Os Teus Acordes escrita por Nami Buvelle


Capítulo 12
A vizinhança sempre sabe




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/797155/chapter/12

Eram oito e meia da manhã. Tomás chegou em casa lá pelas quatro horas e tomou cuidado para não acordar sua mãe. Escovou os dentes, foi para o banho e se deitou. Planejou dormir o quanto antes para acordar o quanto antes e se desculpar logo com Luiza. Subitamente, o teto pareceu muito interessante e toda vez que fechava os olhos, os mesmos ardiam até serem abertos. Tomás não dormiu por dez minutos sequer. Após um tempo tentando, se levantou e tomou outro banho (ficar cheiroso nunca é demais).

Luiza coincidentemente estava acordando no mesmo momento que Tomás. Se espreguiçou e bocejou. Olhou pela janela, os passarinhos cantavam, o sol brilhava e o estava céu estava limpo e lindo. Pareceu até cena de novela. Direcionou seu olhar dessa vez para a cama e lá havia uma Lilia completamente jogada. Riu e reparou que, apesar do drama com Tomás, se sentia feliz. Era domingo, a noite dos pijamas tinha sido ótima e, para a cereja do bolo, era o dia que conversaria com o doutor Cláudio sobre o implante coclear.

É estranho, e ela sabe disso, ir ao médico no domingo, mas como estuda quase todos os outros dias e Cláudio tinha horário para consulta apenas no domingo (estranhamente o homem trabalha de domingo à quinta), juntou, como dizem, “o útil ao agradável”. E lá estava ela empolgada para ir ao médico em uma bela tarde de domingo.

Sua empolgação era facilmente explicada pelo fato do implante coclear ser um pequeno dispositivo eletrônico que transforma sons em estímulos elétricos e os envia direto para o nervo auditivo. Isso significa que Luiza, como paciente que sofre com perda auditiva severa-auditiva, tendo a cirurgia bem sucedida, pode vir a ouvir. Ouvir o ônibus passando. Ouvir a televisão. Ouvir a voz das pessoas e, principalmente, o que ela tanto quer: ouvir música.

Souza fez menção de abrir porta do quarto de Luiza, só que ela mesma a abriu antes mesmo da maçaneta se mover. Com um sorriso de orelha a orelha, Luiza mostrou que organizou suas roupas e pertences em apenas cinco minutos. Faltava apenas comer alguma coisa e tomar banho para sair. Souza, vendo a animação da filha, ficou feliz e apreensivo ao mesmo tempo. Andava lendo sobre, por isso sabia que era uma cirurgia de baixo risco e de alto benefício. Também sabia sobre o valor médio da mesma. Tinha algum dinheiro guardado, mas seria suficiente?

“Bom dia, formiguinha!”

Em vez de responder e dar um beijo na bochecha como habitualmente fazia, Luiza pulou em seus braços e o enlaçou em um abraço apertado, beijando várias vezes seu rosto.

Souza fez questão de desfranzir o cenho, esconder as preocupações e sorrir. Pensou que não tem motivo para sofrer por antecipação.

Enquanto isso, Tomás também se arrumou apressadamente. A bermuda e a blusa que estavam jogadas na cadeira teriam que servir e seus pés, apressados, o levaram quase que voando até a sala. Deu bom dia para a mãe, pegou uma torrada da mesa, agradeceu e saiu sem dar tempo para quaisquer questionamentos.

Era domingo, dia de ficar em casa com a família, refletiu. Ainda assim era importante chegar o quanto antes. Do jeito que a Luiza e as amigas são grudadas é capaz dela passar a tarde de domingo na casa de uma das duas. Subiu na bicicleta e pedalou rapidamente – mas com cuidado - até onde se esbarraram na primeira vez.  Ali, parou. Luiza tinha seu endereço, só que ele não tinha o dela. Não pensou nisso!

Seria um golpe de sorte, mas estava disposto a andar pela vizinhança e perguntar para alguns moradores se conheciam a menina. Um gesto romântico, não?

Luiza não comeu, mas, sim, devorou seus cereais. Tomou um banho rápido enquanto Souza terminava de tomar o café da manhã e logo estava sentada no sofá da sala com as pernas irremediavelmente agitadas.

