Me coloquei em estado de alerta, a conversa com Ethan me fez perder o sono. Como alguém poderia me tratar assim? O que ele realmente queria de mim? Será que na primeira chance ele me apunhalou por trás? Isso seria uma vergonha, principalmente se as pessoas soubessem do nosso acordo. Respirei fundo e me pus para fora da cama, sai do meu quarto, o chão gelado me dava calafrios, pensei em voltar para pegar minha coberta e arrastar comigo até o quarto do Ethan mas não valia a pena, na próxima vez usaria um pijama decente para não passar tanto frio. Abri a porta do quarto dele, Ethan estava dormindo, o que era meio óbvio pelo horário. O jeito que ele dormia lembrava vagamente do meu irmão, quando chovia muito forte e acabava a energia, eu corria para seu quarto dormir junto com ele. Sorri com esse pensamento.
  — Ethan, acorde — chamei, mas ele continuava dormindo — Ethan!
  Eu iria mesmo fazer isso? Me abaixei o suficiente para dar um selinho não correspondido, e logo ele me puxou fazendo com que eu caísse em cima dele, ele parecia estar se divertindo com a situação já que não parava de rir.
  — Ethan, seu paspalho, me solta!
  — Você que começou Mirabella.
  — Por que eu preciso saber de uma coisa — me deitei ao seu lado e ele se virou ficando de frente para mim — você não vai me matar na sua primeira chance né?
  — É isso que te preocupa? — sua mão colocou os fios rebeldes do meu cabelo atrás da orelha — Eu não teria coragem.
  — O que faríamos caso ficasse só os dois? — perguntei preocupada.
  — Uma última dança.
  Ele se levantou e me levou junto, colocou suas mão em volta da minha cintura, ficamos deslizando para a direita e depois para a esquerda e novamente para a direita, até no momento em que ele me rodou, fiquei tonta, senti que ele me abraçou por trás. Naquele instante esqueci para onde estávamos indo, eu não tinha a necessidade de ser uma pessoa que eu não era perto dele, ali só existia a Mirabella e Ethan, um lugar que não importava o seu sobrenome ou se tinha familiares rebeldes. A culpa tomou conta de mim, virei para ele que estava perto o suficiente para perceber sua respiração ofegante.
  — Me perdoe Ethan, por tudo o que eu te fiz nesses últimos anos.
  — Justo agora? — perguntou não muito convencido com a minhas desculpas
  — Sim, não gostaria de morrer sem ter me desculpado com você.
  — Eu te disse, você não vai morrer Mira. Estou te prometendo essa última dança, e sempre que prometo eu cumpro.
  Eu já estava estranhando essa intimidade tão de repente, mas tinha que repetir diversas vezes, voltar para o dois, ser motivo de orgulho para a capital, luxo e poder , para eu ficar verdadeiramente feliz com essa intimidade. Nunca tinha me permitido gostar de alguém, não sabia o que era transmitir amor para outra pessoa, então espero não estar sentindo isso pelo Ethan. Não que eu pretenda voltar contra ele, mas a partir do momento em que ele mostrar ser desleal vou ter que passar a me virar.
  — Me diz alguma coisa que poucas pessoas saibam — pedi
  — Gosto de observar o amanhecer do sol, por isso sempre acordo cedo. E você?
  Analisei a vasta resposta que eu poderia dar, não estava em jogo contar meu plano para matar os carreiristas na minha primeira oportunidade. Pensei em dizer que eu amava ler, e essa era a razão de muitas vezes eu chegar atrasada na escola, passar a madrugada lendo um livro tão incrível, mas não era tão pessoal, ele precisava confiar em mim para eu realmente saber o que ele queria de mim. Fechei meus olhos o cheiro de rosas lembrava os dias em que eu passava com a minha avó, correndo das suas fitas métricas e alfinetes que muitas vezes me furavam, os tecidos coloridos que invadiam acasa dava um ar tão chique, mas depois minha mãe me levava para a cozinha e entregava o mais delicioso chocolate quente. Era isso!
  — Gosto de chocolate quente! Na verdade, eu não sei se eu gostava mais do chantilly ou do próprio chocolate quente em si.
  — É uma questão muito séria a se pensar — ele falou me fazendo rir.
  — Você quer dormir aqui?
  Pensei seriamente na proposta, não sabia que horário deveria ser, mas o sono já estava tomando conta de mim novamente, concordei cansada. Deitei na cama que era igual a minha, e antes mesmo que ele dissesse alguma coisa, meu sono veio primeiro.
