Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 22
Reflexos




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Barry levou a colherada de pudim à boca de Nora, mal ouvindo o que Cisco e Ralph diziam ao seu redor, da mesma forma que praticamente não sentia o gosto do doce na própria boca. Há uma semana, vinha fazendo todas as suas tarefas no automático, mesmo com relação ao Time. Todos haviam decidido que ele deveria guiá-los no laboratório enquanto os demais iam para a ação.

Após constatarem a alta taxa de influência da Força de Aceleração em sua atividade cerebral, consideravam não ser seguro sair e agir estando tão “impregnado”, embora inevitavelmente houvesse se afastado do time de forma gradual há tempos. É claro, estavam lidando com um elemento externo estranho e deveriam descobrir como livrá-lo disso nas próximas semanas, mas, até então, ninguém sabia o modo como essa influência agia e porquê. Não possuíam qualquer palpite a respeito, mas Carla e Cisco estavam pesquisando e sabia que tinham contato direto com Caitlin, afinal toda a ajuda que poderiam receber seria útil.

Em contrapartida, se sentia um tanto doente desde o momento que saíra do apartamento dela. Não sabia se a influência da Força de Aceleração estava se tornando tangível com o passar dos dias, como um vírus, ou se era apenas sua própria consciência lhe alertando que fizera besteira. Tê-la beijado mudava tudo e não apenas entre eles. Caitlin sequer estava ali, mas podia apostar com muita certeza que a dinâmica do time seria completamente quando voltasse, porque eles não podiam agir como se aquele beijo nunca tivesse existido.

Aquele beijo daquela forma.

Enfiou uma colherada de pudim na própria boca, evitando um suspiro desgostoso. Mudava também a forma como se sentia sobre ela, sobre os dois, embora não soubesse descrever todas aquelas sensações que o dominaram apenas enquanto a beijava e a tinha tão perto, envolvido por seu perfume suave e tão presente – e também não pudesse afirmar que não estava sendo influenciado.

E isso... Isso o preocupava mais do que a dinâmica do time e sua própria saúde mental. Num momento estava lá, deitado ao lado dela, tacitamente realizando quão bonita ficava ao acordar, e no outro estava a beijando sem racionalizar todo o problema que viria com isso depois. Não queria magoá-la por sua atitude errática, assim como não queria ter agido como um fantoche, o resultado de algo que poderia ser maior do que eles.

Queira ter certeza de que a beijara porque era sua vontade, porque não sabia detalhar tudo o que sentia quando ela estava ao seu lado ou por em palavras a falta que ela fazia sempre que estava longe, mas não tinha e isso estava corroendo-o por dentro há uma semana, onde não fora capaz de falar com ela uma única vez – devido a tudo o que pesava em consciência – nem com ninguém a respeito.

— Barry. Barry? – Cisco chamou, encarando-o com estranhamento por um momento, depois desviou o olhar para seu telefone sobre a mesa. – Alguém está te ligando.

Pegou o celular, que realmente vibrava, atendendo a ligação de Iris, que avisava estar do lado de fora esperando para levar Nora. Pelo que havia entendido, uma das crianças da creche estava fazendo aniversário e elas haviam sido convidadas, então a pegara na creche e a deixara pronta para o compromisso, enquanto a mãe dela fazia o mesmo em casa. Por isso, Nora usava um vestido azul claríssimo com pequenas flores bancas estampadas, combinando com laços azuis mais escuros presos nos cabelos encaracolados e sapatos também brancos.

— É Iris, vou levar Nora até o estacionamento. – Deixou o pote de pudim sobre a mesa, vagamente se lembrando de Caitlin avisando que não era para levarem comida para o córtex, e pegou os pertences da menina em uma das cadeiras. – É isso aí, Pinguim, dê adeus a esses idiotas.

— Dê tchau para o tio Ralph e o tio Cisco, Nora. – Corrigiu Cisco, rapidamente abraçando a menina, enquanto ela balançava as mãos para Ralph.

— Está linda, Norazinha. Tem sorte de não se parecer com seu papai.

Barry sorriu falsamente para o investigador, que fez o mesmo, e deu as costas a ambos com Nora perfeitamente acomodada em um de seus braços. Iris desceu do carro assim que os viu, calmamente atravessando o estacionamento para pegar a menina com um sorriso radiante para ela e um olhar analisador em sua direção.

