Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 22
Vinte e dois




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Mesmo após o incidente com o amplificador um mês antes, Julie continuava a não ouvir Pedrinho. Ela mais uma vez não havia feito a manutenção nos instrumentos, resultando nas cordas do seu violão estouradas na noite anterior. Sem ele, Julie não poderia dar continuidade na melodia da sua música para Daniel - não que ele fosse de fato escutar um dia, mas a letra tinha ficado tão bonita que ela se recusava a deixá-la inacabada.

Só havia uma alternativa: fazer uma visitinha à Daniel na loja de instrumentos e pedir cordas novas.

Julie estava de férias, podia fazer o quisesse! Até mesmo ir de manhã para passar o restante do dia livre, mas de manhã Daniel ainda não estaria no trabalho. Sendo assim, ela esperou pacientemente às 14h para sair. Com seu violão dentro da capa e preso às suas costas, Julie foi em direção à loja, vendo o sorriso de Daniel aumentar assim que a viu entrar.

Por ele estar atendendo outra pessoa, ela esperou mais um pouco, recusando educadamente o atendimento de Lucas.

—Ah, é a namorada do Daniel, não é? - Ele se lembrou do dia do show.

—Ela mesma.

—Fico feliz que tenham voltado. Ele era um pé no saco quando vocês estavam brigados.

—Eu sei, ele era exatamente assim quando nos conhecemos. 

—Ele? Chato com você?

—Estava mais para odiar toda a minha existência, até descobrir que eu cantava bem. Aí me convidou para a banda dele e passou a me defender com unhas e dentes.

—Ei, Daniel! - Lucas se virou para o rapaz, que acabava de registrar a compra de um conjunto de microfones. - Aceitou Julie na banda por interesse?

—Admito que no começo sim, mas agora é de verdade.

Julie sequer ligava para aquilo. Eles eram fantasmas, era óbvio que estavam interessados na possibilidade de tocarem mais uma vez. Nem mesmo era uma surpresa para ela aquela confissão.

—E agora sou eu quem estou agindo por interesse aqui. Pode me ajudar? - Julie chamou a atenção.

—Aconteceu alguma coisa com seu violão? - Daniel perguntou, percebendo o instrumento preso às suas costas.

—Preciso de cordas novas. Não fiz a manutenção e elas arrebentaram ontem a noite. - Era possível ver o curativo em seus dedos, onde tinham acertado com toda força.

—Julie…! - Daniel amarrou a cara, cruzando os braços. - Quantas vezes precisamos te avisar sobre a manutenção dos instrumentos?!

—Mas se a cada vez que estragar alguma coisa eu trouxer aqui….

—Não me importa isso, podíamos ter levado um choque com o amplificador, e olhe só seus dedos! - Ele tomou a mão de Julie na sua, mostrando os curativos. - Não pode se machucar desse jeito por esquecimento!

—Me desculpe, mamãe….

—Mamãe uma pinóia! Esqueceu que eu sou o líder da banda? Se quiser continuar a tocar vai precisar ser mais atenta e escutar a gente!

—Daniel, a gente ensaia na minha casa.

—Isso não é nenhuma desculpa. - Daniel não tinha argumentos para aquilo. - Meu recado já está dado, agora posso ver o violão?

Tirando o instrumento das costas, o entregou com a capa e tudo, seguindo o namorado até o balcão. Viu ele tirar da prateleira uma caixinha com cordas novas, abrir e substituir as antigas. Não contente em apenas trocar, Daniel perdeu algum tempo afinando as cordas, entregando para a namorada testar.

—Está bom?

—Acho que o Lá ainda não está no tom.

—Deixa eu ver. - Daniel pegou o instrumento nas mãos e começou a tocar, totalmente focado em seu ouvido musical.

—Estamos tendo outro show e eu não sabia? - O dono da loja apareceu, surpreendendo a todos.

—Não, senhor. Só estou afinando o violão para Julie. - Daniel respondeu, voltando a se concentrar na corda Lá.

