atirar em alguém.

Não comentei que eu já tinha visto a Kat com vontade de atirar em alguém e que esse alguém era o próprio avô, ninguém precisava saber disso.

Com pouco, meu sogro seguiu o mesmo caminho que a filha tinha feito o que chamou a atenção de todos. Mesmo com as ausências dos dois,  a conversa continuou na sala, com Dona Claire mostrando mais algumas fotos de Kat e a cada uma que era colocada na minha frente, com a devida história contada, eu tinha a certeza de que tanto Olivia quanto Elena eram cópias exatas da tia.

Minha noiva voltou a sala e se inclinou por cima do encosto do sofá e disse simplesmente:

— Meu pai quer conversar com você. Ele está na cozinha. – Ela não tinha a mais feliz das expressões, e eu sabia o motivo, ela não queria que essa conversa acontecesse de jeito nenhum. – Dê-me Elena que vou colocá-la na cama. – Deu a volta e com uma habilidade ímpar, pegou a sobrinha que estava no meu colo, sem que a menina sequer acordasse.  

— Não quer que eu a leve? – Perguntei tentando adiar a conversa.

— Não precisa! Vai logo. – Ela apontou na direção da cozinha e subiu a escada com a sobrinha nos braços.

Um pouco tarde, reparei que a sala tinha ficado em silêncio, e pude ver o reflexo de Liv e de Tuomas no espelho do hall quando acompanharam, com muito interesse, o meu caminho.

Entrei na cozinha e meu sogro estava parado na porta, já com botas de caminhada nos pés, então presumi que era para acompanhá-lo para algum lugar. Eu ainda tinha esperanças de que Kat aparecesse e teimosamente cismasse de ir conosco, contudo estava achando impossível.

— Venha, Alexander. Calce as botas e me acompanhe. – Disse simplesmente e saiu andando.

Com poucas passadas alcancei o Sr. Nieminen que, se notou a minha presença, não disse nada.

Achei que ele iria para a garagem, já que Kat me disse que ele vinha trabalhando na reconstrução de um carro clássico. Um Aston Martin DB5. Contudo, ele passou direto pelo complexo e continuou seguindo pela área onde eu tinha sido derrubado de cima de Filho do Perigo. Vários minutos depois ele reduziu a passada, deixando que eu ficasse ao lado dele.

— Estou esperando para ter certeza de que KitKat não vai nos seguir. – Jari-Matti Nieminen disse de forma baixa e grave. – Creio que, a essa altura, Diana já deva ter levado a teimosa para uma outra conversa.

Olhei de volta para a casa, pensando em que tipo de conversa Kat estava tendo com a mãe.

— Você conversa comigo, Alexander. Katerina está conversando outro assunto com a mãe dela.

Voltei a prestar atenção em meu sogro que me deu as costas e voltou a andar.

Quando chegamos no alto de uma colina, ele parou, colocou as duas mãos para trás e começou.

— Por acaso você e Katerina planejam contar para a família do noivado de vocês?

Eu fui pego de surpresa, achei que ele começaria com o que aconteceu com Kat, mas não com isso.

— Sim, senhor. Nós vamos falar. Planejamos contar nessa semana.

— E por que não contaram em Austin?

— Kat não quis. Achou melhor que as famílias se conhecessem primeiro, para que depois contássemos.

— A sua família já sabe?

— Anunciamos no Dia de Ação de Graças.

— Semana passada, então...

— Sim, senhor.

— Então, planejam contar, muito bem. Agora, eu quero conversar com você sobre a Kat.

E aqui estávamos, a conversa que ela não queria que acontecesse.

— Não sei o tanto que ela te contou, Alexander, mas o início do ano não foi fácil para minha filha. Na verdade, não tem sido um ano fácil para minha caçula.

— Ela me contou. – Tentei atalhar, mas para fazer a vontade de minha noiva do que para poupar o pai dela.

— Não. Eu conheço minha menina, ela editou. Contou aquilo que seria fácil para você entender e se identificar.

Fiquei calado.

— Ela te disse sobre ter sido deixada no altar?

— Sim.

— Ela te contou como ela ficou depois disso?

— Disse que ficou mal.

