Pontual escrita por Lina Limao


Capítulo 2
Cinco de junho




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Taças. Copos. Canecas. Xícaras. Garrafas. Jarras. Cálices.

Foi difícil, mas Gina conseguiu organizar ao menos meia prateleira naquele maldito almoxarifado. Decidiu que era mais simples se dividisse os itens em categorias, então resolveu sair caçando por toda parte os objetos que se enquadravam na categoria “recipientes para bebidas”. Tinha de todos os tamanhos, nas mais variadas cores e materiais, para todos os gostos. Tudo organizado em sete caixinhas que ela havia enfeitiçado para abrigar uma quantidade exorbitante de objetos em um espaço minúsculo.

O que a fez lembrar que precisaria fazer algumas etiquetas, pois certamente que esqueceria onde guardou o quê. Mas como o senhor Futton ainda não havia lhe falado nada sobre isso, achou mais apropriado aguardá-lo retornar antes de lançar um “accio etiquetas” e destruir alguma coisa no processo.

O velho senhor Futton tinha se ausentado para uma reunião com o departamento de artefatos mágicos e ela finalmente podia desfrutar o delicioso som do silêncio. Não que ele fosse muito falante, pelo contrário, ficava sempre com a cabeça escondida atrás de alguma edição milenar d’O Profeta Diário, muito concentrado em artigos que deviam ser ainda mais velhos que ele. O problema é que sempre falava alguma coisa em umas horas que Gina não estava esperando, como quando tinha acabado de subir na escada para verificar as prateleiras mais altas e quase que ela se desequilibrou e caiu de lá de cima, devido ao susto.

Já tinha colocado duas vassouras para trabalhar na limpeza do lugar, que era dividido em sete compridos corredores separados por estantes de ferro. Foram necessários cinco dias para concluir aquela pequena parte e Gina suspeitava que ainda era capaz de achar alguma caneca perdida dentro de um dos baús que ficavam no chão, ao fundo, escorados na parede. Alguns panos molhados também se esfregavam sobre as estantes, tirando aos poucos as grossas camadas de poeira. Nada como ser filha de Molly Weasley!

No meio de toda aquela quinquilharia, Gina tinha encontrado um sininho dourado que foi parar imediatamente em sua mesa de recepcionista. Passou a primeira tarde de seu trabalho limpando o móvel com as próprias mãos, esfregando com tanto capricho que a deixou até brilhando. Agora havia uma plaquinha com o dizer “Recepção do Almoxarifado” e o bendito sino ao lado, como se indicasse a quem chegasse que anunciasse sua presença. Afinal de contas, NUNCA, nem em mil anos, que conseguiria se localizar no meio de toda aquela bagunça e não tinha tempo a perder! Eram três meses para provar seu valor e precisava colocar logo tudo nos eixos.

Era uma segunda-feira deliciosa de primavera, a primeira de junho, exatamente dia quatro. Sua estação favorita do ano estava chegando e ela não conseguia imaginar uma época melhor para recomeços. Tudo bem que o almoxarifado não era lá a parte mais movimentada do ministério, mas como andava precisando passar um tempo desfrutando da própria companhia, nem se importou muito com isso. O que lhe incomodava mesmo era a sujeira.

Estava ainda encarando sua obra-prima da organização, pensando se o senhor Futton diria alguma coisa, quando ouviu o sininho tocando. Foi a primeira vez que ouviu aquele barulho e ficou até um pouquinho feliz de poder aprender a atender os bruxos que fossem até lá! De acordo com seu chefe, somente os trabalhadores do ministério poderiam ter acesso. Quem sabe não encontrava alguém importante!

Foi andando como um gato, desviando das caixas de arquivo. Logo no terceiro dia já desistira de ir trabalhar de roupa social, pois não era nem mesmo um pouquinho prático de se mexer dentro delas. E ficou feliz em saber que Henri não dera a mínima! Podia ir de rabo-de-cavalo e camiseta, como estava agora, que ele não lhe direcionava nem mesmo um olhar reprovador. Nem tudo são espinhos nessa vida, não é mesmo?

— Olá!

Foi saindo do meio das caixas com um sorriso simpático, que morreu na mesma hora em que seus olhos alcançaram o cliente.

— Mais um Weasley no ministério. Magnífico.

