50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 4
Capítulo 03


Notas iniciais do capítulo



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Capítulo 03 - Um sonho ruim

""Ela se fechou num mundo só dela, onde só ele pode entrar."

— Alguém importante

 

O relógio marcava três e quinze quando Ana deu o primeiro sinal. Não foi um estardalhaço, ela se mexeu para um lado e então para o outro, deitando de barriga para cima e forçando os olhos: um pesadelo.

Christian nada orgulhosamente havia caído no sono, mas com o costume leve de dormir, seus olhos se abriram no momento que a garota se mexeu. Os papeis em seu colo estavam completamente espalhados e a pasta de Ana no criado mudo.

— Não... - ela sussurrou em seu sono agoniado. - Por favor... Eu não quero.

Ela apertou o lençol da cama com força e pressionou a cabeça.

Christian se levantou devagar, colocou os papeis na poltrona e se virou para a garota no momento em que ela paralisou.

Foi instantâneo, era como se ela tivesse chegado em um momento específico de seu sonho, um momento que a fez ter tanto medo que a paralisou por completo.

Christian observou cada centímetro do corpo dela, se surpreendo quando viu seus dedos brancos demais ainda agarrando o pano do lençol.

Uma paralisação de sono não era assim, a pessoa não conseguia prender a respiração - como Ana estava fazendo - e muito menos mexer as mãos daquela forma, ter uma força tão grande que Christian ja podia ver o pano azul cedendo.

Era só um sonho ruim - muito ruim.
Ele tocou em seu cabelo, era apenas acordá-la, sem qualquer técnica psicológica ou coisa do tipo. Era um pesadelo e só.

— Anastasia - ele sussurrou, escorrendo a mão por seu cabelo embaraçado.

A garota que ainda prendia a respiração, soltou-a devagar, o peito subindo e descendo ritmicamente, as mãos soltando o lençol, os nós dos dedos mais do que brancos.

— Está tudo bem, foi só um sonho - Christian continuou, num tom gentil e baixo.

Ana não demorou abrir os olhos, completamente apagados e perdidos por um segundo e então ganhando vida ao que reconhecia onde estava.

Pela primeira vez depois que dormiu, não havia acordado na sala de força, com amarras e totalmente grogue. Ela estava no quarto, numa cama confortável e podia se mexer livremente.

— Eu acordei - ela murmurou.

— Com o que você estava sonhando? - Christian disparou.

Ana mirou seus olhos e reconheceu a expressão preocupada e confusa.

Preocupada...

Aquela expressão ela viu muito em seus pais ao longo de sua vida, mesmo que nos últimos tempos via mais cansaço e tristeza do que qualquer outra coisa. O negocio era que ela nunca vira em outra pessoa, não consigo, não para ela.

— Eu não sei - respondeu a garota honestamente.

— Como?

— Eu não lembro, nunca lembro - ela murmurou.

Christian franziu o cenho e desviou o olhar.

— Por que?

Ele voltou a encará-la. Como diria à garota que era um pesadelo, do tipo tão ruim que a fazia paralisar e pelo visto esquecer também, seu cérebro não processava tanta emoção.

— Você não deixou que eu me machucasse, não é? - ela questionou apressada de repente, sentando-se na cama enquanto se autoavaliava.

— Não, você não está machucada-  ele garantiu.

Ana mordeu o lábio inferior e apertou o colar com as mãos.

— Isso te avisou? - questionou.

Christian abriu a boca e então a fechou.

Ana parecia calma e serena, nada como a garota que deixou dois enfermeiros no hospital e tentou enforca-lo, e os mais impressionante: não era a garota que estava tendo um pesadelo há um minuto.

— É... Volte a dormir, é madrugada ainda - Christian falou, tocando os ombros da garota, forçando a se deitar novamente.

Ana o fez, o olhar desconfiado ainda ali, mas realmente estava com sono.

— Você não vai embora, não é? - ela exigiu.

O médico balançou a cabeça em negação enquanto cobria a garota. O sono dele ate havia passado, precisava ler todo o relatório das passagens de Ana por clínicas e suas internações. Havia algo de muito errado com aquela garota, e talvez sua mãe pudesse estar certa em algum aspecto.

Christian não acreditava muito naquilo há alguns minutos. Mas nenhum paciente na Ala Z podia ser tão são quanto Ana claramente era. Ou a morena era muito controlada a ponto de não surtar após um episodio de terror noturno, ou tinha um pouco de sanidade em sua suposta loucura.

