Sob a Máscara escrita por Irene Adler


Capítulo 5
Capítulo 5




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Não encontramos qualquer ligação entre os irmãos Miller e o italiano morto em seu apartamento em Chelsea além do fato de que os três tiveram algum tipo de envolvimento criminoso no passado. Estaria nosso assassino querendo limpar a cidade de modo definitivo e ainda deixar o recado de que os erros do passado nunca nos deixam de verdade?

Bruce havia levantado a possibilidade de que o assassino sabia a real identidade do Batman, e se ele estivesse certo era só uma questão de tempo para que chegasse até mim. Tenho tantos erros pelos quais ser perseguida, e se a intenção era mesmo atingir o Batman, eu era sem dúvidas a melhor forma.

Mas isso não passava de uma suposição. Nada além de uma suposição que eu evitava dizer em voz alta.

O único pensamento do qual não conseguia me livrar era o de que Coringa devia de ter algum envolvimento com esses crimes. Depois de mais de dois anos como detetive particular e como a namorada do Batman não era difícil perceber que criminosos em geral eram supersticiosos e covardes, mesmo os de mais alto escalão. Todos tinham medo de que algo viria para puni-los, viviam com a certeza de que esse dia chegaria, e por isso o Batman é uma figura tão eficaz.

Coringa era um ponto fora da curva. Um criminoso que não acreditava em nada além do caos e que não temia nada. Um homem sem nada a perder, o tipo mais perigoso de todos. O jeito como esses crimes pareciam pensados para nos atormentar não falhava em me fazer lembrar do palhaço.

E qual tipo dee criminosa a Dama de Espadas é? Ouvi a pergunta ecoar no fundo da minha cabeça e tentei ao máximo ignorá-la.

Queria que Bruce não julgasse o envolvimento de Coringa como uma possibilidade tão absurda e ao menos aceitasse interrogá-lo. Ou quem sabe eu poderia ir até o Arkham e fazer isso. Eu o conhecia melhor do que o Batman, afinal.

E se o Batman era capaz de invadir o Arkham, por que a Dama de Espadas não seria?

Porque isso envolve um nível de planejamento com o qual não estou acostumada, eu só enganei o azar até hoje, nunca fui uma planejadora tão boa assim. Nunca fui preparada como o Batman.

Mas talvez não fosse de todo impossível se eu realmente me dedicasse.

Fazendo uma pesquisa descobri que a empresa responsável por instalar dutos de ventilação na maior parte dos prédios públicos de Gotham, a Barnes & Co., havia sido comprada pela Wayne Enterprises na mesma época em que Bruce voltou para a cidade e estampou todos os jornais. Poderia apostar que todos os dutos de ventilação instalados desde então tinham o tamanho necessário para que uma pessoa passasse.

Se eu conseguisse uma planta do Arkham, talvez fosse possível invadir o hospício da mesma forma que o Batman fazia.

Porém a lembrança de que combinamos de fazer a investigação juntos me fez parar. Se estava exigindo dele, eu também teria que ao menos tentar cumprir nosso trato.

Tentei esquecer o assunto Coringa pelos dias que se seguiram e passei a me dedicar ao aniversário de Bruce que se aproximava. Combinei com Alfred para que fizesse o risoto de camarão que ele gostava e o meu bolo de chocolate preferido.

No dia 16, passei em uma livraria perto do trabalho e escolhi um dos livros de que mais gosto para ser o presente dele, o “Cem Sonetos de Amor" de Pablo Neruda. Assim que cheguei em casa, escrevi uma dedicatória na primeira página antes de embrulhar com papel de presente vermelho.

“Para o homem a quem eu poderia dedicar todos os poemas do mundo e ainda não seria o suficiente.

Lauren.”

(...)

O 17 de novembro caiu na quarta-feira da semana seguinte ao retorno da Dama de Espadas e foi um dos dias mais frios do outono. Saí um pouco mais cedo do trabalho e fui direto para a mansão.

Fui recebida por Alfred e seu grande sorriso.

— Boa tarde, senhorita Lauren, já está quase tudo pronto.

— Obrigada, Alfred. Vou subir pra me arrumar e já volto. Pode deixar isso na mesa da sala pra mim? – Entreguei a ele o presente de Bruce.

— Claro, senhorita.

