Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 23
Vinte e três




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A semana anterior havia sido uma correria e loucura sem fim. Com o pocket show marcado para a sexta-feira, Daniel havia passado a quinta feira dividido entre ensaiar para seu solo e para o show de sábado à noite. Decidido a cantar uma música mais leve, ele tinha passado a quinta-feira à noite terminando de ajustar sua voz e acordes do violão com a ajuda de Félix e Martin, quando se encontravam sozinhos na loja de discos.

A pedidos do seu chefe, Julie o acompanharia na sexta-feira, mas tinham entrado em um acordo que ela não apareceria na frente das câmeras. Após uma rápida conferida nas redes sociais da loja, perceberam que o clipe de Daniel já ultrapassava as cento e oitenta mil visualizações - o que era um forte indicativo que muita gente sabia sobre sua identidade e se Julie aparecesse junto dele os Insólitos iriam carreira abaixo.

Mas nada impedia dela aparecer para dar apoio moral ao namorado. Acompanhada de Martin, Bia e Pedrinho, eles chegaram cedo na loja e ajudaram Lucas e Daniel ajustarem tudo - com Pedrinho até mesmo dando algumas dicas de ângulos para Lucas, que ficou atônito com o talento do pré-adolescente. 

Mas atônitos mesmo ficaram os Insólitos quando perceberam a pequena multidão que Daniel havia chamado apenas com o anúncio na página da loja. Se antes pelo menos cinco pessoas estavam sendo atendidas na loja, com a chegada do horário do show mais vinte apareceram, fotografando e filmando o rapaz. Até mesmo ele ficou boquiaberto com aquilo, chegando a gaguejar um pouco antes de se apresentar. Mas a felicidade que ele emanava não tinha preço.

Se antes sua dor e sofrimento haviam atraído milhares de pessoas como mariposas são atraídas para a luz, agora era  sua felicidade. Ele adorava tanto estar vivo!

Recebendo os parabéns do seu chefe e colegas, ele permaneceu o restante da noite de boca fechada, se permitindo abri-la apenas para dar um beijo de tirar o fôlego em Julie, não se importando sobre onde estavam - coisa que Martin resolveu tapando os olhos de Pedrinho, que fazia uma careta para a irmã. Como o show dos Insólitos seria apenas à noite, ele tinha o restante da noite e do dia para cuidar da sua voz. Ele não cantaria tanto quanto Julie, mas começavam cada vez mais a ganhar seu espaço, com uma ou duas músicas solo do Apolo 81.

Aquela seria  a primeira vez que cobrariam ingressos - apenas cinco reais, um valor simbólico para a manutenção dos instrumentos durante o final de ano. Pessimistas, achavam que perderiam público por cobrarem, mas se surpreenderam ao constatarem que a loja estava superlotada! Bia ria de nervoso perto da porta, não sabendo como avisar para quem chegava que já estavam lotados.

O show demorou alguns minutos para começar, tamanha surpresa dos músicos. Por trás das suas máscaras, os garotos riam de surpresa, com Julie olhando para cada um em choque. Mais felizes do que nunca, eles tinham feito uma excelente apresentação - com a voz do carneiro falhando uma vezinha, em uma nota alta. Erros a parte, ninguém se importou muito com aquilo, já que foi seguido do coro dos três mascarados e aquilo sim tinha mexido com a plateia. No final, seu Raul tinha razão sobre música boa, com ele mesmo puxando um coro no meio dos jovens, aclamando a banda.

Quando fecharam a loja, riram de nervoso ao contarem trezentos reais de ingresso. Eles tinham mesmo atraído sessenta pessoas?! Como tantas pessoas couberam lá?!

Surtos a parte, o dia 24 de dezembro enfim tinha chegado. Foi em comum acordo que decidiram que os garotos passariam o feriado junto dos Spinelli, ajudando no que podiam. Com o dinheiro que Félix e Daniel recebiam, puderam comprar algumas bebidas, com Martin apenas brincando com o ar da sua graça. Sua entrevista como colírio capricho havia sido um sucesso, com a própria revista tendo entrado em contato para marcar mais ações de publicidade com ele e os outros garotos, prometendo cachê daquela vez. D

Durante o ano seguinte eles seriam contratados da marca para aparições em matérias e eventos, podendo ser contratados de outras empresas de publicidade e merchans. Martin ainda não havia recebido seu primeiro salário, mas no mês seguinte sim.

—Acha que estamos chegando cedo demais? - Félix se preocupou diante do horário.

—São só cinco da tarde, Félix. Na minha casa costumávamos ceiar só pela meia noite, mas começavam a chegar nesse horário. - Martin tranquilizou o amigo, batendo em seu ombro.

—Acha que nossos pais estão bem…?

—Já se foram trinta anos…. Não sei se me arrependo de não os ter procurado. - Daniel confidenciou. -Sequer sabemos se estão vivos!