— Você não parece okay. – Constatou encarando-o, recebendo apenas um dar de ombros de Barry. – Achei que as coisas melhorariam depois do “Registrador” de Cisco.

— Cisco e Carla ainda estão colhendo dados. – Escondeu as mãos nos bolsos enquanto a observava colocar Nora em sua cadeirinha.

— E como é ter a Dra. Tannhauser no Laboratório? – Iris perguntou, despretensiosamente. – Ela parece intimidante. Bem mais do que Caitlin, na verdade... E Caitlin é intimidade o suficiente.

Pensou a respeito de como vinham se acostumando ao jeito taciturno de Carla com o passar dos dias e da convivência. Ela ainda era arrogante e sabe-tudo e bastante desdenhosa, mas parecia tolerável de certa maneira, afinal compensava isso se mantendo reservada e competente.

— Sim, bem... É diferente. Carla tem... Suas peculiaridades, mas no fim das contas, ela é exatamente como parece.

— Então, não se oporia se ela decidisse continuar depois que Caitlin voltar?

— Er... – Franziu o cenho por um momento, tentando entender onde aquela conversa ia, afinal, nos últimos tempos, Iris estava evitando qualquer tipo de conversa desnecessária entre eles. – Não sei se Caitlin e Carla são capazes de trabalhar juntas. Quero dizer, todos os dias da semana, no mesmo cômodo, no tocante às mesmas coisas...

Afinal, já as vira trabalhando juntas e elas não eram exatamente de concordar com as ideias uma da outra, claramente devido ao fato de suas personalidades serem muito parecidas e combatentes. O laboratório ficaria pequeno demais para duas mulheres como elas, o que o fazia pensar no que a cientista dissera a um tempo, sobre Caitlin estar recusando muitas oportunidades importantes para permanecer no laboratório com eles.

— Acha que ela aceitaria dar uma entrevista sobre a atividade das Indústrias Tannhauser em Central City? – Iris o encarou em expectativa e Barry estranhou, por um momento.

— Não sabia que tinha interesse nas atividades de Carla aqui.

— Bom, o verão está passando e a Dra. Tannhauser raramente concede uma entrevista. Pelas minhas pesquisas, ela quase nunca está em Central City, então... Essa é uma oportunidade única para conseguir algo que os jornais vêm tentando há bastante tempo.

Analisando-a rapidamente, Iris parecia muito satisfeita pela possibilidade de fazer algumas perguntas à Carla e gostou de encará-la dessa forma novamente. Era como se, depois de tanto tempo, pudesse ver a vivacidade da garota que crescera com ele e era tão entusiasmada quanto à profissão que amava.

— Está fazendo uma investigação sobre ela?

— Não. – Iris apertou os lábios. – Okay, talvez. As Indústrias Tannhauser têm muitos braços e, gostando ou não, desempenharam algumas atividades... questionáveis na cidade há 15 ou 20 anos, que ainda podem surtir efeitos. Experimentos que foram aprovados muito rapidamente e podem não ter sido tão... Lícitos assim.

— Iris não quero encrenca com Carla ou... Caitlin. – Respirou fundo em tom de aviso. – Você sabe, foi ela quem a trouxe pra cá depois de tanto tempo.

— Eu sei, não faria algo para prejudicá-las. – Ela encarou rapidamente o lugar onde estava Nora, assim como Barry, que forçou um riso rápido para a menina. – Alguém que trabalhou na empresa há alguns anos soube que ela estava na cidade e me procurou para contar sobre um acidente que sofreu e o fato de ninguém ter se interessado em indenizar devidamente. É uma questão cotidiana, não algo... Grande e com poder destrutivo.

Ponderou por um instante se havia qualquer chance de Carla aceitar conversar com uma jornalista, uma vez que era tão restrita quanto a isso, e à primeira vista poderia dizer que não com toda a certeza. No entanto, jamais seria capaz de dar a palavra final, uma vez que não conhecia a doutora realmente. Não sabia suas motivações ou como realmente era sem toda aquela camada de superficialidade arrogante e prepotente, pois ninguém poderia ser dessa forma o tempo todo.

— Vou ver o que posso conseguir para você.