Era a primeira vez que via Draco Malfoy depois da Batalha de Hogwarts. Devia haver o que? Uns nove anos, algo assim? E ele continua com aquela mesma cara de metido, como pôde comprovar ao ver o descaso com que lhe encarava, como se ela não passasse de um contratempo. Aparentemente o Malfoy não dispunha de seus benefícios de almoxarifado, pois estava de terno. Com certeza Gina pagaria uns três anos de aluguel com o dinheiro daquela porcaria.

Ela suspirou, tentando manter um pouquinho de profissionalismo. Afinal de contas, não eram mais crianças e não estavam mais em Hogwarts. Não tinha um motivo sequer para prosseguir com aquelas picuinhas de escola, por mais que ele fosse um filhote de comensal, miserável, desgraçado, filho de uma bela p-

— Como posso ajudar?

Foi logo apoiando as palmas das mãos no balcão, como se tentasse manter-se focada em realizar seu trabalho. O Malfoy lhe olhou de cima a baixo, como se medisse sua competência ou algo do tipo. Apenas ergueu uma sobrancelha ao reparar que ele a encarava, o que o fez suspirar de forma longa e dramática.

— Que tal se você chamasse o inútil do Futton?

Com imensa satisfação, Gina apertou os lábios e sacudiu a cabeça negativamente com veemência. “nãnaninanão, vai lidar com a pobretona sim!” Pensou de maneira divertida. Talvez, se conseguisse apavorar o Malfoy, ele não voltasse mais. Ou, quem sabe, pelo menos, lhe evitasse ao máximo.

— O senhor Futton está em uma reunião.

Dentre um suspiro, o Malfoy ergueu o braço e olhou para o relógio que havia em seu pulso. Os olhos castanhos da Weasley viraram-se para a parede, onde havia um relógio que com certeza o loiro não havia notado, e marcava exatamente dez e trinta. Ele pareceu ponderar por um segundo, enquanto observava os ponteiros se moverem. Gina tamborilou enquanto aguardava para ver se ele ia falar mais alguma coisa ou se ia ficar ali, parado, fingindo ser parte da decoração.

— E quando ele volta?

— Espero que antes do meu almoço.

Essa parte era muito verdade. Gina não tinha ideia de que horas o senhor Futton voltaria, mas imaginou que ele teria a decência de se lembrar que tinha uma funcionária que precisava comer, eventualmente. Os olhos do Malfoy voltaram-se de supetão na direção da Weasley, que o encarou por um instante refletindo se havia dito alguma coisa errada.

— Você não sabe que horas ele volta?

Gina fez o mesmo gesto de comprimir os lábios e sacudir a cabeça. O Malfoy grunhiu, encarando desta vez o teto. O gesto parecia o de alguém que pede clemência aos céus, mas ela não se permitiu sentir mais do que tédio. Sempre fora tão dramático e exagerado que era difícil leva-lo à sério em qualquer nível. Bastava lembrar do episódio com o hipogrifo que tinha vontade de virar as costas e voltar ao trabalho. Porém, revirou os olhos e decidiu, mais uma vez, tentar cumprir o seu dever.

— Escuta, embora meus instintos primordiais sejam de te trucidar, vou te dar uma dica.

Então Gina se aproximou do balcão, como se fosse contar um segredo. O Malfoy se abaixou, suspeitando um pouco da atitude dela. Então, a mão da ruiva apontou para a sala bagunçada que estava atrás dela.

— Eu trabalho aqui, Malfoy. Se quiser alguma coisa, eu meio que tenho que procurar para você.

Meio à contragosto, ele torceu um pouco o nariz e enfiou a mão no bolso. Tirou a ficha de requerimentos já preenchida, conforme Futton havia ensinado à Gina que os chefes de departamento fariam quando fossem requisitar alguma coisa, e agora lhe esticava o pergaminho amassado sobre o balcão.

As mãos ágeis de Gina se estenderam sobre o balcão e ela apanhou a ficha, observando os itens que o Malfoy havia selecionado. Uma série de utensílios de escritório como penas, tintas e pergaminhos. Foi logo arrumando uma caixa para colocar tudo que ele solicitava o mais rápido possível, livrando-se de sua presença de uma vez.

Tinha certeza que havia visto algumas penas na caixa logo acima da estante e foi subindo na escada ainda com a ficha na mão. O Malfoy girou os olhos, observando-a se equilibrar no último degrau sem as mãos. Por mais que estivesse ignorando sua presença, dava para sentir aquele olhar de julgamento lhe perfurando.

— Desde quando você trabalha aqui?

