Blue Heart escrita por dpsilva


Capítulo 3
Vetores Alados




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Eu não costumava conversar muito durante as aulas. Ainda que nós leedwees não precisássemos prestar atenção no que era explicado pelos professores, eu fazia questão de aprender tudo para auxiliar Kris nas tarefas de casa. Contudo não nos era permitido dar dicas durante provas, tanto que nessas ocasiões os professores montavam uma mesa no canto da sala para que os leedwees de todos os alunos passassem o tempo com jogos e conversas, dentre outras coisas. Foi numa dessas ocasiões que conheci o jogo de Vetores Alados. Kris tinha 5 anos na época, e estava ocupado com um teste sobre cores e formas, enquanto isso fiquei num canto com os acompanhantes dos outros alunos. Eu conhecia a maioria dos presentes mas não mantinha conversa com nenhum. Eu estava simplesmente sentada perto deles quando a conversa começou.

—Vetores Alados? - perguntou um deles.

—Então você nunca ouviu falar? É o esporte dos Leedwees! É jogado da seguinte maneira: é montado um percurso com várias argolas duplas, uma grande em baixo e outra menorzinha em cima, que são espaçadas consideravelmente. A cada 5 ou 6 argolas existe outra de cor diferente, chamado checkpoint. Cada checkpoint inicia uma nova onda. O tamanho e o número de ondas que a partida terá ficará a cargo dos organizadores do jogo. O jogo começa quando dois ou mais Leedwees se posicionam na linha de largada, cada um com uma pequena bola em mãos. Quando é dada a largada, todos os Leedwees passam a competir numa corrida. Para ganhar o jogo de Vetores Alados, você precisa atirar a bola pela argola menor, e atravessar com seu corpo pela maior, rápido o suficiente para agarrar a bola do outro lado. Cada arremesso bem sucedido vale 5 pontos. Caso você erre o alvo ou deixe a bola cair, você é obrigado a voltar para o ultimo checkpoint e recomeçar de lá, mas agora cada arremesso valerá 4 pontos para aquela onda. Se errar de novo valerá 3, e assim por diante. Caso erre o suficiente para chegar a 0 você é eliminado do jogo. Vence quem fizer mais pontos, com o bônus que, quem chegar em primeiro no final do percurso ganha mais 50 pontos, o segundo 40, e assim por diante.

O esporte sempre foi muito popular, tendo até mesmo competições internacionais e chamando a atenção de apostadores. Claro, corridas clandestinas também ocorriam. Muitos amos se aproveitavam do fato de Leedwees serem imunes a qualquer dano físico direto para incluir obstáculos mortíferos, tais como argolas em chamas, pêndulos com lâminas afiadas, argolas eletrificadas, túneis estreitos com espinhos nas paredes, entre outros. Por vezes, para dificultar, a corrida tinha que ser feita usando bolas pesadas ou muito quentes. Até mesmo davam objetos, como pedras, para os expectadores tentarem atingir e derrubar o corredor que eles menos gostassem. Tudo isso para deixar mais interessante para quem assiste, segundo eles. Uma crueldade sem escrúpulos. Sim, não podemos morrer por causa desses obstáculos, mas sentimos dor, muita dor. Conseguimos sentir a dor que nossos humanos sentem mas o contrário não acontece.

A crueldade contra Leedwees infelizmente é algo muito comum no nosso país. Muitas pessoas ruins pensam que podem nos fazer mal simplesmente porque sim! Usam a desculpa de sermos quase imortais para fazerem as coisas mais desumanas conosco. Já ouvi muito sobre casos de Leedwees que foram torturados por puro prazer. Horrível... Horrível. Por sorte, tenho um humano bom. O melhor. Que me respeita, que me trata como igual. Uma boa herança dos seus pais. Por isso eu o amo. Kris é incrível e eu tenho muita sorte. Já não posso dizer o mesmo de Jujuba.

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Lá estávamos nós, nos fundos da escola, próximos ao grande carvalho onde havia um percurso do jogo de vetores alados criado pela própria escola. Simples, apenas com argolas, sem nenhum obstáculo, perfeito para Leedwees iniciantes. Ao meu lado estava Kris, com uma coragem incomum, decidido a vencer Trox. Bem a nossa frente estava ele, Arnon Trox, em toda a sua malevolencia.

—Muito bem, Karino! Aqui está, um percurso de 7 ondas com 5 sacolas cada, totalizando 35! Eu pretendia não te bater hoje mas meus pais idiotas me mandaram um sanduiche vagano pro lanche em vez do meu habitual hambúrguer, então me deu vontade de enfiar a mão em alguém. Portanto se eu vencer, te dou uma surra.

Senti meu amo suar frio e engolir seco. Apesar disso ele tentou manter a postura.

—E se eu vencer? - disse Kris.

—Você se livra de uma surra, simples assim. Vamos começar!

Amarrado ao grande carvalho havia um cilindro de plástico transparente contendo várias esferas metálicas e ásperas. Kris enfiou uma moeda num buraquinho, girou uma chave, e uma bolinha caiu num compartimento. Meu amo a pegou e entregou a mim.

