Nos segundos em que eu corria desviando das árvores todo o verde parecia ter um tom mais forte, meu corpo era invadido por uma sensação de liberdade, eu podia sentir todos os cheiros diferentes que me rodeavam, a direita havia flores do campo em algum lugar escondido dentro da floresta, a esquerda um grupo de cervos, o odor de seu sangue fez minha garganta queimar, olhei para trás e percebi que Jake estava distante de mim – Espere! Ele enviou a mensagem em minha mente em um tom de ordem e por mais que eu desejasse ignora-lo e seguir até o cheiro apetitoso dos cervos minhas patas travaram no chão.

Eu virei meu corpo e o esperei sentada em minhas patas traseiras um pouco aborrecida, agora Jacob mandava em mim?

— Como você faz isso? Perguntei indignada.

— Isso o que?

— Como isso funciona? Você ordena e meu corpo obedece você?

— Você não precisa me obedecer.

Embora eu não gostasse muito da ideia de ter um freio não era algo tão ruim, eu ainda não sabia o que aconteceria se em algum momento eu cedesse aos desejos que eu tinha — Eu não acho isso ruim, tem um grupo de cervos aqui perto e estou sentindo o cheiro do sangue deles – Falei me  levantando e caminhei em círculos.

Senti a preocupação na mente de Jake, as imagens do que eu havia feito na noite da minha transformação, eu não era a única a temer se eu poderia ou não perder meu controle, Jake também temia.

— Então era isso?

—Amor.

— Eu posso controlar!

— Eu sei que pode!

Mesmo um pouco chateada eu me aproximei tocando meu focinho no dele, no fundo eu o compreendia, Jake só desejava me proteger, mostrei a ele que tinha tanto medo quanto ele mas que sabia que ele sempre estaria ao meu lado e por isso eu confiava em tudo que ele fazia, Jake passou língua em meu rosto em um gesto carinhoso.

 – Jake- eu sorri.

— Temos que ir.

Seguimos pela floresta e eu não corri tão rápido, durante os minutos em nossa forma de lobo fiquei ao lado dele, e quando nos aproximamos da reserva voltamos a nossa forma humana, Jake segurou minha mão após nos vestirmos e caminhamos na direção da casa de Billy.

— Hey pai – Jake gritou próximo da porta- Estou de volta.

Nós trocamos olhares, na verdade não sabíamos qual seria a reação do velho Billy sendo que Jake havia desaparecido a um mês,  Jake girou a maçaneta, como esperado a porta estava aberta, quando passamos pela porta ouvimos o som do volume da TV e em seguida o som da cadeira de rodas.

O semblante de Billy Black foi de surpresa — Jacob – ele murmurou em seguida seus olhos se direcionaram para mim– Carlie.

— Olá velho Bil – O cumprimentei.

— Fiquei preocupado – Ele disse deixando parando no centro da sala.

Jake soltou minha mão e se aproximou dele — Me perdoe nós tivemos muitos problemas – Ele tentou se explicar.

Billy Black apenas sorriu e pousou uma das mãos em seu ombro – Eu estou ciente da situação – disse ele pegando o controle da TV e em seguida voltou seu olhar para mim – Charlie esteve aqui, ele queria saber se Jacob tinha noticias suas pois não liga para ele a três dias.

Charlie, como eu pude ter esquecido dele? Eu havia me perdido nos dias apavorada com o que poderia acontecer com minha irmã que havia esquecido totalmente de dar noticias a meu pai, ele deveria estar muito preocupado.

— Droga, o Charlie, eu esqueci o Charlie.

— Eu disse que Jacob havia ido busca-la e que hoje à noite estariam de volta, espero que volte não esta sendo fácil mentir para meu amigo.

— Obrigada Billy – Agradeci, embora não me sentisse confortável em mentir para ele, e eu vinha fazendo isso a bastante tempo principalmente quando o assunto era minha irmã, Jake tinha razão precisávamos retomar nossas vidas.  – Já está na hora de eu voltar para casa mesmo – Completei.

— Faça isso – Disse Billy mudando o canal da TV– E Jacob as provas finais estão chegando, eu consegui que a professora passe as provas que perdeu nas próximas semanas, creio que o assunto Bella já foi resolvido e vocês dois precisam retomar suas vidas.

Jake olhou para mim, acho que ele estava procurando uma forma de iniciar o real assunto da nossa visita.

— Na verdade – tomei a iniciativa – Eu preciso de mais um favor seu.

Billy me olhou curioso – Se estiver a minha altura filha.

— Preciso falar com o velho Quil.

Os olhos dele se dividiram entre Jake e eu – E qual seria o assunto dessa visita?

Lembrei das palavras de Ephraim, que eles saberiam assim que eu falasse o nome das escrituras antigas na língua Quileute.

— Oli-t liýa Tsikáti – Respondi.

A reação de Billy foi a esperada por mim, os dedos dele moveram sobre os botões do controle remoto em suas mãos e então a TV foi desligada.

— O que você disse? Ele perguntou mais uma vez.

— Oli-t liýa Tsikáti – Repeti.

A cabeça dele girou na minha direção, seus olhos estavam arregalados mostrando todo seu espanto. – Ellen..

Por um breve momento eu senti que meu corpo não me pertencia.

— Olá Billy Black – Respondi  dando um sorriso, pronto agora meu corpo era entidade de espíritos antigos.

— Ellen Uley – Billy falou com espanto olhando para mim.

— Pai- Jake o interrompeu – Esta é Carlie, não é a bisavó de Sam – Pobre Jake, estava tão perdido, isso porque ele desconhecia metade da historia.

