73ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Mariiidesa


Capítulo 4
03. Desfile


Notas iniciais do capítulo

"Welcome to your life
There's no turning back"
(Lorde - Everybody Wants to Rule The World)



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Loki e eu somos levados ao Centro de Treinamento, um prédio gigantesco não tão bonito por fora quanto os que vimos pela janela do trem, mas há uma atmosfera poderosa em volta dele. Imagino quantos tributos já passaram por ali enquanto somos conduzidos até uma sala que se parece uma ala de hospital. Tudo é cromado, há cortinas separando as vinte e quatro mesas metálicas dispostas em forma circular, habitantes da Capital com visuais muito mais exóticos que o de Tikki passeiam agitados organizando instrumentos que nunca vi na vida. Minha acompanhante parece bem normal perto deles.

            Há apenas dois pares de cortinas fechadas. Provavelmente os tributos do Distrito 1. Todos os olhos estão sobre nós quando Loki é levado a uma cabine do lado esquerdo da sala enquanto sou guiada até uma do lado direito. Dois deles vêm ao meu encontro, andando lentamente de braços dados enquanto cochicham entre si. Um homem extremamente pálido com cabelos azuis cortados de uma forma bem despojada; e uma mulher baixinha de cabelos e olhos cor de ferrugem que tem cílios tão grandes e desenhos tão bonitos pintados nas pálpebras dos olhos que é difícil não a encarar toda vez que ela pisca. 

            — Sou Prisca, senhorita — diz ela, então olha para seu parceiro — E este é Lutenier. Estamos aqui para deixá-la linda.

            — Não que precise de muito — completa Lutenier em um tom galanteador pelo qual eu não esperava. Prisca franze o rosto delicado e o acerta com uma cotovelada nada sutil. Imagino se são namorados ou algo do tipo — Perdoe minha indiscrição, srta. Jaeger, só estou surpreso com sua aparência. Não esperávamos por um rosto tão... angelical

            — Ele está certo. Estávamos prontos para...

            — Uma versão feminina do meu pai? — Sugiro deixando que um sorriso malicioso se forme em meus lábios. Eles arregalam os olhos como se eu de repente pudesse avançar em suas gargantas. Seria bom se os outros tributos tivessem esse tipo de reação à minha presença. — Estou brincando, bobinhos. Vamos lá, me deixem linda.

            — Quando acabarmos, estará irresistível — diz Lutenier colocando a mão na base de minhas costas a fim de me guiar até a mesa. Ele me deixa sobre os cuidados de Prisca e caminha até as cortinas para fechá-las.

            Sempre achei depilações doloridas, e não fazia muito tempo desde a última vez que eu fizera uma, mas Lutenier e Prisca tiraram quase minha alma. Como se não bastasse, sou submetida a limpezas de pele, esfoliações, massagens dolorosas para corrigir minha postura – que nunca imaginei que precisasse de correção – e duchas que lançam jatos de água que mais parecem agulhas tentando furar minha pele. Ao terminar, no entanto, sinto-me renovada e leve, e minha pele tem um aroma floral extremamente envolvente.

            Fico sozinha sentada em uma mesa de outra sala, sem cortinas e muito melhor ambientada para a qual meus preparadores me levaram, enquanto espero que meu estilista apareça. Prisca não parou de falar dele por um instante sequer durante todo o processo de preparo, sendo agraciada pelo silêncio ou comentários curtos e secos de Lutenier. Aparentemente era um assunto do qual ele já está cansado. Imagino se quem está na cabine à minha esquerda é a garota do 1 e se a da direita é do 3. Ambas estão em silêncio, com mil e um pensamentos perturbadores passando por suas cabeças, assim como os que tento evitar.

            Depois do que parecem horas, as cortinas são abertas, e meu famigerado estilista entra. O mesmo que fez as roupas épicas do Distrito 2 nos Jogos de Grill. Houve toda uma polêmica em volta delas, uma que poderia ter gerado consequências muito graves. No entanto, aqui está ele, e é a minha vez de ficar surpresa, porque ele não se parece nem um pouco com as aberrações da Capital.