— Eu fiz algo errado? Tem certeza que eu não me machuquei? - Ana voltou a falar.

— Você está bem e não fez nada de errado - ele respondeu no automático.

— Não parece, você está me olhando esquisito - ela insistiu.

— Não estou te olhando de jeito nenhum, Anastasia.

O labio inferior da garota tremeu e ela encarou os próprios dedos que ainda segurava o pingente vermelho do colar.

Ela sabia que as vezes era irritante, que sempre perguntava de mais e ninguem gostava daquilo.

É que ela queria saber, era seu corpo, afinal, e se não perguntasse ninguem falava. Os médicos sempre achavam que ela não precisava saber de nada, que ela não respondia por si então apenas seus pais tinham que saber, então quando ela perguntava eles se irritavam, era perda de tempo responder uma garota mentalmente instável.

Ana se virou de lado e fechou os olhos. Christian fora o único medico que a escutou e fez o que ela pediu, até lhe deu o beneficio da duvida confiando em si para dormir sem sedativos. Ela não queria perder aquilo porque estava irritando-o.

Christian se xingou mentalmente quando Ana se virou para o outro lado, não era sua intenção ser grosseiro. Pelo contrario, ele era sempre gentil demais com seus pacientes.

— Eu não quis falar assim com você - ele murmurou. - Ana, me desculpe - sussurrou bem perto de seu ouvido.

Ana se arrepiou quando sentiu o hálito quente do outro em sua pele.

— Eu não quis te irritar - ela murmurou com a voz abafada porque uma das mãos estava contra os lábios, numa mania chata de morder a própria pele.

— Me irritar? Claro que não. Eu só estou um pouco cansado e eu não sei nada sobre seu caso, isso não me deixa confortável - ele falou sinceramente, se sentindo uma droga de repente.

Ana era apenas uma garota assustada e que não sabia nada sobre o mundo, uma pessoa que até um 'oi' numa oitava mais alto era como gritar com ela.

Ele havia errado feio só pelo seu modo de falar.

— Eu sei que é difícil para você, é confuso e só piora quando as pessoas são hostis - ele murmurou, ainda bem perto de seu ouvido, Ana sentindo as vibrações diferentes em seu corpo. - Ninguem tem o direito de ser grosseiro com você a troco de nada. Muito menos eu. Me desculpe, isso não vai mais acontecer - ele garantiu.

A garota se virou de barriga para cima, os olhos rentes ao do outro. Ana se encantou. Foi a primeira vez, na verdade, que ela se encantou por algo. Havia toda aquela diferença de ambiente ali, desde que chegara, e então ela estava muito perto de Christian e aquilo abalou suas estruturas. Os olhos dele eram bonitos, tinhas ui brilho de coisa nova que Ana não via eu ninguem, era como se estivesse disposto a fazer de tudo, a salvar tudo. Era bonito... E era como a paz. Era bonito... Como seus lábios. Ana nunca havia se impressionado contatos físicos, imagine íntimos, mas ali ela se viu querendo algo a mais. Ela gostou quando Christian tocou seu cabelo, gostou quando ele falou perto de seu ouvido e seu corpo se arrepiou de uma forma boa... E estava gostando de sentir a respiração do outro contra a sua.

— Você é um médico legal - ela sussurrou. 

Christian engoliu em seco quando os lábios da garota quase tocaram os seus quando a mesma falou, obrigando-se a se afastar.

— É... Obrigado - murmurou Christian. - Volte a dormir agora, eu vou estar aqui quando você acordar - prometeu.

Ana balançou a cabeça e dessa vez se virou para o lado da poltrona, encarando o médico.

Christian, sob o olhar da garota voltou a ler seu relatório, tentando não dar atenção a ela para que a mesma voltasse a dormir. Mas era difícil não olhar de relance alguns segundos, sempre encontrando os olhos estupidamente azuis dela sobre si.

E a noite se foi, a madrugada passou rápido depois de Ana finalmente fechar os olhos, os dedos inconscientemente - ou não - segurando o pingente brilhante do colar, e os pensamentos de Christian se alterando dos relatórios quando observava o peito da garota subindo e descendo de forma rápida algumas vezes. Mas ela não teve outro pesadelo, e Christian não caiu no sono novamente... E terminou de ler o prontuário da Steele. 

