Sob a Máscara escrita por Irene Adler


Capítulo 4
Capítulo 4




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O despertador que eu não havia programado tocou e me acordou às 7 horas no dia seguinte. Nem me dei ao trabalho de levantar e apenas estendi o braço na direção da cômoda ao lado da cama procurando pelo despertador, não iria trabalhar naquele dia. Mas alguém segurou minha mão.

— Hoje é seu primeiro dia de treinamento. – A voz de Bruce invadiu-me os ouvidos.

— Bruce, eu fui dormir depois das duas porque fiquei te esperando. – Abri os olhos para vê-lo sentado na beira da cama.

— Te avisei que seria hoje. É hora de levantar.

— Não tem nenhum problema ser hoje, mas precisa ser tão cedo? Eu tô exausta.

— Não vou pegar leve com você, nem adianta tentar.

— Privação de sono faz parte desse seu treinamento? – Bufei e afundei o rosto no travesseiro. – E não devia estar dormindo agora? Pensei que morcegos fossem animais noturnos.

— Faz parte sim. Se reclamasse menos já estaria de pé. – Ele enfim desligou o despertador e levantou da cama. – Estou te esperando lá embaixo, tem vinte minutos pra levantar e se arrumar. Vista alguma coisa confortável.

Continuei sem me mexer por alguns instantes antes de gritar:

— Isso tudo é porque não transamos ontem, não é?

Porém o bilionário já tinha deixado o quarto e não me escutou. Ou talvez ele estivesse rindo no corredor, o que me parecia muito mais provável.

Levantei e lavei o rosto no banheiro antes de procurar algo para vestir na minha parte do armário e encontrar as poucas roupas de academia, a qual eu mais faltava mais vezes do que ia. Escolhi uma calça legging e um top pretos.

Bruce estava sentado me esperando na caverna já com uma expressão de impaciência.

— Está atrasada.

— E o que vai fazer, me colocar de castigo? – Não resisti a provocá-lo.

— Quem sabe mais tarde. – Deixou um rápido sorriso escapar. – Mas agora vamos ao que importa. Estou supondo que não sabe nada a respeito de nenhuma forma de luta, certo? Coringa nunca...?

— Não, ele nunca me ensinou nada, só a atirar. A única coisa que sei fazer é fugir.

— Acho que podemos começar com Muay Thai. Mas precisa se alongar primeiro. – Ele se levantou e parou em minha frente. – Faça o que eu fizer.

— Quantos tipos de artes marciais você sabe? – Perguntei depois de começar a repetir os movimentos dele.

— 127.

— Isso é mentira. – Falei incrédula. – É impossível.

— Você é uma boa detetive, pareço estar mentindo?

— Parece, porque isso é completamente impossível.

— Foi a única coisa a que me dediquei por quase dez anos.

— Ainda assim não me parece real.

Bruce parou de se alongar e voltou a ocupar a cadeira antes de dizer:

— Agora vai fazer 50 flexões e depois começo a te ensinar os movimentos básicos.

— E você vai ficar só olhando? Isso é castigo porque achei que tava mentindo?

— É parte do seu treinamento. E eu gosto da vista.

(...)

Quatro meses se passaram sem que descobríssemos quase nada novo sobre o caso além do fato de que Joseph havia sido preso uma vez, seis anos antes por estar de posse de uma quantidade não muito expressiva de heroína; o que nos fez pensar que ele talvez estivesse envolvido com tráfico antes de se tornar viciado.

Verificamos as fichas de todos os pacientes mais famosos do Arkham que chegaram lá graças ao Batman na expectativa de prever o que viria a seguir, mas tudo que nosso assassino nos concedeu foi silêncio. O mais absoluto silêncio.

Continuei a ser treinada por Bruce quase todos os dias, tirando as ocasionais folgas nos finais de semana nos quais eu voltava a ser apenas a garota mimada dele. Mas apesar de estar quase acostumada à intensa rotina de treinos, ainda me considerava uma aprendiz terrível. Ele dizia que eu estava progredindo, porém duvidava de que algum dia chegaria um pouco perto do nível de habilidade dele. Ao menos eu só queria investigar meus casos e não fazer parte da cruzada para salvar a alma de Gotham.

Foi em uma sexta-feira comum que o caso voltou a andar. Cheguei na mansão depois do trabalho com planos de sugerir a Bruce que saíssemos para jantar e que ele tirasse a noite de folga e fui recebida por Alfred depois de tocar a campainha.

— Patrão Bruce pediu para avisar que a está esperando lá embaixo, ssenhorita.- O mordomo falou enquanto eu entrava na sala. – E ele deixou um presente também.

— Obrigada, Alfred, já vou descer.

