50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 5
Capítulo 04


Notas iniciais do capítulo



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Capítulo 04 – A Loucura é um ponto de vista 

Você sabe mesmo a verdade? Ou te disseram ela?”

Ana se deixou levar pelas mãos de Christian ajudando-a com o cabelo molhado, ele secava os fios com a toalha, tentando não se molhar com os pingos, o paletó descansando na cadeira do banheiro e as mangas da blusa de linho branco dobradas. 

— Eu sei que não devia ter jogado comida na Elena e nem deveria ter apertado o copo de suco- a garota sussurrou para a surpresa de Christian. – Mas ela estava sendo irritante, eu odeio isso. 

A morena parecia novamente vulnerável, quase uma criança, enrolada em uma toalha grande demais, brincando com a barra entre os dedos enquanto a segurava para não cair. 

— Está tudo bem. Só não faça de novo, você pode chamar outra pessoa... 

— Eu chamei, Christian – ela se virou, fazendo o psiquiatra parar de secar seu cabelo. – Eu chamei você - confessou. – Mas você não apareceu. Eu sei que tem outros pacientes, mas você não apareceu em momento nenhum. Eu confiei em você, disse que não me doparia, mas eu tive pesadelos e não consegui acordar e nem me mexer. O que foi? Já está cansado de mim? 

— Não, é claro que não que não – ele negou rapidamente. – Mas eu não moro aqui, Ana, eu preciso ir para casa, preciso dormir... 

— Você pode dormir aqui. 

— Não posso. É contra as regras. Você não tem que entender essas coisas, mas é como são. Sou seu medico, eu tenho que te fazer melhor e não te mimar. Não quero ser grosseiro, não estou tentando te magoar, eu quero que confie em mim, mas... 

— Mas não pode ser legal comigo? 

— O que? Não foi o que eu quis dizer. 

— Foi sim! 

O psiquiatra suspirou e passou a mão pelo rosto, balançando a cabeça em  descrença. 

— Às vezes eu esqueço que você é uma bomba relógio - sussurrou. – Vem, tem que  secar esse cabelo se não vai ficar doente. 

— Eu já sou doente – Ana resmungou, virando-se novamente para ter o cabelo seco. 

Christian não contestou aquilo. 

Minutos mais tarde, quando saíram do banheiro, com Ana já vestida e o cabelo seco penteado, o quarto estava limpo, sua cama perfeitamente arrumada e havia outro jantar esperando-a. 

— Precisa comer – Christian insistiu quando a garota apenas deu a volta na mesa de carrinho e se sentou na cama. 

Ana havia ficado calada desde a conversa, não emitindo nenhum som mesmo quando Christian partiu seu cabelo no meio – uma mania que ele havia adquirido só para fazer a garota querer pentear o cabelo novamente e ela mesma. 

— Não quero – ela murmurou. 

Christian bufou, levando a bandeja até a garota. 

— Eu tenho que ir, não posso sair... 

— Até eu terminar de comer, eu sei – ela rebateu. 

— Então já que sabe, pode, por favor, comer? 

— Talvez eu não queria que você vá – ela  foi sincera. 

— Eu tenho um compromisso. 

— Comigo – ela devolveu. – Eu quem importo, eu quem tenho que melhorar. Tenho certeza que não tem nada de tão importante que você precisa fazer melhorar aonde você pretende ir todo arrumado assim. 

— É o jantar de noivado da minha irmã, se eu não for vai ter sim uma coisa importante que eu vá precisar melhorar: eu. Minha mãe vai querer quebrar os meus ossos se eu não aparecer. – ele empurrou o carrinho para mais perto dela. – Vamos, come. 

— Odeio que tenha vida – resmungou a garota enquanto destampava a bandeja. – Sou obcecada por você. 

— Percebi – ele sussurrou de volta. 

Ana o encarou. 

