Por um longo tempo, Visão apenas voou.

Apesar de ter inúmeros dispositivos de localização em seu sistema interno, além de reconhecer a área através da simples observação, ignorou os conhecimentos técnicos para tentar se concentrar apenas nos sentimentos inundando seu peito.

Em verdade, os sentimentos assustavam Visão. Às vezes, quando ele estava na companhia de Wanda, ou sabia que a veria em breve, ele se deixava levar pelas emoções humanas cada vez mais presentes em seu cotidiano. Agora, porém, diversas sensações completamente distintas entre si batalhavam na mente de um sintozóide confuso.

E ele não sabia como lidaria com aquilo.

Encontrar Ultron depois de tanto tempo da batalha em Sokovia o havia deixado transtornado, para dizer o mínimo. Especialmente relembrar que o robô a quem matara com uma rajada da joia da mente era, no melhor dos termos, seu pai. O mesmo que ele era... Seria... Para a vida crescendo no ventre de Wanda.

Subitamente, Visão parou, freando seu corpo com o ar oferecendo resistência e tornando a súbita parada um pouco mais suave. A capa dourada balançava levemente com o vento e, abaixo dele, a floresta se estendia como um belo tapete. Sua pele avermelhada oferecia certo contraste quando observou as palmas das mãos contra o azul do céu.

O quanto ele estava preparado para criar humanos? Possuía certo conhecimento em cuidados, pelo tempo que conviveu com Wanda, mas criar desde o nascimento parecia estranho e fora de sua alçada. Insegurança percorreu suas veias e sistemas sintéticos, e ele sentiu que conversar novamente com Ultron talvez não fosse algo a se descartar tão cedo.

Mas como conseguiram chegar tão longe? E será que conseguiriam repetir o feito? Wanda nunca mencionou pessoas em suas visões, apenas conexões com a natureza. Pelo sorriso em sua face quando retornaram da meditação, ela certamente não tivera a mesma ilusão que ele. Ilusão não era exatamente o termo, sendo tão real que até aquele momento sentia o cheiro de poeira dos escombros em suas narinas. Cientificamente falando, aquilo não era real... Ou era?

Perturbado, Visão desceu até encostar a ponta das botas na terra, inalando o ar da floresta para tentar esquecer a destruição que recentemente encontrara. Fechou os olhos e pacificamente respirou e exalou, cessando as tremedeiras e compreendendo com clareza aqueles sentimentos assustadores.

Enquanto Ultron o criara para ser uma arma, ele queria criar a vida formada a partir do seu amor com Wanda para ser livre. Ser feliz.

Após um suspiro pesado, Visão utilizou de seu disfarce humano para chegar nas proximidades da pequena cidade, seus pés fazendo barulho por cima do cascalho o qual traçava o caminho até a mesma feira onde comprara os doces, as flores e o livro com dicas sobre gravidez. Era interessante como ele possuía a habilidade de ficar mais leve que o ar e atravessar paredes como um fantasma, mas, naquele momento, daria tudo para somente sentir o cascalho sob seus pés pelo resto da vida. Como um humano.

Onde sua vista alcançava, notou a presença de uma menina com longos cabelos loiros caindo pelas costas e usando um vestido cor de rosa com uma saia bastante rodada. Ela sorria e rodopiava, levando nas mãos uma haste com um buraco cheio de água e sabão. O líquido se transformava em pequenas bolhas estourando ao lado dela, provocando risos alegres. Não tardou para outra figura aparecer: um homem, na faixa dos trinta anos, sorriu e pegou a menina no colo, cobrindo sua face de beijos.

Visão sorriu, e sentiu uma gota quente em seu rosto. Uma lágrima que marcava sua pele sintética. Não era a primeira vez que acontecia, mas certamente era a vez mais especial delas.

~.~

Visão retornou à forma robótica algum tempo depois, no caminho para casa, com duas éclairs de chocolate em uma sacola plástica nas mãos. Ao invés de entrar pela porta da frente, tornou-se intangível para flutuar e atravessar a parede do sótão. Sam e Natasha haviam colocado ênfase na pintura das paredes amareladas, e Steve até desenhara a figura de um macaco fazendo malabarismo com tinta preta e um pincel fino. Todos planejavam deixar suas marcas, apesar de nunca comentarem o fato de não terem certeza sobre quanto tempo ainda ficariam ali.

As flores no vaso, apesar dos dias, ainda se encontrava bonita, sendo que ele e Natasha se revezavam com um spray de cuidado que compraram na cidade, prolongando a vida do ramalhete. Cada vez mais, aquele pequeno canto da casa se tornava um lar, não só para Visão e Wanda, dada a sua condição de gravidez, mas dos demais Vingadores, os quais utilizavam daquele espaço para fazer companhia uns aos outros quando não tinham questões importantes a discutir.

Atrás do vaso havia o pequeno urso entalhado em madeira, presente de Natasha após sua conversa pouco tempo antes. Quando experimentara a primeira crise de ódio em relação ao cuidado que possuía com sua família. Pegou o objeto e o girou entre os dedos da mão livre, cuidando para não o deixar cair, e depois o segurou firmemente na palma, fechando o punho sentindo as ranhuras do totem na pele sintética.