— Obrigada! – Iris sorriu satisfeitíssima, claramente se segurando pra não comemorar ostensivamente, continuando a pisar em ovos, como sempre – Fico te devendo uma, se me conseguir dez minutos com essa mulher.

Imaginou que a fama da doutora não fosse boa mesmo entre os jornalistas e, assim, se despediu antes de fazer menção de voltar ao laboratório para pegar suas coisas. Contudo, apenas a ideia do olhar suspeitoso de Cisco e Ralph sobre ele não parecia nada atrativa. Com o celular à mão, verificou as mensagens constatando que não havia nada de Caitlin – tanto quanto ele a evitava, a doutora vinha fazendo o mesmo, ainda que fosse bastante incomum que não trocassem mensagens – e deslizando o dedo rapidamente pelo número conhecido do consultório do Dr. Halford.

— Srta. Gill? É Barry Allen.

— Olá, Sr. Allen! Como está indo? – A secretária perguntou profissionalmente e ele pode ouvir o ruído de algumas folhas do outro lado. – Notei que faltou à sua consulta essa semana.

— Er... Sim. – Coçou os olhos, cansado. – Na verdade, estou ligando para ver se o Dr. Halford pode me atender ainda hoje.

— Oh! – Ela pareceu surpresa e, dessa vez, o barulho contínuo de uma rápida digitação. – O doutor sempre reserva um horário a mais no final do dia para situações desse tipo e não há ninguém marcado. O senhor pode vir, se quiser, e eu te encaixarei.

Barry marcou a consulta e voltou ao laboratório para pegar suas coisas, encontrando Cisco concentrado e em silêncio, encarando a tela de sua estação de trabalho. Com um rápido olhar, notou que Ralph estava fora de vista e Carla trabalhava, também distraída, em sua própria sala de paredes envidraçadas. Contudo, assim que abriu a boca para falar, o engenheiro o cortou em seu tom monótono.

— Está distraído. – Cisco o encarou com os cotovelos sobre a estação de trabalho, juntando as duas mãos sob o queixo e mantendo o olhar um tanto estreito. – Já faz alguns dias que parece distraído, para falar a verdade.

— É mesmo? – Colocou o próprio casaco e a mochila onde carregava as coisas da delegacia, mas o outro não pareceu impressionado.

— Pra cima de mim, Barry? – Ele desdenhou. – Conheço todos os seus jeitos, por mais estranho que isso soe. Quase posso sentir a vibração de algo diferente em você.

Franziu o cenho, um pouco perturbado pela abordagem e se sentiu culpado por estar escondendo tanto. Por um instante, enquanto seus dedos apertavam e ajeitavam a alça de sua mochila contra o ombro, considerou que pudesse sentar e simplesmente falar, mas aquele ambiente parecia um tanto sufocante, se pensasse que o possível assunto seria Caitlin.

— Não há nada diferente. – Com os dedos nervosos, correu os olhos do celular em suas mãos, inerte sob os dedos nervosos, para Cisco. – Eu... Tenho que ir, hoje é o dia da minha terapia, você sabe...

— Claro. Te vejo amanhã. – Notou que Cisco não insistiu e se despediu, passando a deixar o córtex. – Ei, você tem falado com a Caitlin?

— Er... Não, não nos últimos dias. – Resolveu falar a verdade, apesar de sua boca secar no mesmo instante e quando o latino não continuou quase quis enforcá-lo. – Porquê?

— Ela perguntou sobre você. – Cisco deu de ombros e, por algum desígnio maior, já estava de costas, de volta ao computador, quando Barry fechou os olhos evitando um suspiro arrependido. – Como estava indo as coisas com o Registrador, como seu cérebro e organismo vêm reagindo à influência da Força de Aceleração, se notou algo estranho no seu comportamento... Essas coisas. Pensei que estivessem se falando normalmente.

Porque eles, definitivamente, deveriam. Continuar a manter distância de Caitlin não era um plano a longo prazo, pois sabia que eventualmente precisavam colocar as cartas na mesa e conversar como adultos sobre o que havia acontecido. Entretanto, ainda não sabia como e não tinha pressa em descobrir, apesar de seu estômago inteiro se contrair em culpa ouvindo Cisco contar displicentemente. Não deveria ter meramente saído do quarto dela dizendo que precisava ir ao laboratório para encontrar o engenheiro, mal a encarando. Caitlin merecia mais, de qualquer que fosse o cara, não apenas dele.  