—É um prazer finalmente te conhecer, Julie! Daniel fala muito bem de você, e você canta muito bem. - O dono apertou a mão da garota, felicíssimo.

—Ele fala?

—O tempo todo. Fico feliz que tenham se acertado, ele chegou a te mostrar a música que fez?

—Pensei que o senhor tivesse emprestado o violão para ele me mostrar…

—Bem, se ele não tivesse te mostrado e eu afirmasse que sim seria um motivo para confusão entre vocês dois. A propósito, tenho boas notícias, Daniel!

—O quê?

—Estamos batendo quase dez mil visualizações com seu vídeo cantando!

—Dez mil em cinco dias?! Em um canal que não tinha nada relacionado a shows, apenas propagandas?! - Lucas se exaltou. - Isso é excelente!

—Daniel, nem o nosso primeiro videoclipe tem tudo isso! - Julie se empolgou. 

—Será que a máscara faz tanta diferença assim? - Ele ficou confuso.

—Uma máscara ou não não transmitiria todo aquele sentimento, Daniel! - Seu chefe se exaltou. - Aquilo era arte pura!

—Eu posso ver o vídeo? Ele nem me avisou que tinham postado. - Julie pediu na cara de pau, sendo levada para o computador do balcão por Lucas.

A cada nota que Daniel cantava, Julie se arrepiava. Lágrimas brotavam dos seus olhos por sentir tudo mais uma vez, vendo o fantasma à sua frente. Aquilo tudo era demais: o lugar em que o fantasma de Daniel morara por um tempo, onde ele a tinha levado para passear, o mesmo lugar que chorava todas as suas dores pelo panaca do Nicolas.

—Você…. Gostou?

—Estou surpresa por terem só dez mil visualizações! Se continuar nesse ritmo, o próximo deveria ser logo, para não perder público.

—O que acha da semana anterior ao Natal?

—Temos um dos Insólitos no sábado, mas acho que se tocar na sexta consigo recuperar a minha voz.

—Então me faça o favor de preparar uma música mais alto astral para próxima vez. E Julie, você está mais do que convidada para participar.

—__________

Enquanto Julie se intrometia na loja de instrumentos, Bia buscava Martin para irem até a entrevista com a Capricho. Não seria muito longe do centro, em um estúdio fotográfico em um prédio comercial. Martin não aparentava estar nervoso, mas sim contente com a possibilidade de finalmente poder voltar a aparecer para terceiros.

—Aquela máscara de vaca tira todo o meu brilho, Bia! Uma coisa era eu me contentar enquanto ainda estávamos mortos, mas agora?

—Eu não me surpreenderia se você conseguisse mudar de posição no ranking…. - Bia ponderou. - Mas a competição já estava acontecendo desde o início do ano, só te inscrevemos agora no final.

—Mais um motivo para estar apenas no sétimo lugar.

Eles não demoraram a chegar, acomodando-se o melhor que puderam na pequena sala. Além de Martin, mais dois garotos esperavam, faltando apenas um. Quando ele finalmente chegou, Bia se afastou, dando maior privacidade a eles. Não que Martin precisasse, mas talvez os outros colírios ficassem encabulados com uma garota desconhecida no ambiente.

—Como vocês se chamam mesmo? - Martin quebrou o gelo, enquanto esperavam pela repórter.

—Rafael, fiquei em quinto.

—Miguel, em nono.

—Arcrebiano, em primeiro.

—Martin, em sétimo.

E com aquela maravilhosa interação, eles começaram a trocar algumas palavras. Miguel era o mais novo, tendo apenas catorze anos, enquanto Arcrebiano era o mais velho, com dezenove. Rafael tinha acabado de completar dezesseis, enquanto Martin tinha recém voltado aos dezoito. A repórter não demorou muito mais para chegar, começando a entrevista com eles. Cerca de uma hora tinha se passado quando a conversa finalmente se focou em Martin - que naquela altura do campeonato já tinha feito amizade com Arcrebiano.

—E então, Martin! Você não é brasilerio?

—Tenho dupla cidadania, canadense e brasileira. Vim para cá quando ainda era um bebê. Cresci em Taubaté, mas me mudei para Campinas no início do ano.