Arnon tinha suas próprias esferas. Tirou uma dourada da mochila e a entregou a Jujuba.

Jujuba e eu nos posicionamos no ar para dar a largada. Cerrei os olhos para me concentrar.

—Velocidade... Eu sou a velocidade... - sussurrei. Já devo ter ouvido essa frase em algum lugar mas não me lembro onde, ela apenas veio na minha mente.

Respirei fundo e me concentrei no objetivo: vencer. Deixarei meu amor por Jujuba de lado para evitar que meu amo se machuque.

—Três...!

—Velocidade...

—Dois...!

—Vencer...

—Um...!

  Eu vou vencer!

—Vai!!!

Com o impulso das minhas asas, cortei o ar como um jato. Atirei minha bola pelas argolas menores e fui depressa o suficiente para passar com facilidade pela primeira onda, e pela segunda. Nenhum sinal de Jujuba até aqui. Evitei olhar para trás para não perder o foco e continuei o mais rápido que pude... Na verdade tive que reduzir um pouco a velocidade pois quase atravessei uma segunda argola antes de agarrar a esfera que atirei pela primeira. Já estava na quinta onda e minha mira estava perfeita. Acertei todas as argolas de primeira e não derrubei minha esfera nenhuma vez. Ainda nenhuma Jujuba a vista. Avistei a última argola e fui com tudo, finalizando a partida com o placar perfeito de 225 pontos!

Após uma breve comemoração, parei para olhar em volta. Jujuba ainda estava na terceira onda. Arnon Trox com o olhar de alguém que não pode acreditar no que acabou de ver. Ele olhava para mim completamente surpreso, boquiaberto, assim como meu amo. Após sair de seu estado de choque, Trox fechou a cara e lançou um olhar furioso para meu amo.

—Trapaceiros! Você viu o que aconteceu! Sua criada atrapalhou a Escrava! Não valeu!

—Não invente desculpas! Bluey não fez nada! Ela saiu na frente e ficou em primeiro a corrida toda, como pode ter atrapalhado? - disse Kris.

—Não é óbvio?! Não viu a rajada de vento que atingiu a Escrava quando a sua criada largou?! Isso a desestabilizou!

—Isso nem faz sentido! Ela é pequena demais para provocar um vento tão forte! Deve ter sido uma ventania comum!

—Impossivel! Além disso, viu como ela foi rápido?! Isso é descomunal! A Escrava é a mais rápida da escola e bateu o recorde dessa pista com uma corrida perfeita de 31 segundos! E a sua criada a terminou em 12! Admita que está dando anabolizantes para ela!

—Isso é ridiculo! Aceite que perdeu, Arnon!

Arnon Trox berrou de fúria. Caminhou até Jujuba que nem havia terminado o percurso. Ele a agarrou no ar e atirou-a contra a árvore. - Sua inútil!!! - vociferou. Jujuba bate no tronco com um baque e solta um gemido de dor, em seguida cai na grama.

—Jujuba! - gritei. Voei até ela é a tomei em meus braços - Jujuba? Você...?

—Vou ficar bem. - disse rouca.

Senti que suas costas estavam moles e ela estava com dificuldades para respirar. Concluí que todas as suas costelas haviam quebrado. Isso é mal. De todas as partes do corpo de um Leedwee, ossos são os mais difíceis de se regenerar, geralmente demorando alguns minutos para se curarem totalmente.

Arnon me olhou com tamanha fúria que confesso que achei que ele fosse me partir ao meio.

—Você...!!! Como ousa chama-la de Jujuba!!! O nome dela é Escrava!!! Eu sou o mestre dela, portanto todos devem se dirigir a ela pelo nome que eu escolhi!!! Principalmente a sua raça!!! Coloque-se no seu lugar, sua escória alada!!! Escrava! Levante voo imediatamente!

—Mas ela está ferida! - tentei.

—Silêncio!!! Tem sorte de não ser minha criada, se não... Escrava eu lhe dei uma ordem!!!

Jujuba se mexeu em meus braços. Sua feição era a de alguém agonizando de dor.

—Tudo bem, Bluey. Estou bem.

Jujuba pôs-se de pé e tentou bater as asas. Seu corpo tremia e estava se avermelhando. Com o maximo de esforço que pôde, ela voou, gemendo de dor. Foi até Arnon e disse rouca e fraca:

—Estou ao seu dispor, mestre...

—Ande logo que o torneio de Vetores Alados é hoje a noite, então trate de ficar boa logo se não quiser correr com os ossos quebrados!

—Isso já é demais, Arnon! Ela está sentindo dor! - disse meu amo.

—Cala a boca, Karino! Você diz como se elas não fossem imortais! Se meta com a sua criada insolente, e ensine-a a aceitar seu lugar como inferior a nós!

Arnon vai embora.

 Senti algo estranho em meu peito. Algo que nunca senti. Uma dor que me preenchia completamente. E não era Kris quem estava sentindo. Era um sentimento genuinamente meu.


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