6. O Mistério do Amor  

“Então você está namorando?” diz Hades assim que me serve de uma xícara de chá.

“C-como...?”

“Não leio pensamentos, mas conheço meu filho… E eu vi uma notificação no seu celular, desculpe.”

Bianca vem da cozinha rindo alto e eu afundo na poltrona, tentando desaparecer. É hora do café da tarde de domingo, que está mais para chá da tarde, já que a única que realmente gosta de café aqui em casa é minha mãe.

“Isso faz quanto tempo, Nico?” é Bianca quem pergunta.

“Uns dois meses. Vocês conhecem os pais dele. É Will Solace.”

“Will?!” ela me olha surpresa.

“Qual o problema?”

“É que vocês são tão… Opostos.”

Dou um sorrisinho envergonhado.

“Acho que é por isso que dá certo.”

Minha mãe vem da cozinha com sua caneca de café, em que está escrito “melhor mãe do mundo” e um coração desenhado pela Bianca. Sempre achei cafona, mas acho que esse é o charme dos nossos domingos em família. Podemos ser cafonas. E sentimentais. E idiotas.

“Bom, e o Will sabe da sua… condição?” Maria me pergunta assim que se senta no chão, ao lado do meu pai.

“Ele descobriu sozinho” respondo rindo, lembrando da cena. “Vocês acreditam que ele simplesmente gritou em pensamento, querendo dar um susto em qualquer um que lesse mentes?”

Depois disso, eles me pedem pra contar todos os detalhes. Aparentemente, isso tudo daria uma boa fanfic. Depois o assunto muda para a faculdade da Bia, e então para o novo projeto da mamãe de abrir sua própria farmácia de manipulação. É óbvio que eu sei de tudo, mas às vezes é mais legal fingir que não.

Os biscoitos que a Bianca faz são tão gostosos. Decido separar e levar alguns para o Will amanhã. Ele gosta de coisas doces, mas não tão doces.

“Bom, e quando seu namorado vai vir jantar aqui com a gente” a pergunta de Hades é espontânea e me pega desprevenido.

“Pai, isso seria absolutamente desconfortável.”

Minha mãe me pergunta o motivo, e eu respondo que eu escutaria eles julgando Will, Will julgando nossa casa, e se eles mentirem dizendo que gostaram do Will, eu ia saber. Era melhor evitar isso para conflitos futuros. Eles abandonaram o assunto, meio que conscientes de que discutir comigo é absolutamente irritante.

No entanto, mais tarde naquele dia, eu realmente considerei isso. Imaginei como seria ter um relacionamento normal, seus pais conhecendo seu namorado. Seu namorado indo na sua casa para assistir um filme. A ideia foi tentadora.

No dia seguinte, antes mesmo de ver meu menino dos cachinhos dourados, consegui ouvir seus pensamentos. Eles eram sempre tão encantadores. Parece que ele e Ashley conversavam. ‘Garota se você realmente acha que unhas são feitas de ossos, eu vou vender seu cérebro pra NASA estudar’.

Ah, doce Will. Sempre tão respeitoso com a burrice alheia.

Antes que ele parta para a agressão verbal, me aproximo e interrompo a conversa.

“Bom dia, Ashley. Oi, Will” dou um beijo em sua bochecha. “Você tem um tempinho agora para me explicar biologia? Se eu não estiver incomodando, claro.

Ashley diz que ele pode ir, e eu escuto que ela tem inveja de mim. Sim, Will é lindo. Agora vai se ferrar.

“Você não precisa de ajuda em biologia, nem em nada, Nico” Will ri quando nos afastamos.

“É que você estava ficando irritado.”

Ele confirma e eu entrego os biscoitos. Continuamos conversando e vamos em direção à sala de aula. Sentamos no batente da frente, onde o professor fica de pé num nível acima do resto da sala. É agora.

“Will, tem uma coisa que eu queria dizer…”

‘Ele vai terminar comigo. É isso. Tava bom demais para ser verdade’

“NÃO! Não, é outra coisa… Meus pais descobriram que a gente tá namorando, e queriam te conhecer, só isso.”

“Ah! Tudo bem. Com isso eu posso lidar” ele sorri e me abraça. “Claro. Quando eu posso ir na sua casa?”

“Hoje de noite tá bom? Eu que vou cozinhar e minha macarronada é incrível.”

“Sim! Tá ótimo, então.”

Ele estava com medo. Seus pensamentos eram tão histéricos e rápidos que eu não conseguia acompanhar, então decidi não ouvir.

Talvez realmente fosse uma ideia ruim…? Bom, já estava feito.

***

“Só pra checar… Seus pais não terem poderes, né?”

“Não, Will.”

“E a Bianca não lê mentes também? Isso não é algo genético, né?”

“Não, Will.”

“E se ela esconder isso de todos?”

“Ela não esconde.”

“E como você saberia, oh sábio dono da verdade?”

“Porque eu, sim, leio mentes.”

“Ah, verdade. Mas e se…”

“Will” pego seu rosto entre as mãos. “Eles são normais, só isso, sem mas. Eu sou o único esquisito, ok? Agora você pode calar a boca e sair da frente logo para eu abrir essa porta?”

Meu namorado faz que sim e dá um passo para o lado. Antes mesmo de entrar, eu sei que os três estão na sala aguardando o momento certo para vir até nós.

“Mãe, pai, o Will tá aqui…”

Bianca vem na hora, o abraça e se apresenta. Mal dá tempo de ele respirar e vem meu pai e minha mãe. Tranco a porta e aviso que vou cozinhar, agora é eles que lutem. Afasto-me rapidamente, na esperança de não ouvir o pensamento de ninguém.

Nos primeiros minutos, enquanto procuro o pacote de macarrão e o tomate, a sala está silenciosa. Mas depois de um tempinho, escuto gradualmente mais risadas e comentários altos. Pelo que entendo, Will e Bianca fizeram amizade rápido. Fico me preparando na cozinha. Essa é minha chance de viver a vida que eu quero, como eu quero. Não posso deixar “minha condição” me impedir.

Coloco a macarronada na mesa da sala de jantar e ponho a mesa, apenas adiando o inevitável. Quando vou para a sala, encontro a cena mais bonita que eu jamais poderia ver. Will estava gargalhando alto de alguma coisa que Bianca lhe mostrava. Meus pais seguravam a mão um do outro, só havia gratidão em seus pensamentos. E eu os amei.

Num lampejo de consciência ingênua, Will abriu os olhos e se voltou para mim. Foi apenas por um instante, mas eu soube. O sorriso franco, o olhar sincero. A luz que a tantos sóis seduz. Eu estava hipnotizado.

Eu soube.

De tudo, de cada centímetro. Eu era dele e ele era meu. Se naquele instante ele tivesse pedido minha alma, eu daria para ele. 

Eu havia roubado seus pensamentos e ele, roubado tudo de mim.