Gina voltou sua atenção para ele, girando a cabeça do alto da escada, um pouco surpresa. Ficou meio indecisa se devia ou não responder à pergunta, pois podia muito bem se tratar de uma das brincadeiras de mau gosto que o Malfoy costumava fazer. O tempo que levou para raciocinar o fez perder a paciência.

— O que foi? O gato comeu sua língua?

Rolou os olhos.

— Uma semana.

Ao que o Malfoy assentiu, tamborilando suavemente no balcão que ela havia limpado. Ele pareceu reparar na limpeza, por que seus olhos não paravam de passear pelo móvel, até que apanhou novamente o sininho e balançou, fazendo-o tilintar.

— Isso aqui foi ideia sua.

Não foi exatamente uma pergunta, mas Gina assentiu.

— A limpeza também.

— Isso me foi óbvio de imediato, Weasley.

“Tlim”

Ao ouvir o barulho do sino, o Malfoy ergueu os olhos para Gina num tom de sarcasmo que já estava cansada de conhecer. Ela rolou os olhos mais uma vez, jogando no chão um saquinho cheio de penas do alto da escada, enquanto descia e pulava o último degrau. Foi procurando pelo restante dos itens em meio à bagunça da forma mais ágil que conseguiu.

“Tlim”

Suas mãos buscaram por uma das prateleiras a caixa de nanquim. Tirou cinco potinhos de dentro e foi colocando no chão, ao lado do saquinho de penas. Agora faltava apenas pergaminhos e cera quente. Tinha certeza que havia visto ainda pela manhã, mas onde?

“Tlim”

Foi revirando algumas caixas que estavam mais próximas e agradeceu a Merlin quando localizou o pergaminho. Excelente, só faltava a porcaria da cera agora e Gina tinha um bom palpite de onde estava. Andou com passos rápidos até o final do corredor, em uma gaveta velha de madeira e logo na cara já estava uma embalagem com alguns vidrinhos da cera vermelha.

“Tlim”

— Ah, que inferno! Dá para parar com isso?!

Quando Gina virou o rosto na direção do Malfoy, ele mantinha a expressão impassível. Os olhos pareciam sorrir de sarcasmo, mas a boca continuava reta e calada, como se nada tivesse acontecido. Então ergueu as mãos, num falso gesto de inocência e soltou o sininho no balcão.

Bem rapidinho, Gina foi colocando tudo dentro de uma caixa e a apoiou no balcão por um momento. Abriu a gaveta que ficava debaixo do balcão e puxou um livro de capa preta que parecia ter umas mil páginas. Era comprido, medindo seus cinquenta centímetros e contava com folhas amareladas pautadas e divididas, como uma tabela.

Abriu revelando a última página preenchida e entregou para o Malfoy, assim como pena e nanquim. De acordo com o senhor Futton, mesmo com a entrega da ficha de requisição, era imprescindível que houvesse a assinatura no livro de controle também, pois a ficha era a requisição do chefe do departamento e, não necessariamente, seria ele a vir retirar os materiais.

Essa parte intrigava Gina. Sabendo que o Malfoy era prepotente e adorava mandar nos outros, por que será que ele ia até lá para solicitar a reposição do almoxarifado? Não fazia sentido, mas também decidiu não perguntar. Ele podia simplesmente ter perdido no palitinho, certo?

Sem muito interesse, ele preencheu o livro como se estivesse acostumado. Apanhou a caixa sem perguntar se podia e saiu sem se despedir. Gina ficou parada, olhando para o vazio que ficou no balcão assim que se foi e suspirou, agradecendo à Merlin pela graça alcançada.

Havia sobrevivido à Draco Malfoy.

 

#

 

Nem acreditou quando viu debaixo da porta o bilhete que tanto esperara.

Assim que chegou do ministério aquela tarde e viu o pergaminho dobrado com a letra de Harry ditando um endereço, Gina só faltou saltitar. Finalmente conseguiria se livrar de toda aquela bagunça que havia se instaurado em seu apartamento. Nem se importava de ir entregar pessoalmente, só de pensar em sua casa arrumadinha de novo já se animava. Embora houvesse dito que mandaria alguém se encarregar, a ideia de envolver terceiros nessa situação lhe incomodava. Não, ela mesma iria levar aquelas tralhas. Com certeza que dava para enfeitiçar uma caixa e colocar tudo lá dentro.

