Revolution of the Daleks escrita por EsterNW


Capítulo 3
Entre tantas paredes


Notas iniciais do capítulo

Ester:
Um pouco de pontualidade britânica nessa tarde, já que se trata de Doctor Who -q
Boa leitura ;)



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Senhores do tempo. O suprassumo da arrogância universal. Lordes do planeta Gallifrey que amam usar um carnaval de roupas pomposas e se gabar de seus domínios sobre as leis do espaço e tempo. E seu povo.

Havia tanto tempo que não via tantos senhores do tempo no mesmo lugar... Talvez a última vez fora em uma de suas últimas visitas a seu planeta natal na regeneração anterior. E não que estivesse ocupada em contar quantos senhores do tempo estavam lá, já que havia preocupações maiores e mais importantes naquela ocasião.

Agora, em um lugar sem graça como aquele, podia se dar ao luxo de contá-los. Aliás, podia se dar ao luxo de contar qualquer coisa. Contou quase uma dúzia de guardas diferentes durante aqueles dias e quatro celas entre a sua e o caminho para o pátio em que era levada para interagir com os demais prisioneiros.

Ao menos supunha que haviam se passado três dias, considerando que eram levados diariamente para interagirem entre si. 

Será que aquilo era um experimento? Daqueles tipos de experimentos sociais, onde trancavam um número X de pessoas em uma sala para ver como reagiam? Ou uma experiência biológica? Não podia deixar essa opção de lado depois de ter provado a água dada junto de seu último prato de comida, quando reclamou de sede. Aquilo parecia água com vermífugo. Não que ela deliberadamente tenha provado um vermífugo antes pra saber qual era o gosto. Será que achavam que ela tinha vermes? Será que a queriam desintoxicar por dentro? Ou envenená-la?

Ah se pelo menos alguém naquele lugar não fosse igual aquelas paredes lisas e sem graça da sua cela! Aquilo estava começando a dar nos nervos... Principalmente aquele senhor do tempo com ar de detetive noir, que insistia em conversar com ela travando enigmas e com aquele ar de... O que? Ah, deixa pra lá... Foco, Doutora!

Certo, senhores do tempo. Em uma prisão. Uma prisão para senhores do tempo? Todos eles haviam cometido um crime? Ela havia cometido um crime?

Sem perceber, acabou levando uma colherada da papa insossa até a boca, deixando com que o objeto caísse de volta para o prato com um baque. Ao menos a água com gosto de vermífugo tinha gosto, agora, aquilo? Era a mesma coisa que comer reboco de parede. E isso porque o reboco de parede devia ter gosto, ao menos supunha.

E por que a obsessão com paredes?

Bem, ela não parecia ser a única a ter obsessão com aquelas coisas sem graça que envolviam a todos, pontuou para si ao ver um casaco verde escuro abaixado em um ângulo de 45º graus ao da mesa em que estava sentada. Olhou para um lado, para o outro e para os senhores do tempo comendo de seus pratos mecanicamente. 

Em segundos, escorregou para a mesa que estava a duas de distância da sua. E ninguém percebeu. Apenas o senhor do tempo com ar noir, que insistia em observá-la vez ou outra. Devia perguntar o nome dele qualquer dia desses. Isso se ele não propusesse outro enigma para essa resposta.

— Parece que você se deu melhor do que eu em conseguir alguma resposta dessas paredes, não é mesmo? — Ela abriu a boca para comentar assim que a senhora do tempo voltou para a mesa em que ficava solitária boa parte do tempo. 

Rani a olhou com seus olhos escuros, capazes de perfurar alguém apenas com o olhar. Sim, Rani. Aquela mesma que estudou com ela na Academia e fez parte do grupinho de dez amigos. Como se chamavam mesmo? Bem, não importava. O que importava no momento era que estava frente a frente àquela mesma senhora do tempo sem escrúpulos e que encontrou algumas vezes em suas encarnações anteriores. Cabelos curtos e castanhos, os lábios e traços finos e certas rugas aqui e ali. Mas definitivamente ela.

— Não é da sua conta — disse ríspida e colocou algo dentro do bolso de seu sobretudo.

