Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 24
Instabilidade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/794535/chapter/24

Barry viu Carla se aproximar para tirar com cuidado o aparelho que ainda carregava nas têmporas usando uma pinça cirúrgica. Ela era silenciosa na maioria das vezes, especialmente porque sempre que abria a boca para falar algo estava carregada de ironias e reprimendas, algumas mais tácitas do que outras.

Pensou em Iris e na chance que queria com a doutora, muito ciente de que essas eram quase nulas. Carla soltou o “Registrador” de Cisco sobre uma bandeja esterilizada e levou o algodão molhado até o local, onde certamente ficaria marcado por algum tempo. Ela deu a volta na cama e repetiu o mesmo processo, retirando o aparelho com um puxão meio dolorido, estacando um pequeno fluxo de sangue.

— Você está me incomodando, Sr. Allen.

Ainda que o dissesse, a Dra. Tannhauser não parecia se importar, no melhor sentido da palavra, de acordo com o desdém em sua voz. Barry cruzou os braços sobre a almofada em sua barriga e meneou a cabeça enquanto continuava a observá-la, claramente ganhando-a pelo cansaço, pois no momento seguinte ela se virava para ele e cruzava os braços.

— Porque não gosta de mim? – Carla revirou os olhos com um suspiro e foi até a bancada em busca do iPad.

— Quem disse que não gosto?

— Bem, desde que está aqui, tudo o que faz é buscar formas de me reprimir e... Sempre pareço estar fazendo algo errado aos seus olhos. – Barry gesticulou com as mãos, tranquilamente deitado na cama do laboratório, com as pernas cruzadas uma sobra a outra. – Mesmo quando não faço nada.

Também não se importava muito com Carla, mas não tinha ideia de como começar qualquer conversa com ela, que não fosse sobre o quanto a mulher não gostava dele. Contudo, além de tentar fazer algo pela reportagem de Iris, também estava curioso quanto aos motivos dela, pois desde o início parecia sempre dar mais abertura aos outros do que a ele.

É claro, ela era aberta em seus próprios termos e, com isso, queria dizer que não parecia pronta a formar um sermão a eles no momento em que os via. Barry, no entanto, era tratado quase como um inimigo velado e sequer sabia porquê.

— Precisa entender que o fato de não o adular o tempo todo, como todas as pessoas ao seu redor, não significa que desgosto de você. Apenas significa que não o adulo.

— Acha que sou mimado. – Concluiu lentamente.

— Você é. – Ela não titubeou em afirmar e Barry estreitou os olhos um pouco ofendido, enquanto Carla se sentava na cadeira ao lado da cama e deslizava o dedo pelo iPad tranquilamente, mais concentrada no que estudava ali do que na conversa, obviamente. Contudo, ela resolveu continuar um instante depois. – Não gosto de como Caitlin faz a vida inteira dela girar ao seu redor.

Barry notou novamente aquela indireta de que ele era o responsável por, de alguma forma, sabotar a carreira de Caitlin.

— Eu nunca pedi que Caitlin, ou qualquer outra pessoa, fizesse sacrifícios por mim ou pelo laboratório. – Esclareceu lentamente, embora ela não estivesse exatamente impressionada.

— Sei que não é intencional, mas é como as coisas são. As pessoas ao seu redor estão sempre fazendo concessões em seu nome, em nome do time, de algo maior. – Ela deu de ombros levemente, da forma elegante como sempre fazia tudo. – É o seu jeito. Faz com que o mundo ao redor pareça cruel demais por querer te machucar e, por isso, todos precisam protegê-lo. Caitlin não é uma exceção.

— Isso não é justo.

Assim como todos do laboratório, não havia escolhido aquela vida. Ser atingido pela explosão do acelerador de partículas havia sido quase uma imposição, que vinha com uma escolha moral, sobre a qual, ao menos para Barry, não havia dúvidas a respeito, pois não usaria aquela nova habilidade para fazer mal a qualquer pessoa. O mesmo se aplicava a Cisco e a Caitlin, que podiam ter escolhido outro caminho, mas, por decisão própria, decidiram ficar e conduzir o laboratório.

— Para quem? – Carla respondeu espertamente, percebendo como Barry estava ficando desconfortável. Os olhos azuis sobre ele eram sérios, invés de desdenhosos, dessa vez. – Esse é o problema com as lideranças, Sr. Allen: você é responsável, para bem ou para mal.

Dessa parte, Barry não discordava como um todo, pois se sentia responsável pelos rumos que as vidas das pessoas que amavam tomavam devido ao trabalho ali, mas nada podia fazer enquanto eles constantemente escolhiam ficar. Ainda, precisava deles como sua base, como as pessoas em quem mais confiava. Talvez, essa fosse a parte mais egoísta, no fim das contas. Barry não os obrigava a ficar, mas precisava tanto de suas presenças, que era palpável e, quanto a isso, Caitlin não era mesmo uma exceção. Não deveria ser uma surpresa que, por ser tão perceptível Carla estivesse lhe jogando isso na cara.  

