Os Teus Acordes escrita por Nami Buvelle


Capítulo 21
Você sabia que o beija-flor come até 70x por dia?




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— E, aí, seu Zeca? Tudo joia? Me vê duas batatas para viagem. - Zachary se apoiou no balcão de atendimento da lanchonete.

Seu Zeca o cumprimentou, sorriu para o rapaz e fez alguma piada sobre seu bigode estar lindo naquele dia. Zachary não tinha bigode e seu Zeca sabia o quanto o garoto sentia falta disso. Ele culpava uma suposta puberdade tardia. Seu Zeca culpava a genética mesmo, conhecia o pai do rapaz de longa data. Guardava essa informação para si, já que sabia que esse era um assunto delicado.

Quando seu Zeca e Zachary estavam já estavam mais do que distraídos caçoando um do outro, o velhinho interrompeu e acenou:

— Boa tarde, Lilia! Boa tarde, Marília! Cadê a Luiza? - Perguntou, esticou o avental no balcão e foi até a mesa das meninas falar com elas de perto.

Zachary congelou. Se é que dava para congelar com todo aquele calor que sentiu no rosto. E aquele papo de "olhar foto de gente desconhecida é melhor, pois nunca terá o momento constrangedor do encontro depois do ato"? Pensou. O tal do encontro já aconteceu na realidade, mas ele tinha um pretexto, uma missão. Não era como um encontro casual em que ele não saberia o que falar. Bom, ainda são praticamente desconhecidos, não é como se fossem magicamente o reconhecer. Concluiu, respirando fundo e tentando se inclinar mais no balcão e esconder seu rosto.

— Ei, Marília, aquele ali não é o amigo do Tomás? - Lilia cantarolou.

Ok, Zachary, não é como se, por terem te reconhecido, fossem falar com você. Vocês ainda são praticamente desconhecidos.

— É ele mesmo, o próprio. - Marília concordou.

— Vamos falar com ele! - Em um salto, Lilia levantou da mesa.

Agora, sim, Zachary congelou. Conseguiu sentir o pavor correndo pelas suas veias.

— Oi! - Lilia o cutucou, sem resposta. - Oi! - Insistiu.

— Ei! - Marília o cutucou.

Zachary sentiu que não tinha escapatória. Por mais que permanecer estático o garantisse a sensação de invisibilidade, não era real, aquele momento foi a prova final disso.

— Olá, moças. - Se virou e imediatamente se arrependeu.

Moças? Quem fala "moças"?

— Oi, moço. - Lilia sorriu e Marília revirou os olhos. - Tomás te contou? O nosso plano deu certo!

Zachary sentiu calor no seu coração. Adorou ouvir Lilia dizer "nosso". Adorou ter dividido algo com ela, mesmo que algo fosse tão subjetivo, como um plano para juntar seus melhores amigos.

— Ele chegou a me mandar mensagem, mas íamos conversar só mais tarde.

A conversa está indo muito bem, fluindo. Boa, Zac! Agradeceu mentalmente pelo menos três vezes o tópico que tinham em comum: Luiza e Tomás.

— Que bom que você encontrou a gente, então! - Lilia deu uns saltinhos.

Marília foi até a mesa, bufou e se sentou. Lilia disse que já voltaria para lá e se apoiou no balcão como Zachary por alguns momentos.

— Que bom que encontrei você. - Zachary tentou sorrir com naturalidade, mas logo assimilou o que disse. - Vocês. Quis dizer vocês.

Lilia riu.

— Você é engraçado, sabia?

Sem graça, Zachary se virou para Lilia e tentou improvisar.

— Olha, saber eu não sabia, não. Mas você sabia que pandas podem comer até trinta e oito quilos de bambu por dia? - Disse, fazendo a sua melhor expressão para revelar curiosidades.

— Minha nossa!

Zachary ficou surpreso. Talvez mais surpreso do que Lilia. Quase nunca dava certo contar as suas curiosidades aleatórias com ninguém, todos consideravam aleatórias demais. Gostando do resultado, tentou outra vez.