            Frako é o mais próximo do que posso chamar de perfeição. É mais jovem do que eu imaginava. Tem traços delicados e uma postura altiva, acentuada pelas roupas – calças pretas justas cheias de rasgos e fivelas e uma camisa branca de mangas curtas – deixando à mostra os braços magros, porém definidos completamente preenchidos por tatuagens prateadas. Não usa maquiagem, a única coisa que noto de estranho em seu rosto são os olhos prateados, que tem um efeito quase hipnótico sobre mim.

            — Uau! — Diz ele depois de um tempo me encarando.

            — Eu deveria dizer isso — Digo. Ele sorri com o canto dos lábios rosados e pede que eu vá até ele com um gesto de mãos. Obedeço, então ele segura com delicadeza meus dedos e me gira, se afasta e apoia o corpo nas costas de uma das poltronas da sala.

            — Tire essa camisola horrível para eu ver como trabalharei com seu corpo.

            — Como?!

            — Desculpe-me, amor. Talvez eu tenha me expressado mal — ele apressa-se em se corrigir, e ri com o que acho ser constrangimento — Como trabalharei a roupa nos moldes do seu corpo.

            — Qual é a sua ideia este ano? — pergunto.

— No seu caso, precisaremos de muitos patrocinadores já que os Idealizadores vão dificultar e muito as coisas para você e seu primo. — Ele segura minhas mãos e olha para minhas unhas. — Teremos que apelar um pouquinho, o que me leva à duas perguntas...

            — Faça — digo, agora livre da hipnose daqueles olhos prateados e abalada demais por aquele comentário, me remeteu automaticamente à conversa desagradável que meus mentores e eu tivemos no trem. Pode ter sido completamente aleatório, claro que dificultariam para os Carreiristas, ou seria um jogo injusto para os que nunca treinaram na vida. Ainda assim, algo em mim me diz que eu realmente posso estar sendo mandada como uma ordem de execução. Se for verdade, o que me resta é lutar dobrado para fazer todos eles engolirem aquela história sobre legado e honra, mostrar que não podem decidir quem vive ou morre na arena senão os próprios tributos. Ou a própria sorte.

            — Primeiro, o quanto se sente segura com seu corpo? — A pergunta de Frako me tira imediatamente de minhas neuroses.

— O suficiente — dou de ombros.

Deixo que a camisola caia no chão. No Distrito 2, normalmente somos ensinados a nos orgulhar de nossos corpos, afinal, treinamos e seguimos dietas rigorosas para mantê-los fortes e saudáveis. Não há muito pudor nisso, e eu teria apreciado a expressão satisfeita enquanto os olhos do estilista rodeiam meu corpo, contudo, sinto-me murchar assim que percebo que ele terá de ver minhas costas. É a única parte de mim que me envergonho, e Frako não demora a parar atrás de mim e retirar gentilmente meus cabelos. O arfar indisfarçado me revela seu choque, e tremo ao sentir suas mãos frias sobre minha pele, delineando uma das cicatrizes. Escuto-o sussurrar alguma coisa, algo que se parece com o que é...

— Brutus é exigente... — tento explicar, forçando um sorriso. — Isso vai atrapalhar?

— Não, fique tranquila. — Ele repousa a mão ternamente sobre meu ombro, mas é visível que ainda está afetado pelas marcas das punições.

— Você tinha outra pergunta?

            — Sim! — exclama — O quanto se importa com o formato de suas unhas? 

            — O quê? — Mas que diabos...

—-----

            A voz melodiosa de Frako me diz que posso finalmente me olhar no espelho. Depois de horas sem poder ver nada do que estava sendo feito em mim, quase não me reconheço. Meus cachos escuros estão grossos e macios, descendo em cascatas até um pouco abaixo de minha cintura. Há uma espécie de coroa de louros em minha cabeça, que ele diz haver sido feita de prata. Minhas unhas estão pintadas em um dégradé de preto e prata e lixadas em forma de garras, meus lábios estão rubros como sangue, parecem mais cheios do que realmente são; meus olhos estão delineados com o desenho de asas que parecem bater quando pisco, realçando o verde água das irises com o qual Enobaria sempre implicara.     