— Ela não ficou mal, Alexander, minha caçula entrou em depressão. Katerina sempre foi uma perfeccionista, sempre quis ser a pessoa perfeita, tirando umas duas vezes em que resolveu não pensar muito, KitKat sempre agiu de modo que nunca precisássemos ficar preocupados com ela. Tanto que entrou na faculdade mais cedo, já trabalhava aos 16 anos e, com exceção da primeira graduação, pagou o restante dos estudos. Conquistou a independência financeira aos 21 anos, nunca me deu dor de cabeça e ela estava feliz quando foi pedida em casamento. Afinal, o tal do Dempsey gostava do que ela gostava, entendia a paixão dela pela empresa e a devoção dela pela família. Tudo parecia a perfeição de conto de fadas que a minha filha merecia, até o dia do casamento. Até o momento em que o padre perguntou para Dempsey se ele aceitava a mão de Katerina e ele, com um sorriso de escárnio no rosto, disse não, deu às costas para o altar, pegou a mão da namorada do irmão e saiu da igreja, não sem antes olhar bem para Katerina e chamá-la de marionete. Eu nem sei se ela escutou isso, pois Kat estava estática, parada no altar, olhando sem entender para toda a igreja. – Meu sogro parou.

Ele interrompeu as memórias e eu só pude pensar na foto que Mia havia mandado. Kat parada no altar, parecendo uma deusa escandinava, segurando um buquê de rosas vermelhas, olhando espantada e sem entender para a sua volta, para a porta da Igreja, o caminho que o até então noivo tinha tomado, de mãos dadas com outra mulher.

— Kat chegou a balbuciar perguntando se era uma brincadeira. Não era uma brincadeira e só depois que suas três amigas, que eram as madrinhas, a arrastaram para longe do altar, que ela começou a compreender. Minha filha entrou em choque, chegou a pensar que Lucca voltaria, que pediria desculpas, que diria que ele estava brincando com ela. Tanto que ela guardou o vestido por duas semanas. Até que algo, que ela jamais nos contou, aconteceu. E eu vi Katerina jogando fora tudo o que remetia ao casamento. Ali, nós pensamos que era o momento em que ela tinha superado a cena. Que ela daria a volta por cima. Estávamos enganados. Katerina mergulhou no trabalho de uma forma alucinada. Chegava no escritório às 06:00 da manhã e ficava quase até depois da meia-noite. Às vezes nem ia em casa para comer ou dormir. Quando vimos, Kat tinha emagrecido quase dez quilos, era uma sombra da jovem mulher elegante, bonita e alegre que era. Katerina virou um robô, um zumbi. Fazia tudo o que a mandavam fazer no escritório e além. E ainda tinha que encarar o ex todos os dias, além de escutar diversas piadas sobre os motivos de ter sido deixada no altar.

Outra pausa e eu comecei a entender os motivos de Kat não querer que eu escutasse esse relato. Porque agora quem queria vingá-la, era eu. O que eu não daria para ter a cara de Dempsey bem ao alcance dos meus punhos...

— Em uma sexta-feira, quase no meio da primavera, Diana entrou marchando no prédio atrás da filha, arrastou uma Katerina praticamente sem reação para casa, dizendo que iria interná-la, que se ela continuasse naquele estado, iria acabar se matando. Kat acordou do torpor em que estava vivendo e disse que estava bem, que iria melhorar, ela só precisava de tempo. Demos uma semana para ela mudar de comportamento. E não devíamos ter feito isso. Na quarta-feira seguinte, Wendy, a secretária que trabalhava diretamente com minha filha, nos ligou, quase ao meio-dia, perguntando sobre KitKat, dizendo que o Sr. Nieminen exigia a presença de Katerina na reunião, que se ela não aparecesse, ele iria cortar o salário dela, que iria rebaixá-la de função. Kat nunca foi de faltar no trabalho, na verdade ela nunca faltou nem à aula, e ficamos preocupados. O celular dela chamava até que caía na caixa postal, sem resposta. Diana se desesperou, isso nunca tinha acontecido, então ela, Joakim e Victoria, que tinham acabado de voltar de Chicago, e eu fomos direto para a casa de Kat, que não é muito longe de onde moramos. Como Diana sempre carrega todas as chaves e códigos consigo, foi na frente e abriu as portas. Vasculhamos toda a casa, e foi então que escutamos um ganido de cachorro, seguimos o som e vimos Thor deitado na porta do quarto, olhando na direção do closet, seguimos o olhar do cachorro e encontramos Katerina desmaiada no chão, com Loki fielmente do seu lado, tentando acordá-la, dando lambidas nas mãos e no rosto da dona, batendo com as patas dianteiras em seu ombro. Quando chegamos perto, Loki começou a rosnar, protegendo-a, e foi só depois que garantimos que Kat iria ficar bem é que ele recuou nos rosnados e se sentou ao lado da cabeça de minha filha, vigiando-a. Diana tentou trazer a filha de volta de todas as maneiras, mas Kat não respondia a nenhum chamado, nada. Ela estava tão pálida, tão imóvel, que eu achei que perderia a minha caçula ali, naquele momento.

