Pelos Olhos Teus escrita por Victoria Aloia


Capítulo 6
Capítulo 5 - Planos


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Como vai? Espero que bem.
Boa leitura e até as notas finais.



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A cada dia que se passava, cada beijo que eu os via dar, cada andar de mãos dadas, final de semana que ele não aparecia na praça era um embrulho no estômago. Saber o que ela fez, se é que não continuava a fazer, com ele e não poder contar era muito difícil. O dilema crescente sobre contar e aparentar ser ciúmes e não contar transformando-me em uma péssima amiga fazia-me questionar meu caráter e empatia. 

Será que se fosse comigo eu gostaria de saber? Ficaria magoada se não me contassem? Entenderia meus amigos caso não o fizessem? Essas eram questões que me tiravam o sono em algumas noites. E com o final do ano se aproximando cada vez mais rápido, nossa separação inevitável e esse conflito iminente, eu havia me tornado uma bomba relógio sem perceber. 

Foi uma boa tentativa me distrair com os preparativos da formatura. Passei semanas tentando montar um grupo para termos um comitê, em vão. No fim, eu procurei por cada detalhe junto à coordenadora. Faltando apenas dois meses para a cerimônia de colação de grau do Ensino Fundamental, depois de termos tudo acertado, tivemos a infeliz notícia: a formatura havia sido cancelada.

O salão onde planejamos a cerimônia já estava reservado, o buffet contratado e até o serviço de som e filmagem confirmaram a data. Porém, precisávamos de pelo menos cinquenta convites comprados. O valor que faltasse, a escola cobriria com o dinheiro que sobrou da reforma do muro que, graças ao trabalho das professoras de educação artística, foi feita pelos próprios alunos do nono ano como forma de deixarmos ali nossa marca.

Tudo foi por água abaixo quando, no final de novembro, tínhamos vendido apenas vinte convites. E depois do anúncio de aposentadoria da diretora, ninguém se comprometeria com nada. Tirando a questão que faltava menos de um mês para a formatura e estava muito em cima da hora montar a cerimônia na quadra da escola como fora no ano anterior.

Isso me arrasou. Não somente pelo fato de eu ter me esforçado para ter uma formatura legal e diferente do que os anos anteriores fizeram, mas também porque eu tinha planos para esse dia. Planos muito importantes, que se tivessem sido executados teriam mudado minha vida, talvez. Não era nada muito convincente ou sólido, tenho quase certeza que não daria certo, mas mesmo assim eu tinha um e devia tê-lo colocado em prática. 

Em minha cabeça-oca a ideia era boa, a execução é que seria o problema. Como eu contava com a formatura, iríamos à colação de grau e, ao final dela, quando eu fosse embora, me despediria de Augusto com um abraço e diria para ele que gostava dele com o bônus de contar que a Melissa o traía. De fato era um plano muito ruim. O que eu pensava quando tive essa ideia? Que nunca mais nos veríamos? Morávamos há menos de duzentos metros um do outro. Que seria como num filme que ele terminaria com ela sem o menor questionamento e viria para os meus braços? Eu era tão idiota assim? Claro que era. 

Ele morava na rua acima da minha, com certeza questionaria minha acusação e diria que eu estava com ciúmes, principalmente depois de eu dizer que gostava dele. De certa forma foi bom não ter feito aquilo na formatura. Então, quando dezembro chegou, foram convocados alguns alunos indicados para bolsas de estudos em colégios particulares da região. Eu, Guto e Wallace fomos indicados para um próximo ao Museu do Ipiranga e Lúcia e Marian foram indicadas para outro colégio, junto com mais três alunos da outra turma. Pelo menos o esforço dos estudos valeu a pena. 

Para os indicados para o mesmo colégio que eu, tivemos uma série de etapas que incluía um questionário sócio-econômico, uma entrevista dos responsáveis com a assistente social, uma prova de conhecimentos gerais e por fim uma entrevista do aluno indicado com o diretor acadêmico do colégio, depois sairia o resultado. Saberíamos dentro de duas semanas, o que seria justamente no último dia de aula do nosso último ano letivo do ensino fundamental. 