— Mas é porque você me acorda quando tenho pesadelos, não porque eu gosto de você de outro jeito – ela explicou. 

— Entendi. 

— Até porque seria muito idiota gostar do próprio medico, nada a ver. 

— Uhum – ele murmurou, segurando uma risada pela forma embaraçada que a garota começou a falar. 

Fofa, no mínimo. 

— Você sabe... – ela comentou, colocando a primeira colherada na boca, o coração disparando porque estava falando demais sobre coisas que não deveria. – Você tem que cuidar de mim e eu passo muito tempo com você, é só isso. Não pense outras coisas de mim. 

— Eu não penso, pode ficar tranquila- ele garantiu, não conseguindo segurar o riso dessa vez. 

— Para de rir de mim, eu só estava explicando – ela se irritou. 

— Já parei. Agora coma. 

— Para de me apressar- ela resmungou de boca cheia, resultando numa careta de Christian. 

— Não fala de boca de cheia – ele ralhou gentilmente. 

Os minutos se passaram, quase 20h e Ana terminava seu suco enquanto Christian recolhia as coisas de volta na bandeja. 

— Então... Você já vai? – ela questionou quando pôs o copo na mesa. 

— Eu volto amanhã – ele se virou para ela. 

— Às 7h? 

— Isso aí – confirmou. 

Ana encarou o cobertor azul sobre suas pernas e tentou puxar para algum fio para se soltar. 

— Eu, eu vou voltar – Christian garantiu, aproximando -se dela novamente. 

A garota levantou a cabeça e o encarou de volta. 

— Você acha que eu vou sair daqui? – foi direta.  – Digo, algum dia. 

Christian abriu a boca, mas nada saiu. Ele não sabia o que dizer a ela. Geralmente, um paciente  fazia aquele tipo de pergunta quando estava quase no fim do tratamento, quando as crises não aconteciam e ele mesmo já tinha decorado seus medicamentos e o horário. Um paciente que está ali há um pouco mais de uma semana não tinha nem mesmo condição de fazer aquela tipo de pergunta... E nunca um da Ala Z. 

— Olha, eu sei que eu não sou louca, e eu não sou idiota, eu sei o que quer dizer Ala Z – Ana continuou. 

— Não posso te responder isso – Christian falou. 

— Eu não estou pedindo um diagnóstico, só quero sua opinião – ela insistiu. 

— Ana, eu te conheço há alguns dias, não posso dizer isso, eu nem pensei nisso... 

A garota balançou a cabeça e desviou o olhar. 

— Desculpe – ela murmurou. – É que... Eu entendo que você não pensa nisso, você sai daqui e vê o mundo, você pode ir ao noivado da sua irmã... Droga, você pode ver a sua a e os seus pais! Você  pode ter amigos e fazer coisas... Mas eu não, então só o que eu penso é em sair... seja qual clínica eu estiver. 

Christian inspirou o ar e tirou o cabelo as garota dos olhos. Ela tinha a séria mania e deixá-los ali, como se não tivesse incomodando sua visão. 

— Às vezes eu esqueço que você é... uma paciente – ele sussurrou mais para si do que para ela. – É... eu não sei. Eu não sei se algum dia você vai sair daqui, mas eu espero que sim. 

Ele beijou a lateral de sua cabeça rapidamente e então se afastou. 

— Os calmantes ainda estão no seu organismo, não vão te fazer dormir, mas vão ajudar com os pesadelos – ele informou antes de abrir a porta. 

— Ainda prefiro você. 

O médico riu e apagou a luz principal do quarto, deixando apenas a da cabeceira ligada. Um aviso claro de que era hora dela se deitar e dormir. 

A garota bufou e se cobriu, deitando-se de barriga para cima. 

— Okay, eu vou dormir – ela resmungou. – Pode ir para o seu jantar importante enquanto não te taxam de louco por dizer que viu uma coisa que ninguém mais viu – ela disse baixinho, mas

Christian escutou.