—Se não estivessem, provavelmente teríamos encontrado. Demétrius teria feito questão de nos aproximar para tirarmos a ideia de tocar com Julie.

—Espero que estejam bem, de verdade.

Tocando a campainha, os três colocaram os melhores sorrisos no rosto ao serem atendidos por Julie. Ainda com roupa de casa, ela cumprimentou rapidamente Daniel com um beijo em sua bochecha, enquanto Martin e Félix taparam os dois a fim de evitar que seu Raul visse alguma coisa.

—Chegaram cedo. - Julie comentou enquanto levava os refrigerantes para a geladeira.

—Eu aviseeeeei……. - Félix fez uma expressão derrotada, com todos os outros rindo dele.

—.... convidados?  - Uma voz se fez presente no outro cômodo, se aproximando.

—Esqueci de avisar, minha mãe veio para o feriado. Mas vocês já conhecem ela, não é?

—É relativo, já que ela não conhece a gente. - Martin falou o óbvio, fazendo sua melhor pose quando Heloísa entrou na cozinha.

—Mãe, esses são meus amigos. Félix, Martin e Daniel.

—Prazer, tia! - Martin se meteu em sua frente, aliviando o clima.

—Acho que se esqueceram de me avisar que estavam vindo! Soube que tem uma banda?

—Uma banda em ascensão!

Deixando os garotos de lado, Julie subiu para jogar uma água e se arrumar o mais decentemente possível. Com um short de tecido e um blusão, ela deixou seu cabelo solto e passou uma maquiagem leve, voltando para a sala apenas para encontrar Pedrinho e Félix entretidos em uma conversa junto de sua mãe, enquanto Martin estava com uma expressão apavorada na cozinha com seu pai.

—Eu não tenho ideia de como temperar isso!

Daniel apenas gargalhava em um canto, corrigindo o amigo que tinha acabado de trocar o sal pelo açúcar, salvando o arroz da ceia.

—Não sabia que sabia cozinhar, Daniel. - Seu Raul comentou feliz, vendo o guitarrista mexer na panela.

—Daniel sabe só o básico: arroz, strogonoff e brigadeiro. - Martin revelou, tentando se esquivar da cozinha e sendo impedido por Julie que apesar das suas caretas não o deixou sair do ambiente.

—Strogonoff é o básico?

—Para uma emergência sim, só precisa de molho de tomate, cogumelo e uma carne. Já salvou alguns jantares antes quando ficávamos até tarde ensaiando.

—Seus pais não se importavam com ensaios tarde? - Seu Raul perguntou, não percebendo a troca de olhares entre os dois músicos.

—Não, ficávamos fora de casa, meio isolados.

Julie notou o olhar entre eles, mas não perguntou. Certamente não era para o seu pai ouvir. Ela estava entretida demais com a conversa quando sentiu o seu telefone vibrar insistentemente em seu bolso, chamando a sua atenção. Quando puxou, não reconheceu o número e estranhou.

Quem ligaria às cinco da tarde da véspera de Natal?

—Alô? - Julie atendeu receosa, já esperando um trote.

—Boa tarde! Eu poderia falar com o Daniel? - Uma voz feminina respondeu do outro lado.

—Quem é?

—É da produtora Bonadio. O senhor Bonadio me pediu para fazer contato em cima da hora, peço desculpas pelo horário. Ele está?

Julie piscou diversas vezes em choque.

—Vou passar para ele, só um instante.

Martin observava a garota de canto, estranhando o sorriso dela.

—Quem é?

Julie ignorou o baixista, correndo até o namoraod e puxando ele do fogão.

—Ai! O arroz vai queimar, Julie! - Daniel reclamou.

—Não importa, telefone pra você. É da produtora que fomos da última vez.

Daniel arregalou os olhos, tomando o celular da mão dela e indo para um canto mais afastado.

—Sim? Daniel falando.

—Boa tarde, senhor Daniel! Me desculpa pela hora, mas foi um pedido de última hora do senhor Bonadio. Ele viu o seu vídeo cantando e gostou muito, tanto da sua voz quanto do engajamento conseguido em duas semanas. O senhor teria um horário para dar uma passadinha aqui na gravadora? Ele gostaria de te conhecer pessoalmente e te fazer uma proposta.

—Eu…. Eu….É claro! Quando posso ir?!

—Nós voltaremos do recesso na segunda semana de janeiro, dia 12 está bom para o senhor?

—Pode ser a tarde?

—Dia 12, às 15 horas?

—Perfeito!

—Vou passar o endereço por mensagem. Este é o seu número mesmo?

—Hã…. Meu celular foi roubado no mês passado, estou temporariamente usando o de uma amiga minha, mas posso passar o da minha casa.

—A loja me passou apenas esse contato, poderia falar, por favor?

Logo após Daniel terminar de passar o número da loja de discos e desligar, ele ficou parado por alguns segundos, absorvendo tudo o que tinha acontecido. Quando entendeu, soltou uma risada alta e voltou para a cozinha, querendo levantar Julie no ar e fazendo exatamente isso.