— Vizh?

A voz suave de Wanda ecoou pelo ambiente, e Visão se virou devagar para olhar a mulher mais linda do mundo em sua frente. Ela mantinha os cabelos soltos, e usava um vestido laranja que comprara em uma das voltas da cidade, com botões para facilitar vestir e tirá-lo com o tamanho atual da barriga. Um feixe de luz do sol iluminava seu rosto, destacando os olhos verdes em meio à escuridão do quarto.

— Oi, Wanda. – Visão sorriu.

— Eu senti que você havia chegado... Mas não o ouvi entrar.

— Acabei vindo aqui em cima primeiro. Peço desculpas se a assustei, querida.

O jeito dele falar fez a jovem estremecer, e ela, descalça, correu alguns passos para se jogar nos braços de Visão, o qual a recebeu com todo o carinho que era capaz de externar. De certa forma, era reconfortante saber que, apesar de ele ter voado de maneira tão abrupta, não havia sentimentos mal resolvidos entre eles.

— Fiquei com saudade, Vizh...

Sentindo um aperto no peito, Visão beijou o topo de sua cabeça, inalando o delicioso aroma de flores advindo de seu cabelo.

— Desculpe, Wanda. – Falar aquela simples palavra parecia ter tirado uma grande tonelada de seu coração. – Eu... Eu não queria tê-la deixado daquela maneira. Desculpe mesmo.

Wanda negou com a cabeça. Sua barriga pesada atrapalhava um pouco o abraço, mas Visão sentia felicidade em tê-la tão próximo.

— Está tudo bem, Vizh. Mas... Pode me contar o que houve?

Fazendo menção de sentarem no colchão, Visão se acomodou para acolher Wanda entre as suas pernas abertas, encaixando o corpo dela no vão do seu corpo e acariciando sua barriga.

— Eu vi Sokovia destruída. – Ele engoliu em seco, um hábito humano utilizado para demonstrar insegurança o qual aprendera a ter no período em que convivera com os Vingadores Ocultos. – Eu vi Ultron.

Mesmo que Visão não pudesse vê-la, por seu rosto estar obliquamente virado para a janela enquanto a bochecha restava encostada no ombro largo do sintozóide, Wanda arregalou os olhos e suspirou em surpresa.

— Oh. Isso é... Inusitado. – Wanda se manteve em silêncio.

— O que você viu, Wanda?

— Eu vi Sokovia. – Ela pigarreou. – Mas era nos arredores da cidade. E... Eu vi Pietro. Foi tão pacífico, Vizh.

Visão acariciou as madeixas longas do cabelo de Wanda. Naquele momento, ele estava genuinamente feliz por ela ter uma miragem agradável, enquanto a própria Wanda se sentia desconfortável por ter retornado tão em paz que nem percebera como a visão ocasionada pela meditação não fora nem um pouco parecida com a dela.

— Ultron disse que a sua gravidez significa mais do que a minha mente é capaz de compreender por ora. E não me deu respostas concretas sobre nada... Por isso eu corri. – Visão lentamente girou Wanda, para que ela sentasse em sua frente e ele pudesse olhar em seus olhos. – Eu não quero criar filhos para serem armas, Wanda, como Ultron me criou. Eu quero criá-los com amor.

Wanda sorriu e franziu o nariz, chegando mais perto para afaga-lo e beijar seus lábios ternamente.

— Eu sei que você será um pai maravilhoso, Vizh.

Com os carinhos da moça, Visão relaxou os ombros e respirou pesadamente. Ele não precisava respirar, contudo, aquele ato singelo de preencher o tórax de ar e depois soltá-lo trazia tranquilidade. Era algo que se acostumara, e às vezes se pegava respirando sem nem pensar.

— Tenho algo para mostrar. – Wanda puxou um pequeno pedaço de papel, pouco maior que a sua palma, e entregou para Visão. – No final da meditação, o Pietro disse que eu parecia com a minha mãe quando ela estava grávida. E eu lembrei que tinha essa foto no meio das minhas roupas. Deixei guardada no bolso de um sobretudo antes... Antes de as coisas darem errado.

Uma mulher, incrivelmente parecida com Wanda, sorria para o fotógrafo em roupas quentes o suficiente para combater um inverno gélido, a enorme barriga de gêmeos sendo o ponto de destaque da foto.

— Você está linda igual a ela. – Visão beijou sua testa e entregou a foto de volta. Antes de retornar o assunto, ele questionou: – .... Alguma probabilidade de a Natasha estar com raiva de mim por você ter retornado sozinha?

Uma gargalhada sonora escapou dos lábios de Wanda.

— Você vai sobreviver. – Novamente, o sintozóide engoliu em seco, e ela se ajeitou no colo dele para descansar, ressonando calmamente enquanto ele alternava os carinhos entre a barriga e as costas.

No final do dia, era tudo uma questão dos dois aguentarem firme.