I know that time's gonna take its toll

Barry encontrou o apartamento completamente silencioso ao fechar a porta de entrada às suas costas enquanto o sol se punha além da grande janela, que cobria a maior parte da parede logo à frente, iluminado todo o ambiente bem decorado num tom forte de laranja, como era característico de todas as tardes no oitavo andar.

Se Caitlin estivesse ali, todas as cortinas da sala já estariam puxadas, pois detestava calor demais em razão de Frost e o “reflexo do sol a irritava”, o que, provavelmente, era uma de suas manias mais estranhas. Porém, gostava do ambiente mais iluminado possível, por isso apenas seguiu para a cozinha notando todos os lembretes dispostos na porta da geladeira riscados com um grande xis vermelho. Ela só fazia isso quando estava atolada de trabalho, exatamente como naquela semana de fim de semestre.

Por mais que amasse o laboratório, Princeton e a docência se tornaram uma parte importante da vida da doutora, a qual simplesmente não deixaria de lado. Por isso, resolveu conciliar as duas atividades, utilizando os recursos do trabalho para se locomover com tanta facilidade entre os dois estados. Barry a ajudava de forma a não deixar o que faziam no S.T.A.R. Labs atrapalhar sua carreira acadêmica. Caitlin era realmente brilhante, como a mãe dela bem gostava de destacar, e merecia algo que fosse além de Central City, que desse ainda mais visibilidade à sua genialidade.

Terminando o corpo d’água e checando as últimas mensagens de Iris avisando que o dever de Nora ficaria por conta dele, pois ela detestava qualquer coisa relacionada à matemática, pegou a mochila e subiu lentamente os degraus de vidro, observando de maneira distraída as fotos que decoravam a parede escada acima. A castanha não entendia como a sua preferida podia ser aquela polaroide pequena e desgastada, que guardava na carteira, tendo todos aqueles quadros e momentos registrados tão esmeradamente ali, mas apenas dava de ombros e a beijava. Fazia sentido para Barry.

Já no quarto, ultrapassou sem pressa o cômodo se dirigindo diretamente ao banheiro, de onde o perfume conhecido exalava preenchendo todo o ambiente da forma que mais gostava. A porta de madeira branca estava meio aberta, percebeu, e Barry empurrou de maneira cautelosa, apenas para encontrá-la sonolenta e relaxada completamente submersa na água morna da banheira, sob a meia luz do banheiro de cortinas fechadas.

We'll have to pay for the love that we stole

— Ei. – Sorriu, vendo alguns fios já escapando do coque que mantinha no alto da cabeça descansada sobre uma toalha macia. – Você está bem?

Ela abriu os olhos e sorriu de volta, parecendo cansada pela óbvia semana corrida. Por isso, Barry apenas se ajoelhou, colocando a mochila no chão e se debruçando na borda da banheira ao lado da mulher.  

— Na verdade, estou exausta. No semestre passado, as provas finais não foram tão cansativas assim. – Contou com uma careta mimada. Uma das facetas que mais gostara de descobrir sobre Caitlin Snow era essa: uma vez que se sentia completamente à vontade, se deixava ser completamente manhosa quando podia. – Vai ter que me carregar daqui para eu conseguir sair.

— Posso fazer isso. – Murmurou, apoiando os cotovelos na lateral da banheira para beijá-la sem pressa. Nunca se cansava dos lábios bonitos e bem preenchidos, nem do perfume totalmente inebriante exalando da nuca macia. – Eu tenho algo para você.

— Um presente? – Ela estranhou, pois realmente não era uma data especial. Porém, Barry não respondeu, apenas se esticou para alcançar na mochila a pasta com o logo conhecido do S.T.A.R. Labs. – O que houve?

— Essa foi a semana em que Cisco tinha que medir minha atividade cerebral e...

— Se havia resquícios de influência da Força de Aceleração, sim. – Caitlin completou, claramente começando a se preocupar. Há seis anos, mantinham essa rotina a cada seis meses, ainda que não sentisse qualquer sintoma de interferência, apenas para garantir que as coisas não fugissem do controle.

— Não há, não se preocupe. Mas há... Outra coisa que precisa ver. – Com cuidado, abriu a pasta e mostrou a Caitlin os gráficos da atividade mental vinculados à Força de Aceleração, mas a castanha parecia tão cansada, que apenas franziu o cenho ao analisar a imagem, procurando o que Barry queria que visse. Então, alcançou a mão dela e colocou um dedo sobre a linha azulada entrelaçada à sua. – Acredito que Bart está se concretizando em nossa linha temporal, Cait.

