Quando Gabriel retornou ao quarto Lilian já havia saído. Não pôde deixar de ficar aliviado, não queria encarar a pobre mulher agora. Precisava pôr a cabeça no lugar, não lembrava de absolutamente nada, tinha a impressão de ter visto Claire, sentido Claire, e pela manhã, com um dor de cabeça lancinante ele se encontrava na cama ao lado de Lady Lilian.

Quando encontrou com Nicholas no escritório seu amigo tinha uma expressão confusa no rosto.

— Quem morreu? É o dia do seu casamento Gabriel, e eu bebi até pensar que virei um barril de cerveja ontem, ainda não são nem oito horas e já está de pé com essa cara de enterro. Qual é o problema?

— Quanto eu bebi ontem?

— Não sei, mas bem mais do que está acostumado, saiu meio cambaleante.

— O suficiente para eu não me lembrar de algo?

— Bom, não estou inteirado dos efeitos amnésicos provocados pelo álcool, mas... Inferno homem! Diga logo do que se trata essa conversa, estou curioso demais para ficar dando voltas.

— Eu acordei hoje pela manhã com uma mulher em minha cama.

— Você? Nunca levou esse tipo de mulher nem em sua casa...

— Não foi esse tipo de mulher.

— E então quem foi?

— Lady Lilian.

Nicholas parou de girar o copo de bebida em sua mão. Sua face adquiriu uma expressão indecifrável e Gabriel imaginou ter compreendido que havia magoado mais uma pessoa.

— Sinto muito, sei que gostava dela. Eu até iria sugerir que se cassasse com ela em meu lugar se não fossem as circunstâncias dessa manhã, mas...

— Não é nesse sentido que gosto de Lady Lilian, estou apenas absorvendo a informação. Já havia percebido que você a olhava diferente.

— Não olhava.

— Ficava nervoso na presença dela.

— Isso nunca aconteceu.

— Você a desejava Gabriel.

— Sim.

— Então deu cabo aos seus instintos e arruinou uma dama.

— Não. Nicholas, eu... Realmente sinto-me atraído por ela, talvez tenha a beijado uma vez, mas eu jamais faria isso... No dia do meu casamento, e dessa maneira. Eu apenas não tenho escolha.

— Do que se lembra?

— Eu me lembro de encontrar Claire no meu quarto, de tomar uma taça de vinho com ela e então, mais nada.

— Como pode tê-las confundido? Não poderiam ser mais diferentes.

— Eu também não compreendo. De todo modo, cá estou, prestes a dar a notícia mais infeliz para a mulher que eu amo: que irei me casar com outra.

— O que será de Lady Claire?

— Não sei, Lorde Montgomery vai querer me matar.

— E o que será de Lady Lilian?

— Ela insiste que não precisamos nos casar, mas eu jamais deixaria outro homem criar meu filho, não posso repetir essa história.

— Que história?

— Como?

— Você disse que não pode repetir a história.

Gabriel fechou os olhos. Abalado pelo deslize, desejou contar tudo que o perturbava a Nicholas, mas não iria expor sua mãe.

— Ah sim, a mesma história de sempre, um homem que abandona uma mulher e permite que outro homem crie seu filho.

— Gabriel, acho essa história muito estranha, nada condiz com você. Simplesmente deixou-se seduzir por uma mulher a tal ponto para esquecer tudo? Seu coração mudou de lado?

— Não, acho que jamaispoderia amar Lilian como amo Claire, mas não posso culpá-la por minhasatitudes, farei o que é certo, desistirei do amor e ficarei com a honra. 

                                                                           *****

Nicholas olhava perplexo para o amigo, nunca o virá tão determinado. Pobre Lady Lilian que nunca teria o amor de um homem, pobre Gabriel que nunca saberia o que fazer se passasse a amá-la. O momento foi perdido quando bateram na porta, anunciando que os Montgomery estavam ali. Nicholas os deixou a sós, mas a curiosidade foi maior que a decência, e ele deixou uma fresta da porta aberta para escutar.

Ouviu Gabriel pedindo desculpas, e dizendo que lamentava inúmeras vezes, que tinha passado de todos os limites e que jamais imaginou que se casaria com outra mulher que não fosse aquela que estava diante dele, mas que pelo bem de todos, não poderia deixar alguém desamparada apenas para seguir suas vontades, precisava fazer o correto, e portanto, iria casar-se com Lady Lilian.

O marquês de Hastings esperou ouvir um choro vindo de Lady Claire, espanto vindo de Lady Montgomery, e reclamações vindas de Lorde Montgomery. Para sua eterna confusão, ele ouviu um suspiro de alívio. Os Montgomery agradeceram a consideração do duque por Lady Lilian, e não pareceram nem um pouco indignados, reforçando que iria refrear qualquer boato, e que seria importante que Gabriel passasse algumas semanas recluso com a nova futura esposa. Longe das notícias de Londres, eles disseram, nada bom pode vir de um jornal com fofocas de arranjos desfeitos, não fará bem a Lilian ou a sua família.

Nicholas se afastou da porta, enquanto a conversa seguia com agradecimentos e perdões, como poderia Gabriel estar tão consternado e Lady Claire parecer contente? Achando estranho aquele comportamento, ele sorrateiramente subiu as escadas, e foi em direção ao quarto de Gabriel. Lençóis revirados, roupas jogas, os criados ainda não haviam passado ali. Aproveitando o momento, procurou pela bendita garrafa de vinho, que estava inocentemente parada sobre um móvel ao lado da cama.