Christian não gostava de se gabar, mesmo depois de estabilizar um paciente da Ala Z e ser conhecido como um dos melhores do país. Ainda estava em sua residência, não conhecia nem metade dos casos, não sabia diagnosticar sem uma segunda opinião e diversos livros a sua volta, mas os relatórios naquele prontuário e o comportamento de Ana não batiam. Era como uma pessoa inventada. Porem, ainda era cedo, algumas horas não faziam um diagnostico preciso, ainda mais mental. Não havia nada que ele pudesse fazer a não ser vigiar o sono de Ana e não lhe dar sedativos... E não, ele não pensava em como era bom poder apreciá-la enquanto a garota dormia.

Os laços que nos unem às vezes são impossíveis de explicar, a maioria na verdade. Eles nos conectam até mesmo depois de parecer que não existe sentido ele estar ali. Alguns laços desafiam o tempo e a lógica, porque algumas conexões simplesmente devem existir. Aquilo aconteceu com Ana e Christian. Ela não confiava em ninguém, a garota não virava as costas nem para seus pais porque não confiava neles. Mas ela dormia sem sedativos com Christian na poltrona ao lado da sua cama, ela deixava ele leva-la para o jardim de inverno - mesmo com o risco de ela tropeçar e se machucar - e também não se importava em esticar seu braço para tirar sangue ou que ele colocasse eletrodos em sua cabeça.

Confiar em Christian foi como respirar: automático e necessario. Ele não havia feito nada, ela apenas confiava nele. Foi tão de repente, que tinha que dar errado, não é?

O problema era que Ana confiar no psiquiatra não queria dizer que ela dormia a noite toda, que ela não tinha crises de pânico e que não queria matar os outros enfermeiros. Era surpreendente ela confiar em Christian, mas aquilo fazia apenas ele poder cuidar dela... Vinte e quatro horas por dia.

Inclusive naquela noite madrugada, ja passava das duas, Christian mexia no próprio celular sem sono depois de Ana acordar com um pesadelo e ele acalmá-la. Seu plantão ja tinha acabado, ele deveria estar em casa, ele deveria ter ido para casa nas últimas duas noites, mas não fora. Ele também não deveria estar ali naquele dia, mas esteve, e naquela madrugada ele devia estar dormindo em sua cama macia, mas estava ali, naquela poltrona ja família, jogando Candy Crush enquanto Ana ressonava baixinho, virada para ele.

A porta não estava trancada, estava ate aberta, apenas encostada, e por isso ele não ouviu quando Elena Lincoln - a chefe das enfermeiras - entrou no quarto.

— Por que está aqui? - ela disparou num sussurro, fazendo o psiquiatra quase jogar o próprio celular no chão.

— Qual é o seu problema!? Por quê entrou sem fazer barulho? - ele questionou irritado, a mão contra o coração disparado.
Elena suspirou.

— Eu estou fazendo ronda, com certeza não iria querer acordar a Garota Tyson - resmungou ela com acidez, dando um olhar de relance a menina dormindo na cama.
Christian revirou os olhos, tomando compostura.

— Os sedativos dela estão lacrados desde que ela chegou. Disseram que você suspendeu. Por que? Não é possível que...

— Minha paciente, eu sei o que é melhor para ela. E também sei que coloquei uma restrição do quarto dela, não quero mais ninguém aqui a não ser eu. 
Com pacientes da Ala Z, todas as normas e regras da casa deveriam ser em prol e apenas para o tal, tudo era moldado para eles e por eles. Entao, se Christian - como psiquiatra de Ana - percebe que a garota não quer contato com nenhum dos outros profissionais, ele faria com que nenhum deles entrasse em seu quarto. Elena estava ultrapassando as regras de Ana.

— Eu só estou fazendo ronda, como disse - a enfermeira falou na defensiva.

Christian a mirou seriamente.

Não gostava de Elena, não a achava uma boa enfermeira mesmo que ela fosse ótima em mandar nas outras. Ela estava sempre fazendo comentários indevidos e lixando as unhas grandes que estavam sempre pintadas com uma cor exuberante. Aquilo não era postura de enfermeira.

— E você? Com certeza não deveria estar aqui - ela rebateu.

Christian bufou.

— Isso não é da sua conta - devolveu.

Elena engoliu em seco.