Outra parada, Sr. Nieminen olhava para longe, vendo a imagem da filha que ele jamais esqueceu ou esqueceria, Kat quase morta no chão do closet.

— Não tínhamos tempo para esperar por uma ambulância, não no horário de pico da hora do almoço. Eu peguei Kat no colo, ela pesava o mesmo que Lena, de tão magra, e corri com ela para dentro do carro, enquanto Diana ligava para o hospital e pedia que ficassem nos esperando preparados. Kat só foi acordar dois dias depois, ela tinha um quadro severo de desidratação combinado com baixa de todos os nutrientes. Minha filha não sabia o que era comer há mais de três semanas. Uma semana depois desse susto, ela foi liberada para voltar para casa. Ninguém confiava que Kat fosse se cuidar e foi aqui que as amigas dela mostraram porque são amigas há tanto tempo, Pietra, Victoria e Melissa praticamente se mudaram para a casa de Kat, Liv também foi para lá e todos os dias, eu e Diana íamos duas vezes para avaliar como Katerina estava indo. As meninas estavam tão decididas em trazer a amiga de volta que todos os finais de semana planejavam algo diferente, de teatro até uma viagem louca para pular de bungee jump na Suíça. KitKat começou a melhorar a partir dessa viagem, aos poucos voltou a ganhar peso, voltou para as aulas de pilates e balé que ela fazia. Voltou a correr com os cachorros e a ter horários normais no escritório. As coisas só foram se estabilizar no final do verão, quando ela voltou da Finlândia. E todos pensamos que tudo o que ela passou estava enterrado no passado, até que ela foi transferida para Los Angeles. No início, achamos que era uma promoção, contudo você sabe a verdade por traz desse ato.

Assenti com a cabeça, ainda estava absorvendo o fato de que Kat quase morrera por conta da depressão em que entrara. Ela quase se matou de estafa, de stress, de inanição por conta do ato do completo idiota que Dempsey é.

— Kat nunca falou o que realmente aconteceu com ela no mês que seguiu ao casamento fracassado. Eu nunca insisti, primeiro porque não quero que ela relembre aquilo e, segundo, porque tenho medo de que ela tenha uma recaída. O detalhe aqui, Alexander, é que a minha caçula passou por tudo isso, porque eu simplesmente resolvi ignorar o meu dever de pai e deixei de conversar de homem para homem com Lucca Dempsey. Se eu tivesse feito isso, ele jamais teria encostado um dedo da minha filha.

Uma pausa, que tinha certeza de que seria a última. Preparei-me para o que viria agora.

— Então, te contei toda essa história para que te sirva de aviso: um filho da mãe brincou com o coração da minha KitKat, um babaca se achou no direito de humilhar a minha filha no dia que era para ser o mais importante da vida dela, ele a fez de boba, a humilhou e continuou a fazer isso todas as vezes em que a encontrava, sempre soltando piadas, culpando minha filha por algo que ela não tinha culpa, e não foi só ele. Meu pai fez a mesma coisa, ele fez uma reunião com minha filha e disse que ela só não estava casada naquele momento, porque não soube manter o noivo do lado. Contra meu pai, não posso fazer nada. Deus e Diana sabem como quis ir atrás de Lucca no estacionamento e acabar com a raça dele. Mas o vagabundo tem as costas largas e estava muito bem protegido por seguranças que deveriam proteger a minha família, a minha filha, assim, não pude fazer o que queria. Eu queria matar Lucca e estava disposto a fazer isso para minha filha, não pude. E não pense você que não passa pela minha cabeça como estaria o mundo sem ele hoje, porque passa, contudo, pelo amor que sinto pela minha família, não sujarei as minhas mãos. Não posso matar o desgraçado que quase matou a minha filha há oito meses, porém, posso avisar para o noivo dela o seguinte: pense você em abandonar a minha filha no altar; pense você em fazê-la sofrer, só porque você quer; pense em fazê-la chorar; pense em tentar deixá-la menos perfeita do que é, Alexander Pierce, só pense, e você é um homem morto, eu te caço por toda Los Angeles, por todo o mundo se for preciso, e eu não te matarei de primeira, eu vou te fazer sofrer. E, quando eu achar que, talvez, você tenha ganhado o que merecia, eu vou te matar, e ninguém, nunca mais vai ser seu corpo. Não me importa a dor da sua família, você vai desaparecer da face da terra sem deixar rastro, porque morto, você nunca mais vai perturbar a minha filha.

