Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 14
Consternação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/794535/chapter/14

Vinha acontecendo, denovo e repetidamente, desde que Caitlin viajara a trabalho. Continuava a ter problemas para dormir, no entanto, agora isso tinha um nome e era bastante inapropriado. Novamente acordou mais cedo do que planejava e seguiu direto para o banheiro, a fim de tomar um banho frio, como um maldito adolescente incapaz de controlar seus hormônios.

Aquela seria a quarta vez e, desde a segunda noite, não conseguia mais encarar a doutora pela chamada de vídeo, que faziam no laboratório duas vezes na semana. Quer dizer, sentia falta dela, é claro, mas não podia deixar de pensar nos sonhos enquanto a olhava sorrir e contar sobre seu trabalho, bem como não podia deixar de se recriminar, pois Caitlin não tinha consciência de nada disso.

Não podia deixar de se perguntar se todas aquelas imagens podiam ter algo a ver com esses sonhos em específico, afinal, pela primeira vez os relacionara a ela realmente, sem truques, sem pistas retiradas de situações irreais, que o remetiam ao perfume ou a textura do cabelo da doutora. Ainda sentindo a água fria esparramar-se por seu corpo, lentamente relaxando-o, levou os dedos aos olhos respirando fundo, farto disso tudo, pois parecia estar jogando cegamente um jogo desconhecido.

Assim, saiu do banheiro, passou pela cozinha rapidamente, pois gostava de preparar seu próprio café-da-manhã quando tinha tempo, e seguiu para a saída, mas estacou ao ver o grande envelope pardo embaixo da porta. Franziu o cenho e abaixou-se para pegar, notando seu nome completo no remetente e um logo com as iniciais H&G no canto direito. Assim que abriu, entretanto, sentiu o estômago afundar como em um soco com as palavras em caixa alta e negrito: acordo de divórcio.

Não sabia que Iris estava tão adiantada assim quanto ao divórcio. Tudo ficara nebuloso entre eles após a última ida dela ao flat, quando perguntara se havia outra pessoa. Obviamente, discutiam sobre Nora, mas, ao mesmo tempo, se evitavam frequentemente a ponto de não irem a casa de Joe, se soubessem que o outro estava. Não era apenas coincidência que ela tivesse compromisso em todos os jantares marcados com antecedência e Barry sempre inventasse uma desculpa de última hora para não deixar o clima estranho, quando sabia que Iris estaria presente.

Respirou fundo, definitivamente sentindo-se impotente. Quando tudo começara, a ideia era que durassem anos e anos, pois o destino parecia reservar isso a eles com tanto afinco. Nunca havia amado alguém como amara Iris. Houveram outras mulheres, é claro, mas nada tão exigente e avassalador quanto Iris West. No momento em que tudo se acertou, sabia que, finalmente, podia enfrentar qualquer coisa. Eram um time, afinal de contas.

Então veio a Crise e tudo desabou. Ainda que Iris estivesse grávida na nova linha do tempo formada após os eventos, pareciam quebrados, mesmo aos olhos de Barry, que jurara nunca desistir deles. Algo parecia estar fora de lugar, apesar de tudo estar caminhando perfeitamente bem. Tinha uma filha saudável, as coisas com o Flash estavam sob controle, seu emprego na delegacia não enfrentava mais problemas. Então vieram as pequenas discussões, depois as grandes brigas, que deixavam todo o time desconfortável e, por fim, sonhos com uma mulher desconhecida.

Barry apenas não queria admitir a desforra, a esse ponto. Estava claro que Iris e ele, a despeito de todas as promessas, apenas criavam uma criança juntos. Não se tratava mais de um casamento, mas de um sentimento muito forte, que vinha se despedaçando com o tempo e do qual nada restaria, se continuassem a viver no campo minado dos últimos meses. Assim, com um suspiro resignado, deixou o envelope sobre a mesa e correu em direção à delegacia.

*

— Sr. Allen!

A doutora Carla Tannhauser saiu do laboratório, onde ficava quase que permanentemente, sempre que não precisavam de sua ajuda, encarando-o sobre os óculos de maneira incisiva assim que adentrou o córtex. Segurou a respiração, assim como Ralph e Cisco, pronto para receber um sermão.

— Sim?

— Estive revendo seus arquivos e notei que seu desempenho anda abaixo do normal nas últimas semanas. – Ela fechou a pasta que carregava em mãos e empinou o nariz. – Os números atuais são bastante vergonhosos, na verdade.

— Uau... – Repetiu Ralph de forma infantil, fazendo-o revirar os olhos.

