Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 32
Nomes




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Klás e Marcus conversaram sobre a nave, porém, como o segundo afirmava enquanto mostrava um relatório em seu aparelho, estava “tudo OK”, e o diálogo entre os dois acabou antes do café que tinham nas canecas. Karine, sentada na mesma mesa, porém a uma certa distância, tentava pegar pedaços de sua refeição, de forma cuidadosa, evitando queimar os dedos com a comida fumegante. Klás acabaria se voltando para ela, questionando por cordialidade, mas sem conseguir disfarçar certa falta de habilidade social:

— Enquanto a você, está tudo bem na nave? Eh, tipo, conseguiu se acomodar bem, sabe onde fica tudo o que precisa… e essas coisas?

— Sim. - ela respondeu, forçando também um tom cordial. - Não tenho do que reclamar.

Algo de silêncio retornou ao refeitório, enquanto Karine tentava retornar a sua refeição, que ainda se mostrava quente demais para ser consumida. Frustrada com esta situação, acabou optando por tentar gastar tempo conversando. Sem saber muito bem como começar a interagir, lançou o primeiro que veio a mente:

— E você, qual sua história? Seu nome é realmente “Klás”? - ao ouvir a pergunta, o rapaz sorriu de forma que não se poderia ter certeza se a pergunta o constrangia, ou se o teria deixado de bom humor. Mas, independente de como o havia atingido, ele respondeu:

— Na verdade, não. Meu verdadeiro nome era Anton Eduardovitch Konstantyn. Meu pai foi um subtenente no exército separatista, por isso, minha família foi exilada após a Guerra… Viemos para Marte quando eu ainda era uma criança pequena demais para entender exatamente o que estava acontecendo; mas acho que o oficial de emigração que nos atendeu não era muito fluente em russo, se é que entendia algo… Nosso sobrenome foi transliterado errado e virou “Klastantim”, então começaram a me chamar “Klás”. De início, encarava como algo ofensivo, mas, depois de um tempo, percebi que este deveria ser meu nome aqui… De qualquer jeito, a forma como me chamam não muda quem sou, não é mesmo.

— Faz sentido… - Karine comentou, assumindo uma posse pensativa. - Mas, não sei, acho que me incomodaria se as pessoas não me chamassem pelo meu nome certo. Sei lá, dá a impressão de que não sou importante o suficiente para elas se preocuparem em saber o meu nome certo…

O rapaz escutou o comentário, assumindo uma expressão também pensativa, até que pediu o aparelho de Marcus emprestado e digitou algum texto nele. Após isto, virou a tela para a garota, lhe mostrando o texto: “Антон Эдуардович Константин”, enquanto lhe dizia:

— Em minha certidão de nascimento, é isso que está escrito, consegue ler o meu nome certo? - ela apenas balançou a cabeça de forma negativa diante dos estranhos caracteres, embora reconhecesse alguns do cartaz que tentara ler na colônia marciana. Ele continuou: - Pois é, quase ninguém na Terra consegue, após a Guerra a escrita de todos os idiomas foi padronizada com o alfabeto ocidental, não foi? - a garota confirmou. - Mas, nas colônias, outros alfabetos e formas de escrita ainda sobrevivem entre os exilados… Só que eu fui registrado como exilado, e como tal, meu nome foi modificado de acordo com as regras oficiais. Nos meus novos documentos, eu sou “Anton Klastantim”. Para o governo na Terra, o Departamento de Migração e a Administração Colonial, este é o meu nome certo. O que mais eu posso fazer, a não ser aceitar e responder quando chamarem Klás…

Um novo silêncio se instaurou entre os três, embora Karine, agora, obtivera a desculpa de sua comida já ter esfriado o suficiente para ela estar com a boca ocupada mastigando, o que, por educação, a impedia de falar. Klás terminou seu café, e, incomodando-se com o silêncio, soltou um “eu preciso ir verificar umas coisas”, e se foi, enquanto Marcus voltou-se novamente a seu aparelho, lendo algo em sua tela.

— Ele não parece ser nada perigoso… - Karine soltou após alguns instantes, enquanto degustava um bocado de sua primeira refeição a bordo, ao que Marcus a olhou por cima de seu aparelho com um olhar interrogativo. Diante de tal reação, ela engoliu o que tinha na boca e concluiu, antes de pegar um novo bocado: - Vi um informe de “procurado” com o nome e foto dele enquanto viajava para Marte.