—Algum motivo específico para a mudança?

—Eu e meus amigos viemos para uma audição, nós temos uma banda, sabia? Mas não passamos. Como não tinha nada que nos prendessem em Taubaté, ficamos por aqui mesmo.

—Seus pais não falaram nada sobre isso?

—Nós somos órfãos. Eles infelizmente morreram em um acidente de carro, então mudar fez bem a todos nós.

Todos no recinto se compadeceram, dando tapinhas em suas costas.

—Sinto muito… Então você tem uma banda?

—É, por enquanto é só de fundo de garagem, mas pretendemos lançar o nosso primeiro clipe em algum tempo. - Fundo de garagem, sei…. Martin bufou internamente.

—E o que te levou a se inscrever no concurso?

—Ah, isso não foi ideia minha. Tá vendo aquela garota escondendo o rosto ali do lado? Ela quem me inscreveu.

—É a sua namorada?

—A Bia?! Pffff… claro que não! Ela é só uma amiga.

—Então está solteira? - Arcrebiano perguntou interessado.

—Da última vez que eu soube ela estava saindo com um indivíduo chamado Válter, então não sei.

—Válter para Arcrebiano não tem tanta diferença. - Ele abriu um sorriso, piscando para ela.

Bia não tinha ideia do que era conversado, mas corou com o sorriso do mais velho.

—Tem alguma garota no seu coração, Martin?

—Ter até tem, mas ela infelizmente não me dá bola. O que posso fazer? Apenas jogar a bola para frente! Não sou o tipo de cara que sofre por bastante tempo, e depois de todos os acontecimentos recentes…. O que eu menos quero é desperdiçar o meu tempo sofrendo por banalidades. Vir para essa cidade foi como…. Um sopro de vida. Nós renascemos de novo aqui, e só tenho a agradecer aos amigos que fizemos por nos ajudarem nisso, não desistindo de nós quando simplesmente mais pareciamos espíritos vagando por aí.

O discurso era todo muito bonito, arrancando lágrimas da repórter - e certamente de todas que lessem a matéria. Só que ao invés dos pais deles, Martin se referia a eles próprios que de fato eram fantasmas vagando pela cidade. Campinas tinha sido o sopro de vida necessário para que eles retornassem à vida. E sinceramente? ele já tinha tido seus primeiros dezoito anos de vida para sofrer por garotas, agora que tinha a segunda chance não queria desperdiçar seu precioso tempo com disse me disse, apenas queria seguir seu sonho na música, com a banda.

Encerrando a entrevista, a sessão de fotos começou. Uma série de fotos individuais foram tiradas, assim como em grupo. Acabou que as fotos em dupla foram divididas por idade, fazendo com que Arcrebiano e Martin ficassem juntos - o que faria as garotas questionarem com quem deveria ter ficado o primeiro lugar de verdade. Após duas trocas de roupas, mais interação entre os garotos e fotos sem sentido algum (graças a Deus nenhuma como Júnior Lima sentado em uma banheira de miojo) a sessão se encerrou.

Enquanto Bia esperava Martin, percebeu Arcrebiano passar por ela.

—Bia, não é? - Ele perguntou.

—Sim…?

—Arcrebiano. Martin falou muito bem de você.

Bia fez uma expressão desconfiada, fuzilando Martin.

—A gente se vê por aí. - O mais velho se despediu dos dois, indo embora.

—Porque ele veio falar comigo, Martin?

—A culpa não é minha, ele se interessou por você, só isso!

—E você não disse que eu estava com Valtinho?

—Vocês por acaso namoram de verdade? Eu só disse que da última vez que soube você estava com um Válter, e ele disse que de Válter para Arcrebiano não tinha tanta diferença. Então julgo eu que ele provavelmente vai te adicionar em algum lugar. Sabia que ele foi o primeiro colocado?

Bia ficou em silêncio por alguns segundos, pensativa.

—Você tem razão. Se tivesse mais tempo, seria o primeiro colocado fácil, fácil.


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