Shura nem parou em lugar nenhum naquela noite, estava irado e foi direto para sua casa. Assim que chegou já foi desabotoando sua camisa e pegando sua própria garrafa de absinto na cozinha, afinal quem precisa daquele bar e daquela mulher?

Ele precisava.

Apesar do preparo da bebida ser exatamente igual, com a taça, com a colher estilizada e os cubos de açúcar, a bebida não parecia tão boa agora. Definitivamente não era mesmo, já que a bebida do bar das Astérias era única e degustá-la na companhia de Rosalia era bem melhor, mas como ela mesma falou ele jamais colocaria os pés naquele bar, nunca mais.

Ele saboreou seu absinto e foi dormir, não falou com mais ninguém pelo resto do final de semana. Quando chegou na segunda-feira, a sua vontade de ensinar, treinar, viver propriamente dito era menor que zero.

Gostaria de evitar o mundo se pudesse mas não era uma opção ficar em casa trancado. Shura fugiu de todos o máximo que pôde, principalmente de  Aiolos.  Evitar o Cavaleiro de Sagitário não foi uma tarefa fácil mas o fez pelas duas semanas que se passaram.

Agradeceu aos Deuses por já ser sábado novamente.

Já no conforto de sua casa e pensando muito, ele não tinha digerido ainda o que tinha acontecido no bar, concluiu que realmente havia sido um idiota falando com a Rosalia daquela maneira.

Este sentimento o corroía por dentro, tanto que nem havia conseguia dormir nos últimos dias. Passava as noites em claro observando as estrelas da sua janela e esta noite de sábado seria igual, se não fosse a sábia decisão que havia tomado.

Iria até Afrodite na próxima manhã e pediria para ele fazer o buquê mais bonito que ele conseguisse. Ele então se vestiria bem, iria entregar as flores para Rosalia e pedir desculpas, de joelhos se fosse necessário, mesmo que depois ela o tocasse para fora daquele bar a pontapés.

Shura agora observar as estrelas com mais calma, sentado no confortável sofá embaixo da grande janela do seu quarto, que lhe dava uma vista privilegiada de Rodorio. O homem estava ansioso para entregar aquele presente e fazer as pazes com a sua amiga. Estava quase dormindo ali mesmo encostado no parapeito até perceber algo estranho, havia fumaça ao longe junto de uma luz trêmula.

Ele sabia exatamente da onde vinha, sabia bem até demais.

Saiu correndo e quase caiu quando desceu as escadas, fez tanto barulho que acordou até seus vizinhos mas nem se importou, apenas saiu correndo com a roupa do corpo sabe-se lá para onde.

— Shura!? — Agora era Afrodite que gritava da porta da sua casa enquanto via o amigo correndo.

— Mas o que…— Kanon também saiu em disparada por sua porta enquanto Tétis via tudo pela janela do andar de cima.

— Que merda vocês fizeram agora?! — Máscara da Morte saiu de sua casa um pouco atrasado seguido por Fatma, não estavam entendendo o que acontecia ali.

— Gente! É o bar das Astérias! Ta pegando fogo!

Estando no segundo andar da casa que dividia com Kanon, Tétis era a única que podia ver o que estava acontecendo e gritou para os amigos. Assim que entenderam a situação, todos saíram correndo em disparada atrás de Shura.

O caminho que o Cavaleiro de Capricórnio normalmente fazia rápido agora parecia ser infinito, quando misturado ao desespero que ele sentia.Tudo ficava ainda pior quando percebeu que, quanto mais se aproximava do bar, mais aquele brilho avermelhado e a fumaça aumentavam.

Assim que conseguiu chegar e desviar da multidão que se formou em volta do local, pôde ver de perto aquele inferno, literalmente. Estava muito quente e ele conseguia ouvir apenas o estalar das madeiras e os vidros estourando, enquanto o fogo consumia tudo.

O cavaleiro só pensava naqueles olhos verdes intensos, até uma mão pequena puxar seu braço.

Uma das funcionárias do bar veio até ele coberta em fuligem e machucados, ela falava absolutamente desesperada enquanto ofegava e chorava por causa da fumaça.

— Senhor Shura! A Rosalia ainda está lá dentro!

— O QUÊ?!

— Ela tirou todos de lá mas ainda não saiu. Você precisa salvar ela, eu imploro!

Shura não respondeu e nem pensou duas vezes, assentiu com a cabeça e foi em direção ao bar em chamas.

O cavaleiro chutou aquela porta com toda a sua força. Assim que conseguiu entrar, varreu o lugar com os olhos  e encontrou o que estava procurando, Rosalia estava imóvel embaixo de algumas mesas.

Será que ela…?

Não, Shura nem pensou nesta possibilidade. Correu como raio para onde ela estava e imediatamente começou a tirar aquele entulho de cima dela. Pegou aquela mulher desfalecida nos braços e assim que o fez sentiu sua respiração fraca e seus olhos verdes abrindo-se lentamente sem estar muito consciente.

