— Você entende por que está aqui, não é? – diretora Faragonda me encarou, possivelmente notando o olhar perdido que eu tinha. A mulher aparentava ter seus cinquenta anos e possuía cabelos castanhos levemente esbranquiçados, mas aquilo não a fazia parecer velha, mas sim sábia.

— Entendo. Sou uma fada. – respondi. As palavras tinham um gosto estranho na minha boca, ainda não me acostumei em dizê-las – Eu só... Foi difícil para mim descobrir que meus pais não são... – eu não conseguia falar aquilo em voz alta. Parecia mais impossível que meus pais não fossem meus pais biológicos, do que eu ser uma fada. Filha de fadas do fogo ainda por cima. O que é um pouco irônico, pois aquele que eu acreditava fielmente ser meu pai de verdade, é um bombeiro na Terra. Mas não tenho raiva dos pais que me criaram com todo amor e carinho. Eles não contaram que eu era adotada, porque eu não precisava saber disso. Se eles soubessem que eu era uma fada e que um dia passaria pela transformação, sei que teriam contado. Mas eles não sabiam.

— Eu compreendo. – a mão dela pousou no meu ombro como um gesto de conforto. – Já disse à Vanessa e Mike, e agora direi a você, se eu souber de algo sobre seus pais verdadeiros certamente lhe informarei. – a expressão dela mudou, parecia que não esperava muita coisa de uma busca assim. Sinceramente, nem eu – Mas é complicado. Já faz dezesseis anos e...

— Eu sei. Tudo bem. – tentei sorrir. Faragonda começou a me conduzir pelo corredor iluminado. Estava vazio, pois era noite e todos deveriam estar nos dormitórios.

— O que importa é que você está aqui agora. – ela sorriu esperançosa. – Alfea é o seu lugar, Bloom. – suspirei enquanto encarava a chama queimando na lamparina.

Espero que ela esteja certa.

Os dormitórios em Alfea não são individuais e eu teria que dividir o meu com mais cinco garotas. Na verdade, elas teriam que dividir comigo, visto que eu estava chegando no meio do primeiro trimestre de aulas. Confesso que não sou fã dos primeiros dias de aula, porém, chegar depois que todos já se conhecem e têm seus possíveis grupinhos, é ainda mais apavorante.

Depois da orientação inicial com Faragonda, ela me levou até o dormitório que eu ficaria. A diretora de Alfea bateu na porta e não muito tempo depois, uma garota de loira, branca e pele bronzeada – dava para ver que ela passava muito tempo sob o sol – abriu a porta com um sorriso.

— Diretora Faragonda, tudo bem?

— Sim, Stella. Esta é Bloom, sua nova colega de quarto. – a garota sorriu, mas agora para mim. – Certifique-se que ela se instale bem e mostre a escola para era amanhã. Se não puder, peça a alguma das garotas. Não queremos que ela fique perdida no seu primeiro dia aqui.

— Claro, vai ser incrível. – Stella deu espaço para que eu entrasse – Boa noite, diretora.

— Boa noite, Stella. E Bloom? – virei para olhá-la. – Qualquer coisa, estarei na minha sala. – assenti.

— Obrigada. Boa noite. – Faragonda balançou a cabeça e saiu. Stella fechou a porta e eu finalmente olhei ao redor.  Estávamos em uma sala comunal do dormitório, aonde todas poderiam usufruir. Tinha alguns sofás, almofadas e muitas plantas espalhadas. Havia quatro portas visíveis, duas de cada lado do cômodo, três para os quartos e a outra provavelmente para o banheiro.

— Espero que não seja alérgica à nenhum tipo de flor, vai ver muitos tipos de plantas por aqui. – nós rimos – Eu sou Stella de Solária. – estendeu a mão.

— Bloom Peters.

— Como é? Peters? Aonde fica isso? – Stella piscou os olhos, confusa.

— Em nenhum lugar. É o meu sobrenome. – ficamos nos encarando por alguns segundos.

— De onde você é mesmo?

— Da Terra.

— Ah, claro! Bem, aqui em Magix, o que você chama de sobrenome é o lugar de onde viemos. – explicou, enquanto me conduzia para o que eu imaginava ser o meu dormitório – Mas aqui você pode usar o nome do seu reino.

— Terra então? – ela riu.

— Não, bobinha! Seu reino natal.