— E você acredita em tudo o que vê na mídia? - o rapaz a interroga cinicamente.

— E por que não acreditaria? Graças à liberdade de imprensa, a mídia é nossos olhos e ouvidos para sabermos o que ocorre nos locais onde não podemos estar pessoalmente. - ela respondeu arrogantemente, com um ar de alguém que parecia estar mais repetindo o que ouviu outra pessoa dizer do que falando de si própria.

— A “liberdade de imprensa” apenas concede a mídia o direito de publicar qualquer notícia pela qual for paga. - o rapaz finalizou, no mesmo tom de “estar recitando” que havia percebido nela, retornando o olhar para seus relatórios.

— Então, - ela retomou após alguns instantes de um silencioso encarar. - qual a “verdadeira” história do “senhor Klastantim”?

— Ele… - Marcus disse distraidamente, como que tentando fazer o assunto parecer sem importância. - É só um azarado. Foi o sujeito certo, na hora e lugar errados… - Porém, a jovem o ficou encarando, demonstrando a insatisfação com a resposta vaga, ao que ele pôs o aparelho que lia de lado, e, após um suspiro, que demonstrava não ser a primeira vez que contava aquela história, começou a explicar: - Como a maioria dos exilados, ele também trabalhava em uma mina. Mês passado, houve um desabamento na mina em que ele trabalhava, aprisionando diversos mineiros em seu interior. Ele, como operador de máquina, foi convocado para ajudar nos esforços de resgate. Porém, não demorou muito para os administradores da mina mandarem cessar tais esforços, alegando riscos de novos desabamentos e mais perdas. É claro que eles nunca explicaram se as “perdas” que estavam tentando evitar seriam a morte de mais pessoas ou danificar o maquinário extremamente caro que usavam; mas, você deve ser capaz de imaginar as tantas histórias e discussões que isto gerou… Bem, o que importa é que Klás não obedeceu as ordens de parar o trabalho e continuou escavando em busca dos mineiros presos, inspirando outras pessoas a fazerem o mesmo, e ele realmente conseguiu salvar mais uns quatro ou cinco deles. Os demais, porém… Como os administradores temiam, a mina desabou de vez, e os que estavam nas galerias mais profundas não tiveram chance. A questão é que Klás desafiou os chefes, desobedeceu-os e ainda salvou algumas vidas, e muitos quiseram usar isso para também se rebelar contra seus encarregados. Ele se tornaria uma espécie de “inspiração”, e ele próprio, convencido por suas próprias boas intenções, assumiria este papel, liderando protestos que pediam melhores condições de trabalho nas minas. Acabou-se por descobrir que já existiam diversos “grupos” que também queriam estas “melhores condições”, não só de trabalho, mas alguns também “de vida”. Com alguns interesses em comum, eles se uniram e os protestos tomaram proporções “preocupantes”. Quando os seguranças vieram “calar” os protestantes, muitos ali, dos dois lados, passaram dos limites e virou um confronto. Nisto Klás se tornou um “herói improvável”, ele foi considerado o estopim do tumulto e um dos líderes da confusão, por isso se tornou “procurado”. Mas, para os trabalhadores e exilados em geral, ele acabou se tornando algo mais, um símbolo. Ele foi o primeiro a, publicamente, desafiar as autoridades em favor deles, a mostrar que a vida deles valeria mais do que as cifras de uma empresa. Mesmo sem querer, ele os conquistou, e estas pessoas estão dispostas a seguir o que ele falar, mesmo que ele nem consiga perceber o tanto que isto signifique. O problema é que, se ele não começar a falar e fazer coisas… Duas coisas podem acontecer: primeiro, as pessoas esquecerão o que ele fez e se submeterão novamente a mesma exploração de antes, ou, o segundo, pior e mais provável, alguém pode começar a falar por ele, e não há garantias de que esta pessoa estaria tão bem intencionada quanto ele próprio. É por isso que nós estamos com ele, para garantir que, se algo for feito em seu nome, seja realmente ele que o faça e realmente com um bom propósito…

— E o que você acha que seria esse “algo” a ser feito por ele? - ela questionou com certo desdém na voz.

— Isto, só o tempo dirá…


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