— Eu... – Pigarreou desconfortável. – Eu vou conversar com ela.

Prometeu mais a si mesmo do que a Cisco e, finalmente, saiu do laboratório ainda buscando como respirar fundo após ver o nervosismo alcançá-lo enquanto percorria os corredores do S.T.A.R. Labs em direção à saída. Nesse estado, se encontrava há quase duras horas encarando todos os tons de cores e nuances de um quadro, que obviamente retratava um navio navegando em mar turbulento, repetidamente enchendo a xícara de chá de hortelã doce demais.

O horário da Srta. Gill havia terminado há mais de uma hora e estava, pacientemente, aguardando que o último paciente terminasse sua consulta. Apesar de todo esse tempo livre, sem se importar com a noite se estabelecendo do lado de fora, Barry não tinha ideia do que diria ao seu terapeuta. Não podia contar detalhes específicos para não entregar sua identidade como Flash, mas sabia, no íntimo, que precisava conversar com alguém rapidamente. Nos últimos tempos, o Dr. Halford vinha se mostrando utilmente imparcial, ajudando-o a, ao menos, não se tornar uma bagunça completa.

Por isso, fechou os olhos tendo a cabeça contra o painel de madeira atrás de si e somente aguardou, quase cochilando pelo que pareceram vários minutos. Se levantou alarmado, contudo, quando a porta do consultório se abriu e o último paciente se foi rapidamente. De sua porta aberta, Halford o examinou, empática e compreensivamente, indicando que entrasse e Barry o seguiu, acomodando-se na poltrona de couro a qual estava acostumado.

— Sr. Allen, não imaginei que fosse aparecer essa semana.

— Sim, bem... Aconteceram alguns imprevistos. – O doutor se sentou atrás de sua mesa, tranquilamente, como se estivessem iniciando uma conversa entre amigos. – Mas... Percebi que precisava vir.

— Hum, ocorreu algo fora do comum? – Barry o olhou com estranhamento, pois era a mesma constatação de Cisco sobre vibrar de forma diferente. Talvez estivesse se referindo mais ao seu comportamento do que qualquer outra coisa, na verdade, e fizera uma referência aos seus poderes, embora isso ficasse estranho no fim das contas. – Não me entenda mal, não parece haver nada de errado, mas posso ver que está um pouco ansioso.

Notou que seus dedos se retorciam no celular novamente, como se estivesse esperando uma ligação ou uma mensagem. Conscientemente, não tinha qualquer vontade de falar com Caitlin no momento, mas, talvez, inconscientemente, aguardasse por um sinal de que estivesse tudo bem entre eles, que aquele beijo havia sido só um devaneio no final das contas... Como todos os outros.

Fechou os olhos com o pensamento, suspirando cansadamente. Não sabia mais por qual linha de raciocínio seguir quanto a ela, o que parecia um tipo tácito de tortura, pois não estava preparado para tal situação ou, simplesmente, a repentina distância de Caitlin. Embora não literal, era como se, realmente, houvesse cortado ligações completamente, pois, com a viagem para Princeton, ela podia fazer isso com maior facilidade do que se estivesse ali, vivendo normalmente com o time, combatendo metas como todos os dias, ao lado dele. 

— Não sei por onde começar.

— Houve alguma evolução em sua relação com Iris?

Piscou surpreso pela pergunta, logo de início, mas supôs que a estivesse fazendo para eliminar os espinhos de uma vez.

— Na verdade, estamos voltando a conversar com alguma normalidade. – Pensou por um momento, repassando o diálogo de horas antes. – É estranho... Ter esse contato com alguém que foi tão próximo por tanto tempo, mas, de repente, não é mais. Estamos descobrindo como agir em torno um do outro, novamente, eu acho.

— Divórcio é, realmente, um instituto curioso. – O doutor bateu a caneta contra a perna, tranquilamente. – Mas é completamente corriqueiro que ajam assim e, com o tempo, vão restabelecer um elo novamente. As crianças, geralmente, ajudam nesse processo.

— É que... – Alcançou o chá, que colocara sobre a mesinha de centro, tomando um grande gole. – Eu sei, só não gosto de pisar em ovos na presença de alguém que me conhece tão bem e há tanto tempo.