— Er... Estive passando por problemas pessoais.

Colocou a jaqueta sobre uma das cadeiras das estações de trabalho, procurando uma resposta vagamente convincente para dar à mulher.

— Barry não vem dormindo bem. – A pipoca que Cisco acabara de mastigar soou alta no ambiente ao que Carla levantou as sobrancelhas desdenhosamente.

— Isso é possível notar apenas por sua aparência. Entretanto, esperava que dedicassem maior cuidado a esse tipo de coisa, uma vez que vocês não sabem o que pode estar causando este desempenho desastroso.

Passou os olhos por Ralph e Cisco, os quais covardemente encaravam o chão com ares de riso, e voltou a encarar a mulher, que falava com ele como se estivesse lidando com seu pior estagiário. Talvez, se se tratasse de um estagiário, possuísse alguma proteção legal contra a passiva agressividade de Carla.

— Sei o que está acontecendo comigo, apenas... Preciso encontrar uma forma de fazer com que pare.

— Esclareça-me. – Ordenou a doutora de forma tranquila, no que Barry suspirou pesadamente notando que não haveria forma exatamente fácil de se livrar dela. – Pode me acompanhar?

Ela se foi sem esperar que concordasse e, olhando para trás antes de segui-la viu Cisco e Ralph cochichando algo e apertando as mãos em uma muito provável aposta envolvendo-o. Revirando os olhos, fechou a porta do laboratório de Caitlin atrás de si e virou-se para ver Carla descartando a pasta em uma das bancadas antes de voltar-se a ele e cruzar os braços, com seu típico olhar meio estreito analisador.

— Então...?

— Eu o pergunto, Sr. Allen. – A cientista tinha a mania de continuar tratando-o pelo sobrenome, como uma diretora de escola, ainda que houvesse pedido inúmeras vezes que o chamasse apenar pelo nome. – Antes de ir, Caitlin me avisou sobre você. Disse que tem a impressão de que precisa se responsabilizar por tudo o que acontece de bom e de ruim com as pessoas ao seu redor.

— Aposto que disse. – Ela deu de ombros.

— Mas ela não precisava, pois vejo isso todos os dias. – Carla sentou-se atrás de uma das mesas, agora sem olhá-lo. – De alguma forma, você consegue inspirar a todos aqui. Dar-lhes um motivo para querer deixar suas vidas de lado e seguir lutando por sua causa. 

— Não entendo aonde quer chegar, Carla.

Ela sorriu quase amargamente, como se soubesse algo que ele não. Essa era uma das coisas não gostava sobre a doutora, pois a sensação era frequente. Com Caitlin acontecia algo parecido, mas nunca se tratava de algo incômodo, uma vez que ela não se mostrava tão desdenhosa.

— Eu fiz de Caitlin uma promessa. Cientistas, estudiosos renomados, pessoas que sequer seria capaz de imaginar, perguntam sobre a minha filha. O mundo está interessado no que ela é e em sua mente e sua genialidade. Mas, em detrimento de tudo isso, ela continua escolhendo esse lugar. – Cruzou os braços, incomodado agora, querendo assinalar que não pedira nada a Caitlin. Ela ficara por conta própria, por seus próprios motivos, não por ele em específico. No entanto, a mãe dela parecia distraída em conjecturas próprias. –E acredito que, finalmente, tenha descoberto porque Caitlin continua aqui, ao seu lado, acreditando que precisa consertá-lo sempre que está quebrado.

— Ela também lhe disse isso? – Carla repuxou os lábios em um sorriso audacioso.

— Não foi necessário.

Franziu o cenho, desejando sair daquela sala que parecia menor a cada segundo. Não esperava uma conversa assim sobre as escolhas de Caitlin e a impressão que sua mãe tinha a respeito delas. Nada disso era sobre ele, diretamente, sequer gostaria de estar envolvido nos problemas que ela tinha com Carla, apesar de sentir-se imediatamente jogado neles, pelo modo como a doutora o olhava.

Ela parecia culpá-lo pelo fato de a filha não ter seguido os passos que gostaria e, aparentemente, não ser a promessa que deveria. Não gostava nada desse caminho, pois Caitlin, antes de ir para Princeton, dissera explicitamente que sempre os escolhia em detrimento de qualquer outro plano que pudesse fazer e tudo que queria era que estivesse feliz, embora isso implicasse não estar com eles. Como parecia estar agora, dando aulas no verão.

— Não estou quebrado. Tenho problemas para dormir, isso é tudo. – Explicou superficialmente, querendo dar um àquela conversa. – Estou indo a um psicólogo para tentar resolver.