Ana sabia que não podia sair do quarto depois da 00:00, ela deveria estar dormindo e Tiff – sua babá – já havia a colocado na cama duas vezes. Mas a garota estava inquieta. Era uma daquelas noites em que Ana não conseguia dormir, a insônia sempre a perseguiu desde bebe. Naquela noite seus pais estavam bem longe, teriam um fim de semana numa ilha que Ana não lembrava o nome, em comemoração ao décimo oitavo ano de casamento. Era bordas de alguma coisa, mas Ana não se lembrava enquanto desenhava na nela de casa. Estava fazendo um desenho para seus pais – por enquanto tinha a folha em branco, mas já segurava o lápis preto. 

Ana havia aprendido a ver a hora, naquela semana mesmo, e sabia – pelo relógio enorme da sala – que era 01h12min. Muito tarde, com certeza. Ana suspirou, tinha seus seis anos – quase sete – e tudo o que aprendia guardava como se já soubesse há anos. As pessoas diziam que ela tinha “memória fotográfica” e aquilo era um pouco chato as vezes, tipo quando ela não aprendia algo de primeira, mas todo mundo já estava esperando ela dizer de cor. 

A menina mirou a rua deserta, admirando o silêncio do mundo, se surpreendendo com a rapidez que o silêncio parou. Não fora alto, mas Ana ouviu, era na casa vizinha, sua janela dava direto para a sala de Phoebe, a menina de dezesseis que cuidava de Ana quando Tiff tinha folga e sua mãe precisava se uma ajuda. Os pais de Phoebe nunca estavam em casa, Ana nunca os vira. Em todo caso, o barulho da casa veio da porta da frente, que ficando na ponta dos pes, Ana conseguia ver através da janela. Era um homem. Ele usava uma jaqueta preta e grande em seu corpo, o boné tampava seu rosto e a escuridão da noite ajudava. Ana observou quando ele conseguiu encontrar a chave reserva que ficava na dobradiça da porta e entao entrou na casa, subiu as escadas e desapareceu. Ana deixou suas folhas e os lábios, subiu as escadas correndo – esquecendo do aviso de nunca correr nos de degraus – e entrou em seu quarto, indo direto para a janela, deixando a luz apagada. Do seu quarto podia ver o quarto de Phoebe, a menina sempre deixava a janela aberta porque ela e Ana trocavam desenhos e também conversavam gritando uma para a outra ate Carla entrar no quarto e mandar as duas calarem a boca. Ana tinha seis – quase sete – mas  tinha a vaga noção de que um homem entrando na casa de Phoebe, em seu quarto, tampando sua boca com um pano... Era errado. 

Mas ela não saiu do lugar. Não conseguia. Nem sabe se ele a viu ali, em seu próprio quarto, observando ele fazer coisas com o corpo de Phoebe enquanto a garota permanecia desacordada. Ana pensou em chamar Tiff, em ligar para o 911 como sua mãe ensinou quando houvesse emergência... por que aquilo era uma emergência, não era? Ele parecia estar machucando-a. Mas Ana não fazia ideia, não sabia como era machucar, não sabia como era sentir dor. Era engraçado sua mae lhe perguntando se não doeu quando tomou injeção ou quando caiu do balanço e ralou o cotovelo, Ana nem sabia o que era doer para poder responder aquelas coisas. Ela sabia o que era machucar, se alguem gritasse era porque estava machucando, e aquilo deveria ser parado imediatamente, quer dizer que era emergência. Mas Phoebe não estava gritando, continuava dormindo. Ela não se mexia, era como se estivesse paralisada. E Ana não sabia o que fazer. 

Ela estava lutando uma batalha interna entre ir chamar Tiff – com o medo as babá brigar com ela por ainda estar acordada – ou lugar para chamar ajuda – com medo se não ser uma emergência. Ela estava pensando demais e quando percebeu, o homem olhava para ela. Os olhos claros, mostrados pela luz do poste perto da janela, o boné já não mais em sua cabeça, a boca com uma cicatriz do lado e um brinco com pequeno diamante. 