— Mas... Está bem com a situação como um todo? Com Iris sendo agora somente a mãe de sua filha e sua ex-esposa?

— Não tenho muita certeza. Ao mesmo tempo em que detesto ter que tratar Iris com muito tato, vejo que... – Suspirou detidamente, agora distraído com a espessura do copo descartável nada atrativo. – Vejo que não sinto falta dela como minha esposa. Eu amava os momentos que tínhamos juntos e o companheirismo e a compreensão, mas... Eu também tinha tudo isso com minha melhor amiga. É do que sinto falta.

— Sente falta do que eram, sem toda a carga de compromisso do casamento. – Constatou o Dr. Halford anotando algo em sua caderneta. – É compreensível que seja dessa forma, Sr. Allen, uma vez que se conheciam há muito mais tempo do que o relacionamento amoroso de vocês.

— Exatamente! – Exclamou. – É isso que quero dizer. Eu apenas... Não nos vejo retomando as coisas como elas eram, do modo como estamos agora. Começamos a conversar e, então, há esse momento onde tudo fica em silêncio porque nenhum de nós sabe o que dizer ou... A partir de algo dito, se constrói toda uma declaração magoada sobre o que ficou para trás e isso... Isso torna tudo impossível e cansativo.

— É tudo muito recente, Sr. Allen. – Meneou a cabeça sem ter muito a continuar, pois não havia como discordar. Não havia como apertar um botão para que Iris e ele voltassem ao normal ou, simplesmente, para que ela esquecesse a mágoa que sentia por Barry ter desistido de tudo o que eram, embora a compreendesse. Era como se eles, como um casal, fossem algo grande, inquebrável, maiores do que seriam separados e de repente, essa certeza havia se esvaziado e eles se tratavam como dois estranhos. – Como vai o seu sono?

Apenas encarou o doutor, como se essa fosse a resposta. Se já estava uma bagunça há uma semana, tudo havia ficado pior com a ida até o hotel de Caitlin e com o beijo. Agora, além de ter que se preocupar com o que todas aquelas imagens significavam, ainda teria que conjecturar sobre como retomaria sua relação com ela sem que as coisas ficassem muito estranhas.

— Se lembra quando contei que havia uma forma de descobrir a identidade dessa mulher com quem sonhava? – O viu concordar, atento. – Foi como eu disse que seria. A mulher que habita esses sonhos e devaneios, que sempre habitou... Ela é alguém na minha vida. Alguém importante. E agora, graças a tudo isso, não sei mais que lugar é esse que ela ocupa. – Hesitou por um momento, sentindo a verdade como um vômito indesejado, que não gostaria de encarar, mordendo a parte interna dos próprios lábios. – Finalmente pude enxergar esse rosto, associá-lo a essa voz e esse perfume que aprecio, então... Não soube o que fazer com isso.

Soou mais sentido do que gostaria, mas... Não havia como não soar, uma vez que ele era o único que tinha que lidar com o peso da Força de Aceleração possivelmente manipulando-o, bem como com as imagens daquilo que não sabia ser ou não uma realidade alternativa ou... Uma vida inteira que apenas Barry conhecia. Isso o atormentava tanto quanto o fato de ter estragado tudo com ela, apertava em seu peito e estômago de uma forma agonizante que não sentia há muito tempo.

— Bem... Acredito que tudo depende de como você vai estabelecer que lugar é esse que ela ocupa. – Barry gemeu, quase se deitando contra a poltrona enquanto encarava o tempo. – Independente do que se passa em seu inconsciente.

— Não sei se isso está em minhas mãos agora.

— Porquê?

Ponderou rapidamente como contaria esse detalhe sem parecer que as coisas estivessem fora de seu controle. Quando pensava naquela madrugava, na verdade, não se lembrava de todo o trajeto que fizera até o hotel onde Caitlin se hospedava, apenas recordava o momento em que ela abrira a porta e, finalmente, a abraçara, fazendo com aquela sensação de perda fosse embora.

— Eu a beijei. – O Dr. Halford levantou as sobrancelhas, embora não parecesse exatamente surpreso. – E... Não nos falamos há uma semana, porque... Não sei como posso dizer a ela que a beijei apenas porque venho tendo esses sonhos em que ela está sem parecer um babaca ou... Sem parecer que não era minha vontade.