Deixou a sacola de compras sobre a mesa da cozinha e sentou-se no sofá cinza chumbo de maneira desleixada, encarando a complexidade daquelas palavras. Ali estava o comprovante do final de seu relacionamento mais duradouro. Um sorriso largo preencheu seu rosto e fez suas bochechas sardentas ficarem mais salientes.

Ficou pensando em todas as noites que perdeu na cozinha do apartamento, fazendo pratos deliciosos ensinados pela mãe para acabar comendo sozinha. Em todas as vezes que colocou uma camisola nova e Harry simplesmente aparecia “muito cansado” para qualquer coisa. Nos dias em que queria conversar, mas a cabeça dele parecia tão distante que o assunto morria em seus lábios. Em como sentia que jamais seria boa o suficiente para preencher o lugar ao lado do garoto que sobreviveu, que derrotou Voldemort, o Eleito e todos os cargos que o Potter acumulou durante a vida.

Estava sozinha agora, é verdade. Mas era muito mais confortante estar sozinha e já contar com isso que ficar se iludindo e aguardando por migalhas de um amor que já não ardia mais como antes.

Subitamente, sentiu vontade de ouvir alguma música e ligou o aparelho de rádio trouxa que ganhou do pai quando se mudou. Já devia haver um ano, talvez mais, que não usava. Virou o botão para sintonizá-lo e sentiu-se mais leve ao ouvir uma melodia suave e desconhecida. Tirou os sapatos e se permitiu rodar, sozinha, no meio da sala, rindo bastante ao imaginar o quão desajeitada devia parecer.

Quando se cansou, seu corpo caiu no sofá meio mole, assim como seu sorriso oscilante.

Estava livre.

 

#

 

“Mas que maldição! ”

Definitivamente, estava morrendo de pressa aquela terça-feira. Não quis esperar nem mesmo mais um dia de quando recebeu o bilhete de Harry para ir devolver seus pertences. Até marcou em seu calendário como “cinco de junho, dia da libertação”. Esperou o expediente inteiro com ansiedade e justamente agora, que estava livre, esquecia sua chave no trabalho.

Já estava a duas quadras de distância quando deu por si, por isso correu na esperança de que o senhor Futton ainda estivesse por lá. Quase deu um beijo nele quando viu que ainda lia o jornal, pacientemente. Apanhou suas chaves e correu na direção do elevador. Seus pés batiam de forma apressada contra o piso claro e soltou um suspiro ao ver a porta se abrir.

Entrou tão rápido, direcionada a ir para o canto do elevador que quase não notou Malfoy ali. Além dele, uma senhora distinta estava parada no canto oposto ao de Gina, com enormes olhos azuis cobertos por óculos redondos, e dois rapazes, que conversavam animados sobre quadribol. A Weasley não reconheceu nenhum deles, mas pela forma que eventualmente cutucavam o loiro, ela supôs que se conheciam.

Da boca do Malfoy, porém, não saiu uma palavra. Ele parecia mais distante que o normal, encarando a porta do elevador de maneira desanimada, como se desejasse estar em qualquer outro lugar do mundo. Gina imaginou que devia ser difícil para um palhaço da sala não ter mais nenhuma plateia e chegou a achar graça na tristeza do sonserino.

Assim que o elevador chegou ao térreo e abriu as portas, todos saíram. Ela ainda teve tempo de vê-lo caminhando, completamente distante, até uma das lareiras e sumir, consumido pelo fogo azul.

Ergueu os ombros e seguiu seu caminho, sem dar muita importância.

Fosse o que fosse, não era da sua conta.

 

#

 

Checou o endereço algumas vezes antes de entrar.

Não lhe espantava que Harry houvesse optado por ficar em um hotel antes de encontrar um local definitivo. Também não lhe surpreendia tratar-se de um estabelecimento bruxo, pois embora houvesse sido criado como trouxa, ele sempre demonstrou adoração pelo universo mágico. O que fez seu queixo cair foi o requinte e garbo do local escolhido. Parecia que, finalmente, o Potter havia decidido gastar alguns de seus galeões.

Aquilo ali não tinha nada a ver com o ar simplista d’O Caldeirão Furado ou do Três Vassouras. Ficava escondido entre dois edifícios trouxas e só se revelava quando tocasse com a varinha o hidrante que havia bem em frente. Só entrar no saguão, parecia que havia mesmo passado para outro mundo. Havia uma série de particularidades, como colunas no estilo grego, um tapete vermelho, pisos de mármore, um teto estrelado (exatamente como o de Hogwarts!) E até um lustre magnífico. Deu para ver que havia ainda um restaurante e um pub, dependendo do caminho que seguisse.

