Naruko Uzumaki não conseguia ver cores em seu mundo.

Encarava o espelho e mesmo assim tudo parecia estar em preto e branco, até mesmo seu cabelo dourado deixava de ser colorido devido a vida que vivia. Desde sempre fora uma garota mimada, que tinha todos os vestidos que seus pais podiam pagar, na infância tinha todas as bonecas das lojas de brinquedo e principalmente acesso aos melhores cabeleireiros da cidade. Apesar de toda mordomia, Naruko não se sentia a vontade com tudo aquilo, afinal de contas, “ela” não estava em seu corpo. Naruko sempre preferiu roupas folgadas e bermudas que iam até o joelho; brinquedos violentos e uma bola de futebol; principalmente só queria uma máquina para dar um trato no cabelo. Naruko preferia ser chamado de Naruto e dizia para si mesmo sempre que havia nascido no corpo errado.

Fazia alguns anos que Naruto havia descoberto o conceito de ser uma pessoa trans. Agora com seus dezoito anos, sabia que na verdade ele não era a menina delicada que seus pais tanto queriam que ele fosse. Naruto era um garoto preso em uma realidade não heteronormativa.O Uzumaki queria apenas poder usar roupas masculinas e agir de maneira máscula para ser chamado e considerado um homem pela sociedade, mas seu corpo denunciava seu sexo biológico e isso deixava seu mundo de ponta a cabeça. Seus pais tentavam desesperadamente deixar “Naruko” mais feminino, acreditando que ele era apenas uma garota sem jeito para feminilidades. O loiro não tinha coragem de quebrar a bolha de sua família assim, então mesmo sofrendo vivia como uma garota marionete.

Depois de minutos encarando o espelho, seu ódio por seu rosto delicado e seus longos cabelos loiros só aumentava. Ele não aguentava mais viver aquela mentira, viver naquele mundo sem cores. A tesoura em sua mão denunciava o que ele faria a seguir. Suas longas madeixas hidratadas estavam presas em um rabo de cavalo apertado, e com um pouco de receio, levou o objeto cortante até o elástico, finalmente se desfazendo de tudo depois dele. Os longos fios caíram na pia, misturando com a água gelada da torneira. Apesar do corte certeiro, Naruto ainda tinha pequenas partes onde seu cabelo continuava longo. Ao tentar cortar, acabou acertando parte de seu dedo, abrindo uma pequena ferida no seu indicador. Uma quantidade pífia de sangue escapou, mas o que chamou atenção mesmo de sua mãe foi o grito agudo que havia dado. Kushina Uzumaki invadiu o banheiro daquele que considerava filha, e se deparou com o garoto com cabelos tão curtos que lembravam a de um homem.

Foi a primeira vez que Naruto viu sua mãe chorar.

Enterrou todas as expectativas da mãe na água que caia da torneira que não fechava com maestria. Seu coração doeu ao notas as lágrimas da matriarca: não porque era choro, e sim porque parecia que ela só o amaria se ele tivesse longos cabelos sedosos e usasse vestidos rosados.

Apesar de tudo, Naruto agora enxergava o vermelho de seu sangue.