Eu sabia que o Sr. Nieminen ameaçaria a minha vida, só não sabia que seria com tanta veemência, com tanta convicção, com tanto desejo de vingança.

— Você pode ter pedido a mão dela e ela ter dito sim. Podem estar morando juntos, pode ter feito as vontades da minha neta, mas nada disso conta, se um dia, Katerina aparecer chorando, dizendo que você é o culpado pela dor dela. Porque nunca mais um babaca vai enganar a minha filha e depois descartá-la como se ela fosse lixo. E se alguém pensar em tentar, é bom que tenha um plano de se matar antes, porque o destino vai ser esse. – Meu sogro terminou o relato me encarando, ele estava furioso, determinado e, nada do que ele falara era mentira. Ele mataria pela filha, sem dúvida alguma.

— Eu não vou fazer isso, senhor. Já disse para Kat e repito aqui, não tenho intenção e nem posso fazer isso. Sua filha é importante demais para mim. Declaro aqui, sem brincadeiras, sem invenções, eu preciso da Kat do meu lado.

— Precisa dela como? Como um enfeite bonito e vistoso, que vai ficar parado do seu lado durante uma sessão de fotos? – Ele se referiu ao lançamento da campanha da Porsche.

— Kat não era meu enfeite! Nunca foi! - Tive que controlar o tom da minha voz. – Se não fosse por ela, eu nem estaria ali. Kat está me ajudando a reconstruir a minha carreira.

Reconstruir? Você não deveria ter vergonha? Sua carreira acabou...

— Porque me acusaram de bater na minha ex. – Cortei-o. - Suzanna e sua outra filha, Mia, inventaram essa história mentirosa e se beneficiaram dela. Eu jamais encostaria um dedo em uma mulher, Sr. Nieminen. Não foi assim que meus pais me criaram, não foram esses os exemplos que tive. Eu posso ter uma carreira que o senhor não gosta, posso não ser o tipo de cara que o senhor, como pai, quer para a sua filha, mas eu não sou abusador e nem violento. Eu deixo que me destruam, que destruam a minhas coisas, contudo jamais vou pensar em bater em uma mulher.

— E o paparazzo?

— Eu teria quebrado a mão dele em pedaços pequenos, se eu soubesse que só um dedo deslocado me traria tanta dor de cabeça. – Confessei. – Não gosto de abrutes e nem de aproveitadores, e eles se aproveitaram da roupa e do local onde estávamos para tirar um tipo de foto muito invasiva da minha ex. E já falo para o senhor, se tentarem isso com a Kat, faço de novo.

— E eu serei obrigado a tirar a minha filha da cadeia, junto com meu genro, afinal, Kat também não vai deixar um ato desses, barato. – Sr. Nieminen me cortou. – E você tem razão, Alexander, não gosto da sua profissão, não gosto das suas tatuagens e muito menos desse cabelo que você está usando. Sua aparência não me transmite confiança, não me transmite a tranquilidade que preciso para saber que a minha caçula vai ser feliz. Uma voz na minha cabeça vive repetindo a mesma pergunta: e se ele estiver usando a Kat? E ele só estiver com ela porque ela é bonita, está sozinha no outro lado do mundo e ainda se recuperando de uma decepção? E quando eu paro para pensar em todas essas questões, eu tenho vontade de pegar um voo para Los Angeles, descobrir onde é a casa que vocês dividem, e tirar a minha filha de lá. – E aqui ele parou. Por alguns segundos repassei as minhas palavras, será que eu tinha perdido a Kat de vez? Será que o pai dela iria ser contra nosso noivado e exigir que Kat terminasse tudo? - Mas, então, - ele recomeçou a falar – eu vejo a minha filha do seu lado. Eu vejo os olhos dela brilhando, os sorrisos que ela te lança, como ela sempre quer ficar perto de você, te encostando, seja um dedo, ou somente os ombros, vejo e escuto a forma como ela fala de e com você. Você, Alexander, trouxe à tona um lado que eu jamais tinha visto da minha filha. O lado, realizada. Minha filha se completa com você. É você, a outra metade dela e, para meu desgosto, eu vejo as mesmas reações dela em você. Não te conheço muito bem, porém, você não é uma pessoa difícil de ler, é só prestar o mínimo de atenção em tudo o que faz, que diz, como age, como você olha para a minha filha, que eu sei, você ama a Katerina, você a protegeria de qualquer coisa, de qualquer um, até dela mesma. E, por isso, eu estou disposto a tentar deixar o meu preconceito com a sua profissão, com a sua aparência de lado, e te dar a chance para acabar de provar que merece a mão da minha filha, Alexander. Eu estou dando a minha benção para que você case com ela, quando ela estiver pronta para isso, porque sei que ainda não é o momento.