— Ora, vamos, não precisa ser assim. — A Doutora estalou a língua e tentou soar simpática, enquanto era encarada com dureza. Rani nunca tinha sido a simpatia em pessoa. Podia até contar quantas vezes viu-a sorrir. E isso a encarnações atrás para ambas. Talvez na época da Academia? Okay, aquilo não era o ponto em questão. — Tudo bem... — cantarolou, tentando mudar de assunto para ver se dava certo. — Faz muito tempo que você está aqui? Eu cheguei não tem muito tempo e ainda estou entendendo como funcionam as coisas por aqui. — Sorriu com simpatia no final, porém, a outra encarava o próprio prato.

— Fez-se perceber. — Foi a única coisa que comentou.

— É, eu sou meio espalhafatosa. — Riu-se de si mesma e viu a senhora do tempo empurrar a comida para o lado. — Comida horrível, não é mesmo? Eles poderiam ser melhores nesse quesito. Não que precisem nos tratar como um hotel cinco estrelas, mas já provei comidas melhores em prisões.

— Você é sempre tagarela desse jeito? — ela rebateu, cruzando os braços e claramente incomodada. Não que ela não parecesse incomodada o tempo todo.

— É, além de espalhafatosa eu também falo bastante, é um hábito. — Meneou a cabeça e colocou as mãos sobre a mesa, analisando a outra enquanto dizia sem muita pausa. — Mas é que sou bem curiosa também, sabe? E até agora não consegui descobrir muito bem que lugar é esse. Ou por que estou aqui. São muitas dúvidas, pra falar a verdade...

— Não vejo porque quer que seja eu a respondê-las — a outra rebateu, impaciente.

— É difícil conversar com qualquer um nesse lugar, não parecem estar à vontade para isso. — Não pareciam estar com vontade para nada, pontuou para si mesma. — E eu percebi você mexendo em algo na parede, então decidi perguntar... — A Doutora percebeu quando Rani ergueu as sobrancelhas em irritação, quando voltou para o primeiro assunto. — Você não estava sendo lá tão discreta.

— Não estar visível pelas câmeras é o suficiente — respondeu sucinta.

— Então há câmeras aqui! — ela exclamou. Não tão alto, pois tinha noção que isso era algo importante demais para a sala toda saber. — Onde elas estão? Você estava em um ponto cego delas, por isso não estava visível — deduziu com uma rapidez de poucos segundos.

— Você está em frente a uma agora mesmo — Rani disse como se fosse óbvio.

A Doutora olhou para trás, vendo apenas os senhores do tempo sem graças das outras mesas. E as paredes sem graça. Olhou para frente, além de onde estava. Paredes sem graça. Para os lados, o cenário não era lá tão diferente. As paredes...

— As câmeras estão nas paredes, é isso? Atrás das paredes! É claro! Eu sabia que tinha alguma coisa nelas para serem tão sem graça assim! — A Doutora se empolgou, elevando a voz e quase se erguendo da mesa, atraindo os olhares para ela.

É, ela tinha esse costume de falar alto demais às vezes. Era difícil de evitar.

— Estou surpreso em ver que finalmente fez uma amiga, Rani — uma voz masculina disse às costas dela e a senhora do tempo olhou para trás. Um rapaz de tez morena e olhos amendoados as encarava com um sorriso brincalhão. — E justamente a novata.

O recém-chegado em seu campo de visão se sentou ao seu lado no banco. Rani pareceu murmurar algo sob a respiração e continuou encarando-os de braços cruzados.

— Você tem feito bastante estardalhaço pelo pátio — ele comentou e riu para si mesmo. — Nunca ouvimos alguém falar tão alto desde que chegamos aqui, não é mesmo, Rani? — Sem resposta, o senhor do tempo voltou o olhar para a Doutora. — Bem, não se importe com ela, Rani tem um mau humor crônico, se bem a conheço. — Riu-se para si mesmo, recebendo uma reclamação da senhora do tempo do outro lado. Apenas ignorou. — Costumam me chamar de Monge. 

A Doutora segurou a boca para não abri-la em surpresa. Contudo, sua cara de espanto certamente era difícil de disfarçar.

Certo, não apenas estava em uma prisão no espaço lotada de seu povo, como também dois de seus antigos colegas estavam na mesma situação que ela. Considerando os problemas que eles arrumavam pelo universo, não era de se admirar que iam acabar encarcerados cedo ou tarde. Mas os três juntos? Era muita coincidência. Coincidência demais para ser tão simples assim.