Shura não teve nem tempo de agradecer, pois assim que se deu conta o prédio já estava desabando sobre suas cabeças, só pôde pensar em proteger aquele corpo delicado embaixo do seu.

Quando os outros cavaleiros chegaram já era tarde demais, o prédio havia ido abaixo e só se podia ouvir agora o barulho da multidão enquanto os bombeiros e policiais chegavam.

Não iam esperar ali sem fazer nada.

— Shura! Rosa! Aonde vocês estão? Responde!

Kanon gritava alto chamando seus amigos enquanto jogava alguns entulhos de lado, assim como Tétis, Afrodite e Máscara da Morte faziam. Todos estavam igualmente desesperados e perdendo as esperanças quando ouviram o Cavaleiro de Câncer chamando.

Máscara da Morte havia encontrado os dois embaixo dos escombros, agora estavam tentando tirar eles de lá a todo custo.

— Shura!? Shura! Acorda cara, acorda!

Os ouvidos de Shura chiavam, sua visão não estava focando e suas costas doíam de uma maneira que nunca doeram na vida.

O cavaleiro estava confuso e mal se lembrava do que tinha acontecido. Assim que aquele homem ferido se deu conta que não estava com Rosalia em seus braços, tentou se mexer mas não conseguiu, pois estava muito debilitado para fazer qualquer coisa.

— Aonde...Rosa?

— Calma, ela já está sendo cuidada. Vocês foram encontrados nos escombros, você conseguiu! Se seu corpo não segurasse o impacto ela estaria morta.

Tétis bem que tentou acalmar Shura, mas logo ele perdeu a consciência mais uma vez.

Ele já não tinha noção de quanto tempo havia passado, seus olhos ainda não estavam focando direito e todo o seu corpo doía como se um caminhão tivesse passado por cima dele, na verdade uma construção inteira. Deu-se conta de que estava na cama de um hospital quando percebeu um par de olhos bem conhecidos o observando, sentado ao lado da cama.

— Bom dia, raio de sol! Máscara da Morte foi resolver a sua papelada no hospital, Afrodite foi buscar algumas coisas pra você, Tétis foi pra casa e eu fiquei de babá para você não surtar quando acordar. Como se sente?— Kanon tinha este dom de não perder o humor não importa a situação, nem sempre era oportuno mas seus amigos já tinham se acostumado.

— Meu corpo inteiro dói, o que aconteceu? — Shura estava ainda confuso e passava os dedos entre os cabelos tentando afastar um pouco a dor de cabeça, que era a menor das suas dores no momento.

— Você não se lembra? O bar das Astérias pegou fogo. Você saiu correndo e nós saímos atrás de você, quando chegamos já tinha tudo ido abaixo. Teve sorte de só se queimar pra caramba e não quebrar nada.

— Aonde esta a Ro…

— Calma, eu já ia chegar nesta parte, ela está neste hospital também, viva. - Kanon nem o deixou terminar, sabia que esta era a informação que o amigo estava procurando.

 - Eu quero ver ela, em qual quarto ela está?

— Então...você não pode ir ver ela agora. Sabe, você está se recuperando e ela também, não é bom ficar andando pelo hospital, descansa e depois a gente fala sobre isto, pode ser?

— Claro que não! Eu quero ir ver ela agora. - A esta altura Shura já tentava se levantar da cama, mesmo com seu corpo todo lhe gritando para que ficasse deitado.

Kanon queria preservar o amigo mas não viu nenhum desfecho bom para aquela situação.

— Ela não está acordada, Shura. Como chegou muito ferida, acabou indo direto pra UTI, está desacordada e ninguém sabe se ela vai mesmo acordar, me desculpa.

Neste exato momento, o mundo de Shura parecia ter parado e se destruído instantaneamente logo em seguida. Ele estava completamente perdido agora e precisava digerir melhor a informação que tinha acabado de receber.

— Eu...só quero tomar um ar.

Kanon não o parou desta vez.

Shura agora estava sentado em um corredor qualquer do hospital e mantinha a cabeça baixa. Aquele homem não conseguia pensar em nada, só queria que toda aquela dor, tanto física quanto a emocional, fosse embora de uma vez mas nada era tão simples para o Cavaleiro de Capricórnio.

— Eu acho que você precisa de um desses agora. — A mão que estava lhe oferecendo o café não era tão familiar mas reconheceu a voz imediatamente, era Aiolos que veio lhe trazer café e um ombro amigo.

Ele está disposto a conversar com você Shura, por favor volta lá, por mim.

As palavras de Rosalia voltaram a sua mente no mesmo instante em que ergueu a cabeça e encontrou Aiolos sentado ao seu lado.

— Obrigado.

— Quer conversar?

Shura apenas assentiu com a cabeça, aceitou o café, a companhia e a conversa sem reclamar desta vez.

Todos estavam certos, ele não poderia fugir daquilo a vida toda por mais que quisesse.

Continua...