            Contudo, o mais exuberante é o que ele fez com a roupa. Ou com a falta dela. Era isso o que ele queria dizer com apelar um pouquinho. Uma espécie de armadura de prata com alças que envolvem meu pescoço como um colar cobre apenas meus seios, deixando o abdômen totalmente nu e uma saia do mesmo material curtíssima são as únicas coisas que escondem as partes mais privadas de meu corpo. Minha pele toda tem um brilho prateado, que no escuro, faz com que eu pareça a própria Lua, só que com uma luz mais sutil e humana. Em meus pés, sandálias pratas de salto alto que envolvem metade de minhas panturrilhas, coisas com as quais só saberei andar graças ao design confortável que meu incrível estilista criou.

            — Não é algo fantástico nem genial, mas atrairá muita atenção — diz ele, talvez pensando que minha falta de reação significa que não gostei. — A armadura representa o lado militar do seu distrito, o brilho prateado e a coroa de louros são porque quis dar uma aura divina a você, como uma deusa, para compensar a falta de roupa.

            — E quanto às unhas em forma de garra e as asas na maquiagem?     

            — Para representá-la — ele se coloca atrás de mim e observa meu reflexo junto comigo. Tento encarar a tal deusa no espelho e imaginar se fizeram algo parecido com Loki — É como você. Uma guerreira perigosa e sedutora como uma loba, com um rostinho de anjo. É basicamente o contrário do que fiz com a garota da sexagésima oitava...

            — Nyx? — pergunto, o nojo claro na voz — Ela era... péssima.

            — Parece que a conheceu.

            — Não, mas assisti aos Jogos. Ela tinha uma energia horrível, e o que fez com Grill na arena... perturbador...

            — Então conhece o garoto zumbi. — Meu estilista arqueia as sobrancelhas, parecendo intrigado com meu círculo de relacionamentos cada vez mais complexo, então sacode a cabeça. — É claro que conhece, ele provavelmente a treinou.

            — E também detesta esse apelido.

            — Logo encontrarei um para você também. — Frako ri e segura minha mão, guiando-me até a porta. — Preciso conhecê-la melhor. Agora vamos.

            Sou acompanhada por meu estilista até um pátio muito grande onde verei os outros tributos pessoalmente pela primeira vez. E também serei vista por todos pela primeira vez. De onde estou, posso ver um pouco deles. A garota do 1 é bonita, com os cabelos louro acinzentados presos em um coque elegante e a maquiagem dourada, ela não se parece nada com a garota assustada e arrependida que vi na Colheita. O vestido dourado que usa parece ser feito de glitter, literalmente, representando toda a riqueza que seu distrito possui. Seu parceiro veste uma camisa lisa e calças feitas do mesmo material, há um brilho dourado espalhado perto dos olhos e das bochechas. Se eu me pareço agora com alguma divindade lunar, ele com certeza se parece com uma espécie de deus solar. Se nossos estilistas houvessem combinado, não teria funcionado tão bem.

            Os tributos do 3 usam macacões colados ao corpo, a estampa forma uma espécie de furacão que mescla tons azul escuro, roxo e branco, fazendo com que a roupa pareça uma nebulosa perdida na galáxia, algo muito além do céu que vemos de Panem. Há muito tempo os tributos do 3 não são tão bem representados no desfile. Enquanto me aproximo discretamente, consigo enxergar a carruagem do 4. A garota usa um vestido longo estampado com escamas douradas e azuis, seus cachinhos ruivos estão presos em um rabo de cavalo alto, realçando o rosto corado. O rapaz cujo nome esqueci parece desconfortável com uma túnica de linho azul marinho sem mangas que vai até metade de suas coxas. Ambos têm um sutil pó dourado espalhado pelo corpo, renderá uma boa competição com os dois do 1.      

            Espero que todos estejam muito ocupados com as próprias roupas e carruagens para prestar atenção em mim quando chego. E realmente estão. Eu chegaria tranquilamente à minha carruagem se Loki não houvesse me visto de longe e saído em minha direção em sua armadura. Só a parte de baixo dela, na verdade, que é um pouco mais longa que a minha, chegando até os joelhos. O resto de seu corpo está exposto e coberto por brilho prateado.

            — Olha ela aí! — Grita ele fazendo com que todos os olhos se voltassem para mim. A única coisa que passa pela minha cabeça é te odeio, Loki.