Ana tinha o cabelo nos olhos – sua mãe reclamava que ela nunca tirava a maldita mecha que caía e tampava parcialmente sua visão – e talvez por isso ela não havia percebido que havia se machucado, sua testa estava sangrando por ter tropeçado e batido a cabeça no corrimão da escada enquanto corria, ela também não havia percebido que Phoebe acordara, que a garota deixou. Por isso, na manhã seguinte, quando Tiff quase deu um troço ao ver a testa de Ana e a menina contar tudo o que viu, os policiais estavam na casa de Phoebe, seus pais voltaram da viagem mais cedo com todo o ocorrido. Ana tinha dois pontos na testa, um band-aid vermelho no joelho e uma história sem sentido – aparentemente. Para Ana, tudo o que contou tinha sentido, desde o homem entrando na casa de Phoebe e então fazendo coisas que Ana imaginou que poderia estar machucando a menina. Na tese, aquilo fazia sentido, uma garota de seis anos- quase sete – iria inventar? Mas Ana não era uma garota comum, ela havia dormido com um corte fundo na testa, não reclamou nem um pouco quando limparam seu joelho que machucado, não sabia dizer que era dor e nem o que era realmente era machucar alguém... E pior, ela contava uma história que a própria protagonista dizia ser mentira. 

Phoebe negou durante dias e mesmo quando Ana foi internada – já com sete anos – pela primeira vez numa clínica psiquiátrica porque tinha acessos de raiva por não acreditarem nela, a garota continuou negando, e fazia questão de insinuar coisas como sonhos ou paranoia, como se Ana fosse... louca. 

Com o tempo, Ana começou a duvidar de si mesma, ela nunca mais vira o homem, não conseguia descreve-lo corretamente e os medicamentos a fazia esquecer os detalhes. Com o tempo, Ana nem se lembrava mais, paranoia, pesadelo, o que fosse, os flashes aconteciam em seus sonhos. Não existia Phoebe, apenas Ana e ele. Ela estava sempre paralisada, numa cama diferente a cada um deles, era horrível, sufocante e existia a dor. Num vida em que Ana nunca soube o que sentir dor, sentir realmente era o pior que podia acontecer com ela. 

A garota acordou ofegante e suada, seu coração batia tao rápido e forte que ela não conseguia parar para respirar. 

— Hey, hey, está tudo bem – alguém disse ao seu lado. 

A morena se virou rapidamente e encarou o homem. 

Médico. 

— Respira para mim, vamos la – ele falou, deixando o que quer que escrevia em seu colo na poltrona e indo ate Ana. – Respira – pediu novamente. 

A garota obedeceu, inspirando e expirando de forma profunda e lenta, os batimentos voltando ao normal e a pulsação também. 

— Conseguimos? – o médico sorriu quando a garota suspirou, recostando a cabeça na cabeceira, mas nunca baixando a guarda. 

— O que faz no meu quarto? 

— Sou o Dr. Hyde. Bom dia.

— Não perguntei seu nome, perguntei o que faz aqui. 

Hyde levantou as sobrancelhas e pegou o que fosse na poltrona, voltando a escrever algo na prancheta. 

— Eu entendo que o seu favorito é o Grey, mas vai ter que se contentar comigo também, vamos nos ver muito ainda – o outro comentou. – Aliás, bom dia – repetiu voltando a encara-la. 

Ana não esboçou reação. Ela podia não estar a base de medicamentos que a fazia surtar de raiva, mas sua personalidade não era das melhores. 

— Quero que saia – falou sem pestanejar. 

Antes eu Hyde pudesse lhe dar uma resposta – desnecessária, com certeza – a porta de seu quarto se abriu. 