Nicholas pegou a garrafa. Mandaria para um amigo botânico assim que pudesse, já ouvirá falar daquilo, uma erva que entorpecia o sentido dos homens, só nunca havia pensado que algo assim chegaria perto dele, muito menos trazido por Lady Lilian. Se fosse sincero consigo mesmo, diria que estava decepcionado, Lilian tinha se mostrado uma ótima companhia, parecia do tipo honesta e sincera, não do tipo que participava de tramas para conquistar homens e fortunas, porque ela não necessitava disso.

                                                                                  *****

Lilian foi recebida por um grande abraço de Tia Harriet ao entrar no seu quarto. A mulher estava com os olhos marejados e repetia agradecimentos.

— Tia Harriet...

Ela tentou se afastar da mulher, e quando conseguiu foi abraçada por Claire. Ela não queria abraços, queria lavar-se completamente de tudo aquilo, estava se sentindo angustiada.

— Mamãe descobriu tudo. Ontem à noite ela me viu com Daniel, e tivemos que contar, então confessei que ela será avô, e após alguns gritos, choros e desmaios ela ficou feliz.

— Oh sim, Lorde Becker é de uma beleza, e possui uma riqueza indescritível. Se minha Claire o ama, que fique com ele.

— Então podemos contar tudo ao duque, e eu não me caso com ele? – Lilian quis soar esperançosa e alegre, mas não seria verdade.

— Infelizmente não, querida. Inclusive estou aqui para agradecer o que fez por sua prima. Fiquei muito irritada com Claire quando ela me contou tudo tão em cima da hora, poderíamos ter dado um jeito nisso de outra forma, mas agora receio que teremos todas que enganar o duque.

Lilian assentiu, e pediu que a família se retirasse para que ela pudesse descansar, sua tia reforçou que faria de tudo para que ela fosse bem aceita socialmente e não descrita como uma ladra de noivos. Não passou despercebido a Lilian que sua tia aceitara tudo muito fácil, mas Tia Harriet não era uma mulher incorruptível, ela dançava de acordo a música e ao que a favorecia.

Vagarosamente Lilian se despiu e se banhou, pronta para afundar nos lençóis e dormir para sempre. Mas nem o sono queria estar com ela naquele momento, ela não lutou, ficou simplesmente parada esperando que algo acontecesse no seu corpo, como um estalar de dedos e a fizesse dormir. Um barulho de algo rangendo a fez piscar, mas não tinha a menor vontade de se mover.

— Então é aqui que se esconde a noiva do ano?

Daniel. Ela não questionou o que ele fazia ali, não se assustou, nem ao menos se mexeu.

— O que há com você Lily?

Sorriu discretamente ao ouvir o apelido. E sentiu a cama afundar.

— Daniel, estou paralisada pelo medo.

— Você com medo? Achei apenas que pobres mortais tinha esse sentimento.

— Aparentemente me tornei uma pobre mortal ontem. Achei que a erva estava apenas na taça de Gabriel.

— E assim era para ter sido. Claire me contou que achou que uma taça não fosse suficiente e colocou umas doses na garrafa, por isso quando tomou o vinho você adormeceu.

— Quão eficiente é isso? A erva. Gabriel despertou, mas não despertou, no meio do sono, e...

Ela não planejava falar tantos detalhes a Daniel, mas ele era a pessoa que ela mais confiava na vida.

— Eu quase poderia afirmar nessa manhã que não era mais inocente.

— Você... Vocês..., mas ele estava inconsciente! Era para estar!

— Nada aconteceu, eu só tive vontade que acontecesse.

— Por acaso se apaixonou por Lorde Kahn?

Descrença saia da voz engasgada de Daniel.

— É claro que não.

— Se não está apaixonada, ao menos o deseja.

— Posso viver um casamento baseado no desejo?

— Pode viver uma vida baseada nessa única vontade. Mas gosto de acreditar que você será feliz, e poderá até ser amada.

— Isso eu duvido muito. Precisava ver a cara de Gabriel, resignado pedindo minha mão, de coração partido e culpado... Não sei como tive coragem.

— Os ventos estão a nosso favor.

— Ao seu favor. Claire está livre de Gabriel e de um escândalo, e eu acabo de perder minha independência para viver ao lado de um homem que no mínimo me acha atraente.

— A atração é o princípio básico do amor, da amizade, de diversos sentimentos. Ele a respeita Lilian, e fará de tudo para agradá-la.

— As custas de uma falsa noção de defesa da minha honra. Gabriel me respeita até descobrir a verdade e querer me crucificar.

— Até que esse momento chegue, você estará feliz com uma criança no colo, e Gabriel vai rir da situação, pensando na sorte que teve.

— Nós não temos nada em comum, ele não tem senso de humor, é todo engessado.

— As vezes que eu te vi ao lado do duque, ou nadando com o duque, eu diria que ele me pareceu bem flexível.

— Eu estou perdida...

— Use a atração que sentem um pelo outro, você vai encontrar algo que goste nele e... Ah, esse é o problema, não é? Você encontrar mais coisas que goste no homem, e entregar seu coração a ele.

— Jamais entregaria meu coração a Gabriel, ele não saberia o que fazer.

— Então sugiro, que ponha grades de ferro em volta do seu coração, porque pelo que posso ver em seus olhos, e ouvir em sua voz, você está a um passo de entregar seu coração como presente de casamento.

Daniel de aproximou e depositou um beijo na testa de Lilian.

— Vou casar-me com Claire assim que o seu casamento acabar. Quando estiver retornando a Londres, envie uma mensagem para que possamos nos ausentar. Boa sorte minha amiga.

Seu amigo saiu, e deixou Lilian apreensiva. Seu coração teimava em bater mais forte cada vez que ela se lembrava de Gabriel, e se isso era um indício de que ele estava prestes a ir para outro dono, ela o trancaria com mais grades e correntes, até ele ficar enterrado em seu peito.