            Todos os pescoços ali presentes se viram para me olhar. Frako me incentiva silenciosamente a manter a postura e andar como se nenhum deles estivesse ali. Tento lembrar de todos os motivos que deveriam me tornar a cidadã mais orgulhosa de Panem e logo consigo parecer arrogante o suficiente para que nenhum daqueles olhares me incomode, passo até a apreciá-los. O que vejo nos olhos dos outros tributos alimenta meu ego de uma forma incrível: surpresa, medo, desejo e mais medo.  Loki me alcança e começa a conversar animadamente sobre sua estilista e sobre o jeito que os outros nos olham. Finjo corresponder seu entusiasmo enquanto corro os olhos mais uma vez pelo pátio.

            De repente pego a mim mesma observando as crianças deste ano. Há as garotas do 6 e do 10 de doze anos a julgar pelo tamanho, e um garoto um pouco maior do 7. As meninas parecem gostar das fantasias e ficam girando e brincando com os acessórios, provavelmente alheias ao fato de que daqui a alguns dias provavelmente estarão mortas.

            — Syrena Jaeger? — Sou tirada de meus pensamentos pelo tributo do Distrito 1, que se coloca de frente para mim, tampando toda a visão dos outros tributos. Agora que posso analisar de perto, posso ver que ele realmente parece um cavalheiro, com o cabelo louro penteado para o lado e a postura cortês, no entanto, há um brilho malicioso em seus olhos que conheço muito bem e que denuncia sua sede de sangue. Convivo com aquele tipo de olhar desde que nasci.

            — Há outra garota na carruagem do Distrito 2?

            — Afiada... — ele sorri, segura uma de minhas mãos e a leva até os lábios — Sou Tanner, a propósito. 

            — Eu deveria me preparar para o desfile. E é melhor se acostumar com meu jeito afiado se seremos aliados na arena — sorrio docilmente, faço uma reverência e subo na carruagem, ajeito a parte de cima da armadura e amasso um pouco os cachos de meu cabelo. Ele ainda está aqui, observando meus movimentos com um olhar que não consigo decifrar. Isso já é parte de seu jogo. Olho para trás e pisco para ele — Foi um prazer conhecê-lo, Tanner.  

            — Nos vemos em breve. — Ele começa a andar em direção a sua carruagem e acena de costas para nós. Loki olha para mim com os braços apoiados no carro e ri.

            — O que foi, palhaço? — pergunto.

            — Acho que ele está a fim de você.

            — A única coisa da qual ele está a fim é de me matar.

            — Todos estão — ele sussurra, depois sorri como se não houvesse dito nada — Não me incluo nisso. Estamos no mesmo barco. 

            Os organizadores dão as ordens para que os tributos assumam seus lugares nas carruagens. Garotas à esquerda, garotos à direita, carruagens dos distritos ímpares sairão pelo portão esquerdo e as dos pares sairão pelo portão direito. Sinto o coração acelerar, há um frio no estômago quando ouço os tributos da 73ª Edição dos Jogos Vorazes sendo anunciados. Loki segura minha mão em cumplicidade e encosta a testa na minha. Os portões se abrem e nos separamos. O hino de Panem começa a tocar e a luz e a grandeza lá de fora me cegam.

            Então a carruagem do Distrito 1 sai e os gritos do público começam. Olho para trás bem a tempo de ver a carruagem do Distrito 4 atrás de nós. A garota sussurra “boa sorte”, ou pelo menos é o que entendo ao tentar ler seus lábios. Menos de um minuto depois dão as ordens para que nossos cavalos saiam. E a loucura começa. Gritos, flores e joias são lançadas enquanto desfilamos pela larguíssima e bela estrada. Loki olha para mim com um sorriso maldoso, convidando-me a acompanhar sua postura descontraída e aparentemente poderosa. Levantamos os braços, recebendo a adoração do momento, se é que posso chamar assim.

            A reação ao desfile do Distrito 3 também é agitada. Mal notei o garoto antes de sairmos, mas lembro-me do aviso que Hayley nos deu. Beetee vê potencial nele, o que me faz automaticamente considerá-lo inimigo. Imaginar que ele possa conseguir muitos patrocinadores me inquieta mais do que os flertes de Tanner. Depois ouço os gritos pelo Distrito 4, vencedores da última edição, e então os sons ficam muito distantes, cada vez menores, até que o hino para, as carruagens param em um círculo. Olho para trás, para a plateia atrás de nós, sorrio para ela, mas pergunto se eles ao menos se importarão com os que morrerem nos próximos dias, com as crianças a quem lançaram tantas flores e beijos hoje. Então tenho minha resposta, não somos objetos de adoração. Pelo contrário, somos objetos completamente descartáveis de entretenimento.