Christian. Dessa vez ele vestia o uniforme de Priory, o cabelo não estava tão arrumado, mas o cheiro continuava o mesmo: maravilhoso. 

— Bom dia – Christian saudou a garota com um sorriso logo o fechando quando deu de cara com Hyde. – Você é rápido, Dr. Hyde. 

— Não durmo em serviço, Dr. Grey. 

Christian pegou a indireta sobre ter dormido no quarto de Ana, mas ignorar exatamente por estar na presença da menina. 

— Dormiu bem? – Christian questionou da forma mais profissional possível. 

— Não. O que ele está fazendo aqui? 

— Eu apenas estou aferindo seus sinais vitais – Hyde respondeu. 

— Todos os dias eu faço isso com você, só que você continua dormindo – Christian explicou. 

— Por que hoje é ele? – Ana não tentou esconder a hostilidade. 

— Nós dois somos os médicos da Ala Z, o Dr. Hyde também cuida de você, as vezes. Mas o plantão dele já acabou – Christian falou sugestivamente para o fato de Hyde ainda estar escrevendo na prancheta. 

— Só falta os batimentos. Espero que não se importe, Dr. Grey, é que eu não gosto de deixar um trabalho pela metade – o outro devolveu. 

— Bom, não é a mim que você tem que perguntar – Christian respondeu. 

— O que ele vai fazer? 

— Contar seus batimentos. 

Ana observou o médico colocar o estetoscópio e então baixar sua blusa o suficiente para posiciona-lo no lado esquerdo de seu peito. 

— Eu tive um pesadelo – ela confessou à Christian enquanto Hyde continuava concentrado olhando para o relógio no pulso. – Esse negócio me acordou, eu acho. Não paralisei – ela falou, indicando o colar no pescoço. 

Christian balançou a cabeça, sem querer falar para não precisar mentir mais ainda sobre o aparelho. 

— Quanto tempo? – ela questionou, já impaciente. 

— Um minuto – Christian respondeu. 

— Muito tempo. 

Ele sorriu. 

— Por isso faço enquanto está dormindo, você é muito impaciente – ele disse gentilmente. 

Ana deu de ombros e mirou o diafragma em seu peito, subindo e descendo, podia escutar baixinho o tum tum através das olivas no ouvido do outro psiquiatra. E foi por isso que ela percebeu, porque estava admirada com os seus próprios batimentos saindo por aquele aparelho esquisito, por isso percebeu o brinco de diamante na orelha do médico.

 

Estopim. 

Era isso o que movia Ana. 

Uma palavra, um detalhe, um brinco... 

Um estopim tirava o pior dela. 

Sabe aquela história de um passo para frente e dois para trás? Foi como se Ana tivesse dado uns quatro passos depois de um para frente. Ela sabe se realmente deu um passo seguinte, ou foi só resultado negativo. Foi como uma explosão, uma bomba atômica que atingiu todo mundo. 

— Desculpa pelo transtorno, eu também não sei porque essas coisas acontecem comigo – ela sussurrou, dois dias depois, quando acordo numa maldita sala branca, presa por tirar de espuma e o sistema tão ferrado de sedativos que ela jurava que viu unicórnios brincando numa nuvem acima de sua cabeça. 

— Está tudo bem – Christian murmurou. 

Ela finalmente havia voltado para o quarto, precisava tomar medicamentos que a deixava calma demais e injetar coisas na veia que ela não sabia o nome. 

Era como se tivesse sete anos novamente, era tão ruim quanto na época. 

— Você não consegue controlar tudo, e está tudo bem - ele continuou. 

Era quase meia noite, ela não dormia, Christian permanecia na poltrona ao seu lado. 

— Você não vai embora, não é? Por favor... – Ela pediu. 

— Vou ficar até voce dormir, eu prometo – ele sussurrou, inclinando-se até estar com os labios em seu cabeça, beijando gentilmente. 

— Então eu não quero dormir – devolveu ela. 

