Os Teus Acordes escrita por Nami Buvelle


Capítulo 22
E essa barbinha aí, hein?




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— E essa barbinha aí, hein, Zachary? - O velhinho grisalho sorriu.

— Sério, Zeca? - Zachary resmungou, enquanto afastava as mesas e cadeiras do espaço reservado para o show.

Tomás gargalhou e posicionou os instrumentos para a apresentação. Arrumou uma cadeira para pôr no meio do palco para suas músicas mais lentas.

— Zeca? - Tomás o chamou.

— Diga, meu filho.

Zeca sentou em uma mesa em frente aos rapazes, que estavam organizando tudo para que Tomás pudesse tocar horas depois na lanchonete. Eram nove horas da manhã e, especialmente naquele domingo, Zeca ainda não tinha aberto para os negócios. Deixou que Tomás e Zachary arrumassem o local e testassem o som sem a companhia de seus clientes comedores de ovos mexidos e bebericadores de cafeína. Esses clientes matutinos são com certeza os mais engraçados. Zeca pensou e sorriu com a lembrança e com o sucesso de seu restaurante.

O senhorzinho até que tinha insistido para ajudar os garotos com os preparativos, mas Tomás e Zachary afirmaram não ser necessário, ele já ficava em pé boa parte do dia, podia descansar um pouco naquelas horas enquanto eles, rapazes jovens, faziam o trabalho pesado. Zeca já estava cedendo de coração aberto o lugar para Tomás mostrar sua música, de qualquer maneira. Só tinham a agradecer.

— Tudo bem se eu puxar esta mesa aqui e apoiar um projetor nela? - Tomás mencionou, já movendo a mesa de lugar.

— Um projetor? Ora, ora, está trabalhando na estética dos shows, é? Inovação, tecnologia e...

— Acessibilidade.

— Acessibilidade?

— Sim, quero colocar o projetor para que pessoas que tenham dificuldade em ouvir a música por quaisquer motivos possam acompanhar as letras também.

Zeca se debruçou sobre a mesa e sorriu de orelha a orelha.

— Entendo.

Tomás exibiu seu sorriso mais cúmplice e silenciosamente concordaram que aquela era uma excelente ideia. Tomás e Zachary agilizaram os preparativos e o tempo voou naquela tarde. Quando se depararam, já era noite.

Como previsto (e convidada pelo próprio Tomás), Luiza chegou bem a tempo de assistir ao show, ao lado de Lilia e de Marília. Zachary prendeu momentaneamente a respiração, só que logo a soltou com o empurrãozinho de seu melhor amigo para cumprimentar as garotas.

— Vocês vieram! - Zachary mostrou os dentes, atrapalhadamente tentando sorrir.

Lilia riu. Zachary era uma graça.

"Não perderíamos um grande show por nada." Luiza o cumprimentou de volta.

"Fico feliz por isso." Tomás sinalizou, e fez brilhar os olhos de Luiza.

Aquele gesto tampouco chamou a atenção apenas da garota. Zachary não sabia que Tomás compreendia e conseguia se comunicar pela língua dos sinais, Marília e Lilia muito menos.

— Acabamos de arrumar tudo. - Tomás disse.

Sua LIBRAS ainda não estava tão boa a ponto de conseguir sustentar uma conversa apenas por sinais.

— Eu vou me preparar. Já, já, começo a tocar. Será que o Zachary pode se sentar com vocês?

— Como? - Zachary e Marília perguntaram em uníssono.

"É claro!" Luiza e Lilia, ao mesmo tempo, responderam.

— Opa! Ótimo! Assim fico tranquilo que ele não terá que assistir ao show sozinho. Ninguém merece, não é?

— Pobre coitado. - Marília debochou.

— Sim! - Só que Lilia não havia assimilado o deboche. - Tadinho! É claro que pode se sentar com a gente.

Quando terminaram a conversa, o trio caminhou até a mesa com Zachary atrás. Seu Zeca, observando a cena, riu. Zachary se virou para Tomás uma última vez, arregalou os olhos e demonstrou seu desespero. Tomás se juntou ao seu Zeca e às suas risadas.