Passei esses quatorze dias roendo as unhas, não dormindo direito, completamente em outro mundo, tudo isso por estar ansiosa para o resultado. Quando o grande dia chegou, assinamos as camisetas e saímos da escola às pressas para ver o anúncio pregado num quadro de camurça na porta da secretaria do colégio. 

Quão grande não foi minha surpresa ao ver que eu e Augusto tínhamos passado, mas Wallace não. Paula não recebera indicação e, chegando em casa, recebi uma mensagem de Marian dizendo que apenas Lúcia tinha conseguido a bolsa. 

Todos os alunos que não tinham bolsa de estudos seriam remanejados para escolas públicas próximas. Breno e Wallace foram para uma escola particular, mais barata, com bolsa parcial em uma cidade vizinha, que não ficava tão longe de onde morávamos. Mariana e Paula foram para a mesma escola pública, Lúcia foi sozinha para o colégio particular e eu e Guto preenchemos as duas vagas para o segundo colégio que tinha vínculo filantrópico com nossa escola.

Estávamos tristes em deixar a escola, os professores (alguns deles) e sobretudo nossos amigos, mas nos reuniríamos de vez em quando. É o que sempre dissemos, mas nunca cumprimos. Talvez por medo de ser nostálgica demais, ou que sentimentos do passado voltassem à tona, com o tempo passei a evitar falar sobre determinadas pessoas e lugares. 

Eu tinha planos para o meu futuro e não podia esperar por ninguém para realizá-los. Afinal, um sonho é nada menos que uma ideia sem planejamento, então comecei a colocar os meus em prática. Começando com o mais difícil de todos: dizer a Augusto que Melissa o traía frequentemente.
A princípio, eu tentei evitar o assunto, tentei evitar o contato com ele, mas não consegui. Foi mais complicado do que eu tinha imaginado. Eu o tinha chamado para ir à praça perto de casa para lhe contar. Em minha cabeça, ele não faria escândalo em um lugar público. 

Chegando na praça, sentei-me em um dos bancos que tinha uma espécie de solário de madeira vazado e, enrolado em um suporte preso a terra do jardim, tinha uma trepadeira cheia de botões de flores que estavam prestes a desabrochar. Estava esperando Augusto chegar, quando senti o perfume inconfundível daquele que conhecia a quase cinco anos. Ele colocou suas mãos suavemente no meu rosto tampando meus olhos. Respirei fundo. Não queria que minha razão falasse mais alto que minha emoção, mas era preciso fazer alguma coisa porque isso já estava indo longe demais.

Eu tirei as mãos de Augusto de meus olhos e mais uma vez tomei minha respiração, o que fez com que ele ficasse preocupado e se sentasse olhando-me sério.

— Quer me contar o que foi que aconteceu pra você estar fria desse jeito comigo, e com a Melissa também? Quer dizer, vocês não brincavam quando criança?

— Bom, sim, mas isso até ela fazer coisas que não deviam ser feitas com ninguém na face da terra. O que ela fez não tem perdão. - Eu não conseguia encará-lo. Algo me dizia que se olhasse em seus olhos desmoronaria ali mesmo, e essa era a última coisa que eu queria.

— Vai me dizer o que ela fez ou não? Você está me deixando preocupado. Ela matou alguém? - Ele falou debochado.

— Ah mas é claro! Ela que tem 13 anos matou uma pessoa. Na verdade foi uma velhinha indefesa! - Ele conseguia me irritar principalmente nesses momentos de fragilidade emocional -  Augusto faça-me o favor!

— Você não me diz logo o que está acontecendo. - Ele levantou as mãos em sinal de rendição - Já falei para você que minha bola mágica de cristal está quebrada e não consigo adivinhar.

— Certo, já chega. Você quer saber o que foi, eu vou te contar...

— Oi Gatinho, adivinha quem é? - disse Melissa chegando perto de Augusto e fazendo o mesmo que ele fez a menos de cinco minutos comigo.

— A garota mais linda de todas, minha namorada! - Quase vomitei vendo aquela cena.

— Com licença, eu estou aqui, viu? - Disse.

— Bom, pode falar, o que de tão importante você queria dizer. Aproveita que a Mel está aqui, assim esclarecemos tudo de uma vez!