— É isso mesmo! Você está chocada? Vai ficar mais ainda quando descobrir que o beija flor, aquele passarinho pequenininho, come até sessenta vezes no dia! Eles podem chegar a visitar mais de mil flores para se sentirem satisfeitos! Isso é porque gastam muita energia ao voarem, tadinhos.

Lilia se debruçou mais sobre o balcão e apoiou o rosto em uma das mãos. Estava boquiaberta.

— Fascinante!

— Mesmo? – Zachary arqueou as sobrancelhas, estava desconfiado.

— Mesmo! Além de engraçado, você é como uma caixinha de curiosidades sobre a natureza. E, meu Deus, como comem os pandinhas e os passarinhos!

— Especificamente o beija flor. Cada passarinho tem alimentações diferenciadas.

— Realmente fantástico. - Murmurou, olhando para o chão.

Lilia estava verdadeiramente impactada. Esse era um dos tipos favoritos de conversa de Lilia: curiosas, instigantes e sobre animais fofinhos. Zachary acertou em cheio sem querer.

Marília, ainda observando de longe, se levantou impaciente e foi até eles.

— Será que vocês poderiam parar de flertar? Estou com fome!

— Marília! Quanta grosseria! - Lilia a repreendeu e se voltou para Zachary. - Poxa vida, acabou que nem te contei do resultado do nosso plano.

Zachary só não estava mais vermelho do que um pimentão. Também só não estava mais religioso do que freira em convento, porque rezou com veemência para que seu desconserto não fosse notado.

— Grosseria? Vocês estão aí há não sei há quanto tempo...

— Eu diria uns oito minutos, Marília. - Lilia a interrompeu.

— Tanto faz! Você jamais demoraria tanto para pedir as batatinhas. Estou com fome, Lilia!

— Perdoa minha amiga. Ela com fome se transforma neste monstrinho nada simpático. - Lilia pôs as mãos nos ombros de Marília e foi andando até a mesa.

— Aqui estão suas batatas, rapaz. - Seu Zeca apareceu, saindo da cozinha. - Feitas bem como sua mãe gosta, eu mesma as preparei.

Zachary ainda estava atônito, não esboçou reação alguma.

— Não se deixa abalar por Marília. Com o passar dos anos reparei que ela é a mais durona do grupo, mas isso é porque ela é como se fosse uma espécie de leoa das três. As protege. - Explicou, enquanto passava pano em um dos copos por perto. - Protege principalmente a pequenininha ali. - Apontou para Lilia com o copo na mão. - E, bom, meu rapaz, você querendo qualquer coisa com ela terá que enfrentar a leoa.

Zachary se virou para seu Zeca em um misto de surpresa e indignação. Ele era vidente, por acaso?

— Eu não quero nada com a Lilia.

— Se é o que você diz... - Zeca apoiou o copo seco na bandeja.

Zachary pegou a embalagem das batatas e se despediu de seu Zeca. Quando chegou à porta, o velhinho o chamou.

— Avisa para o Tomás que quero falar com ele! Aquele dia que ele tocou aqui foi ótimo!

Um par de horas depois, Tomás sentou na sua escrivaninha e bateu o lápis no papel, se esforçando para pensar na letra de sua música nova... Que ainda não existia. Missa, brisa... Lisa... Lista! Respirou fundo e ligou o computador. Tinha um novo e-mail de Luiza na sua caixa de mensagens, talvez aquilo pudesse o alegrar e inspirar.

Até poderia, se Zachary não tivesse entrado no seu quarto feito um furacão.

— Adivinha quem vai tocar na lanchonete do seu Zeca de novo?

Tomás se virou no susto.

— Boa tarde também, garotão.

— Então, o Zeca está querendo você de novo nos holofotes.

Tomás se voltou para o computador.

— Seria uma oportunidade linda. Eu adoro tocar na lanchonete, mas tenho dois trabalhos para escrever para a faculdade e...

Zachary segurou nos ombros de Tomás e girou sua cadeira para que ficassem de frente novamente e o encarou.