—O que aconteceu, garoto?! - Seu Raul se assustou com a risada alta da filha e seu rodopio no ar.

—Um produtor musical me ligou, tem uma proposta para me fazer!

—Para a banda?!

—Por enquanto não, ele só viu o vídeo que fiz para a loja, mas não vou perder essa oportunidade e falar da banda para ele.

—Acha que ele vai aceitar? Da última vez vocês não tiraram as máscaras e por isso perdemos o contrato… - Julie se preocupou.

—Eu não estou usando uma máscara agora.

—Eu não assisti esse vídeo. Qual é? - Seu Raul perguntou, puxando Daniel até a sala para ele colocar no notebook.

—Daniel ainda sorria feito bobo, despertando a atenção de Félix que conversava com Heloísa.

—Que sorriso é esse?

—Acabaram de me ligar dizendo que aquele produtor musical tem uma proposta para mim por aquela música.

—UAU! PARABÉNS!

—Que música? - Heloísa se perdeu. - Nunca ouvi vocês tocarem…

Daniel rapidamente entrou na página da loja de instrumentos, deixando seus sogros assistirem completamente estupefatos com o seu talento. Heloísa até mesmo tinha deixado algumas lágrimas caírem, comovida pelo sofrimento do rapaz.

—Garoto… Eu espero que tenha se acertado com essa garota…. - Seu Raul expressou, sabendo que era óbvio que ele se referia a alguma garota, não percebendo os olhares cúmplices entre Félix, Martin e Pedrinho.

Mas Heloísa tinha notado. Como era possível ela quase não ter contato com os filhos e ter notado que sua filha era a garota da música? Eles estariam namorando? E aquele garoto, o Nicolas? Se lembrava de meses antes ter ido falar com ele por sua filha estar sofrendo por ele. Mas se todos aqui conviviam com Daniel e gostavam dele, ela também gostava.

Horas depois, pouco antes da ceia começar, Daniel conseguiu puxar Julie para a edícula, com a desculpa esfarrapada sobre seu caderno de composições que havia esquecido lá dois dias antes. Para ser crível, ele de fato havia deixado em cima do estojo da sua guitarra, tendo planos de levá-lo para dentro de casa, mas no momento só queria dar o seu presente em paz.

—Porque quer o seu caderno justo agora? - Julie não percebeu, entrando na edícula por conta própria, apenas entendendo suas intenções aos sentir um beijo ser estalado com carinho em seus lábios.

Sorrindo com o carinho, ela abraçou seu pescoço e estalou outros beijos rápidos até que enfim abriu sua boca e permitiu que Daniel aprofundasse o beijo, travando uma batalha com sua língua, onde mais brincava de gato e rato do que conquistar espaço. Eles tinham entrado na bolha, esquecendo-se por completo da ceia que estava prestes a ser servida dentro de casa. Abraçando sua cintura com força, Daniel se desvencilhou da sua boca, colando suas testas e respirando junto da namorada.

—Eu não queria te dar o seu presente na frente de todo mundo…. - Ele falou baixinho.

—E eu agradeço por isso.

Daniel apenas riu, o seu presente não era o beijo.

—Não é algo que você perdeu, mas que eu não me importaria se você perdesse no futuro e eu encontrasse para você. - Daniel explicou, puxando do seu bolso uma embalagem colorida, entregando para Julie.

Com o coração quente pelas palavras dele e pela lembrança dele plantando seu colar na mesa de JP, ela abriu o pacote, encontrando uma pulseira fina, com um pingente de guitarra pendurado.

—Eu não encontrei os outros instrumentos, mas prometo completar na medida que encontrar.

—É lindo, Daniel…. - Julie estendeu o braço, pedindo ajuda para colocar. - Eu nem sei como agradecer!

—Outro beijo cairia muito bem, sabe? - Daniel sugeriu com seu melhor sorriso cafajeste, envolvendo sua cintura ao ser beijado pela namorada.

Entretidos, os dois sorriam durante o beijo, brincando com os lábios um do outro, até que um forte pigarro se fez presente. Se afastaram rápido demais, assustados com a  intromissão.

—Não querendo atrapalhar vocês dois, mas seu Raul está chamando para comer. - Félix implicou. - Pulseira bonita, Julie.

—Está tão visível assim ou você já sabia?

—Eu vi Daniel embrulhando hoje cedo. Se vocês não quiserem que todos venham para cá pela demora, eu sugiro irmos logo.

Eles tinham dormido na sala naquela noite, já que tanto Heloísa quanto Raul tinham sido contra três adolescentes voltarem sozinhos para a loja na madrugada de Natal. Sentindo-se em casa mais uma vez, eles preferiam dormir na edícula como haviam feito por meses, mas foram impedidos pelos mais velhos, a sala era mais confortável.


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