Demons escrita por shewasevans


Capítulo 3
II. A resistência de Angelina Johnson


Notas iniciais do capítulo

Boa noite? Bom dia? Quanto tempo... Eu realmente não sei se alguém acompanha aqui, mas... Após um tempo considerável resolvi postar esse capítulo que, por incrível que pareça, estava pronto logo que publiquei o anterior. Divirtam-se (ou não) com a leitura e nas notas finais irei explicar o porquê da pausa. Até lá!



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Aos cinco anos de idade, Angelina Johnson manifestou o primeiro indício de que o sangue que orgulhosamente pulsava em suas veias era mágico.

Uma característica, é claro, advinda de sua mãe: Rosa Davis Johnson, uma das bruxas que comandavam o Departamento de Cooperação Internacional da Magia no ministério norte-americano.

Aos cinco anos de idade, Angelina Johnson foi abandonada – junto de sua mãe – por seu pai: Henry Johnson, um trouxa britânico que, apesar do dito amor por ambas, não era capaz de suportar a ideia de que a magia maculasse a sua frágil família em formação.

Era um homem de aparências, afinal. E, para ele, a gota d’água fora o alvoroço que sua pequena filha causara ao flutuar diante do espantado olhar do nada simpático casal de vizinhos do sobrado ao lado. Então, assim que os obliviadores deixaram o local – e dois trouxas muito confusos – para trás, Rosa voltou do trabalho para encontrar apenas Angelina junto de um bilhete. Um pedaço de papel arrancado às pressas de um caderno qualquer cujas palavras, em caligrafia descuidada, enredaram-se à mente de ambas a fim de formar um inescrutável emaranhado que jamais pôde ser desfeito, mesmo com o passar dos anos: “Me desculpe, mas eu não pude mais aguentar”.

A pequena Johnson vira o desespero refletido nas íris muito verdes do pai e sua impetuosa corrida para fazer as malas – sem se dar o trabalho de lhe dar uma explicação qualquer que fosse. Notara, também, o vazio penetrante nos olhos cor-de-terra da mãe – idênticos aos seus – ao ler algo que sequer poderia ser chamado de carta. Mas, ainda assim, não chorara.

Angelina Johnson resistira, mesmo sendo apenas uma criança. Mesmo confusa e assustada. Até porque, o reflexo em pedaços do que fora sua mãe parecia implorar por cuidado e, mesmo temendo aquela nova realidade, a garotinha era a única ao redor para desempenhar tal papel.

 

 

Aos sete anos de idade, Angelina Johnson se mudou para Londres. Afinal, Rosa – agora somente — Davis conseguira um cargo no ministério bruxo da Grã-Bretanha. Então, tendo apenas uma à outra, ambas arriscaram desbravar o novo, dar uma chance ao recomeço.

A pequena – absurdamente ativa e corajosa para a sua idade – fora matriculada em uma escola trouxa de alto nível a fim de dar continuidade ao ensino básico até que fosse agraciada com sua carta de Hogwarts – ou mesmo de Ilvermorny. Então, passou a conviver com um seleto grupo de crianças pertencentes à alta classe londrina. No entanto, não fora capaz de fazer um único amigo ou amiga. E, pela primeira vez em sua vida, provou de algo amargo que por muito tempo lhe fora desconhecido: a reprovação, o preconceito.

Aos sete anos de idade, Angelina Johnson tomou conhecimento do que era ser uma menina negra e filha de uma mãe solteira em meio a uma sociedade que, como seu pai, vivia de aparências.

E a garota mentiu para Rosa, guardando para si a excruciante dor dos olhares vigilantes que pareciam perscrutar mesmo o canto mais íntimo de sua alma. Garantiu para si mesma que estava tudo bem, mesmo quando os sussurros sobre sua pele ou a ausência de Henry Johnson pareciam ressoar aos seus ouvidos até quando mantinha a cabeça fortemente apertada contra o travesseiro. Chegou mesmo a acreditar que tudo ficaria bem quando a curiosidade passou a ser sobre os seus cabelos, mas os toques – muitas vezes sem permissão — em seus cachos apenas afirmavam o óbvio: ela não pertencia àquela lugar.

Sob o peso de todos aqueles nomes feios e dedos que lhe apontavam, sentia-se esmagada e poderia – até mesmo, deveria— ter chorado. Porém, não o fez.