— E não era...? – Instigou o doutor, apesar de não saber que Barry não tinha certeza de sua própria vontade por motivos maiores do que ambos, ganhando somente um olhar contrariado do velocista. – Okay, o que deve ter em mente aqui é: precisa trabalhar os motivos que o levaram a beijá-la, para além dos sonhos que tem. Começamos pela parte mais superficial, ou seja... Ela é bonita? Você gosta de coisas específicas sobre ela, como... Não sei, o modo como sorri ou coloca os cabelos atrás da orelha? Ela é inteligente? Você a admira, a respeita? Se a resposta for sim para todas essas perguntas, talvez deva considerar que não a tenha beijado apenas pelo que vem sonhando.

Encostou a poltrona, como se houvesse sido atingido. Ao mesmo tempo em que se via sendo completa e voluntariamente exposto, havia esses momentos em que gostaria de ter escolhido um terapeuta mais passivo.

Ainda assim, Barry ponderou sobre todas essas características que ele sugerira, momentos específicos onde notara que Caitlin estava realmente linda, sem qualquer outro adjetivo, apenas uma constatação rápida e sem segundas intenções, como no último dia de Ação de Graças que passaram juntos; recordando a si mesmo como, às vezes, observava por mais tempo que o apropriado sua boca quando passava batom vermelho ou achava seus cabelos castanhos lindos de qualquer forma, se perfeitamente arrumados ou desgrenhados como na manhã em que a beijara; ou o modo como estava sempre elegante, qualquer que fosse a ocasião, porque parecia tão natural a ela e tão... Caitlin.

— É que... Tenho tanto medo de perdê-la que não sei se... Se, realmente, quero descobrir. – Juntou as mãos de forma apertada, os cotovelos nos joelhos e o tom de voz apertado. – Porque... Se as coisas continuarem assim, sei que tudo voltará ao normal... Em algum momento. Mas... E se houver algo mais e, então, por causa disso ela se afastar...?

— Mas, Sr. Allen... Ao que parece, vocês já se afastaram. – Lembrou o doutor com condescendência, como se Barry não notasse que aquela semana houvesse passado sem que falasse com ela. – Deixar as coisas como estão não é uma garantia de que tudo ficará bem.

Tentou evitar um suspiro rendido. O Dr. Halford estava certo, apesar de não se sentir exatamente pronto para quebrar aquela distância que Caitlin e ele haviam imposto um ao outro. Uma vez, quando precisou se ausentar para descobrir como as coisas seriam com Killer Frost, a doutora se ausentara por semanas do laboratório. Agora, o mesmo acontecia e não era como se fossem suas férias, pois ela escolhera Princeton. De repente, notou que Caitlin, apesar de sempre voltar, tinha certa facilidade para se afastar.

Assim, encontrou um assunto qualquer para desviar o foco do assunto e continuou a conversar com o terapeuta pelos minutos que lhe restavam. A noite já estava alta quando se despediu e correu de volta para seu próprio flat, deixando Star City para trás, notando como até as ruas já se encontravam bem mais silenciosas. Cumprimentou o Sr. Fitzgerald, o porteiro de 80 anos, que praticamente cochilava assistindo um vídeo qualquer no celular e não vigiava absolutamente nada, seguindo para o elevador com um suspiro cansado.

Pelo espelho pôde ver algumas olheiras sob os olhos claros e o cenho um pouco franzido demais. Era bom que o time estivesse cuidando da cidade enquanto claramente não tinha cabeça para tanto, pois não saberia conciliar sua estafa mental com o trabalho na delegacia e o segundo turno como Flash. Por mais que amasse correr e ajudar as pessoas como podia, reconhecia que não estava em seu melhor momento para tanto e era tão grato a Cisco, Ralph e, agora, Carla.

O painel acima das portas do elevador mostrou que chegou ao andar de seu flat e Barry saiu procurando as chaves num dos bolsos. Distraído, só levantou os olhos quando notou um movimento pela visão periférica, estacando logo em seguida. Todo o seu corpo parecia não ser exatamente seu, assim como o controle de sua respiração, trancada na garganta meio fechada no momento em que seus olhos se encontraram. 

— Caitlin.

Ela descruzou os braços, que segurava junto ao corpo, e deixou a parede junto à porta de seu apartamento, se aproximando com cautela.

— Acho que precisamos conversar.


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