— E você? Como se chama? — ele reiterou a pergunta, que ela sequer ouvira da primeira vez, fazendo a Doutora perceber que era encarada com curiosidade pela dupla.

Seu nome? Ora, ela seria reconhecida tão logo pronunciasse a primeira sílaba! E quantos mais naquela sala não a conheciam? Quantos ali não haviam ao menos ouvido falar dela?

Não não não não, não podia dizer que se chamava Doutora. John Smith era batido demais? E parecia não cair tão bem, agora que era mulher. Certa vez Yaz comentou que era estranho. Joan Smith? Jane Smith? E por que Smith? Qual era o nome que disse naquela ocasião...

— Ba... Basil! — exclamou alto quando a lembrança veio à mente. — Me chamo Basil — repetiu com confiança dessa vez.

— Bem, Basil — Monge começou, — acho que o bate papo vai ter que ficar para outra vez.

Ela encarou a porta, na mesma direção que o senhor do tempo mirava. Os guardas estavam de volta para guiá-los de volta para suas celas.

Enquanto alguns deixavam o pátio para trás e viravam à esquerda, outros iam para a direita, restando para ela seguir em frente em fila indiana com seus vizinhos de cela. Assim como todos os demais prisioneiros faziam.

Era de se impressionar como conseguiam tanta ordem naquela prisão com tanta facilidade. Eram senhores do tempo, afinal de contas! Por que se renderiam tão fácil daquele jeito, feito zumbis sem vontade?

— Parece até aquele seriado que o Ryan gosta de assistir — comentou para si mesma. Ninguém respondeu e ninguém a censurou. — Talvez ele tivesse mais comentários pra fazer. É chato ter que conversar com você mesma o tempo todo.

Ninguém respondeu. Apenas o guarda a encarcerou de volta em sua cela. Sem visão do lado de fora outra vez. Apenas alguns passos em sincronia se afastando. Dois, seis, dez, até sumir no corredor.

Sentia falta de companhia, não dava para negar. Toda vez que ficava sozinha por muito tempo, costumava começar a falar em voz alta, mesmo que não tivesse ninguém para responder. O que era bem chato. Chegava uma hora em que começava a se cansar da própria voz.

Você tem coisas mais importantes para se preocupar, Doutora. Oh, é mesmo! Você está certa. As paredes.

Olhou para as quatro paredes de sua cela. Cinzas. Sem graça. Passando as mãos por uma delas, pôde sentir a textura lisa e fria, como já havia constatado quando chegara ali. E as câmeras? Como Rani as descobriu? Talvez com a ch... Droga, tinha se esquecido que a chave de fenda sônica estava sendo inútil ali.

Por que não estava funcionando? Estava quebrada? Não, não podia ser isso...

Passos outra vez? E dois dessa vez. Dois, quatro, seis. Pararam. Alguns segundos. Três, seis, nove... Alguém havia se juntado a eles? É, parecia que a rotina era quebrada de vez em quando.

 

 


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Notas finais do capítulo

Ester:
Pra quem não conhece, a Rani e o Monge são dois Senhores do Tempo que apareceram na série clássica. Nos tempos de Academia, havia um grupo com dez alunos, chamado Deca, e do qual faziam parte o Doutor, o Mestre, a Rani e o Monge, cada um com codinomes na época.
E que tanto a Doutora encucou com essas paredes?
Até sábado que vem, povo o/

Will:
E a Doutora vai conhecendo mais gente por aí, alguns velhos amigos. Ela está se habituando. O que estão achando de tudo? É sempre motivador saber o que acharam da história, nos contem nos comentários, mesmo apenas um "gostei" ou "isso podia ter ficado melhor" é sempre bem vindo.

CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO:
— Basil… - começou e se interrompeu, pensando um pouco melhor. - Tem ideia do porquê de ter falado com você no primeiro dia?

[...]

— Agora entende, não é? Perfeito, achei que teria de expor tudo.

[...]

— Há quanto tempo estão aqui? - perguntou ainda a raciocinar, o largando e erguendo a cabeça.
— Hum, nas medidas de tempo de Gallifrey eu diria que...