Christian riu baixinho, ainda com os lábios em seu cabelo. 

— Você tem um cheiro bom demais para eu querer que você saia daqui – ela murmurou. 

O médico baixou a cabeça e tocou a testa na dela, os narizes se tocando. 

— Vou voltar para você... Eu não posso ficar. Nem poderia está aqui agora, já passou da hora de eu sair do seu quarto. 

— Odeio regras. 

— É, eu tambem. 

O jeito que falavam era tao baixo quanto possível, como se só precisassem que eles dois escutasse, não as paredes ou o vento que entrava pela janela de tela. Somente eles. 

— Preciso de você aqui. 

— Não, você precisa dormir e nem vai perceber que eu não estou aqui. 

Ele nem sabia porque precisava tanto garantir que estaria com ela, era ate mesmo errado a garota adquirir dependência por um médico daquela forma. Mas Christian não podia mentir, gostava daquilo, gostava dela querer ele e não os outros, gostava de ser o preferido... queria que aqueles sentimentos não tivessem a ver com a mistura de emoções que sentia só em estar tao perto dela. 

— Você não entende – a garota resmungou, os olhos enchendo d’água de repente. – É horrível. Não me sinto segura... comigo. 

Christian se afastou minimamente quando a garota levantou uma das mãos e tocou em seu queixo, o pulso ainda vermelho vivo pela força que ele teve que exercer sobre ela para segura-la, o outro estava pior, as marcas das unhas que consegui arranhar fundo, tiras enormes e manchadas de sangue apesar de já ter sido cuidado. 

Ele pegou na mão dela e segurou, beijando seu pulso gentilmente. 

Não foi um ataque a um enfermeiro ou médico, foi a si mesma. Talvez por isso Christian ainda estivesse ali, talvez por isso ele estava indo contra o regulamento mais uma vez. Ana não tentou machucar ninguém além dela mesma. E aquilo o assustava e de repente o fazia querer ficar perto dela o tempo todo, afinal, não tinha como fazer ela se separar dela mesma. 

— Quando você sai daqui às 19h, eu tenho medo que você vá embora e não volte mais – ela confessou. 

Christian franziu o cenho. 

— Por quê? 

— Porque você é a única pessoa que consegue me acalmar, Christian. Você é a única pessoa que sabe me salvar.

E era mesmo. Christian fora o único que conseguiu fazer a garota voltar a si, mesmo que tenha sido depois de horas e horas tendo de ser sedada. 

— Eu vou voltar, eu sempre volto. Não precisa ter medo disso – ele insistiu. 

Ana piscou, fazendo as lágrimas escorrerem por seu rosto límpido e sem marcas finalmente. 

— E se não voltar? O que eu faço? 

Christian engoliu em seco. 

— Eu sempre vou cuidar de você – disse ele. 

Ana sentou -se na cama, cruzando as pernas em índio e o encarou, uma sobrancelha levantada e uma das mãos ainda segurando a dele. 

— Isso é uma promessa? – questionou. 

Uma promessa.

Promessas eram sempre o ponto onde um médico deveria parar, refletir e com certeza não fazer. Promessas não era a coisa dos médicos ou psiquiatras, enfim, você não lida com uma vida prometendo algo. 

— É, é uma promessa. 

Mas Christian o fez. 

Era uma promessa forte e com muito significado, exatamente o tipo de coisa que não se diz a um paciente. Ele estava prometendo que estaria com ela o tempo todo, que não a deixaria nunca. Christian não fazia ideia do quanto aquela promessa era poderosa. 

Ana sorriu verdadeiramente, mostrando uma covinha única na bochecha esquerda que Christian nem sabia que ela tinha. 

Okay, então talvez ele sabia o que estava fazendo, talvez fosse exatamente aquilo que ele quis dizer. 

— Obrigada por cuidar de mim  – ela sussurrou. 