— A-Ah! Bem eu... – Stella abriu a porta e as outras quatro garotas viraram para me encarar. Todas estavam ali, de pijama, ao redor uma cama bonita com lençóis laranjas com estampa de estrela. Nos móveis em volta da cama estava tudo decorado, enquanto a outra cama, a que deveria ser a minha, só tinha um lençol azul e nada na volta além de um vaso com uma suculenta.   

— Seja bem-vinda. Espero que não se importe, não sei se você gosta de plantas, mas coloquei uma suculenta na sua mesa como presente de boas-vindas. Ela é fácil de cuidar. – uma garota com cabelos castanhos e voz suave, veio em minha direção.

— Eu gosto, sim. Obrigada.

— Esta é Flora, a responsável por todo aquele mato na sala comunal. – Stella a apresentou, fazendo Flora a encarar com uma expressão irritada. – Ela é uma fada da terra, natureza e essas coisas. Eu sou a fada da luz. Aquela ali é a Musa. – apontou para uma garota baixa, com ascendência asiática aparente, que acenou com um sorriso – Aisha. – uma garota negra com um cabelo cacheado e mechas azuladas – E Tecna. – a última era uma garota de cabelos rosa, que sorriu e se aproximou também.

— Se precisar de alguém para te ajudar a recuperar a matéria que tivemos até agora, eu posso te ajudar. – ela disse.

— Obrigada, de verdade. – coloquei minha mochila e as duas sacolas que trouxe comigo em cima da cama destinada à mim – Meu nome é Bloom.

— Você é a fada do que? – Aisha indagou. Engoli em seco só de pensar nisso. Mas eu não podia ficar me recriminando toda vez que isso vinha à tona, afinal, vim para Alfea para entender os meus poderes e principalmente controla-los.

— Do fogo.

— Legal! – elas disseram, o que fez com que eu me sentisse um pouco melhor.

—Tá bem, meninas! Já está tarde e a Bloom precisa de um tempo para se acomodar. – Musa começou a puxar as outras – Se precisar da gente, estaremos logo atrás das outras portas. – acenei para todas elas que saíram resmungando, apenas Stella ficou no quarto.

— Amanhã podemos acordar alguns minutos mais cedo para eu te mostrar a escola. – ela sentou sobre a sua cama e ficou olhando enquanto eu desfazia as malas. Trouxe comigo alguns livros e pequenos objetos de decoração que faziam com que eu lembrasse de casa. Coloquei tudo em cima da pequena mesa disponível do meu lado do quarto, junto com a suculenta que Flora tinha me dado.

— Claro, pode ser.

Conversamos mais um pouco enquanto eu terminava de acomodar as minhas coisas – na verdade, Stella falou e eu escutei tudo, concordando uma vez ou duas. Depois disso eu fui até o banheiro, que Stella tinha me explicado que ficava na porta ao lado do nosso quarto e tomei um banho rápido antes de dormir.

Encarei o meu reflexo no espelho antes de entrar no chuveiro. Eu parecia cansada e de fato estava. Estive sem dormir por muitas noites depois da minha primeira transformação, com medo de que pudesse ferir alguém.

Quando Faragonda me encontrou, as coisas não melhoraram tanto, mas pelo menos ela deu, à mim e aos meus pais, respostas. Respostas sobre o que estava acontecendo comigo, sobre o que eu era e para onde eu deveria ir. Por isso estou aqui em Alfea, não foi algo que planejei.

Virei de costas e encarei as cicatrizes no lugar em que ficam as asas. Não sei muito sobre o mundo das fadas, mas pelo pouco que Faragonda me contou, normalmente as fadas vivem com suas asas retraídas e quando precisam delas, as colocam para fora. Faz parte da evolução da espécie, somente fadas selvagens permanecem com as asas o tempo todo. Desde a minha primeira transformação, eu não tentei coloca-las para fora. Não sei se quero fazer isso tão cedo.

Entrei no chuveiro e deixei que a água caísse pelo meu corpo, como se pudesse lavar todos os meus problemas e os conduzir ralo a baixo.

Depois do banho, escovei os dentes, coloquei um pijama confortável e deitei na cama. Encarei o teto por vários minutos e demorei para pegar no sono, mas pelo menos eu consegui dormir durante a noite, o que já foi um progresso e tanto.

Talvez Alfea não seja tão ruim, afinal.