            A palavra é passada para o Presidente Coriolanus Snow, que repete as mesmas palavras do filme que passam nas Colheitas sobre como os treze distritos se rebelaram contra o país que os alimentava e amava e termina apontando as consequências, anunciando o 73º Aniversário do Tratado da Punição. Enquanto ele fala, seus olhos passam por cada um de nós, escondendo porcamente todo o sadismo presente naquele discurso e nos olhos sorridentes. Meus pais nunca gostaram de nosso presidente, Hayley o detesta com todas as forças, Grill tem asco. Não é por levarmos os Jogos a sério nos distritos mais ricos que concordamos com tudo o que nos é imposto.

            — Senhores, bem-vindos à 73ª Edição dos Jogos Vorazes — ele passa os olhos por todos os tributos enquanto pronuncia a frase lentamente, e então os para em nossa carruagem, como se satisfeito por estarmos juntos ali, cumprindo suas ordens. Loki e eu não desviamos o olhar nem por um segundo, sinto sua mão apertar a minha com força, com raiva. Agora tenho certeza. Hayley estava certa. Eles vão nos matar. Fizeram-nos pensar que queríamos estar aqui, usaram nossos pais, nossos parentes mais próximos para isso. Mas não vamos deixá-los vencer, vamos jogar também. Aperto a mão de Loki com mais força e o faço olhar para mim. — E que a sorte esteja sempre ao seu favor.

            Vamos mostrar do que somos feitos.

            Os Jogos estão oficialmente abertos agora, e depois do choque de realidade que Loki e eu tivemos durante o discurso, só quero ir para nosso andar e me jogar naquela cama estupidamente macia. Nem mesmo meu primo brincalhão está disposto a passar um minuto a mais preso no dia de hoje. Obviamente, não é o que nossos mentores querem, por isso Loki e eu nos esgueiramos para o primeiro elevador e as portas quase se fecham quando alguém as segura. Minha divindade bronzeada de túnica havia acabado de me salvar de socializar com os tributos e mentores do Distrito 1. Já o amo.

            — Obrigado — diz Loki assim que as portas se fecham. — Vocês são meus novos heróis.

            — Bronagh é a única heroína aqui — diz o rapaz, Sander — Eu sou só um azarado bem treinado.

            — Somos todos azarados bem treinados — rebate ela — Menos a princesinha psicopata aqui.

            — Acreditem ou não, a princesinha psicopata é a mais azarada — digo apoiando-me em Sander para tirar as sandálias e poder andar descalça, de volta à minha altura original. Resolvo completar minha constatação apenas para deixar algum temor e eliminar qualquer resquício de insegurança. — Mas também a melhor treinada.

            — Como a ruivinha disse — Loki diz no instante em que as portas se abrem no segundo andar — Somos um bando de azarados bem treinados.

            — Durmam bem — me despeço com um aceno, já sabendo quem serão meus aliados na arena.

            — Durma bem, Syrena — Sander sorri para o chão e me olha uma última vez antes que as portas se fechem. Só então percebo que o deixei com minhas sandálias.

—-------

            O apartamento é o andar inteiro, mais luxuoso do que eu esperava. A mesa do jantar já está posta, no entanto a ignoro e me coloco a explorar o lugar, começando por meu quarto. É um ambiente espaçoso com uma daquelas camas estupidamente confortáveis, forrada com lençóis rosa claros e um controle na cabeceira. A parede direita é na verdade um telão, que transmite qualquer cenário que interesse a quem a controla. Passo por imagens dos distritos, da capital, e paro na de uma praia. Só havia visto o oceano uma vez, o resto de meu contato com a água foi dado apenas nos poucos rios e lagos do Distrito 2, além das piscinas da academia, o suficiente para fazer de mim uma boa nadadora.

            Sigo para a sala, depois para a cozinha, em seguida até a sala de jantar. Há um avox em cada cômodo, todos trabalhando em suas devidas funções, sem se importar com minha presença ali. Volto para o quarto e dou um jeito de me livrar das roupas do desfile, me enfio em baixo do chuveiro e só saio depois de sentir o corpo todo relaxado. Visto uma camiseta cinza e calças largas azuis que estão dobradas dentro de uma gaveta na cômoda ao lado de minha cama.