Ao longo de três anos, Angelina tentou se encaixar. Assim, diariamente, pedia para que a mãe alisasse os seus revoltosos cachos cor-de-avelã com magia até que as feições infantis fossem emolduradas por um penteado reto e sem volume. E, quando os fios serpeavam lisos por seus ombros, a garotinha se estranhava. Não se achava bonita. Mas era preciso, não? As pessoas gostariam mais dela daquela jeito. Não gostariam? Com o tempo, ela descobriu que não. Mesmo com tais esforços, sua pele ainda apresentava o tom de um céu noturno sem estrelas. A cor pela qual era julgada. Havia magia no mundo capaz de mudá-la? Como perguntaria isso à mãe? Envergonhada, calou-se. E, ao observar a própria face no espelho, Angelina se odiou.

Afinal, quem era aquela em que havia se tornado? E, no auge de seus apenas dez anos, não reconheceu quem lhe encarava do outro lado, embora o entristecido olhar cor-de-terra fosse o mesmo.

Então, por mais um ano, a Johnson mais nova resolveu que tentaria ser invisível. Não mudaria os cabelos com as poções pelas quais tanto implorara à Rosa, mas os manteria em tranças muito apertadas para que pudesse escondê-las sob um capuz fora de casa. Sempre que pudesse, manteria o rosto voltado para os próprios sapatos. Usaria cores neutras. Ou seja, tentaria ao máximo não se destacar – mais do que já o fazia – dentre os outros.

Contudo, o universo não compusera Angelina Johnson para que ela fosse mais uma na multidão.

E, logo ela compreenderia isso, pois – às vésperas de completar onze anos de idade – duas cartas lhe foram endereçadas: uma advinda de Hogwarts e outra oriunda de Ilvermorny.

Por fim, Angelina Johnson resistiria por mais um pouco, tomada pela sensação de que o melhor capítulo de sua história estava prestes a ser escrito.

 

 

Aos onze anos de idade, Angelina Johnson embarcou no monumental Expresso de Hogwarts. Para o mais completo alívio de sua mãe, uma vez que a escola selecionada fora aquela localizada no Reino Unido. Até porque, atraída por um forte desejo em seu coração e como impetuosidade era o seu nome do meio, a menina perdeu pouco mais de alguns minutos analisando a carta norte-americana antes de optar pela outra, a determinação refletida em suas íris muito escuras.

Ainda na estação, um curioso grupo de pessoas lhe chamou a atenção: uma enorme família na qual todos os membros possuíam flamejantes cabelos alaranjados e sardas que pareciam se espalhar por toda a extensão de suas epidermes muito claras. Contudo, o olhar de Angelina foi atraído, em especial, para os dois garotos idênticos que aparentavam ter a sua idade e, devido às brincadeiras que lançavam à mãe, não pareciam ter um pingo do nervosismo presente nos demais primeiranistas – incluindo ela própria.

E, aparentemente, o seu olhar fora tão intenso que a Johnson acabou atraindo a atenção de um deles para si. Porém, no instante em que seus olhos se cruzaram – o azul límpido dele com o ordinariamente castanho dela –, a garota voltou a concentração para a própria mochila abarrotada de botons personalizados de jogadores e times de futebol. Ainda assim, sentia as íris dele queimando sobre si como intensos raios solares, trazendo-lhe recordações – não muito distantes – das experiências nada agradáveis que obtivera nas salas de aulas trouxas.

— Ei! — uma voz estranha a chamou e, voltando o queixo para cima, Angelina percebeu que aquele gêmeo se materializara em sua frente com um sorriso gigantesco nos lábios.

E, de súbito, a negra se irritou. Um nó familiar se atando em seu estômago. Afinal, as provocações já começariam sem que pudesse sequer chegar ao castelo antes?

— O que foi? — respondeu defensivamente, apertando ainda mais a mochila contra o peito enquanto aquele par curioso de olhos continuava a analisar cada parte de si com um cuidado que jamais recebera antes.

— Eu só queria falar que estava olhando porque... — e, de repente, parte do entusiasmo se fora, dando lugar a... O que era aquilo? Timidez?

A julgar pelo rubor súbito em suas bochechas, a falta de receptividade dela o envergonhara, afinal.

Confusa, Angelina fechou os olhos e esperou, mentalmente construindo uma parede de tijolos ao seu redor para que o insulto dele, qualquer que fosse, não a atingisse em cheio.