'Cause it's a sin and we know that we're wrong

A observou prender a respiração levantando os olhos alarmados para ele, dessa vez ajeitando a postura ao pegar a pasta sem se importar com os dedos completamente molhados encharcando o papel. Barry sabia que, provavelmente, iria querer guardá-lo para sempre, independente de estarem ou não intactos, por isso fizera tanta questão que fossem físicos pela primeira vez. Prezava por essas pequenas coisas e sabia que Caitlin também.

— Você quer dizer...?

Os olhos dela brilharam esperançosamente. Antes de realmente tentar ser mãe, Caitlin sabia que seria um processo complicado, pois os hormônios de Frost misturados aos seus tornavam seu organismo uma bagunça. Então, decidiu que não tentaria qualquer procedimento médico, apenas deixaria as coisas acontecerem, sem rotular a espera mal sucedida deles como ‘tentativas’.

Falavam sobre isso há, ao menos, quatro anos, sem colocar sobre si mesmos qualquer cobrança por um filho. Tentavam não pensar tanto sobre a Força de Aceleração e o exacerbado determinismo da influência que sofrera há anos, mas, de certa forma, Barry sabia que aconteceria quando chegasse a hora certa. Tinha certeza que uma criança fazia parte do que ele e Caitlin estavam destinados a serem. Entretanto, nunca quisera saber quando e nem dizia isso a ela para não alimentar expectativas e possíveis frustrações.

— Acho que está grávida, sim.

Os dedos dela tremeram ao abaixar os olhos para encarar novamente o traçado azul, sem saber o que dizer, mas provavelmente raciocinando sobre a sonolência, os pés inchados e o enjoo na última noite por causa do macarrão com queijo, que adorava e cozinhava impreterivelmente toda semana.  

Barry apenas esperou e a observou, percorrendo com os olhos as feições ainda delicadas da mulher, de maneira ainda fascinada demais. Os anos fizeram bem a Caitlin. Ela não já não era mais magérrima e continuava com o rosto bem desenhado, coroado pelos lábios avermelhados. Os cabelos, contudo, num castanho mais claro, se mantinham compridos e brilhantes. Era a única coisa que cedia única e tacitamente porque ele gostava. Barry amava a textura macia, a forma como ela arrumava para ficarem ondulados ou quando os deixava secar naturalmente tornando os fios mais armados – o que descobrira apenas com o tempo.

— Cait. – Ajeitou os fios atrás da orelha, o que chamou a atenção da doutora, que levantou os olhos enquanto mordia os lábios, parecendo perdida. – Eu amo você.

Oh, but our love keeps coming on Strong

Então, ainda nesse estado, ela se esticou para abraçá-lo, puxando-o para junto de si como podia, sem se importar com a nudez ou o fato de estar molhada e ele completamente vestido. Os braços rodearam seus ombros e ela suspirou contra seu pescoço, um pouco trêmula e praticamente sem reação.

— Eu também te amo. – Sorriu brevemente ao murmúrio, apenas aproveitando a posição para aspirar o aroma que cheiro que emanava do local onde o pescoço encontrava os cabelos, logo atrás do ouvido dela, sentindo-a se arrepiar ante o gesto e apertá-lo um pouco mais ao continuar em tom baixo. – Barr, acho que estou mesmo grávida.

 - Ainda precisa fazer o teste...

Era como se dizer mais alto quebrasse toda a aura especial e protegida daquele banheiro mal iluminado, mas completamente impregnado deles, da notícia e do perfume de Caitlin.

— Eu sei, mas... Consigo ver os sinais agora. Está aqui. – Caitlin se afastou um pouco para lhe mostrar os gráficos, que encarara por horas antes de decidir levar até ela. – Bart está aqui.

Apenas sorriu ao sorriso dela e continuou a acariciar a pele macia do ponto conhecido entre o pescoço e ombro. Por um instante, contudo, enquanto tirava uma mecha da frente do rosto dela, teve a impressão de ver, por um rápido milésimo de segundo, o lapso de olhos castanhos muito parecidos com os de Cait, que não pertenciam realmente a ela, mas a eles.

FIM