            Vou até a sala de jantar, onde Loki também já está livre das roupas do desfile e com os cabelos castanhos molhados sem pentear. Sento-me ao seu lado e olho para a mesa posta. Há um pouco para cada gosto. Cordeiro assado com alecrim, frango recheado apimentado, lombo de porco com mel, macarrão ao molho de camarão. Escolho o cordeiro assado e encho um copo com suco de morango com amora. Loki pegou um pouco de tudo, mas não toca na comida.

            — Inquieto? — Pergunto.

            — Um pouco — responde ele — Mas a raiva que vi em seus olhos quando apertou minha mão na hora do desfile me lembrou sua mãe. Foi inspirador. Não podemos esquecer o porquê de estarmos aqui, e não é o porquê da teoria de Hayley. Estou falando do nosso. Pelo Distrito e por nossas famílias.

            — Isso mesmo — concordo, determinada. — Não vamos perder o foco.

            — Amanhã no treino devemos nos aprofundar nas relações com os aliados que fizemos no...

            Frako, Ginger, Hayley e Brutus finalmente chegam, fazendo muito barulho e interrompendo nossa conversa sobre os aliados. Imagino que ele estivesse se referindo a Bronagh e Sander, os tributos do 4, mas ele também podia estar falando de Tanner, do 1. Nossa equipe olha para nós, completamente livres da imagem divina e poderosa do desfile, comendo sozinhos em uma mesa para oito pessoas e param de falar. Meu pai me olha como se eu houvesse feito algo muito errado. 

            — Vocês dois sumiram! — Exclama Tikki — Estávamos conversando com os tributos e mentores do Distrito 1 sobre a aliança e vocês não estavam presentes. Percebem como isso pode soar como desinteresse ou arrogância?!

            — Já fizemos aliados, não precisam se preocupar — diz Loki indicando uma cadeira para que Tikki se sentasse.

            — O quê? — Hayley se senta e ergue as sobrancelhas, esperando uma explicação. Os outros se sentam em seguida e começam a encher os pratos com as inúmeras opções da mesa.

            — Queremos os tributos do 4 — digo.

            — Por que não os dois? — Questiona Brutus. Ele dá uma garfada monstruosa no lombo de porco e para com o garfo bem perto da boca. — Os tributos do 4 deste ano não me pareceram interessados em uma aliança com vocês, mas já que demonstraram interesse... não seria melhor uma aliança Carreirista completa?

            — Não sabemos se eles querem uma aliança Carreirista — dobro os joelhos, colocando os pés descalços na cadeira estofada — Apenas nos demos bem.

            — Não tomem decisões precipitadas. Analisem melhor todos os tributos durante os treinos e prestem muita atenção nas notas e nas entrevistas deles — meu pai começa a falar apontando a faca para mim e Loki, é uma mania antiga e bem estranha — Em especial aquele garoto do 3. Depois do desfile, ouvi algumas pessoas ricas falando sobre patrociná-lo, e não só pelas roupas, pela postura que ele demonstrou.

            — Ouviu algo sobre nós? — Pergunta Loki lendo meus pensamentos.

            — O esperado — ele ri — Syrena, você é a nova musa dos maiores produtores de moda desse lugar, todos estão literalmente babando por você. E os comentários sobre Loki não poderiam ser melhores. Estão falando muito sobre a cumplicidade que demonstraram, isso é bom, vai fazê-los manterem vocês vivos para que o drama familiar dure mais.

            — Mas não relaxem — diz Hayley — Amanhã começa o treinamento, e os Jogos estão apenas começando.


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Notas finais do capítulo

I. Prisca é um nome romano, variação de Priscila e significa antiguidade ou antigo.
II. Lutenier é francês, mas não achei significado, só da sonoridade.
III. Tanner pode significar alguém que trabalha com couro ou bronzeador (risos nervosos).
IV. Bronagh é irlandês e significa tristeza. Ela nasceu em um momento crítico na família, mas foi o arco íris depois da tempestade para eles.
V. Frako é uma variação romana de Franko, que deriva de Francis, que significa homem livre.
VI. Ginger significa vivacidade



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