— Eu... Eu gostei dos seus negócios coloridos na mochila! É alguma coisa de trouxas? E... Ei! Você gosta de Quadribol? — perguntou-lhe animado, recuperando-se logo do baque causado segundos atrás e quebrando alguns centímetros da defesa tão fortemente armada por ela.

Botons? Ele queria conversar sobre botons com ela?

Então, a sugestão de um sorriso nasceu em seus lábios cheios. Afinal, por mais que não compreendesse, o olhar que recebera fora de fascínio e em nada continha o desprezo com o qual se acostumara.

E, assim, iniciou-se a amizade entre Angelina Johnson e George Weasley.

Sendo que, mesmo que ambos não pudessem perceber, aquele era o começo de algo que os entrelaçaria para o resto de suas vidas. Então, com a troca de algumas frases, ela logo descobriu que o nome dele era George e que, na verdade, ele e seu gêmeo, Fred, eram segundanistas. E, como a aranha Charlotte de um de seus livros trouxas favoritos, a menina logo se viu tecendo uma teia de amizades para além do par de ruivos: Lynx, Lee, Hannah, Oliver, Katie e todos os outros que viriam com o passar dos anos.

Fazendo, portanto, com que Angelina Johnson se sentisse recompensada por sua resistência.

 

∞ 

 

Aos quinze anos, Angelina Johnson desejou agredir – porém sem causar muito dano— George Weasley. Afinal, aquele que se dizia o seu melhor amigo não fora capaz de compreender um sinal sequer – dos inúmeros que tentara lhe enviar – de que a garota gostaria que ele a convidasse para o baile do Torneio Tribruxo.

Sim, ela compreendia que era uma mulher empoderada.

Sim, ela sabia que não dependia dele para que pudesse comparecer ao evento.

Sim, a festa possuía malmente metade da importância das tarefas e perigos pelos quais Cedric e Harry estavam passando.

Mas um grandessíssimo que se foda.

Pois, irracionalmente, Angelina Johnson queria que George Weasley a convidasse para aquele estúpido Baile de Inverno. Até porque, se tivesse que fazê-lo por conta própria, sentia que seu estômago afundaria com o peso das diversas borboletas que ele parecia abrigar na presença do ruivo. Ou, ainda, que seu corpo inteiro entraria em combustão mediante o calor que parecia emanar dele para ela, derretendo o seu bom-senso por inteiro.

Até que, para a completa fúria dela, de Lynx e – surpreendentemente – de George, Fred a chamou para o baile. Mas, como explicou mais tarde para o par de amigas irritadas, aquela era a sua espécie de plano genial para fazer com que o outro gêmeo criasse coragem e tomasse uma atitude.

E, por uma única vez, Angelina teve de admitir que o outro melhor amigo estava certo.

— Angie? — a voz daquele que, ultimamente, roubara todos os seus pensamentos a chamou alguns quartos de horas mais tarde e a garota odiou a forma como ele soube exatamente onde encontrá-la: nas arquibancadas do Campo de Quadribol, o seu local preferido para pensar.

Porque, ao que indicava, ele conhecia cada mísero pedacinho dela e, ainda assim, escolhia ignorar certas partes.

A garota cogitou ficar em silêncio no escuro, contudo...

— George? — ouviu-se respondendo, abraçada aos próprios joelhos enquanto tentava enxergá-lo para além do brilho azulado emitido pela varinha que ele empunhava.

— Eu queria conversar com você — e, pela primeira vez em muito tempo, George Weasley parecia nervoso diante de Angelina Johnson.

— Sim?

— Você... — ele parecia lutar com as palavras — Você não pode ir ao baile com o meu irmão — declarou, afundando no banco ao seu lado como se houvesse um peso gigantesco em suas costas.

E a frase, ao mesmo tempo que provocou a faísca de alguma coisa no peito da artilheira, proporcionou-lhe um sabor azedo à boca.

Onde ele queria chegar com aquilo? Nem mesmo ele tinha o direito de lhe dizer o que fazer.

Não posso? E por que eu não posso? — questionou em uma mescla de confusão e teimosia, arqueando uma das sobrancelhas escuras ainda que, intimamente, concordasse com ele.

Mas George precisava dizer. Angelina queria ouvir as palavras exatas.