— Bom, claro que é. Essa paciente também é minha e eu quero saber o que há de tão grave que você precisa dormir no quarto dela.

E aquela era mais uma infelicidade. Elena era a enfermeira de Ana, mesmo que a mulher ate o momento - em quatro dias - só houvesse dito seu nome à garota. Pelo regulamento, Christian e Elena deveriam trabalhar juntos no caso da garota, mas - ele admitia a culpa - não foi o que aconteceu. Talvez estivesse dando muita folga a Elena, mas a verdade era que ele não queria que ninguem cuidasse de Ana sem ser ele.

— Você parece cansado - a outra continuou falando. 

Só entao Christiam percebeu que mirava Ana - adormecida na cama - sem desviar o olhar.
O psiquiatra levantou de repente.

— Está quase na hora de mais um pesadelo dela, acredite, é melhor você não estar aqui - ele falou, indicando a porta para a enfermeira do cabelo platinado.

— Como sabe disso? - a outra desdenhou.

— Ao contrario de você, eu faço meu trabalho, Elena. Agora vai antes que ela acorde com você falando.

— E não seria melhor do que acordar com um pesadelo? Para mim seria.

— Boa noite, Elena.

— É sério, Christian, eu não te entendo...

— Voce não tem que entender, só tem que sair do quarto.

Elena bufou, virou-se e a contragosto saiu do cômodo. Afinal, ela não recebia para aturar uma garota mimada surtando por nada.

Mas Christian havia sido grosseiro e desnecessário com ela, e Ana também não tinha que fazer tanto drama. Era um absurdo a garota achar que podia ter um médico só para ela e ainda querer que ele fizesse tudo.

No outro dia, Christian percebeu que Elena não deixou barato a pequena discussão que tiveram, quando a Drª. Grey - sua mãe - o chamou para uma conversa séria, pouco depois das 19h.

— Voce precisa ir para casa, Christian - Grace falou, e não foi no tom de chefe e sim de mãe.

O que era pior. Ele não podia lutar contra o tom de mãe.

— Eu sei, eu vou, assim que ela dormir, prometo - ele garantiu, referindo-se.
Grace o encarou desconfiada.
Christian estava "dormindo" na poltrona do quarto de Ana há quatro dias. O psiquiatra podia sentir suas costas se quebrando aos poucos e sua cabeça explodia pelas horas não dormidas e o cansaço físico ja estava acabando com ele.

— Não, você vai assim que der o toque de recolher e está decidido - ela foi firme.

— Mãe - Christian suspirou.

Ele não chamava Grace de mãe na clínica, mas estavam na sala dela, e o olhar da mulher lhe dizia que chamá-la de Drª. Grey naquele momento seria suicídio trabalhoso, ele provavelmente só poderia voltar na outra semana.

— Eu sei que coloquei pressão em cima de você por causa dessa menina, mas está passando dos limites, isso não é nem um pouco ético. O que acha que vão pensar se souberem que um medico está dormindo no quarto da paciente... E com ela lá!?

— Que horror, mãe! - ele bufou. - Eu nunca faria nada desse tipo a alguém, imagine com uma paciente.

— Eu sei, eu conheço você, mas o que não falta no mundo são médicos querendo roubar seu emprego - Grace suspirou. - Bom, eu já conversei com Elena, pedi para que não comentasse com os outros colegas de trabalho, espero que ela me escute. Mas, preste atenção, se eu pegar você sendo menos do que profissional com Anastasia Steele, te tiro do caso dela e ainda te mando para o segundo andar. Seria um escândalo que outro caso como o de Leila acontecesse.

Christian endireitou a postura e encarou a mãe seriamente.

— A senhora sabe que tem algo errado com aquela garota, eu só quero descobrir, não tem nada a ver com a Leila, sem contar que eu ja falei o que aconteceu um milhão de vezes. Eu nunca toquei naquela garota - ele se stressou.

— Eu seu, filho, mas...

— Mas nada! Ou a senhora acredita  em mim ou não, eu sei que eu nunca fiz o que aquela psicopata falou.

Leila era um caso delicado para ele. Delicado e furioso, uma acusação falsa, marcas no corpo de alguém que ele nunca tocou e uma quase perda de sua licenciatura medica o fez odiar aquela garota tanto quanto Voldermort odiava Harry Potter.

— Você sabe das acusações dela, e ainda assim ficou no quarto com a Steele.