“Vou tomar um banho e vamos, ok, formiguinha nervosa?”

Luiza acenou duas, três vezes com a cabeça e respirou fundo: precisava se acalmar. Ligou a televisão e se viu repentinamente interessada pelo estilo de vida e alimentação dos pandas habitantes das florestas de bambu da China.

Enquanto isso, Tomás não deu sorte com o primeiro vizinho.

— Nunca vi mais gorda, nem mais magra, rapaz! - Respondeu rispidamente e bateu a porta.

O terceiro vizinho não se mostrou muito diferente do primeiro:

— Não está muito cedo para sair interrogando as pessoas por aí, não? Não bata na porta dos outros de madrugada!

Tomás suspirou. Já eram nove da manhã.

Souza entrou no banho e Luiza passou a assistir a um reality show de uma família de mulheres lindas, famosas, bem sucedidas e sem privacidade alguma.

O quinto vizinho também não conhecia Luiza. Quase desistindo, Tomás contornou o quarteirão e tocou o que jurou para si ser a última companhia.

— Ei, bom dia. - Suspirou, tentando retomar o ânimo.

Descreveu a Luiza acrescentando, muito a contragosto, sua surdez à lista de características da garota e seu coração saltou ao ouvir a resposta:

— Ah, a Luiza? Tão boa menina, tão doce!

— Ela é. – Sorriu, não conseguindo evitar.

— Você é amigo dela da escola?

— Na verdade, não. Nos conhecemos de um jeito mais... menos tradicional. Nos conhecemos andando por aí.

A vizinha riu, claramente identificando o tom de voz de um jovem rapaz timidamente apaixonado.

— E você está indo atrás dela sem rumo, sem endereço? Vocês não têm o telefone um do outro? Hoje em dia tudo para os jovens se resolve por intermédio desse aparelhinho invasivo, não é?

Tomás fez menção de responder, porém a senhorinha o interrompeu:

— Não sei se devo te dizer onde ela mora, querido, se vocês sequer têm intimidade para trocarem os números de telefone.

— Preferimos cartas. — Respondeu de pronto, se surpreendendo com a própria velocidade. - Achamos mais bonito nos comunicarmos por e-mail. É como se fossem cartas, é o que quero dizer.

A senhorinha sorriu.

— Certo. - Afirmou, mais para si mesma do que para Tomás. - Você por pouco não acertou, jovenzinho. A casa da Luiza é três casas depois dessa. Bem aquela ali, olha. - Apontou.

Souza saiu do banho. A simpática senhorinha acrescentou:

— Mas se apresse, jovenzinho. Soube que iriam sair cedo hoje. Sabe como é, não é? A vizinhança sempre sabe. - Explicou e riu baixinho, uma risada cúmplice de seus olhares vizinhos e amigos.

Tomás ficou em alerta. Olhando para a casa, viu que as luzes estavam acesas. Agradeceu muito à senhorinha por tê-lo respondido tão bem e ela retrucou que com carinho, amor, respeito e cuidado toda planta cresce bonita e saudável. Tomás não entendeu, só que tudo bem, certo? Velhinhas às vezes não falam nada com nada. Tipo... crianças talvez? Faz parte. Mal sabia ele que ela, na verdade, sabia muito bem do que estava falando.

Quando Tomás se virou para subir na bicicleta, viu que Luiza e um homem adulto, provavelmente seu pai, estavam saindo de casa na direção contrária que o menino estava.

Apoiou a bicicleta na parede, começou a correr e chamou pela garota em um gesto de completa aflição, depois de não ter conseguido dormir e de conversar com toda a vizinhança apenas para surpreendê-la. As flores na sua mochila chacoalhavam com os passos galopantes.

É claro que ela não ouviu nada! A senhorinha pôs a mão na testa e fechou as cortinas.

É claro que não te ouviu! Estúpido, estúpido! Quando viu que entraram em um carro, provavelmente mais um daqueles de aplicativo, apoiou as mãos no joelho e ofegou. Nossa! Como estava fora de forma!

No carro, Luiza perguntou porque seu pai estava bravo. Souza não entendia, e isso o intrigava e chateava, o porquê um garoto que não conhecia estava gritando por sua filha. Deve ser algum adolescente pervertido da internet, concluiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Teus Acordes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.