Subi e escolhi um vestido vermelho e decotado que me chegava aos joelhos. Passei o batom vermelho de sempre diante da penteadeira e calcei o par de Louboutin que Bruce me dera alguns meses atrás.

Desci as escadas e voltei à sala para encontrar o bilionário já me esperando sentado no sofá.

— Feliz aniversário, Sr. Wayne. Seu presente tá em cima da mesa. – Bruce se levantou e eu beijei-o ao terminar de falar.

Senti as mãos dele envolverem minha cintura no instante em que ouvi a voz do mordomo.

— Feliz 36 anos, patrão Bruce. Que o próximo de ano de vida te traga felicidades e a responsabilidade necessária para decidir se aposentar.

— Muito obrigado, Alfred. – Ele riu.

— Já posso servir o jantar ou querem esperar mais um pouco?

— Ah ele vai abrir o presente primeiro. – Eu disse. – E pode deixar que eu sirvo o jantar pra vocês dois hoje, podem sentar na mesa.

— Como quiser, senhorita.

Bruce soltou minha cintura e rumou para a mesa ao lado de Alfred. Eles assumiram seus lugares e deixaram livre para mim a cadeira entre os dois.

— Pode abrir seu presente. – Tirei o embrulho do centro da mesa e o coloquei nas mãos de meu namorado. – Espero que goste.

— Sempre gosto de tudo que você escolhe.

Sentei e observei-o retirar o papel de presente e revelar a capa branca do livro.

— É um dos meus livros de poemas favoritos, o pouco que aprendi de espanhol na época da escola foi com Neruda.

Ele abriu na primeira página e leu a dedicatória em silêncio, passando os dedos pelas minhas palavras rabiscadas antes de voltar os olhos para mim e sorrir.

— Obrigado, eu gostei muito.

— A página marcada é a que tem o meu soneto preferido.

— Lê pra mim. – Bruce colocou o livro em minhas mãos.

— É melhor eu ler mais tarde, Alfred já deve estar morrendo de fome.

— Não, eu também adoraria escutar. – O mordomo se manifestou.

— Tudo bem, eu leio. – Concordei e abri o livro. – Só não arrisco ler a versão original porque meu espanhol está enferrujado. – “Soneto XVII. Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: te amo como se amam certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a alma. Te amo como a planta que não floresce e leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, e graças a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascendeu da terra. Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo diretamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira, senão assim deste modo em que não sou nem és tão perto que tua mão sobre meu peito é minha tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho."

— Sua voz lendo esse poema é uma das coisas mais lindas que já ouvi na vida. – Bruce disse assim que fechei o livro e o coloquei sob a mesa.

— Isso é porque ainda não ouviu o original em espanhol.

— Espero que me dê a honra.

— Foi realmente muito bonito, senhorita Lauren.

— Vocês dois vão me acostumar mal com tantos elogios.

— Mais do que já está?

— Sim, Sr. Wayne, mais do que já estou. – Levantei da cadeira. – Vou trazer o jantar. Temos o risoto de camarão que você gosta e o meu bolo de chocolate preferido de sobremesa.

— O aniversário é meu e vamos comer o seu bolo preferido?

— Exatamente, porque eu sou o maior presente da sua vida. Sabe que não devia ter me mimado tanto, agora é tarde.

Andei até a cozinha e levei para a sala a travessa de risoto e a garrafa de vinho que Alfred tinha deixado separada em cima da pia.

Sentei outra vez à mesa e servi meu próprio prato e comecei a comer antes que os dois pudessem sequer pensar em fazê-lo.

— Achei que o aniversariante fosse ser o primeiro.

— Só achou. Tô morta de fome.

— É, estou vendo. – Vi Bruce rir pelo canto dos olhos enquanto se servia.

Dei mais três garfadas antes de dizer:

— Maravilhoso como sempre, Alfred. Nunca vou enjoar da sua comida.

— Vê como ela me valoriza, patrão Bruce? – O mordomo tinha acabado de encher as três taças de vinho e também começava a comer.

— E como eu poderia não valorizar?

— Já entendi que ela é a preferida, não precisa me lembrar sempre.

— Não precisa ficar com ciúmes, Sr. Wayne, ele ainda te ama e eu não vou te trocar.

Em momentos como esse não conseguia evitar pensar porque nossa vida não poderia ser só isso, porque não poderíamos viver felizes longe daqui. Mesmo com todo o dinheiro do mundo desconfiava de que nunca conseguiríamos escapar desse lugar.