— O que isso tem a ver!? - Christian se levantou, completamente irritado e cansado. - Não é o conselho que me acusa, mãe, se não eu não estaria aqui, é você. 

— E-eu nunca... Meu filho, é claro que não.

— Chega. Eu preciso dar os remédios da Steele. Mas não se preocupe, a porta vai estar aberta e eu vou para casa assim que o toque de recolher tocar.

E assim o psiquiatra saiu da sala, ignorando os chamados da mãe e tentando pensar num jeito de como fazer o que acabou de dizer.

Ana confiava demais nele, ela confiava ao ponto de não se importar em tomar suco de melancia e comer cookies antes de dormir, mesmo que ela odiasse comer naquelas horas, seus pesadelos sempre eram piores quando comia.

Mas ela fez porque Christian pediu, porque ele disse que faria bem para ela... Ou talvez para ele.

Enfim, Ana acordou somente no outro dia, o lençol da cama estava ensopado de suor e seu cabelo grudava em sua roupa, o peito subia e descia de forma rápida e cansativa, mas sem parar um segundo, o único problema era o sol que ja tinha nascido e ela não havia acordado nenhuma única vez durante a noite.

Ela sabia o que era aquilo, já ferraram tantas vezes com seu sistema mental que a morena sentia os efeitos de um sedativo antes mesmo de ele ser injetado nela. Mas ela confiou em Christian, ele havia prometido que não faria aquilo.

Ana não saiu do quarto o dia inteiro, e também se recusou veementemente a tomar os remédios. Christian não lhe dava remédios. 

Não havia gostado de Elena – a sua tal enfermeira. A loira falava rápido demais para ela acompanhar e não colocava o celular no vibrador, fazendo o barulho das mensagens incessantes ser muito irritante para a garota. A enfermeira também parecia não ter gostado de Ana, não insistindo com os remédios orais e apenas injetando na menina com a ajuda de outro enfermeiro. Cruel, no mínimo, para Ana. 

Entenda, a menina havia sido mimada e cuidado de forma excessiva durante toda a sua vida, e – até ela sabia – o dinheiro de seus pais dava certo favoritismo aos médicos e enfermeiros com ela. 

Então, no fim tarde, de apenas um dia sob os cuidados de Elena, Ana estava mais do que com raiva, seu sistema nervoso estava a mercê de calmantes e ainda assim ela parecia que ia explodir quando a loira entrou em seu quarto pela terceira vez. 

— Trouxe seu jantar – a mulher resmungou enquanto segurava uma bandeja e então bufou. – Por isso odeio a ala Z, parece que sou empregada, tenho que te dá tudo na mão, porque os outros tem medo de pessoas com o você. 

Ana revirou os olhos e continuou mirando a janela. Era um dia chuvoso, não havia ninguém no pátio nem na grama. Não havia Christian em lugar nenhum. E Ana não iria perguntar a Elena. 

— Aqui, eu não tenho o dia todo – a mulher reclamou depois de colocar tudo na mesa de Ana e garota ao menos se mexer. – Eu estou falando com você, menina. 

Ana se virou lentamente.  

Estava com fome. Mas estava mais com raiva. 

— Vem logo que eu tenho que ver outro paciente, você não é a única privilegiada não – a outra falou com desdém. 

Ana se levantou, seguiu para a própria cama e encarou Elena. 

— Sai do meu quarto – falou calmamente. 

Elena levantou as sobrancelhas e mirou Ana em desafio. 

— Coma logo antes que eu mande alguém te segurar e enfie tudo na sua garganta, eu não estou com paciência. 

Ana cruzou os braços e recostou a cabeça na cabeceira da cama. Os calmantes não a deixavam querer atacar Elena, não a deixavam ao menos querer levantar da cama novamente, e faziam sua cabeça ficar meio grogue. 

— Eu não quero, eu só quero você fora do meu quarto, odeio você – ela falou de uma vez, mas devagar demais para o seu gosto. 

— Eu também não sou sua fã – a loira revirou os olhos. - Eu não posso sair e deixar você com o jantar, então para de graça, garota, come logo. 

Ana bufou e descruzou os braços, indicando que Elena podia colocar a mesa giratória a sua frente. A loira o fez e retirou a tampa, logo se sentando confortavelmente na poltrona, pegando o celular em seguida, aquele barulhinho de teclado irritava demais Ana. 