Gina ficou um pouco envergonhada por estar ali com roupas tão simples e teve certeza que não teria dinheiro para se hospedar nem por dez minutos ali. Mas não ia se deixar abater por algo tão fútil, ainda mais por que um monte de nuvens começava a cobrir o céu e ela não estava com muita vontade de tomar chuva. Se apresentou na recepção e aguardou que a anunciassem. Só então, subiu.

Teve de colocar a caixa no chão para poder bater na porta. Estava apanhando-a de volta nos braços quando A cabeça de Harry apareceu, encarando-a de uma forma que parecia até mesmo feliz.

— Oi Gina.

Foi logo abrindo a porta do quarto e lhe dando passagem, de uma maneira que Gina achou que seria de extrema falta de educação somente jogar a caixa com seus pertences ali e ir embora. Engoliu um pouco a pressa que estava em se desfazer das coisas dele e entrou.

— Oi. Tudo bem?

Foi colocando a caixa em um cantinho enquanto virava-se para olhar o quarto. Harry fechou a porta e coçou a cabeça, meio feliz, mas também sem jeito com a situação.

— Tudo, e você?

— Não posso reclamar.

Encantou-se comas paredes cor de creme, o tapete charmoso no centro e o lustre lindíssimo com gotas de cristal. Só então reparou que havia uma pequena mesa de jantar de madeira escorada à uma parede, posta para dois. Com direito a velas, pratos e taças. Um pouco baqueada com aquela informação, virou-se na direção de Harry. Será que ele já estava saindo com outra pessoa?

Só então colocou os olhos no restante do quarto. A cama era enorme e estava impecavelmente arrumada, como se ninguém houvesse sequer se sentado sobre a colcha de seda lilás que a cobria. Havia uma porção de viscos espalhados pelo local, inclusive sobre a mesinha de jantar, mesmo que não estivesse nem perto do Natal. A luz estava baixa, de uma tonalidade amarelada e aquilo só podia significar uma coisa.

— Esperando alguém?

Não havia mágoa na voz de Gina. Por mais que estivesse se questionando se não era muito rápido para encontros, compreendia que Harry devia estar tão infeliz no relacionamento quanto ela. Com o distanciamento que havia entre eles, não era de se estranhar que fosse fácil superar e tentar seguir em frente. Estranho seria se estivesse se encontrando com outras pessoas enquanto ainda estavam juntos.

As bochechas de Harry ruborizaram suavemente e ele baixou os olhos, ajeitando os óculos no lugar.

— Am, não. Não exatamente.

O rosto da ruía inclinou-se e um sorriso fraterno habitou por seus lábios. Ele sempre fora assim mesmo, meio tímido quando o assunto era sobre o sexo oposto.

— Não precisa mentir, Harry. A mesa está posta para dois.

— É. Para nós dois.

Ah, não”, pensou enquanto colocava uma das mãos sobre o rosto, massageando as têmporas. Somente devido à toda consideração que tinha por Harry que Gina não simplesmente virou as costas e foi embora. Foi preciso muito autocontrole para dizer a próxima frase de uma forma que não indicasse que estava prestes a lançar uma maldição contra ele.

— O que você está dizendo?

Falou um pouco mais baixo que o habitual. Harry puxou uma das cadeiras, indicando a Gina que se sentasse. Os olhos verdes esperançosos e o sorriso conseguiam deixar a Weasley ainda mais nervosa. Todo aquele esforço, aquela disposição e tempo que tanto quis meses antes agora estavam ali, ao seu dispor. 

— Eu fiz uma surpresa para você. Não gostou do quarto?

Obviamente que não se sentou na cadeira que o rapaz indicou. Pelo contrário, apenas respirou fundo e ficou tentando elaborar alguma coisa que não fosse abominável demais para dizer. Sabia que Harry estava apenas tentando voltar para sua zona de conforto, sabia que as coisas não seriam diferentes e, honestamente, mesmo que fossem, seu interesse já não girava mais em torno dele.

Estava se saindo tão bem no ministério, tomando conta da casa, fazendo tudo que queria, na hora que queria, do jeito que queria, que francamente falando, não gostaria mais de se readaptar ao estilo de vida de Harry. Por mais amoroso, romântico e presente que ele pudesse ser. É como se a chama houvesse se apagado.