— Eu te ajudei, me ajuda agora, cara!

Tomás encarou Zachary de volta por um breve momento até que começou a rir.

— Foi mal, foi mal. O que é que está rolando?

Zachary bufou e se sentou na cama.

— É a Lilia.

— A Lilia, é? Aquela garota cuja você não estava fuxicando as fotos na internet?

— A própria.

— Zachary, Zachary... - Tomás estalou a língua no céu da boca. - Eis que tenho o Zachary apaixonado na minha frente?

— Não! - Sem querer elevou o tom de voz.

Pigarreou ao reparar nisso.

— Digo: não.

— Beleza, garotão. - Tomás sorriu, empático.

Tomás e Zachary eram melhores amigos há uma vida. Nesta trajetória, a versão de Zachary apaixonada só foi vista uma vez e não foi das melhores experiências.

Com doze anos, Zachary descobriu o primeiro amor e se transformou em um romântico incompreendido incorrigível. Levou chocolates e flores para a sala de aula com uma carta anexada. A garota o olhou dos pés à cabeça, agradeceu as flores, devorou a maioria dos chocolates na sua frente e leu a carta, expressando nítida emoção. Zachary se derreteu e pensou que poderia ser ali o primeiro dia do resto de suas vidas. Só que, assim que o sinal do horário de saída tocou, a menina se despediu e Zachary discretamente a seguiu até o portão da escola, para perguntar se poderiam lanchar juntos no dia seguinte.

Ele ficou envergonhado e não conseguiu a parar na frente do portão. Também não conseguiu chamar por ela na esquina. Em frente à casa da garota finalmente tomou coragem e a chamou. Mas ela, em questão de segundos, já estava de mãos dadas com outro rapaz, provavelmente seu vizinho, e, pior ainda, dera os chocolates restantes de Zachary para ele. Zachary correu de volta para casa. Prometeu a si mesmo que não se interessaria por garota nenhuma nunca mais e, bom, até sentir algo por Lilia estava cumprindo a promessa com maestria.

— Não é como se eu estivesse, sei lá, muito afim dela. Mas eu queria uma oportunidade de pelo menos ter uma conversa, sabe? Mais uma.

— "Mais uma"? Você esteve batendo papo com a Lilia, cara? - Tomás perguntou, legitimamente surpreso.

Zachary não fazia muito o perfil corajoso quando se tratava de garotas e Tomás não julgava. Sabia das lembranças que ele tinha.

— Sim, um pouco. Até a Marília ser, bom, ela mesma. E então foram "comer batatinhas", o que parece ser quase um ritual do grupo.

Tomás gargalhou.

— É, já reparei. - Se levantou da cadeira e se sentou na cama ao lado do amigo, dando um pequeno soco no joelho dele.

O acordo tácito estava feito.

— E então?

— Vou tocar lá outra vez. Quem garante que ela estará lá, Zac?

— Ela não desgruda da Luiza, certo?

Tomás alisou o queixo, pensativo.

— Estou entendendo onde quer chegar.

— E a Luiza não tem desgrudado de você...

— Sim.

— E então é praticamente certo que estarão lá.

— E a Marília?

— O que tem a Marília?

— Você não acha que ela vai "ser ela mesma" de novo? - Perguntou e arqueou as sobrancelhas.

Zachary bufou e se jogou na cama.

— Acho.

— Relaxa, garotão. A gente pensa em como lidar com ela depois. - Após dar outro pequeno soco na perna de Zachary, Tomás se levantou. - Pode avisar ao Zeca que tocarei, sim. Aliás, eu mesmo ligarei para ele! Preciso perguntar onde apoiarei o projetor.

— Projetor?

— É, tenho uma ideia...

Apesar de não ter entendido, Zachary preferiu não perguntar muito. Já tinha a vantagem de saber que Tomás faria aquilo por ele, afinal. Se despediu, dando espaço para que Tomás se concentrasse e adiantasse os trabalhos da faculdade. Seja lá qual for essa ideia que se passa pela cabeça dele, a dupla ficou empolgada.

 


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