— Todos que estão aqui fazem o que fazem pela cidade, por Central City, não por mim.  – Ela sorriu amargamente com certa nota de tristeza, meneando a cabeça.

— Oh, Sr. Allen, realmente acredita nisso? Acha que seguiriam o trabalho de sua vida, sendo que é seu e não deles? – Carla respirou fundo e se levantou, juntando as mãos às costas da maneira formal como sempre insistia em ser. – Estou aqui por você, não pela cidade. Isso diz muito sobre quem continua a segui-lo, sobre Caitlin.

Barry franziu o cenho, vendo-a se afastar para dar a conversa por encerrada. Não havia mais o que acrescentar realmente, mas considerou o fato de Caitlin estar, de fato, afastada de seu trabalho de vigilância, apesar de continuar se preocupando com ele. Cisco, então, finalmente apareceu abrindo a porta quase que em um rompante e chamando a atenção dos dois habitantes iniciais.

— Havia algo que não notamos no início! – Carla franziu o cenho na direção do latino e tirou as luvas, enquanto ele se virava animadamente para Barry, os olhos brilhando como se houvesse acabado de fazer uma nova descoberta. – Então, como sabe, monitoramos os seus registros mentais pelas últimas semanas e... Detectamos grande atividade da Força de Aceleração. Por “grande” quero dizer comparável ao momento em que conseguimos resgatá-lo, há alguns anos.

— Ainda não sabemos se essa conexão com a Força de Aceleração se dá em razão da Crise ou por um algum outro motivo, mas ela é massiva e podemos identificá-la ainda mais presente nos momentos em que você relatou ter tido sonhos ou devaneios. – Carla explicou de forma ágil, parecida com Caitlin em se fazer compreensível. – Ou seja, o gatilho para isso vem da Força de Aceleração, como se fosse um corpo estranho agindo sobre sua mente.

Cisco lhe entregou o iPad, mostrando a comparação de sua atividade mental normal com a dos momentos em que estava submetido àquelas imagens. Barry acenou em entendimento e encarou de um a outro, esperando que continuassem.

— A questão é: ainda não sabemos como cessar esses acontecimentos, porque não sabemos o que os causa, realmente. Se existe algo propositalmente sendo planejado ou se é uma consequência de suas aventuras na Força de Aceleração. – Ela terminou em seu característico tom de reprimenda.

— Tudo se agrava um pouco se considerarmos que enganamos a Força de Aceleração para tirá-lo de lá da última vez. Ou seja... – Cisco brincou com os dedos sobre o iPad, hesitante. – É arriscado que você se exponha a um contato prolongado com a Força de Aceleração, porque, se algo der errado, não sabemos se podemos resgatá-lo... Caso seja necessário. Quer dizer, conseguimos uma vez, porque sou muito bom no que faço basicamente, mas...

— Entendi. – Barry o interrompeu, no mesmo instante em que Carla cruzava os braços e o chamava, inquisitiva. 

— Francisco, disse que deixamos passar algo.  

— Sim, e há isso. – O engenheiro deslizou o dedo pelo iPad e lhe mostrou outro gráfico, que continha uma linha azul dentro da atividade mental influenciada pela Força de Aceleração, junto a ele. – Outro velocista.

— O quê?!

A própria Carla tomou o aparelho da mão dele para analisar por si mesma, mas Cisco não pareceu abalado.

— Em alguns desses momentos em que está sendo influenciado pela Força de Aceleração, eu detectei a atividade de outro velocista. – Com cuidado, ele pegou o iPad de volta e expandiu a tela, conectando-o ao monitor da plataforma do laboratório. – É claramente muito menos poderoso que você e, por isso, quase passou despercebido, mas... Definitivamente, há outra atividade mental aqui com potencial tão poderoso quanto o seu.

Barry encarou de novo a linha azul e fina, tentando conectar essa nova informação ao que conhecia sobre os sonhos e devaneios. Por um momento, pensou que pudesse ser uma versão sua, uma daquelas que, constantemente, via com Caitlin e, às vezes, não se sentia exatamente conectado, como se apenas a aparência fosse a mesma, mas nada do resto o fosse. Porque, afinal, aquela vida não era sua realmente. Se fosse uma versão sua, de outra terra ou uma alternativa, a atividade mental seria, no mínimo, comparável. Contudo, não havia como colocá-las juntas para comparação, tão díspares eram.

— Há alguma explicação para essa atividade não estar por todos os registros? – Carla perguntou intrigada, testando alguns cálculos de bioengenharia.