— Harry...

Parecendo notar sua dificuldade em dizer alguma coisa, Harry se aproximou e segurou a mão de Gina, lhe olhando de forma carinhosa. A ruiva se desfez de seu toque e bufou, caminhando em direção a porta, convencida a ir embora. Quando ela estava chegando até a porta, o ouviu dizer em uma última tentativa.

— Nosso amor não morreu, Gina. Nós temos que lutar por ele.

— Não há nada para lutar, Harry!

Explodiu. Virou-se em tempo de ver o olhar magoado de Harry, que se sentou na cama sem tirar os olhos de Gina. E antes que ele pudesse reagir, ela saiu batendo a porta atrás de si.

 

#

 

Não conhecia a música que estava tocando, mas tinha quase certeza que era jazz.

O gosto da bebida não era o seu favorito no mundo, mas sabia que somente aquilo era capaz de ajuda-la em dias como aquele. Por mais que o preço tenha lhe desanimado, não estava com ideias melhores e acabou ficando ali, no pub do hotel, sentada sozinha em uma das mesas de vidro enquanto encarava o copo de rum de groselha. Tinha certeza que estava sendo observada, mas não deu importância ao deduzir que seria pelas roupas baratas que usava.

Não pretendia demorar, tinha trabalho no dia seguinte e ainda era somente terça-feira. Mas realmente precisava beber alguma coisa, qualquer coisa que fosse. E ficou feliz de ter dinheiro suficiente para duas ou três doses de rum de groselha. Não era seu favorito, mas era forte o bastante.

Terminar relacionamentos era bem mais problemático do que se lembrava.

Suspirou, deixando os dedos passearem por sua bochecha, sem tirar os olhos do copo. Não gostava da sensação de magoar as pessoas, sentia-se muito mal só de pensar em como Harry devia estar naquele momento. Mas sabia que não havia outra maneira, precisava colocar um ponto final naquilo, por mais que lhe doesse agir como o que ela considerava “uma megera”.

Foi quando viu uma sombra cair sobre si e alguém parar ao seu lado, o que a fez reagir de maneira instintiva, olhando para cima. Pensou que devia estar mesmo com muito azar, por que dentre todos os bares da cidade, tinha justamente que ter ido parar no que o Malfoy frequentava?

— Deve ser difícil para alguém como você ser casada com o Cicatriz.

Ele indicou com um gesto do queixo a cadeira vazia à frente dela, numa maneira singular de perguntar se poderia se sentar, e Gina ergueu os ombros, como se dissesse que não se importava. Ele assim o fez, apoiando o próprio copo sobre a mesa e a encarando de uma maneira que a Weasley não sabia traduzir. Ainda estava com a mesma roupa que o vira usar quando desceram de elevador, mas por tratar-se de um terno, acreditou que poderia facilmente se encaixar em qualquer ambiente, ao contrário dela, que usava jeans e camiseta, sentindo-se um peixe fora d’água naquele lugar.

— O que você está fazendo aqui?

Perguntou deixando seus olhos caírem sobre ele. O Malfoy ajeitou-se na cadeira e sacudiu suavemente o copo de bebida.

— Não é óbvio?

Justo”, Gina concluiu baixando a vista para o próprio copo. Coçou suavemente a testa, imaginando o que alguém diria se a visse ali, sentada em um pub de hotel chique tomando rum de groselha ao lado de Draco Malfoy enquanto Harry se lamentava no quarto que alugou para cortejá-la. Realmente, esse mundo dá voltas. Cambalhotas. Piruetas.

— Você não me respondeu.

Aqueles olhos meio cinza, meio azuis da cor do céu ficaram encarando Gina como se cobrassem uma resposta. Ela deu um gole na bebida antes de erguer os ombros.

— Me desculpe, foi uma pergunta?

Se fitaram por um tempo. Não dava para saber o que passava na cabeça do Malfoy, mas Gina permitiu-se pensar em como ele estava diferente da época do colégio. Os ombros pareciam mais largos, assim como seu pescoço e maxilar. Parecia mais adulto, mais como um homem do que como o menino que se recordava. Ficou imaginando se estava também diferente ou se continuava com a mesma cara de criança e só saiu de seus pensamentos quando a voz dele começou a falar de maneira irônica.

— Você não devia beber sozinha. As pessoas descobrem, arruína a reputação.