A morena pegou a colher de plástico e misturou a comida ate que virasse uma papa grossa e gosmenta. 

— Que nojo – Elena sussurrou depois de observar a menina se preparando para colocar uma colherada na boca. 

Antes que Ana se forçasse a comer, pegou o prato e jogou todo o conteúdo em cima de Elena. 

Era nojento mesmo, afinal. 

— Você não fez isso! – Elena se estressou, levantando-se em seguida, com nojo de colocar as mãos em si mesma, tinha comida ate no cabelo. 

— Eu fiz sim – Ana murmurou e então pegou seu suco. 

Maçã-verde. 

— Sua louca – a outra rugiu alto, o celular ainda em mãos, apertando os aparelho entre os dedos para não apertar a cabeça da paciente. 

Ana se virou totalmente para Elena, os olhos pegando fogo e o copo de plástico se quebrando em sua mão, foi suco para todo lado. 

— Eu não sou louca – gritou. 

Seu organismo ainda estava sob efeito de calmantes, ela podia senti—los, mas o time de seu corpo a eles era tanto, ou talvez fosse sua raiva que ultrapassa os medicamentos. De qualquer forma, a garota se levantou da cama e avançou em Elena, não se importando com a comida em cima a outra ou o suco derramado em si mesma. 

No entanto, a coisa toda não durou muito,  Ana apenas conseguiu marcar os pulsos e arranhar o rosto de Elena antes de outro enfermeiro entrar com os seguranças que já ficavam ao lado de sua porta. 

— O que está acontecendo aqui? – a própria Grace Grey entrou no quarto falando. 

Ana já estava sendo segurada por um dos seguranças, provavelmente fora pega por estar sob efeitos de calmantes, nem conseguia sair do aperto do grandalhão, ao menos conseguia tentar.

Ela não sabe se realmente tentou, estava tão cansada. 

— Taylor, coloque a Srta. Steele na cama, por favor – a chefe pediu. 

Taylor  - o segurança – gentilmente conduziu a morena para seu leito, ajudando-a a  se sentar quando a mesma se recusou deitar. Foi só então que a garota o viu: Christian estava na porta, não usava o uniforme, e sim um terno bonito e elegante, o cabelo estava arrumado e o cheiro de perfume caro invadia o lugar de um jeito que fazia Ana querer respirar fundo o tempo todo apenas para ter mais. 

— Ana, você está bem? – Christian questionou à menina, fazendo -a desviar o olhar do médico que observava. 

Grace se virou para Christian e então para Ana novamente. A mulher também estava muito bem vestida com um vestido azul escuro e echarpe preta brilhante. 

Mas Ana não gostava muito da médica em questão, na primeira vez que a viu a mulher já falava sobre tratamentos e terapias com seus pais, fora ela quem a colocou naquela ala, o corredor sem salvação. 

A morena balançou a cabeça e então começou a limpar a própria roupa, passando as mãos pelo pano molhado de suco de maçã, como se não tivesse atacado a enfermeira há alguns segundos. 

— Ela? Pra mim que você deveria perguntar isso, ela me atacou do nada. Eu achei que ela estivesse controlada – Elena reclamou num bufou. – Ela jogou a comida em mim e ainda tentou me matar, deveria estar numa camisa de... 

— Não, isso não pode! – Ana se estressou, os olhos denunciando o medo e a raiva pela mansão cruel de Elena, tendo Taylor novamente ao seu lado, pronto para segura-la de novo quando ela ameaçou sair da cama. 

— Você não decide! – a loira rebateu à ela. – Gente, foi totalmente do nada, ela não... 

— Chega, Elena! Eu tenho certeza que ela tem um motivo – Christian defendeu, entrando totalmente quarto. – Provavelmente estar sob efeito de calmantes não agradaria nem mesmo você. 

Elena bufou alto. 

— Ela quebrou meu celular- desconversou, sabia que não podia encher a garota de calmantes quando ela não estava nervosa e nem sendo agressiva, sem contar que nem médica ela era para decidir tal coisa. 

Mas falar do celular não foi uma saída muito boa. 

— Eu sinto muito, srta. Lincoln, mas celulares são extremamente proibidos quando estão no quarto de um paciente, a senhora como chefe da enfermagem já deveria saber disso sem ao menos questionar, Ana não será responsabilizada por isso. 

Elena balançou a cabeça, sabendo que não podia discordar, era sua chefe ali, afinal. 