— Quando vi Carlie pela primeira vez eu me surpreendi com a semelhança dela com Ellen, embora eu não a tenha conhecido pessoalmente e sim pelas fotografias, eu só precisei de alguns segundos para saber que ela não era filha de Charlie.

— Charlie é meu pai – Respondi instantaneamente, pouco importava para mim se eu tinha a aparência da Ellen e as memorias da tal da Renesmee, Charlie era meu pai e eu jamais negaria isso.

Billy Black sorriu – Sim você é, mas também é filha de Joshua, bisneta de Levi, descendente direta de um membro da tribo Quileute, você não tem como fugir disso.

— Eu não estou fugindo – Nessie respondeu – Quando me chamou por esse nome, Ellen eu respondi instantaneamente e em minha mente surgiram lembranças de uma vida que não é a minha.

— Mas que já foi há muitos anos atrás – Disse meu pai.

Eu me calei, ele não estava errado em parte, eu tinha lembranças de uma vida diferente daquela mas que também não eram de Ellen eu tinha absoluta certeza.

— Não estou entendendo nada – Jake nos interrompeu, novamente eu me senti culpada por não poder contar o restante da historia a ele.

— Venham – Disse Billy arrastando sua cadeira até a porta – Vocês irão entender.

Jake olhou para mim e então o seguimos, ele segurou a cadeira de rodas do pai a  empurrando o ajudando a descer os degraus e seguimos pela estreita estrada de asfalto na direção da casa do velho Quil Alteara.

— Você disse que precisa ver o velho Quil, certo? Billy perguntou.

—Sim – Respondi.

— Não vou perguntar por que pois imagino – Disse Billy Black.

Será que ele realmente sabia, ou achava que sabia? Permaneci em silêncio enquanto seguíamos para a casa do ancião, ele morava um pouco mais afastado das demais casas da vila, próximo a trilha que dava para o penhasco, haviam três casas pequenas pintadas de azul desbotadas pela chuva, nos caminhamos em silêncio até a ultima casa e assim que nos aproximamos o suficiente Billy gritou em um tom amigável – Quil! Seu velho rabugento me diga que está ai.

Estreitei meus olhos, onde estava o respeito entre eles? Olhei para cada espaço daquele lugar tentando comparar com as lembranças que haviam surgido mas não era o que eu procurava, as lembranças que eu agora tinha era de uma grande fazenda com casas totalmente diferentes, Jake me puxou pelo braço e eu sorri encostando o rosto em seu peito.

— O que você quer Billy?

A porta da casa se abriu e Billy arrastou sua cadeira aproximando-se um pouco mais – Mão me diga que tem noticias ruins novamente? Continuou o velho em um tom alto de voz.

Billy olhou para Jacob – Ande me ajude filho – Imediatamente Jake me libertou de seus braços e se aproximou empurrando sua cadeira – Espero que esse velho não tenha um infarto – Disse Billy enquanto entravamos na pequena casa.

Ao entrarmos o homem que estava sentando em uma cadeira de balanço  direcionou seus olhos em nossa direção e percebi a surpresa em seu semblante ao ver que Billy havia levado visitas – Jacob, estava mais magrelo da ultima vez que o vi.

— As crianças crescem rápido – Billy respondeu.

— Eu imagino os motivos – O velho Quil respondeu, mas quando o seus olhos pousaram sobre mim eu percebi o seu espanto.

Billy Black estendeu a mão para que eu me aproximasse um pouco mais — Não preciso explicar porque estamos aqui.

— di?a-di? – Disse o velho Quil.

Novamente fui tomada pela mesma sensação de quando Billy havia pronunciado o nome de Ellen Ulley - Oli-t liýa Tsikáti! Respondi lembrando do que Ephraim havia me dito, ouvi o cochicho de Jake e Billy mas ignorei e mantive minha atenção no senhor idoso.

— E porque eu daria a você? O velho Quil perguntou.

— Porque sou a guardiã delas – Respondi.

— Então o momento chegou? – Disse o velho Quil – O momento em que todos conhecerão a verdade, a verdadeira historia de nossos ancestrais.

O velho levantou-se ajudado por uma bengala de madeira e caminhou lentamente arrastando-se pela sala desaparecendo no pequeno e curto corredor, olhei para Jake, eu imaginava o quanto ele estava confuso e perdido, mas ficamos em silêncio aguardando o retorno do Velho, o ancião retornou com um livro debaixo do braço retornando para sua cadeira de balanço.

 – A cada cem anos é dado a este livro um novo guardião, aquele que consegue falar a língua de nossos antepassados e assim consegue o ler, quando este guardião não é encontrado o antigo retorna em um novo corpo para voltar a protege-lo – explicou o velho Quil – Ellen foi a ultima guardiã das escrituras e ela retornou para continuar o guardando.

“Retorna em um novo corpo para voltar a protege-lo”

As palavras do Ancião Alteara ecoaram em minha mente, as coisas começavam a fazer sentindo, o que Renesmee havia me dito, ela havia usado a aparência de Ellen Ulley para retornar sendo eu, Carlie Swan, ter a aparência de Ellen e ser uma Uley havia me dado o posto de guardiã, mas do que Renesmee estava fugindo, ou melhor de quem?

O velho estendeu o livro na minha direção – Bisneta de Levi, escolhida de Ellen, eu devolvo a você a nossa história, você deve proteger as escrituras e passar para as próximas gerações para que nossa história nunca morra.

Me aproximei segurando o livro com ambas as mãos- Eu prometo não decepciona-los

— Tenho certeza que não decepcionará – respondeu ele.

Olhei para Jake encostando o livro velho e desgastado contra meu peito, ainda precisava descobrir onde ele se encaixava em tudo isso e somente aquele livro antigo poderia me dizer, ele me puxou para seus braços me acolhendo contra seu peito.