— Não. Quer saber deixa pra lá, bom nos vemos amanhã na casa do Breno, então.

— Ok! Até lá, fofa - Disse Melissa, e como um gato, saltou para o colo de Augusto, que me observou ir embora. Ele nunca me vira assim, e o pior de tudo é que que tinha certeza que  ele vira uma lágrima rolar em meu rosto antes de me virar para ir embora.

No dia seguinte, lá estava ela novamente,  grudada em Augusto como se fosse por um cordão umbilical, deixando-o sozinho apenas quando ele saía do sofá e pausava o vídeo-game para ir ao banheiro. Àquela altura, tanto Mariana, que também estava conosco, quanto Breno já tinham todos os detalhes da traição de Melissa, inclusive os episódios que somente Paula presenciara, uma vez que a praça à frente de sua casa parecia ser o ponto de encontro da morena com seus contatos.

Nós sabíamos os passos que ela tomava e não contávamos para Augusto por medo de ele não entender, e a julgar por sua atitude no dia anterior, era fácil chegar à essa conclusão. Ela fez uma lavagem cerebral nele, que por sua vez confiava nela cegamente e não fazia ideia do que estava acontecendo.

Depois de um tempo pensando e confabulando com os outros dois, tomamos como genuíno o que ele aparentava sentir por ela e decidimos não dizer nada e dar apenas uns toques para alertá-lo, mas perceber a situação ficaria a cargo dele. Se o velho Augusto ainda habitasse alguma parte desse vácuo que se tornara sua cabeça, ele acordaria para a vida. Mas não foi o que aconteceu. 

***

Passando uma semana das festas de final de ano, fui ajudar Paula com a mudança de quarto, que ela dividia com sua irmã, assim como eu. Jaqueline passou no vestibular para cursar Arquitetura na universidade federal e teve que se mudar para o interior do estado deixando o quarto mais espaçoso para Paula. De todo modo, estava ajudando-a a redistribuir os móveis quando fui pega de surpresa, novamente olhando de relance pela janela e vi Melissa. 

Já que o namoro dos dois era baseado em mentiras e falsas promessas, não ficava mais admirada com o fato de ela não se importar em estar na presença dos amigos de Augusto para fazer seus rolos por aí. O que me pegou desprevenida foi que Melissa não se exibia com um garoto qualquer na praça. Ela estava parada em frente ao portão da casa de Paula em prantos, com seu tão icônico olhar lotado de rímel completamente borrado. O que eu não fazia ideia era porque ela estava ali, ainda mais naquele estado. 

A primeira coisa que pensei foi que talvez Augusto finalmente tivesse descoberto sua incrível galhada digna de exposição em feira de caça e acordara do transe, terminando com ela. Talvez Melissa faria um drama sabendo que eu estava ali, e pediria minha ajuda? Claro que não. Chamei Paula na janela e o que ela disse embaralhou minha cabeça assim como as pedras de um jogo de dominó são embaralhadas antes de uma partida:

— Ela deve estar aqui para ver a minha mãe. - Melissa era bem próxima de dona Fátima, mãe de Paula.

Quem abriu a porta foi a própria dona Fátima e, enquanto descíamos as escadas, o que ouvimos me deixou atônita e quase caí ao tropeçar nos degraus. Nos escondemos atrás do corrimão para poder ter a visão da cozinha e ouvir o que estava acontecendo. 

— Aconteceu, tia. E ele me largou!Aquele mau caráter, desgraçado. - Ela mal conseguia terminar as palavras, se afogando em seu próprio choro.

Virei-me para encarar Paula, ambas pensando a mesma coisa: Augusto e ela tinham transado e ele a largou pois descobriu suas traições. No entanto, estávamos tirando conclusões precipitadas. A mãe dela era quase irmã da mãe de Melissa desde os tempos de faculdade das duas, quando cursaram enfermagem juntas. A mãe de Melissa descobriu estar grávida e dona Fátima a apoiou na decisão de manter a criança mesmo que o pai fosse um desconhecido qualquer com quem tivera relações. E a história estava prestes a se repetir. 

— Calma, minha filha. Sente-se aqui, vou buscar um copo com água e açúcar para seus ânimos. Respire e me conte o que aconteceu. - Dona Fátima era a tranquilidade em pessoa e uma ótima confidente.