E a conversa que tinha começado com uma clara ameaça de morte, tinha terminado com meu sogro dando a benção para nosso casamento.

— Seja bem-vindo à família, Alexander. – Ele estendeu a mão na minha direção.

— Obrigado, senhor, não somente por sua benção, mas por confiar a mim a sua filha. E se ela é importante para o senhor, é dez vezes mais importante para mim.

— Que sejam sinceras estas palavras.

— Elas são. – Confirmei.

Jari-Matti Nieminen balançou a cabeça de forma afirmativa, aceitando o que eu tinha dito.

— Só continue fazendo a minha filha feliz, nada de promessas. – Terminou e começou a andar de volta para a casa.

— Senhor. – Chamei-o.

— Sim?

— Kat pode ficar sabendo dessa conversa?

— Ela vai saber no exato momento em que colocar os olhos em nós. Mas se sentir à vontade para contar, faça-o. Talvez ela possa se abrir com você sobre os dias que ela nunca contou para ninguém.

Ela já tinha feito isso, quando fomos até o Letreiro de Hollywood, quando eu conheci Thor e Loki.

A volta para a casa foi muito mais rápida do que a ida, e, com o dia já quase terminando, a sensação era a de que eu andava no meio do inverno sem roupa adequada. Assim que vi a casa, pude distinguir claramente minha noiva nos esperando no beiral da porta, enrolada em um poncho. Kat estava tão nervosa que estava na ponta dos pés. Por instinto acelerei o passo, meu sogro me impediu.

— Não. De vez em quando é bom fazê-la esperar. Por todas as vezes que você vai esperar até que ela acabe de se arrumar, ou de comprar meia loja de sapatos, ou se perder no meio de uma livraria, sem saber quantos livros levar.

Se Kat estava dando pulinhos quando a avistei ao longe, à medida em fomos chegando, os pulos aumentaram de ritmo e altura, para cessarem quando ela nos viu. E como o Sr. Nieminen havia dito, ela soube na hora como tinha, e qual fora, o assunto de nossa conversa.

— Vocês demoraram. – Ela disse ainda nos analisando, porém bem mais calma. – Com todo esse frio, ficaram lá fora quase duas horas e meia!

— Estamos bem, KitKat.

Kat olhou para o pai, para a calma que ele transmitia e, sem falar nada, deu um pulo e o abraçou pelo pescoço.

Kiitos isä! Kiitos!![1]— Ela deu um beijo na bochecha do pai.

— Eu te disse no LAX, Kat. Eu gostei dele. Só não apresse as coisas ainda mais. Vocês dois têm tempo.— Foi tudo o que meu sogro disse ao sair da cozinha.

Kat se virou para mim, mordendo o lábio para conter a felicidade e, depois de conferir se estávamos realmente sozinhos, me puxou para perto dela e me deu um beijo.

— Você foi muito mais corajoso do que eu previ, Surfista. – Disse sem fôlego. – Mas estou muito feliz por isso. – Abriu um sorriso tão lindo que eu me fiz uma promessa mentalmente, se fosse para ver Katerina sorrir desse jeito, eu encarava meu sogro todos os dias.

 

[1] Obrigada, papai. Obrigada!


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Notas finais do capítulo

E é isso! Jari Matti Nieminen depois de contar o que aconteceu com Katerina e de ameaçar muito veementente a vida de Alex, de ameaçar que iria caçá-lo em qualquer canto do mundo, deu a benção para o casamento.
Agora uma mensagem: se você está sofrendo de depressão, se está passando por dificuldades ou se acha que não tem mais nada que te faça feliz, procure o quanto antes ajuda. SEMPRE tem alguém para te ouvir, para te ajudar... não desista! Jamais! Não guarde essas agonias dentro de si ou tentem se transformar em algo perfeito. Perfeição não existe e nós não estamos sozinhos no mundo, tudo bem?
Espero que tenham gostado do capítulo e dessa mudança de narrativa, e já aviso, não, Alex não vai retornar como narrador, foi penoso escrever sob a ótica dele, mas era necessário.
Nos vemos no próximo capítulo, que será postado na sexta-feira que vem!
Até lá e muito obrigada por lerem até aqui!
xoxo



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