Katniss

Duas semanas se passaram. Duas semanas desde que vi o corpo daquela que foi um dia, a minha rocha, a minha melhor amiga. Ver o caixão sendo coberto por terra, e inúmeras flores caindo em cima como se o outono estivesse avisando a sua chegada, não aguentei cinco minutos da cerimônia, todo aquele ambiente era sufocante e olhar para a expressão de todos os presentes no enterro da minha amiga, só fez com que a sensação piorasse. Antes de sair, pedi desculpas a Peeta e voltei a minha casa vazia.

Naquele mesmo dia, Claire apareceu em casa depois de uma viagem no fim de semana, dizendo que queria apoiar e ficar do lado da sua filha em um momento tão difícil, mais tarde, alegou ter uma emergência da revista e saiu para jantar com o seu sócio.

Voltar ao colégio parecia ser uma péssima ideia, Le Lacey High parecia ser um cubículo, apesar de ser um colégio enorme, ter todas as pessoas a olhando, uns com pena no olhar, outros mais receosos pelo luto, era no mínimo constrangedor e irritante. Andei rapidamente em direção ao meu armário abrindo-o rapidamente para esconder as lágrimas que vieram sem permissão, como eu poderia viver nesse lugar sem ela?

Sinto uma mão em meu ombro e limpo rapidamente as lágrimas que molhavam meu rosto, me viro e encontro Madge Undersee, ela e Annie eram próximas por motivos que nunca entendi, ela sorri pra mim docemente e me abraça. Olho pra ela assustada.- 

Ah, Katniss! Eu sinto muito mesmo! O que fizeram com Annie foi terrível, nem imagino o que esteja sentindo. - Sorrio para não parecer antipática, nunca tive muito contato com Madge, nos encontrávamos em algumas festas e Annie sempre se perdia com ela, imagino que pra procurar meninos, mas ela parece ser uma pessoa legal.

—  Obrigado Madge, tenho certeza que a polícia vai encontrar a pessoa que fez isso. - Ela assente e olha para os lados, quando fecha a cara ao ver Johanna vindo em nossa direção.

— Bom Katniss, preciso ir antes que me cobrem no ensaio, espero que fique bem! - Ela sai apressada esbarrando com Johanna, as duas se encaram rapidamente e Johanna continua seu caminho. 

— Como você está Kat?

— Por que todos me perguntam a mesma coisa sabendo da resposta? Droga. - Resmungo, Johanna revira os olhos e me acompanha, me arrependo logo em seguida por minha grosseria. Suspiro.

— Me desculpe Johanna – Johanna bufa e se vira, com uma expressão preocupada, novamente aquela sensação de nervosismo e medo me atinge.

— Katniss eu sei que isso ainda é um assunto delicado pra você, mas eu preciso te contar algo que eu vi... naquele dia. - Me viro rapidamente e puxo Johanna para uma sala vazia. Encosto na mesa procurando um tipo de apoio, tudo que aconteceu no baile de boas-vindas estava muito confuso, principalmente com o final que resultou na morte da minha amiga. - Bem... todo mundo sabia que Finnick e Annie estavam tentando reatar, só você sabia como funcionava o relacionamento desses dois, eles eram confusos, e não é à toa que o colégio inteiro pense que Finnick esteja envolvido com o assassinato...- Ela suspira antes de falar – Eu os vi discutindo minutos antes dela ser encontrada morta, eu sei que não posso ficar falando essas coisas, mas-

— Você não contou pra polícia? Contou Johanna? - Exaspero. Ela apenas dá de ombros e eu me desespero – Porra Johanna! O Finnick nunca faria isso com ela, não é possível que eu seja tão burra em acreditar nele?

— Eu também acredito Katniss! Mas aquela inspetora me pressionou, filha da puta manipuladora – Eu apenas bufo e saio da sala, eu conheço Finnick há anos, ele amava Annie assim como minha amiga o amava, é certo que eles tinham suas diferenças, e brigavam por coisas bobas, mas qual o motivo que faria Finnick matar a mulher que ele prometeu proteger mesmo quando terminaram?

Assim que viro o corredor, encontro o armário dela, cheio de flores, fotos e mensagens, reviro os olhos, Annie amaria isso, mas eu acho péssimo. Metade dessas pessoas mal a conheciam, ela era conhecida por ajudar as pessoas e encantar apenas com o seu sorriso doce, mas quando ela vacilava com algo simples, eles não pensavam duas vezes em espalhar coisas horríveis, pois a garota perfeita tendo suas falhas como qualquer outro, era motivo de chacota e piadas.

Ouço passos fortes e logo Peeta entra na minha visão, expulsando todos do armário da irmã e tirando as fotos a força, enquanto chorava copiosamente.