— Como foi o trabalho hoje? – A voz do bilionário me tirou dos devaneios.

— Foi um dia tranquilo, não atendi nenhum cliente novo. Só arquivei alguns casos resolvidos e conversei com uma cliente que tinha me contratado porque desconfiou que estava sendo traída.

— E ela estava? – Alfred perguntou.

— Sim. O marido chegava um pouco mais tarde em casa sempre às terças ou quintas, só precisei segui-lo depois do trabalho e descobri onde a amante morava. Mas mesmo tendo me procurado, ela não queria acreditar até eu mostrar as fotos. Muitas vezes as pessoas me procuram porque querem uma confirmação daquilo que já sabem. As verdades que desprezam por acharem que não passam de uma paranóia ou coisa do tipo.

— Aconselharia seus clientes a seguirem mais a intuição então? –-O mordomo bebeu um gole de vinho.

— Não, porque assim eu teria bem menos clientes. Prefiro que eles continuem a me procurar.

Continuei a comer até terminar o risoto e percebi que Bruce ficara um pouco mais pensativo. Olhei-o terminar o prato e em seguida senti uma mão em minha coxa por debaixo da mesa.

— Se importa se pularmos a sobremesa?

— Não acredito que vai fazer essa desfeita pro Alfred. – Eu sorri de leve, já sabia exatamente que ideia cruzou a mente dele.

— Não vou fazer desfeita, só quero comer mais tarde. Alfred não vai se chatear, não é? – O bilionário olhou na direção dele.

— De forma alguma, patrão Bruce. O aniversário é seu.

— O que me diz? – A mão dele em minha coxa fez um movimento circular.

— O aniversário é seu, Sr. Wayne. Podemos pular a sobremesa, mas mais tarde eu vou querer.

Ele levantou e estendeu a mão direita em minha direção antes de dizer:

— Traga o livro, você vai ler o poema em espanhol pra mim.

(...)

Acordei de madrugada apenas para perceber que estava, pela milésima vez, nua e sozinha na cama de Bruce Wayne. Nem mesmo na noite do aniversário eu conseguia fazê-lo ficar.

Suspirei e vesti o robe preto dele antes de sair do quarto. Teria de cortar o bolo sozinha então.

Fui até a cozinha e tirei o bolo de chocolate da geladeira. Estava terminando de cortar o primeiro pedaço quando ouvi passos atrás de mim.

— Aceita um pedaço, Alfred?

— Aceito, senhorita Lauren.

— Acredito que não deve adiantar perguntar onde ele foi, não é? – Perguntei depois de cortar a segunda fatia e entregar a ele.

— Também gostaria de saber. Mas patrão Bruce nunca apreciou comemorar aniversários, desde que os pais dele morreram.

— No do ano passado ele ficou. – Falei provando o bolo.

— Creio que tinha alguma coisa perturbando-o nessa noite.

— É, eu também acho.

— Mas logo ele estará de volta, senhorita. Deve fazer apenas uma ronda e voltar pra casa.

— Às vezes sinto que nada do que eu faço importa pra ele.

— Não diga isso. Antes de você chegar pensei que nunca mais iria vê-lo sendo feliz desse jeito. Ele é muito feliz graças à senhorita, nunca duvide disso.

Então por que ele não está aqui? Era a pergunta que morreu no fundo da minha garganta antes que eu pudesse dizê-la.

— O bolo está ótimo, Alfred, obrigada por ter feito. – Falei depois de quase um minuto de silêncio.

— Não tem de que.

Quando voltei para a cama naquela noite, uma única certeza me atingiu: se eu fosse mesmo entrar no Arkham, jamais poderia fazer isso da forma como o Batman faria, nunca entendi como o Batman pensa. A única maneira possível da Dama de Espadas ter êxito era imaginando o que o Coringa faria.


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Notas finais do capítulo

Sobre o aniversário do Bruce no dia 17 de novembro; essa não é a data canônica, mas na HQ Cavaleiro das Trevas do Frank Miller, é mencionado que o Bruce fazia aniversário em novembro. Como essa é uma das minhas HQs preferidas, quis usar como referência e escolhi dia 17 pra ser um mês antes do meu aniversário.
Esse foi um capítulo mais tranquilo, espero que tenham gostado e me contem o que acharam.



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