— Caitlin também disse que seria evasivo o quanto fosse possível. – Revirou os olhos ouvindo a frieza da mulher, que somente o encarava como se soubesse tudo sobre todas as coisas. – E que, pela primeira vez, não deixou que ela o tratasse. Você sabe, desses sonhos relacionados à Crise, que vêm atrapalhando seu sono e comprometendo seu metabolismo.

Barry respirou fundo ao notar como Carla estava realmente informada sobre sua situação. Não imaginara que Caitlin a atualizaria dessa maneira, afinal de contas, não quisera envolver nem mesmo Cisco. No entanto, deveria ter pensado que ela não jogaria a mãe no laboratório sem saber nada a respeito deles todos, especialmente de seu último prognóstico. Além disso, não era como se pudessem manter segredos da cientista, uma vez que o banco de dados do laboratório se encontrava completamente à disposição dela, inclusive suas últimas atualizações médicas.

— Os sonhos não são relacionados à Crise e vão passar.

— Há quanto tempo vem dizendo isso a si mesmo? – Dessa vez, não respondeu e não conseguiu evitar desviar o olhar daqueles intimidantes da mulher, que acessou um computador à sua frente de forma rápida. – Posso ver quando as oscilações em seu metabolismo começaram, Sr. Allen, e isso faz bem mais de uma semana. Você gosta de ser o Flash, certo?

— É claro.

— Então, deveria me deixar cuidar disso. – Ela foi muito direta, surpreendendo-o. – Um especialista comum, ainda que muito bom, não pode ter conhecimento de seus “problemas de super-herói”. E, suponho que, pelo fato de não deixar Caitlin se debruçar sobre isso, estes são mais particulares que o normal.

— Porque está tão interessada nisso? – Sentou-se em uma das banquetas, franzindo o cenho, muito inconformado de estar sendo colocando contra a parede daquela forma. – Porque, de uma hora para a outra, se importa tanto que eu esteja saudável? Você nem gosta de mim, Dra. Tannhauser.

Carla sorriu, dessa vez, aproximando-se e juntando as mãos à frente do corpo. Ela era tão parecida com Caitlin que era quase perturbador ter os olhos conhecedores e desdenhosos sobre si daquela forma, como se enxergassem mais dentro de si do que o próprio Barry.

— Não tenho nenhum interesse neste lugar, mas não deixo nenhum serviço pela metade. No momento, você é um e está sob minha responsabilidade. Contudo, não me importo que esteja saudável, pois não sou sua amiga e não preciso gostar de você. Esse é o trabalho de Caitlin. Agora, Sr. Allen, com o que ou com quem vem sonhando?

Piscou, completamente embasbacado, pela forma como era toda elegante em gestos e completamente destrutiva em suas palavras. Carla era tão gelada quanto Killer Frost, muito mais parecida com a alter-ego de Caitlin do que ela própria. Então, abaixou os olhos e pigarreou, levantando-se de forma calma.

— Concordo com você, doutora... Até certo ponto. E espero que não esteja te insultando. Sei que encara tudo isso com seriedade agora, assim como também sei que não quer desapontar Caitlin, apesar de não parecer, e talvez seja por isso que queira... Me ajudar. – Deu de ombros, considerando que não havia palavra melhor. - Mas... Não acho que seja a pessoa certa para isso, no momento.  

Ela não pareceu abalada, mal se mexeu, na verdade. Certamente, deveria ter ouvido coisas muito piores durante toda sua vida, profissional ou não. Além disso, Carla não ficaria abalada por algo tão corriqueiro quanto sonhos estranhos e insônia, ainda que se tratasse dele. O metabolismo de qualquer um estaria uma bagunça, se viesse dormindo mal.

— Prefere deixar seus amigos preocupados sempre que sai a permitir que uma profissional resolva o que quer que esteja acontecendo com você. – Ela o deu s costas, ciente de que o havia golpeado da melhor maneira que conhecia, aquela que sabia que iria atingi-lo de frente. – Não é muito heroico, se quer saber.

— Eu sei. – Concordou baixo, sem fazer questão que a doutora ouvisse e dirigiu-se à saída. – De qualquer forma, obrigado pela oferta.  

Não estava nem minimamente preparado para falar sobre seus sonhos esquisitos que, ultimamente, vinham ganhando o rosto, os gestos, o perfume e, especialmente, o corpo de Caitlin para a mãe dela, ainda que tivesse certeza que ela pudesse, realmente, ajudá-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dark End Of The Street" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.