— Vocês são uns hipócritas! Pra que vale toda essa merda agora? Ela MORREU FILHOS DA PUTA! Que merda vão espalhar dela agora? - Ele bate fortemente no armário enquanto as pessoas se afastam cochichando entre si, me aproximo devagar escutando Peeta sussurrar baixinho "Eu falhei com você minha irmã, me perdoa."

— Peeta... - Ele se vira e logo me dá um sorriso fraco.

— Katniss, você vai acabar se assustando me vendo causar confusão toda vez que me vê - Dou uma risada fraca o admirando, mesmo com tudo isso acontecendo ele tenta manter o humor, estou começando a me acostumar com o loiro fácil demais, e isso me assusta um pouco.

— Eu entendo que tudo parece perdido agora, você fica preso com esses pensamentos que não saem da sua cabeça, deixa a sua porta trancada pra que ninguém passe por ela e veja a sua dor, mas eu sei que tem algo esperando nela pra você abri-la e conseguir que alguém cuide desse seu coração quebrado, Peeta... Annie nos amava, e eu sei que o que ela mais quer no momento é que a gente não enlouqueça, não afunde em um poço maior que ela mesma estava. - Peeta me abraça, não estava esperando por essa reação, mas sinceramente não ligo muito, os seus braços fortes me apertam e eu retribuo o seu abraço passando minhas mãos levemente em suas costas, não imaginava que teria um apoio emocional tão grande nessa situação, mas acaba que com Peeta eu estranhamente me sinto confortável o suficiente para consola-lo, algo que eu não consigo fazer comigo mesma.

Após a aula, e de todas as consolações vindas dos professores e até mesmo da diretora, Peeta e eu vamos para a minha casa devido ao trabalho que nos foi passado, minha dupla era Annie e Peeta foi transferido pra minha turma, juntamos o útil e aqui estamos.

— Se não for um bom dia eu posso voltar depois, sem problemas...- Peeta diz entrando em casa, eu apenas sorrio e nego com a cabeça. Honestamente estou precisando de alguma companhia ultimamente, Prim tem suas aulas de dança toda tarde e minha mãe nunca está em casa, então nas últimas duas semanas eu fiquei presa dentro de casa com meus próprios pensamentos me sugando, eu nunca admitiria isso a ele, claro, não preciso parecer uma garota carente na frente de ninguém.

— Não tem problema nenhum Peeta, minha mãe nunca para e Prim tá sempre ocupada com as aulas de dança.

— Pra sua felicidade hoje eu vou passar a tarde toda com você irmãzinha - Prim aparece saltitante e para assim que vê Peeta, ela sorri maliciosa e eu reviro os olhos. - Peeta Mellark na minha casa? O que devo as honras? - Peeta me olha confuso. - É que Annie falava muito sobre você - Prim fala, mas logo se arrepende ao olhar pra mim com culpa, apenas assinto dizendo que está tudo bem.

— O que faz aqui patinha? Não tinha aula de dança hoje?

— Foram canceladas, Enobaria teve problemas com os filhos e precisou viajar até Mindland pois nem em um internato conseguiram se comportar – Prim se senta na bancada e se vira para Peeta – Ainda não me disse o que veio fazer aqui bonitão. - Peeta arregala os olhos e ri. Prim sempre foi muito atrevida, deve ter puxado isso da dona Claire, mas ao contrário da nossa mãe, ela não nos envergonha em situações públicas.

— Eu vim fazer um trabalho com Katniss, não se preocupe que não vim atrapalhar, inclusive se você me permitir senhorita, posso fazer o almoço pra vocês.

— O que? Peeta, não é necessário, eu já iria pedir um lanche pra nós!

— Mas nem pensar! Você deve tá comendo besteiras há semanas, considerando a grande quantidade de sacolas de fast-foods que vi no seu lixo.

— Reparou até no meu lixo Mellark? Você é bem observador. E a nossa governanta está de férias e eu tenho preguiça de cozinhar. - Prim que até agora estava quieta até demais, riu e ofereceu ajuda a Peeta para encontrar as panelas e ingredientes necessários.

Ver Peeta se dando tão bem com Prim e se adaptando tão bem em casa, que até parecia que éramos amigos de anos, e não que nós apenas nos conhecíamos por Annie, ter o suporte de uma pessoa que realmente entende o que sinto, o que é passar por tudo isso é menos sufocante do que aguentar sozinha.

— Katniss deixa de ser preguiçosa e vem ajudar! - Prim me tira dos meus pensamentos e eu vou na direção dos dois mostrando a língua pra ela, que retribui.

— Então qual é o grande cardápio de hoje?

— Macarrão ao pesto de manjericão. - Me surpreendo, mas me lembro o quanto Annie elogiava os dotes culinários do irmão, quando fez um curso de gastronomia com um chefe francês famoso que estava de passagem em Manhattan.