— Claro, me desculpe, Sra. Grey. 

— Você pode ir, vá se limpar, mas depois passe na minha sala, vamos saber o que está causando desavenças entre você e sua paciente – a medica concluiu, dando espaço para a loira passar. 

Ana olhou para as próprias, percebendo ainda algumas marcas roxas nos pulsos e a pele um pouco mais morena pelas manhãs de sol que Christian a obrigou a tomar, mas fora isso não havia se machucado. Estava bem. 

— Ela gritou comigo – acusou a garota. 

Há algum tempo aprendeu que precisava dizer tudo o que um médico ou enfermeiros faziam com ela que ela julgava errado, desde a forma que falavam até onde tocavam em seu corpo. Aprendeu aquilo quando fez treze anos, numa clínica em Baltimore, quando o escândalo de um médico ter aliciado um garoto de quinze anos que tinha autismo e esquizofrenia paranoide grau 1. Ele nunca saía do quarto e ninguém nunca o visitava, só descobriram porque esqueceram sua porta aberta e ele tentou se matar com uma garrafinha de plástico cortada ao meio, da lata de lixo, o garoto foi levado direto para o hospital, os resultados dos exames foram assustadores. Foi a primeira clínica que Ana saiu porque seus pais a tiraram e não porque a transferiram. 

— Ela não sabe cuidar de mim – continuou. - Ficou gritando o dia todo e o celular ficou apitando, então eu quebrei, odeio aqueles barulhos – foi sincera, encarando Christian que agora estava a sua frente, ao lado da mãe. – Por que você não estava aqui? – questionou irritada. - Ela enfiou agulha em mim, – levantou o polegar para começar q enumerar as licitações de Elena – me enganou e me fez tomar calmantes, mexeu nas minhas coisas sem permissão e ainda entrou no meu quarto sem nem bater. Ah, e ela me chamou de louca. Não pode me chamar de uma coisa que eu não sou. Odeio ela – concluiu num suspiro. 

Christian mordeu o lábio inferior enquanto Grace ficava surpresa com o jeito que Ana simplesmente despejou tudo no médico, sem hesitar em confiar – mentindo ou não, ela apenas falou. 

— Agora eu preciso de um banho, derrubei o suco de maçã verde... Foi de propósito. E eu também joguei comida nela, de propósito. 

O psiquiatra segurou o riso com a forma sincera que a garota falava como se não fosse nada, e Grace não sabia bem o que fazer. 

— Claro, claro. Trocar a roupa molhada, arrumar o quarto... Jeffrey, você pode cuidar disso? – a doutora pediu ao enfermeiro que permanecia parado ao lado da porta, que prontamente concordou com a cabeça. 

— Eu posso fazer isso – Christian tentou. 

— Sr. Grey... – Grace começou, o tom em forma de aviso que ele já conhecia bem. 

— Ela é minha responsabilidade – ele insistiu. 

— Nós temos um jantar agora e você está de folga hoje. 

Ana se levantou da cama e tocou o braço de Grace, surpreendendo a todos com sua delicadeza que só existia quando ela queria pegar uma flor do jardim sem amassa-la. 

— Eu não vou dar trabalho e também posso ajudar a arrumar, assim ele vai embora bem rapidinho e vai cuidar de mim – ela murmurou num tom baixo e cadenciado. – Eu prometo que vou ser boazinha. 

Naquele momento Christian ligou o foda-se para o que sua mãe poderia dizer, ele com certeza cuidaria de Ana até a garota dizer que ele podia ir... e ele não se importaria se ela nunca dissesse. Não naquele momento. 

Grace abriu a boca e então a fechou. Ela tinha que lidar com pessoas diferentes todos os dias, cada uma com sua personalidade diferente, nenhuma a deixava balanceada a ponto de mudar de ideia sobre algo pessoal.  Mas de repente, Ana era uma exceção, o jeito que a menina parecia tão consciente de si e do mundo ao redor, como ela sabia o que deveria falar e quando falar, ela sabia dizer detalhes e descrever o próprio sentimento. Era como uma garota de dezenove anos apaixonada pelo seu filho. E aquilo era perigoso. Mas antes que Grace pudesse dizer que Jeffrey cuidaria muito bem dela, a menina já estava tirando a blusa, logo se virando para a porta onde ficava o banheiro, chamando por Christian para vigia-la. 

E o Grey foi.


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