— Ninguém melhor que você para me falar sobre reputação.

Gina não soube dizer se foi algum efeito do rum, mas teve a nítida impressão de vê-lo sorrir de lado, como se houvesse achado graça. Mesmo assim, não deu muita confiança e tomou mais um gole da bebida. O Malfoy lhe acompanhou, mas seus olhos acinzentados não se desgrudavam da Weasley nem por um segundo. 

— Foi por isso que você começou a trabalhar no ministério, não foi? Por que vocês se separaram.

Assentiu suavemente, erguendo os olhos castanhos que pareciam desconfiados com aquela curiosidade. Uma parte de Gina entendia que o Malfoy sempre adorava saber sobre as derrotas de Harry, mas não sabia ao certo o motivo de estar ali, lhe indagando coisas que ele parecera descobrir sozinho. Talvez estivesse em busca de uma confirmação ou, quem sabe, estivesse apenas entediado.

— Eu nunca fui casada.

O gesto que ele fez com as mãos pareceu indicar que não se importava muito com esse tipo de rótulo. Talvez fosse a coisa mais genuína que o vira fazer desde que se encontraram. Os lábios finos do Malfoy se encontraram com o copo mais uma vez, e ele apertou os dentes quando terminou de beber.

— Você ao menos prestou para fazer uma cicatriz nova na cara dele?

Um meio sorriso escapou dos lábios de Gina, que sacudiu a cabeça negativamente, ao que ele respondeu com um aceno de desaprovação. Por um instante, se arrependeu de ter confirmado as coisas e umedeceu os lábios, mordiscando o inferior.

— Poderia não espalhar essa notícia pelo ministério?

O Malfoy estava no meio de seu gole quando ela falou. Apoiou novamente o copo sobre a mesa e a encarou com um ar de incompreensão, franzindo as sobrancelhas loiras.

— O que quer dizer?

— Eu não sei, será que você poderia ter um mínimo de decência e não sair distribuindo camisetas e bottons amanhã sobre “Ginevra Weasley, a solteirona”.

O som da risada do Malfoy preencheu a conversa. Ela lembrava de tê-lo ouvido rir antes, mas era a primeira vez que não se sentia humilhada. A cabeça do loiro sacudiu negativamente e ele escorou as costas na cadeira, encarando-a de uma forma meio divertida.

— Eu não tenho mais quinze anos, Weasley. Acho que um anúncio em praça pública será o suficiente.

Seus dedos passaram pelos cabelos ruivos de uma forma natural enquanto os olhos chocolate permaneciam atentos à figura do Malfoy. Gina sabia que suas bochechas ficavam avermelhadas por causa do rum e constatou com divertimento que as do loiro também estavam devido à sabe-lá-Merlin-o-que-ele-bebia. Sentiu-se segura o suficiente para refazer a pergunta do começo de sua conversa.

— O que você está fazendo aqui? Se hospedou no hotel?

Ele negou, erguendo a mão para o garçom e sinalizando que gostaria de mais bebida. A parte interessante foi vê-lo apontar para o copo de Gina, como se indicasse que ela também gostaria de um refil. Aquilo a fez sorrir de canto e terminar o conteúdo de seu copo num gole só, causando uma expressão de surpresa no loiro.

— Eu estou comemorando.

Disse por fim. “Não esperava por essa”, Gina pensou enquanto o encarava. Será que era aniversário de Voldemort? Que tipo de data comemorativa os comensais apreciavam? Não fazia a menor ideia. Então apenas repetiu a palavra, observando-o com interesse.

— Comemorando.

— Exato.

Ficaram em silêncio por um momento, apenas se olhando. O garçom se aproximou, retirando os copos vazios de cima da mesa e colocando os novos, cheios, e se afastou sem emitir sequer uma palavra. Gina seguiu parada, observando o Malfoy. Um sorriso desafiador tomou espaço nos lábios dela.

— Pode se saber o que?

E ele assentiu.

— A mim. Minha existência. A sobrevivência e permanência do gozo das faculdades mentais de Draco Malfoy.

Assim que terminou de falar, tomou um gole da bebida e Gina riu. Os olhos cinzentos dele lhe encaravam daquela forma indescritível, deixando-a sem ter a menor ideia do que estava pensando.

— Parece mesmo algo que você faria.