Ele limpou seu rosto com as costas da mão que Ana o segurava, deixando -a sem lágrimas, apenas com o sorriso ainda nos lábios. 

— É sério, agora eu tenho que ir – ele se forçou a dizer, levantando-se em seguida. – E eu sei que você está com sono. 

Ana suspirou, mas balançou a cabeça em concordância. 

— Você volta às 07h, não é? – ela questionou, como fazia todos os dias. 

— Isso – ele confirmou, como sempre. – Então, você tem que me soltar para eu poder ir embora – ele insinuou, balançando própria mão qual a garota ainda segurava. 

Ela sorriu e apertou os dedos entre os dele. 

Ana não era acostumada a calor humano, não do jeito bom, pelo menos.  Era sempre para segura-la ou para aferir seus sinais vitais. Ela sabia que tinha culpa em grande parte. 

— Pode me abraçar? – questionou inocentemente. 

— Quer que eu te abrace? – Christian rebateu, totalmente surpreso. 

Ana sentiu as bochechas muito brancas ficarem cor de rosa. 

— Eu não lembro a última vez que deixei alguém me abraçar, então... é meio deprimente – ela confessou. 

Christian balançou a cabeça em entendimento e então se aproximou da garota, deixando -a passar os braços por seu pescoço enquanto ele abraçava sua cintura. 

Ele fazia isso com seus pacientes.  Muitos pacientes psiquiátricos, quando estão são o suficiente para se permitirem sentir alguma coisa, o sentimento mais preciso é o do conforto, quando você precisa tanto do calor humano que nada mais importar. Então, Christian estava o tempo todo sendo abraçado por seus pacientes. Ana era só mais uma. 

Só mais uma. 

Claro que ele não ficava pensando no fato do coração do paciente batendo contra o seu, ou no quanto o corpo do outro era quente. Aquele era o tipo de coisa que só acontecia quando ele estava com Ana. 

Tá, ela não era mais uma. 

Mas Christian precisava se forçar, porque ela precisava ser mais uma, era sua paciente, era errado pensar em qualquer coisa que não fosse coerente com aquele fato. Ele apertou os dedos na cintura dela e forçou-se a se afastar, tendo a garota tirando os braços de seu pescoço e descendo as mãos por seu peito... E então os lábios dela nos seus. Foi só um selo, mas ainda assim significativo e devagar, o encostar dos lábios sereno e suave. 

— Ana – Christian a repreendeu no mesmo segundo, tirando as mãos de sua cintura e dando um passo para trás. 

— Foi só um beijo inocente – ela riu. – Não precisa fazer drama. 

— Drama? Você é minha... 

— Paciente, eu sei! – ela conclui, revirando os olhos. – Eu espero que um dia... quando eu ficar boa , é claro, quando eu não precisar ar medicamentos e conseguir dormir sem ter pesadelos... um dia, você termine essa frase assim. 

Christian levantou uma sobrancelha e cruzou os braços, segurando uma risada pela ousadia da garota. 

— Você é minha. Essa é a frase que você quer? – ele questionou. 

— Uhum – ela confirmou. – Um dia... E você também vai querer, sabe disso. Mas é só daqui um tempo, quando eu ficar bem e nós podermos ir... – Ela tocou o queixo com o indicador, como se tivesse pensando, e Christian quis se xingar por achar aquilo fofo. – Hum, ao parque de diversões. Eu sempre quis andar na montanha russa. Nós vamos lá no primeiro encontro. 

— Eu acho que são  esses medicamentos, com certeza – ele murmurou. 

—  E eu acho que vamos nos casar um dia – ela devolveu. 

Christian suspirou e balançou a cabeça. 

— Boa noite, Ana – ele desejou, deu um beijo no topo e então apagou luz principal, abrindo a porta em seguida. 

— Boa noite... futuro marido – ela respondeu, ganhando uma risada se Christian antes do mesmo sair e fechar a porta.


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