Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 3
Três




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Foram cerca de cinco dias corridos de revisão de papelada. Demétrius, Eneida e sua estagiária, Margareth, passaram todo o horário do expediente e horas extras revendo toda a documentação dos três fantasmas. Demétrius tinha se certificado de ser um processo minucioso, começando pela análise de vida dos três rapazes: sua expectativa de vida, o que estavam destinados a fazerem, se o livre arbítrio deles havia interferido no que estava programado para cada um. Eles tinham se conhecido dentro do programado, montado a Apolo 81 no tempo certo, mas alguma coisa havia dado errado no meio do caminho. Depois da análise pessoal, eles passaram para o fatídico dia do acidente.

O caminhão frigorífico estava carregado, indo em direção ao açougue central da cidade para ser descarregado. O motorista estava em boas condições, não tinha bebido e estava sem sono. Segundo os registros, o acidente estava fadado a acontecer - mas seria apenas um susto para ele, o que de fato aconteceu, mas não do jeito planejado.

Daniel e Martin haviam falecido na hora com impacto com a carroceria, mas Félix tinha conseguido sobreviver até 50 metros do hospital, não resistindo aos ferimentos e partindo na ambulância. Os três haviam tido ferimentos muito sérios, com os órgãos internos sendo esmagados pelo peso e diversos ossos quebrados. O motorista se aterrorizou com o que tinha feito, implorando perdão para os pais dos adolescentes quando eles chegaram na cena.

Os pais de Félix tiveram de ser hospitalizados tamanha a dor, os de Martin entraram em choque ficando conscientes o suficiente para impedirem que os de Daniel fizessem alguma loucura. Eles estavam no último ano da escola e em forma de respeito no dia seguinte ao acidente as turmas se recusaram a assistir às aulas, montando um memorial para eles em sua sala de aula, comparecendo ao enterro - que por decisão unânime dos pais foram sepultados juntos, um ao lado do outro.

“Apolo 81

Martin                 Félix             Daniel

(1963 - 1981)     (1964 - 1981)     (1964- 1981)

Amados filhos e artistas”

          Os três adolescentes tinham acordado alguns dias depois do acidente, tomando conhecimento da tragédia que tinha levado a sua vida. A preocupação com seus pais tinha piorado a ansiedade de Félix, a oportunidade que foi arrancada deles fazia o lado rabugento e amargurado de Daniel vir a tona, tornando-se um cretino, enquanto Martin conseguia ter mais controle sobre a situação, sendo um meio termo do trio. Eles não tiveram muito tempo para se adaptarem no mundo dos mortos, já que após um ato inconsequente e rebelde de Daniel o trio foi aprisionado por Demétrius em seu LP, curtindo durante trinta anos o sucesso humilhação e sofrimento, aumentando ainda mais todo o sentimento de revolta dentro deles.

Eles terem sido libertos pela humana e terem começado uma banda colocava  os rapazes em sua rota original, com o pequeno problema de não estarem mais naquele mundo. Demorou mais um dia até enfim perceberem que o problema talvez não estivesse com eles, com Margareth revirando o arquivo de pernas para o ar e fazendo uma ligação para o departamento de não-mortos para enfim conseguirem o arquivo que tanto queriam.

—Demétrius, aqui! - Eneida se animou com o que lia. - Você estava certo. Aconteceu um erro grotesco naquele dia.

Demétrius sorriu com a descoberto. Se os rapazes não fossem burros, sairiam do seu caminho por muito tempo.

***

A banda tinha dado um tempo durante duas semanas para que Julie pudesse estudar para as provas - sem colas daquela vez - e aquilo consumia Daniel. Não por saudades, eles continuavam conversando, mas via que o coração mole de Julia começava  a perdoar Nicolas e aquilo não podia acontecer de jeito nenhum!

Tomando por sua rebeldia e inconsequência, o fantasma visitou a casa de Nicolas e o assombrou, aparecendo para ele e jogando em sua cara o quanto era insuficiente para a sua Julie. Depois de aterrorizar-lo e colocar tudo que sentia para fora, Daniel saiu mais leve, logo sendo interceptado pela polícia espectral e sendo levado sob custódia. Ele sequer resistiu, sabendo que tinha passado todos os limites daquela vez fazendo contato com um humano e ainda por cima quase confessando seus sentimentos por outra viva.