Ouvimos tudo de trás da escada, eu e Paula, perplexas com cada detalhe. Melissa estava ficando cada dia com um garoto diferente para chamar a atenção de um menino do segundo ano do ensino médio do colégio particular do nosso bairro, o qual a conhecia pelas festas que eles frequentavam na casa de amigos em comum e porque sua mãe estava tentando conseguir uma bolsa de estudos para ela, graças à indicação da mãe do garoto. Ele era cliente da mãe de Melissa, que fazia bicos como diarista em um dos poucos prédios do bairro.

O problema maior não era ela fazer isso apenas para chamar a atenção do menino, cada um faz o que quer com a sua vida, mas eles finalmente ficaram e, mesmo que ela namorasse o Augusto há mais de seis meses, os dois não tinham transado, como eu tinha imaginado. Ao ouvir Melissa dizer que transou com o tal menino do outro colégio e que suspeitava estar grávida, eu tive que me sentar no chão. Minhas pernas bambearam, minha visão ficou escura e eu achei que ia desmaiar ali mesmo.

Não acreditei que estava ouvindo aquilo. Algo brotou em mim como se eu de repente tivesse compaixão por ela. Não éramos nem de longe amigas, mas não era justo eu ficar ouvindo aquilo tudo e ainda julgá-la pelo ocorrido. Me colocando no lugar dela, eu também estaria desesperada, sem chão e procurando por ajuda. Caramba, ela tinha treze anos e com suspeita de gravidez na primeira vez que fizera sexo com um garoto completamente babaca. 

Empatia foi o que me moveu naquele momento. Saí de trás da escada e fui até a cozinha. Melissa ficou espantada, depois com raiva e voltou a chorar logo em seguida. Sentei-me ao lado dela e segurei sua mão trêmula enquanto ela me encarava com um olhar constrangido. Não importava muito àquela altura o que ela havia feito com Augusto, ela precisava de ajuda e de alguém que a abraçasse e lhe dissesse que ia ficar tudo bem. 

Dona Fátima foi até a farmácia para comprar um simples teste de gravidez enquanto eu e Paula conversávamos com Melissa.

— Eu sei que você deve estar muito assustada, com medo do que pode acontecer, mas você precisa conversar com esse menino se o teste der positivo. Caso você queira continuar com isso. 

— Não me leva a mal, mas você não entende o que é crescer sem um pai, e eu só tenho treze anos, não posso fazer isso. Não posso arruinar o meu futuro com uma criança que não tenho a mínima condição de cuidar. - Ela realmente estava apavorada com a ideia de estar grávida.

— Sim, eu entendo completamente o que é crescer sem um pai. Eu posso estar errada, mas não acho que os pais do menino vão te deixar na mão se você quiser levar isso à diante. E não se preocupe, pode ser apenas um alarme falso, mas eu preciso que você me prometa uma coisa: que vai falar com Augusto. Tudo bem se ele quiser continuar namorando com você, mas ele tem o direito de saber o que aconteceu.

Ela me olhava como se eu fosse uma espécie de mãe ou irmã bem mais velha, sendo apenas um ano a mais na realidade. Não sei de onde saiu tudo aquilo, como eu tive estômago para fazê-lo ou ainda como eu, no auge dos meus quatorze anos fui madura àquele ponto. Acho que eu amadureci bem mais do que devia. 

Depois de fazer o tão assustador teste da farmácia e dar negativo, dona Fátima acompanhou Melissa até sua casa e conversou com a mãe dela. Até a hora de eu ir embora ela não tinha voltado. Tive que contar com a palavra de Melissa que ela contaria tudo ao Augusto, mas esse tudo não estava esclarecido. Ela poderia contar apenas das traições, ou poderia contar absolutamente cada detalhe, incluindo o susto da gravidez e a nossa conversa. O que eu não tinha pensado é que ela diria a ele que nós, amigos dele, sabíamos de tudo desde o começo.


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Notas finais do capítulo

Chegamos até aqui. Daqui pra frente você vai ver que o tom da história mudará um pouco. Espero que isso agrade.
Deixe nos comentários o que achou do capítulo e até o próximo!



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