— E então, Luiza... - Lilia começou a conversa, traduzindo tudo o que saía de sua boca com as pequenas mãos para que nem ela, nem Zachary fossem excluídos do diálogo. - Ontem à noite eu e Marília estávamos conversando sobre o brechó.

— Vocês têm um brechó? Que maneiro! - Zachary comentou.

Ele próprio estava impressionado com sua coragem repentina e seu interesse verdadeiro pelo assunto. Continuou a falar:

— Minha mãe tinha um brechó de garagem quando eu era criança, me lembro bem. Era sempre divertido ver a reação das pessoas com aquilo que tínhamos de mais comum, mas parecia que ela personalizava e, bom, minha mãe realmente parecia ter talento para personalizar coisas.

— Poxa, isso é tão legal! - Lilia respondeu.

— Sim! Não era tão legal ver nossas coisas indo embora com estranhos... Mas as contas precisavam ser pagas, não é?

A mesa se calou por alguns momentos, até que Lilia retomou, tentando quebrar o gelo.

— É dura mesmo a questão do desapego.

"Sim. Eu lembro de como foi abrir o meu armário para o mundo."

— Esse é um ótimo título para um livro LGBT inclusive. - Zachary mencionou e tanto ele, quanto Lilia e Luiza caíram na gargalhada.

Marília se manteve séria.

— Olhem! Vai começar! - Lilia aplaudiu antes de todo mundo.

Tão feliz, tão linda. Zachary suspirou. Ao reparar que observava Lilia com um olhar de admiração e, pior do que isso, que Marília reparou no que estava fazendo, se recompôs.

Tomás realmente leva jeito para música. Logo na primeira toda a lanchonete parou para sentir o que o rapaz estava tocando. Cada nota envolvida por sentimento. Luiza se emocionou quando reconheceu o projetor de quintal apoiado na mesa e teve a certeza, mesmo que ninguém houvesse dito, de que as legendas eram apenas mais uma surpresa de Tomás para ela. Na realidade, todos os quatros se emocionaram com o que Tomás fez e Zachary anotou mentalmente que precisava dizer ao amigo o quão genial foi pensar naquilo.

— Quero agradecer a vocês que estão me ouvindo com todo o coração. Alcançar tantas pessoas com minha música, com o que eu faço de melhor, é o que mais importa para mim. E só é o que eu faço de melhor, porque é o que eu faço com mais amor. - Tomás se debruçou no microfone para falar, arrancando suspiros, se pudesse, até das fritas, hamburgueres e refrigerantes.

O que ele falava também era reproduzido pelo projetor, revelando o ensaio e a preparação daquelas palavras. Continuou:

— Para a última música da noite...

A plateia expressou sua tristeza. Pediram para que ficasse e, ele não confessaria isso, consequentemente aumentaram ainda mais o ego do rapaz.

— Gostaria que se permitissem viajar por uma última música. Ela é de uma compositora incrível, que provavelmente me odiará ou me amará pelo resto dos seus dias por arrancá-la do seu anonimato assim, de surpresa.

O rosto de Luiza imediatamente congelou, seus olhos arregalaram e sua boca abriu, sugando tanto ar que nem sabia que podia. Ele não faria isso, faria? Pensou, admirada e apavorada, confusa. O projetor parou de legendar as falas de Tomás. Passou a exibir fotos do Instagram de Luiza. Dela com os pés descalços na areia da praia, dela segurando um livro enquanto bebia suco, dela sorrindo, dela vibrando felicidade... Dela, dela e dela.

— Luiza, me daria a honra? - Tomás perguntou, sempre acompanhado do projetor.

Lilia soltou alguns gritinhos. Zachary também não esperava por isso e ficou ainda mais embasbacado. Luiza realmente pegou Tomás de jeito. Refletiu, enquanto tentava se lembrar de alguma outra vez que vira seu melhor amigo dessa forma. Marília também estava em choque, não mais que Luiza, que ainda não tinha movido um músculo.