Em cima da mesa da sala estavam duas caixas pretas. Escolhi abrir a maior e encontrei um bilhete com as palavras “Pela primeira vez, um presente para a Dama de Espadas.”

Dentro estava meu mais novo traje, que, ao contrário do anterior, cobriria meu corpo por completo. Esse era inteiro preto e tinha algumas partes do tecido mais rígidas, reforçadas com o que supus ser kevlar. Do lado esquerdo do peito, o símbolo do naipe de espadas em branco. Também encontrei na caixa um par de luvas pretas, um cinto com alguns apetrechos, uma máscara branca, lentes de contato verdes e uma peruca castanha bem mais longa que meu cabelo real. Na caixa menor havia um par de botas pretas de cano curto e sem salto que eram do meu tamanho exato, como sempre.

Quando fechei as caixas, senti o olhar de preocupação de Alfred sob mim.

— Não imaginava que fosse voltar a tomar parte nessa loucura.

— Nem eu imaginava, Alfred. – Suspirei. – Mas não pretendo ser uma vigilante junto com ele, só estamos investigando um caso juntos e esse foi o único jeito do Bruce não me excluir de tudo. E me dê algum crédito, ele tem passado mais noites em casa do que nunca. – Tentei sorrir para animá-lo.

— Isso é verdade, senhorita.

— Vou descer, ele deve estar me esperando.

Deixei minha bolsa na sala antes de pegar as duas caixas e rumar para a batcaverna, onde encontrei Bruce terminando de vestir o traje do Batman.

— Vai a algum lugar, Sr. Wayne?

— Recebi um chamado do Gordon, sobre um assassinato. Talvez tenha ligação com o seu caso.

Ouvi-lo finalmente dizer “seu caso" me causou uma satisfação maior do que demonstrei naquele momento.

— Vou me vestir pra irmos, então.

Comecei a me despir por completo diante dos olhos dele, sem conseguir evitar lembrar de todas as vezes em que me tornei a Dama de Espadas diante de outros olhos. Tive a sensação de que Bruce pensou o mesmo, pois passou a mirar as paredes da caverna.

— Pensei que fosse manter alguma coisa do traje anterior, achei que gostasse dele. – Falei ajeitando a peruca.

— Até gostava, mas não parecia tão prático. E que tal esse?

— Ficou perfeito, só faltou uma coisa.

— O que?

— Um modulador de voz. Não quero que pensem que tenho câncer de garganta igual a você.

— Está pronta pra irmos? – Ele ignorou completamente meu comentário e eu ri ao assentir. – Você não está nem perto de completar o treinamento ainda, só estou te levando porque vamos investigar uma cena do crime.

— Que bom que não estou te pedindo permissão, não é? E o Gordon foi avisado sobre a minha presença? Não existe uma ordem de prisão contra  a Dama de Espadas ou algo assim?

— Sabem que a Dama de Espadas está comigo. E existe uma ordem de prisão contra o Batman também.

— Agora Gordon deve ter certeza de que você é louco.

(...)

O corpo foi encontrado em um apartamento em uma das ruas principais de Chelsea e pela primeira vez tive de escalar um prédio para entrar pela janela quando podia ter só pegado o elevador. Supus que isso estragaria todo o charme do Batman, mas fazer as coisas do jeito dele era tão mais cansativo.

Entramos pela janela do quarto e logo avistei o cadáver em cima da cama. Um homem por volta dos quarenta anos estava nu e sentado apoiado na cabeceira da cama. Havia levado dois tiros: um na noca e outro na palma da mão direita, que pendia aberta sob o lençol sujo de sangue.

Enquanto eu observava o espetáculo sangrento, ouvi passos se aproximarem até um policial surgir na soleira da porta.

— Gordon me disse pra deixar o lugar livre por dez minutos pra... – Ele engoliu ass palavras e soube que seus olhos tinham pousado em mim mesmo antes de me virar. – Então é mesmo verdade.

— É um prazer conhecê-lo, tenente. – Andei até o policial e abri um sorriso ao estender a mão que ele não apertou. – É muita falta de educação ignorar uma dama dessa forma, sabia?

Voltei a analisar a cena do crime e dei as costas ao homem.

— Essa é a mulher que matou o Harvey Dent. – Ele falou na direção de Batman.

— Em dez minutos vamos ter ido embora daqui. – A voz grave do homem morcego soou.

— Antes eu entendia porque Gordon confiava em você. Agora já não sei mais.

Respirei fundo tentando conter a irritação antes de voltar-me para o policial, dessa vez parando bem próxima ao rosto dele.

— Queitinho, sim? Ele disse que já vamos embora. A não ser que queira ficar mais tempo aqui comigo. – O homem permaneceu em silêncio. – Foi o que pensei.

Havia um rastro de sangue que se iniciava perto da porta do quarto e ia até a cama.