Os ombros do Malfoy se ergueram e ele se aproximou mais da mesa, apoiando os cotovelos e ficando bem mais perto da Weasley, que não se moveu um milímetro. Parecia que estava prestes a lhe confessar um segredo.

— Todo mundo faz isso, ao menos uma vez por ano.

Então os olhos de Gina ficaram maiores. Teve vontade de rir e gritar, mas se conteve. Apenas foi um pouquinho mais para frente, tentando manter aquele segredo que acabara de descobrir. Seja lá o que fosse que o Malfoy estava bebendo, que trouxessem mais uma garrafa, por favor.

— É seu aniversário?!

— Dez pontos para a grifinória.

Ao ouvir a confirmação vir no formato de pontuação, Gina franziu as sobrancelhas e esticou a mão sobre a mesa. Apanhou o copo do Malfoy, levando a altura de seu nariz para poder cheirar.

— O que você está bebendo?

E ele soltou um riso curto, tirando o copo das mãos dela e dando um gole. Respirou fundo ao apoiar a bebida na mesa e voltou a se afastar, escorando as costas na cadeira.

— Firewhisky. Acho que estou acabando com uma garrafa nesta altura.

Assim que se viu soltar um sorriso genuíno, Gina se censurou mentalmente. Quer dizer, o que diabos estava fazendo? Sorrindo e bebendo com um Malfoy (que já estava meio bêbado, pelo jeito). Não, aquilo não podia continuar. Ainda havia muita sobriedade nela e devia utilizá-la para sair logo dali. Ele a observou com curiosidade ao reparar que se agitara de forma imprevisível.

— Acho melhor eu ir andando, Malfoy.

A mão do Malfoy sacudiu, como se descartasse a ideia dela. Gina apertou os olhos, tentando compreendê-lo.

— Tenha alguma educação, Weasley. Termine sua bebida.

Calmamente indicou o copo de rum com um gesto da mão, ao que Gina retribuiu com um sorriso de estranhamento, como se achasse graça em seu jeito arrojado.

— Eu trabalho amanhã.

— Eu também. Ainda assim, aqui estou.

Suspirou. Deu-se por vencida, apanhando o copo e dando um gole no rum, o que o fez sorrir de uma maneira interessante, deitando uma pouco a cabeça enquanto parecia a analisar. Ergueu os olhos castanhos e arqueou uma sobrancelha.

— Se eu não te conhecesse, diria que está se sentindo solitário.

O Malfoy revirou os olhos, como se Gina estivesse falando alguma bobagem. Ergueu a mão e pontuou na mesa conforme falava.

— Solidário. Com “d”.

Mais um sorriso nos lábios de Gina. Apoiou-se na mesa, observando-o com divertimento. Precisava mesmo parar de beber, por que estava começando a achar aquele tom acinzentado nos olhos do Malfoy mais interessante do que devia ser legalmente permitido.

Teve a impressão de ver algo queimando no fundo daqueles olhos frios.

— Solidário.

— Sim. Eu te disse, não é bom beber sozinha.

Ao que Gina assentiu suavemente.

— É, eu imagino que não.


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Notas finais do capítulo

N/A: E aí genten!
Como vocês estão? Tudo beleza? Muito obrigada pelos comentários! Fiquei super feliz de saber que não me abandonaram. Hihi.
Então, vamos lá, preciso pontuar algumas coisas sobre esse capítulo!
1. Eu sei que vocês já devem estar cansados de ver o Harry na fanfic, mas já adianto que ele ainda vai retornar. É chato, eu sei, mas todo relacionamento longo, quando se encerra, é meio complicado mesmo. Salvo exceções, né, mas imagina, conviver 10 anos com alguém e aí se separar. Acontece mesmo de alguém querer voltar e poder fazer algumas besteiras antes de compreender que a fila andou, o trem passou, etc. Só um pouco de paciência, tá? Hahahahah
2. Claro que eu precisei colocar bebida para fazê-los interagir. Clichêzão mesmo, mas sempre quis fazer! Não sei se vocês sabem, mas eu SEMPRE quis fazer uma fanfic que não fosse além de um romance, sabe? Sem guerra, sem Voldemort, etc, e achei que já estava na hora de exorcizar essa vontade de dentro de mim. Se você espera uma super trama, tá no lugar errado beibe. Aqui é só água com açúcar mesmo. A conluio foi traumática demais para mim.
3. Quem pegava o Draco no bar do hotel comenta “#dessabebidaeubeberia” HAHAHAHAHAHAHAHAHAH



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