  — Mira! — ele chamou, o sorriso estampado em seu rosto trouxe uma paz, fazendo com que eu esquecesse que estávamos sendo levados para uma quase sentença de morte — Vamos tomar café, tem uma coisa que você gosta!
  Levantei e logo deparei com um problema: eu não iria sair por aquele trem com o pijama curto. Questionei severamente a minha preguiça em ter pego a coberta ontem a noite. Ethan não pareceu se importar quando abriu uma gaveta e jogou uma blusa para mim, corri me trancar no banheiro. Peguei uma escova de dente nova que tinha na última gaveta, e fiz minha higiene matinal, troquei de blusa, e assim que vesti percebi que era a que ele tinha usado na colheita, ele cheirava a rosas da capital. Ethan bateu na porta e eu abri estressada.
  — Vamos! — disse, entrelaçando a sua mão na minha.
  Passamos pelo corredor que parecia diferente agora que está iluminado, e paramos diante de uma porta que se abriu com a nossa chegada. Os mentores e Clarisse já estavam à mesa, eles pareciam tão distantes, com o olhar fixo nos pratos de comida, será que estão com pena de nós? Justo agora, em que mais precisamos deles. Ignorantes.
  — Bom dia, querida — Clarisse desejou assim que me juntei a eles
  — Bom dia! — tentei não soar grossa, mas aquela jaula já estava afetando minha personalidade.
  Olhei para Ethan que segurava uma xícara e logo me entregou, não pude evitar de sorrir. Era chocolate quente, e antes que eu dissesse alguma coisa a ele, todos na mesa nos encaravam com uma expressão estranha. Ainda bem que eu e o Ethan tínhamos um plano, seria difícil depender dos mentores para sobreviver na arena.
  — Vocês são tão lindos — Clarisse foi a primeira a se manifestar, algumas lágrimas borrararam sua maquiagem e ela se retirou do vagão.
  Dei de ombros, aquele chocolate não era exatamente como a minha mãe fazia, mas também não podia negar que estava uma delícia, o gosto do chocolate amargo invadiu a minha boca, mas em seguida veio o doce do chantilly. Lembro da noite passada e realmente eu gostava mais do chantilly do que do próprio chocolate quente.
  — Você chamou muita atenção da capital Mirabella — Enobaria pela primeira vez falou — vamos conseguir muitos patrocinadores por isso! Sou sua mentora, assim como Brutus é de Ethan. Normalmente trabalhamos separados já que os tributos não são tão próximos um do outro, mas nesse caso, vemos que vocês não são assim. Terminam de tomar café e vão se arrumar, já estamos chegando na capital.
  Fiquei sem dizer nada. Que impressão eu tinha causado na capital? Orgulho? Ou talvez desgosto? Pensei em minha família que poderia estar sofrendo por ter sido descoberta, ou não. Minha vontade era de sumir dali, correr o mais rápido que eu poderia, morar na floresta? era uma opção viável. Minha cabeça latejava de dor, em menos de um dia já tinha acontecido tanta mudança na minha vida, eu tinha perdido tudo por conta de um sobrenome, mas será que valia a pena? Estava começando a me arrepender por ter achado aquele documento ridículo. Se eu fingisse ser a mocinha despreparada na arena, as pessoas da capital teriam pena de mim, mas eu sou uma carrerista e tenho que agir como tal. Nem tinha percebido que as lágrimas estavam molhando meu rosto, tentei secá-las rapidamente antes que alguém notasse a existência delas, mas Ethan olhava para mim, ele não questionou, apenas se levantou e esperou que eu fosse até ele. Fizemos o mesmo caminho de volta para o quarto, e antes que eu entrasse, ele me abraçou.
  — Vai ficar tudo bem, Mira! — falou em meu ouvido — Quer que eu fique com você?
  — Não, você precisa se arrumar — falei aquilo contra minha vontade, pois na verdade eu estava começando a considerar ele como meu porto seguro.
  — Você acha que eu preciso mesmo me arrumar? Assim não está bom? — ele falou brincalhão dando um passo para trás, para que eu analisasse sua roupa, o que me fez rir — Me de cinco minutos, que eu já volto para ficar com você.
  Ele saiu em direção ao seu quarto, e eu me senti desestabilizada sem ele por perto. Entrei no meu quarto e comecei a me arrumar, não era meu forte consegui nem terminar a maquiagem em cinco minutos quanto mais me arrumar por completo.