"Luiza!" Lilia gesticulou e começou a balançar seus ombros. "Levanta! Vai lá!"

O coração dela estava em chamas. Morria de pavor de público. Já tinha passado por inúmeras situações de rejeição mesmo no anonimato, imagina só como era estar no meio dos holofotes. Ser o foco. Ao mesmo tempo, aquela homenagem era tão inesperada e tinha enchido ela de alegria. Sentia que estava pisando em nuvens de algodão doce enquanto atravessava as mesas até Tomás. Não olhou para os lados, apenas para frente.

"Olha só para mim, ok?" Tomás sinalizou, depois de ter estendido a mão e Luiza subido o pequeno degrau entre o chão e o tablado.

"Ok." Luiza respondeu e balançou freneticamente a cabeça.

Tomás sorriu.

"A partir de agora somos só eu e você no meu quintal. Vamos fazer música, ok?"

"Ok."

Tomás afastou sua cadeira e a empurrou para que Luiza se sentasse. Pôs o pé em seu apoio e equilibrou o violão em sua perna. Pôs a mão de Luiza sobre o instrumento. Aquela tinha sido a única música que Luiza não acompanhou com a letra no projetor, mas conseguiu perfeitamente recriar em sua cabeça e Tomás sabia que isso aconteceria. Luiza sentiu como fortes ondas cada nota, cada acorde e Tomás os tocou na mesma intensidade. Lilia, emocionada, estava em prantos.

— Eu amo o amor! - Repetia sem parar, pensando alto.

Até mesmo Marília deixou cair suas defesas. Negaria até o fim de sua vida o acontecimento, mas também estava chorando em frente ao Zachary. Esse último, inclusive, sabendo do incômodo que aquilo traria para a leoa do grupo, fingiu sequer ter notado. Naquele momento ele ganhou um pouco mais de seu respeito.

Quando terminou a canção, toda a lanchonete aplaudiu de pé. Luiza mal viu, só tinha olhos para Tomás. Tomás apoiou o violão no canto do palco e se voltou para ela, estendendo sua mão. Ela a segurou e se levantou. Os olhos de Tomás perguntaram tudo para Luiza: se estava feliz com o que aconteceu, se estava tudo bem, se podia... Os olhos de Luiza responderam radiantemente. Tomás a segurou pela cintura, levemente a puxou e estalou seus lábios em um beijo mais intenso do que o primeiro, com mais urgência. Tão urgente quanto poderia ser um beijo na frente de pelo menos cinquenta pessoas. O rubor apoderou-se do rosto de Luiza quando se deu conta disso.

"Você foi incrível! Você é incrível!"

"Foram os teus acordes." Tomás respondeu.

Todos aplaudiam vigorosamente. Uns choravam, outros gritavam e outros, ainda, aproveitaram o momento para beijarem seus pares, para se declararem uma vez mais. Seu Zeca também estava passando as costas das mãos nos olhos.

— Vocês jovens... - Mencionou com um de seus funcionários. - São tão intensos. É uma idade encantadora.

Naquela noite, Tomás acompanhou Luiza de volta para casa de mãos dadas. Se despediram com um selinho no portão e a promessa de se reverem no dia seguinte e nos dias após aquele. Conversaram um pouco sobre a proposta de seu Zeca também. O senhorzinho disse que o talento de Tomás e de Luiza precisava ser exposto para mais pessoas, não podiam se limitar à lanchonete. Mesmo Tomás dizendo que tentava popularizar suas músicas pelo Youtube, Zeca insistiu que conhecia o dono de uma casa de shows dali perto chamada Espaço Solar e que tentaria convencê-lo a deixar Tomás tocar por uma noite. Seria seu primeiro trabalho em um lugar como aquele. Ele e Luiza estavam completamente empolgados.

— A música de vocês dois vai tocar o mundo. - Zeca concluiu.

Tomás e Luiza não puseram isso em palavras, mas sabiam, apenas sabiam, o quanto significou para os dois a música não ser apenas de Tomás, mas, sim, deles.

 


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