Percebeu que tinha alguma coisa errada ao chegar na sala de interrogatório da sede da polícia espectral e se depara com Félix e Martin tão assustados quanto ele. Eles não tinham feito mais nada demais além de insistir na banda e Demétrius estava cansado de saber que não desistiriam daquilo. Tinham até a carta na manga caso ele continuasse a insistir, mas aparentemente ele não se importava de ter seu segredo revelado.

—Rapazes. - Demétrius entrou na sala com um sorrisinho cínico, sendo acompanhado por duas mulheres. - Apresento a vocês a superiora da polícia espectral, srta. Eneida e sua estagiária Margareth, ou como eu gosto de chamar, minha chefinha. - Demétrius deu espaço para que as duas mulheres passassem, carregadas de pastas.

—E o que exatamente estamos fazendo aqui, Demétrius? -Daniel perguntou em seu tom ácido, cruzando seus braços e erguendo uma sobrancelha.

—Daniel! - Félix se alterou, temendo a presença da superiora. - Não temos mais o nosso disco, se eles quiserem prender a gente….

—Não terão um objeto que pertencesse a nós três! - Martin se preocupou, tentando parar o amigo de colocá-los em mais confusão.

—Não se preocupem rapazes, vão gostar de onde iremos prendê-los…. - Demétrius sorriu mais uma vez.

—ORA SEU…..! - Daniel se levantou com pressa da cadeira, sendo impedido pelos guardas.

—SILÊNCIO! - Eneida decretou, chamando atenção para ela. - Desconheço os motivos de vocês temerem serem presos a um objeto inanimado novamente e dessa vez, só dessa vez, vou ignorar possíveis infrações contra às leis espectrais. Reunimos vocês aqui para termos uma conversa civilizada e chegarmos a um consenso.

—Consenso de quê? - Martin questionou.

—O delegado Demétrius me apresentou uma denúncia sobre o caso de vocês, de trinta anos atrás. Passamos os últimos dias analisando toda a papelada e os fatos ocorridos e chegamos a uma conclusão que muda todo o rumo da história.

Os três se entreolharam, temerosos do que viria.

—Pedimos imensas desculpas pelo ocorrido naquela tarde, mas…. Ocorreu um erro. A batida de caminhão não era para vocês três. Josias era quem deveria fazer  a passagem naquele dia, mas por alguma razão ele conseguiu escapar e fazer vocês três serem atingidos.

—É O QUÊ?

—COMO É QUE É?!

Os três estavam alterados. Se não fosse por aquilo, eles teriam a sua banda! Teriam feito sucesso! Mas ao invés disso tinham sido brutalmente acidentados e estavam lá agora, presos na eternidade sem poder tocar para os vivos!

—Sentimos muito por isso, revimos todo o curso natural que estava previsto para vocês e…. Apolo 81 teria se tornado a número 1 nas rádios em poucas semanas após a gravação do álbum de vocês naquela semana. Vocês teriam participado do primeiro Rock in Rio em 1985 junto do Queen por três noites e estariam fazendo sucesso até hoje. Dois de vocês estariam casados, mas um….

—Onde você quer chegar com tudo isso….? - Félix questionou com dor na voz. 

Saber que eles teriam a glória caso não tivessem tido a ideia estúpida de imitarem os Beatles era….. cortante. Daniel estava em silêncio, tinha entendido que era ele quem ainda estaria sozinho e por mais que uma parte sua suspirasse achando que estava esperando por Julie, precisava se lembrar que ela ainda era menor de idade enquanto ele teria 47 anos e ele não gostaria de tirar a sua juventude iniciando um relacionamento com tantos anos de diferença.

—A questão é - Eneida suspirou - Erros raramente acontecem, mas eles existem. E uma vez esclarecido o problema, decidimos dar uma nova chance à vocês.

—Nova… Chance?

—A vida de vocês foi tirada cedo demais, então nada mais justo do que devolvê-la. Vocês três estão tendo a oportunidade de voltarem a serem vivos, irão aceitar?

Os três se entreolharam assustados e animados, mas antes que pudessem dar uma resposta, Daniel temeu a forma que voltariam.

—E como exatamente seria a volta?

—Todas as pessoas que tiveram contato quando vivos não se lembrarão mais de vocês, para não ter problemas com a ordem natural. Vocês voltarão como estavam exatamente 30 anos atrás, com a idade física e biológica de 17 e 18 anos. Novas certidões de nascimento serão emitidas e vocês terão toda a liberdade de correrem atrás do que estava destinado a serem de vocês. Daniel, Félix e Martin, vocês aceitam a oportunidade?


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