— Sabemos quem é? – Perguntei ao parar ao lado de Batman.

— George Fontana, dono de um posto de gasolina. Suposta ligação com Falcone, mas parece ter deixado os negócios quando...

— Deixe eu adivinhar, quando você apareceu? – Falei e ele assentiu. – A execução foi no estilo das que o Falcone fazia, pelo que me lembro.

Andei pelo quarto procurando por qualquer outro detalhe que nos ajudasse e parei diante do quadro que ocupava parte de uma das paredes. Era uma obra de arte abstrata em diferentes tons de vermelho e preto, parecia um inferno em chamas.

— Tá sentindo esse cheiro? – Eu disse parando ao lado esquerdo da tela.

— Sim. – Batman me respondeu do lado oposto do cômodo.

Era pólvora.

— Me passa seu isqueiro, tenente. – Estendi a mão na direção do policial que me olhou assustado. – Rápido.

 Ele não percebeu que uma parte do maço de Marlboro era visível de seu bolso direito e agora ficaria para sempre se perguntando como descobri que ele fumava. Entregou-me o isqueiro evitando ao máximo que sua mão tocasse a minha.

Cheguei mais perto da parede cinza e encontrei o que queria. Aproximei o isqueiro do rastro de pólvora e o acendi para ver uma palavra queimar e se revelar.

Omertà.

Virei-me para encontrar Batman olhando as letras em chamas antes de dizer:

— Vamos embora.

— Foi um prazer, tenente. – Sorri ao devolver o isqueiro ao policial.

(...)

— Precisava de todo aquele show? - Vi-o remover o capuz e a voz do Batman foi embora, era Bruce de novo.

Estávamos de volta à caverna depois de um percurso em silêncio no batmóvel.

— Que show?

— Sabe do que estou falando. Só deu mais assunto pra que aquele policial pudesse falar sobre.

— Tenho uma reputação a zelar assim como você. A Dama de Espadas sempre teve uma natureza um tanto quanto provocadora.

— Diferentemente de você? – Senti uma ponta de raiva e de deboche nas palavras dele.

— Claro que sim. E ele já iria espalhar essa notícia de qualquer forma, é melhor aceitar. Deixe que digam que o Batman perdeu a cabeça pela ex do Coringa.

— Não é a ex do Coringa.

— Não é isso que Gotham acha. – Dei de ombros. - Essa já vai ser a fofoca mais comentada pela DPGC amanhã de manhã. O que significa aquela palavra que encontrei na parede?

— É italiano, do dialeto de Nápoles, na verdade. É uma espécie de voto de silêncio, uma promessa de não colaborar com as autoridades, resolver os problemas sem a interferência do Estado. É um tipo de código de honra pra máfia.

— Acha que esse foi um crime cometido por alguma organização criminosa rival? Mas por que usariam a execução característica do Falcone? Ele continua no Arkham, não é?

— Continua. E não tem nenhum familiar vivo conhecido. Não acho que foi obra de uma máfia rival, eles provavelmente considerariam ofensivo alguém se fazer passar pelo Falcone desse jeito. – Ele falou.

— Então foi mais uma reencenação do nosso assassino. Charada, Espantalho e agora Falcone. E por que deixou o recado na parede? Para dizer que vai lidar com o Batman sem envolver as autoridades?

— Talvez ele saiba quem eu sou. – Bruce assumiu um tom mais reflexivo.

— Bom, agora ele vai lidar com a Dama de Espadas também. - Aproximei-me dele. – Mas você já sabe quem eu acho que é o responsável por isso, não é?

— Ele está preso há mais de dois anos e não disse uma palavra. Não pode ser o Coringa.

— Mas tudo se encaixa, ele sabe quem nós somos, conhece bem todos os seus adversários e já deve saber que estamos trabalhando juntos. A demora foi só pra que tivéssemos a ilusão de que tudo tinha passado. Está fazendo isso pra nos enlouquecer.

— Lauren, essa conjectura só parece fazer sentido porque está obcecada. Não tivemos nenhuma prova disso. Esqueça o Coringa.

— Acho que deveríamos ao menos interrogá-lo. – Cruzei os braços.

— Quer ir até o Arkham? De jeito nenhum. Não acha que se fosse o Coringa ele estaria escolhendo alvos mais proeminentes e levando o crédito por tudo isso?

— Não sei qual é o plano dele dessa vez.

— Lauren, esqueça. Está deixando suas emoções tomarem a frente dos fatos.

Mas eu não iria esquecer. É claro que não.


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Notas finais do capítulo

Foi muito divertido pra mim escrever a Dama de Espadas e o Batman trabalhando juntos pela primeira vez, espero que vocês também tenham gostado. Contem o que acharam.



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