— Porque você precisa ir ao baile comigo! — ele respondeu frustrado, tomando as mãos dela nas suas em um gesto igualmente gentil e exasperado.

Será que ela caíra de cabeça das arquibancadas e estava delirando? Não poderia ser, pois o toque dele era real demais para ser ignorado. E, lutando contra as milhares de borboletas que agora tomavam seu estômago, pensou que, se aquela era uma tentativa de convite, era ainda pior que a de Fred.

— Eu preciso... O quê? Isso é um convite ou uma exigência? Quem você acha que é para me dizer o que fazer, George Weasley?

Idiota. Idiota. Idiota.

Ele e, certamente, ela.

A impaciência era palpável, embora o martelar frenético do próprio coração aos seus ouvidos fosse ensurdecê-la a qualquer segundo.

Afinal, qual rumo perigoso aquela conversa tomaria a seguir?

Mas, para a sua surpresa, o suspiro seguinte do ruivo transbordava rendição.

— Eu? — ele questionou, aproximando consideravelmente ambos os rostos. A fraca luz emitida pela varinha acabou por delatar a vivacidade febril em suas íris cor-de-céu. — Eu sou aquele que ficou fascinado por você desde o momento em que nossos olhos se cruzaram em King Cross e os seus pareciam saber de coisas com as quais eu jamais poderia sonhar. O seu melhor amigo. Eu sou aquele que sabe de todas as merdas fodidas pelas quais você passou e faria o impossível para voltar no tempo e impedir que todas elas te machucassem. O idiota que te irrita diariamente porque eu sei que vou ser recompensado com o sorriso mais bonito desse mundo e o som mais incrível que já ouvi: o da sua risada. Aquele que trocaria tranquilamente a vassoura pela torcida no Quadribol apenas para te assistir. Porque você é uma verdadeira força da natureza! Dentro e fora do campo — e a intensidade contida em sua voz parecia fazer com que correntes elétricas percorressem a espinha de Angelina. — Mas, acima de tudo, eu sou George Weasley: alguém completamente apaixonado por você, Angelina Johnson, mas covarde demais para chamá-la para esse baile estúpido até que meu irmão idiota o fizesse! — admitiu, finalmente, em um rompante de frustração misturada à necessidade, as palavras libertando os sentimentos que ambos haviam enclausurado por todo aquele tempo.

E ela o calou, tomando a face salpicada de sardas dele entre seus dedos e unindo ambos os lábios em um beijo que há muito esperava para ser dado.

— Eu ainda preciso perguntar... Isso foi um convite? — ela provocou em um sussurro, desgrudando a boca da dele apenas alguns centímetros.

— Isso foi um sim? — ele devolveu, encarando-a com as sobrancelhas alaranjadas unidas à medida que a esperança reluzia no olhar azulado.

— Você é um idiota, George Weasley.

— Logo atrás de você.

E, pela primeira vez na vida, Angelina Johnson não resistiu, rendendo-se aos sentimentos que, por anos, nutriu por seu melhor amigo.


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Notas finais do capítulo

O que falar desse capítulo que foi, basicamente, uma das coisas mais difíceis que já escrevi? Bem... Por mais que eu goste absurdamente da personagem e tenha a história dela amarrada na minha cabeça há tempos, a vivência de Angelina Johnson como uma mulher preta é algo que não se encontra no meu local de fala. E, por isso mesmo, demorei tanto para tentar expressar sentimentos e dores que não vivenciei devido aos meus privilégios. Logo, boa parte desse capítulo (e da minha própria Angelina) é baseado em conversas incrivelmente enriquecedoras que tive com uma das melhores (e mais pacientes) pessoas do mundo: a Luane. Sou incrivelmente grata pelas inúmeras trocas que tive com ela e pelo tanto de coisas sobre as quais ela já me fez sentar, ouvir e refletir. O que seria da minha Angelina Johnson sem ela? O que seria de mim sem ela? Lua... Eu mal tenho palavras para expressar o orgulho e gratidão gigantescos que sinto em ser amiga de uma pessoa tão extraordinária quanto tu. Você é luz, meu amor. Afinal, esse capítulo jamais teria saído sem você e, por isso mesmo, é inteiramente dedicado a ti. Sei que não fiz jus a tudo o que já me falou, mas essa é uma singela e humilde tentativa. Amo tu.



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