— Não uma satisfatória e científica. – Cisco aproximou-se da tela do computador, inclinando a cabeça. – É como se em alguns momentos este velocista ou, ao menos, sua atividade mental, estivesse presente, mas em outros não.

Barry inclinou a cabeça, quase que em uma imitação de seu amigo, ainda deitado a cama, repassando seus sonhos e devaneios cruzados com as novas informações que tinha. Aquela linha azul parecia querer lhe gritar algo que ainda não estava enxergando. Algo que Cisco ou mesmo Carla não seriam capazes de saber, pois não conheciam o conteúdo de seus sonhos ou devaneios, apenas ele.

— Pode ser um velocista de outra terra, que esteja influenciando os sonhos e devaneios do Sr. Allen com a própria realidade. – Sugeriu Carla, ainda pensativa.

— É uma possibilidade, mas não faz muito sentido se consideramos a potência da atividade mental. Se fosse um velocista comum, teríamos uma atividade comparada à de Barry, não uma tão diferente. Seria necessário algo forte para influenciar a realidade de um velocista como Barry.

— Talvez ele esteja vibrando numa frequência diferente da de Allen. – Carla continuou a pensar em hipóteses.

— Provavelmente, devido às terras diferentes ou realidades alternativas...

— Não. O que quero dizer é que, talvez, este velocista não seja menos poderoso, mas está enfrentando alguma dificuldade em se estabilizar com a Força de Aceleração. Por isso, há momentos em que vem e vai na atividade mental.

— Como estivesse tentando se firmar em uma linha do tempo alternativa, que ainda não está estabelecida...? 

Ela pareceu pensar mais por um momento ao ouvir o questionamento de Cisco, como que calculando rapidamente algo, e levantou as mãos para ambos, lhes dando as costas para sair do laboratório.  

— Preciso estudar mais sobre isso.

 Com um suspiro, Cisco suspirou e voltou a se aproximar, descartando o iPad ao seu lado. O examinava com sua característica e recente preocupação, como se estivesse distante de entender seu novo jeito ou suas ações, o que o incomodava.

— Você esteve bastante calado hoje. – Barry deu de ombros, apertando a almofada em se colo.

— É estranho ter sua mente analisada tão abertamente desse jeito. – O latino meneou a cabeça em concordância e cruzou os braços.

— Nós vamos pensar em algo para cortar essa influência da Força de Aceleração, não se preocupe. – Barry deu as costas a ele para colocar o sapato de couro, pois tinha uma audiência na próxima hora em que precisaria dar seu parecer como cientista forense num caso antigo da CCPD. – Barry, há algo que não está nos contando sobre... Este novo velocista ou... Eu não sei, esses lapsos, no geral?

Hesitou por um momento, pensando que, talvez, não estivesse contando a parte principal, a respeito de Caitlin nessa realidade - que não era a sua, mas da qual desfrutava imensamente. Não deixou de se sentir um pouco sujo quanto a isso, por passar a apreciar que ela fosse a mulher habitando aquelas imagens e o fizesse sentir aquelas coisas. Mas não havia mais como fingir, ao menos para si mesmo, que não se apegava à essa realidade indiscriminadamente, tanto em relação a ela quanto em relação àquela criança, que sentia como sua.

— Nada que fará diferença nos cálculos de vocês, eu acho. - Barry se levantou, buscando o terno deixado em uma das cadeiras. – Obrigado por estar se esforçando, na verdade.

— Nós cuidamos de você. – Cisco retrucou com um riso. – Então, vou me debruçar sobre isso e vamos encontrar um jeito de deixar a Força de Aceleração no chinelo. Novamente.

Barry lhe sorriu em resposta e, finalmente, foi deixado sozinho. Com o cenho franzido ainda fitou a imagem no monitor, os olhos se fixando naquela linha azulada em meio à sua, como se fizesse parte dele, quisesse se comunicar ou, simplesmente, dizer que estava ali. Repassou algumas das imagens que via desde o início, as mais fortes, das quais parecia nunca se desfazer.

Caitlin estava sempre presente, de uma forma ou de outra, mesmo quando não sabia ser ela, e havia também... o bebê, sempre chamado de Bart. Se aproximou da tela, percorrendo com os dedos o caminho da listra azul, recordando a própria voz de Cisco dizendo que ele estava presente em alguns lapsos, mas não em todos; e Carla completando que, talvez, fosse uma linha do tempo não estabelecida ainda.

— Oh meu deus.

Sussurrou sentido o coração na própria garganta e os olhos marejados. Talvez, sentia aquela criança como sua porque o era. Em algum lugar da tênue linha das vontades não exatamente influenciáveis pela Força de Aceleração, Bart tentava se construir em uma linha do tempo, que possivelmente só não ganhava estabilidade devido à instabilidade de Barry como um todo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dark End Of The Street" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.