— Se Howard fica sabendo que estou cozinhando pra duas mulheres lindas enquanto elas apenas me olham é capaz dele me mandar de volta pro internato. Ele nunca apoiou minha "estúpida" decisão de fazer um curso de gastronomia quando eu podia estar me especializando em sua construtora. - Paro para observar seu rosto enquanto fala do seu pai, ele mantém uma expressão neutra, mas consigo sentir em seu tom de voz o quanto odeia falar de seu pai. Mudo de assunto pra não prolongar essa conversa sobre familiares problemáticos.

— Se esse negócio for bom mesmo eu faço a sua parte do trabalho Peeta, estou morrendo de fome! - Ele me olha como se eu tivesse o desafiado e me arrependo do que disse logo em seguida.

Almoçamos e realmente, Peeta cozinha muito bem! Se ele decidir seguir com a gastronomia vai ser um profissional incrível.

Prim implorou por uma sobremesa e eu não sabia mais onde enfiar a minha cara com a audácia da minha irmã, Peeta ainda foi muito bom e aceitou fazer um brownie com castanhas pra gente.

— Assim ele nunca mais vai pisar aqui em casa Primrose, ele é nosso empregado por acaso?

— Ai credo Katniss, ele nem ligou tá? Aliás espero que virem amigos pra ele vir cozinhar mais vezes pra gente. - Ela riu e eu dei um tapa na sua cabeça. Essa menina precisa de limites.

— É pra isso que temos uma governanta sua folgada! - Ela me mostra a língua e Peeta chega com os brownies, acho que Prim não está tão errada sim, com ele cozinhando bem assim eu vou ser obrigada a trazer ele todo dia aqui em casa. Opa, freios Katniss.

— Agora que Prim já tirou todas as suas energias na cozinha eu vou tirar pra nós fazermos o trabalho- Puxo Peeta escada a cima enquanto Prim grita um obrigado pro mesmo, entramos no meu quarto e Peeta observa cada canto dele, coloco nossas coisas na cama e vejo que Peeta parou pra observar uma foto na estante do lado da minha cama, era uma foto minha e de Annie, fizemos uma viagem de verão no primeiro ano, ela e Finnick estavam namorando, mas mesmo assim os dois não me excluíram de nada na viagem, tivemos um dos melhores momentos em uma praia paradisíaca e tendo contato com inúmeros turistas de vários países.

— Ela estava tão feliz nessa época - Peeta comenta ainda olhando para foto, ele passa o dedo no rosto de Annie admirando.

— Essa viagem foi realmente incrível, Annie e Finnick formavam um casal lindo. - Peeta fecha a cara quando menciono seu ex amigo, sinto que devo lhe contar o que Johanna me contou hoje, porém sei que isso só pioraria as coisas entre os dois, e sei que Finnick não tem nenhuma relação com o assassinato, não quero trazer mais problemas pra ele.

— É melhor a gente começar o trabalho pra acabarmos rápido. - Ele diz seco, sua expressão mudou totalmente e noto que não deveria falar de Finnick perto dele. Cedo demais Katniss.

Depois de umas duas horas em um completo silêncio e cada um concentrado em sua parte do trabalho, ouvimos um barulho forte vindo do andar de baixo e corro rapidamente achando que Prim se machucou novamente dançando pela casa. Quando acabo de descer as escadas vejo Claire recolhendo os cacos de vidro do vaso que ela ganhou do meu pai.

— Mãe, o que aconteceu? - Olho pra ela e reparo que está com lágrimas nos olhos, ajudo a recolher os cacos de vidro espalhados pela sala, ela levanta limpando as lágrimas rapidamente.

— Problemas no trabalho Katniss, está tudo bem. - Olho desconfiada, mas prefiro deixar pra lá, sei que se eu continuar incomodando ela acaba se estressando e desconta em Primrose pois sabe que eu não consigo engolir sua grosseria. Peeta desce devagar e minha mãe olha confusa.

— Mãe, esse é o Peeta Mellark ele é o...

— Ah, mais um filho do Howard – Ela me interrompe seca, mal parecendo a mulher frágil que aparentava segundos atrás, olho pra ela com os olhos arregalados, porém ela não tira os olhos de Peeta, que se mantém recluso. - O que faz aqui garoto? 

— Mãe! Isso é jeito? Você não consegue ser educada pelo menos uma vez na vida? - Ela me olha nervosa e revira os olhos, sempre tão educada.

— Me desculpe pelo incômodo Sra. Everdeen, Katniss e eu estávamos fazendo o trabalho do colégio, mas já estava de saída.

— É, é melhor você ir embora mesmo, Katniss deveria me avisar quando for trazer gente aqui em casa.

— Você nunca se importou com essa merda pois nunca está em casa, deixa de ser hipócrita Claire.

— Eu sou sua mãe Katniss! Me chame de mãe!

— Ah é mesmo? Eu pensava que mães fossem mais presentes e se importassem com seus filhos, não é o seu caso já que se importa mais com a merda da sua revista do que com as próprias filhas! - De soslaio vejo Prim descer as escadas já tentando entrar na conversa. - Agora não Prim! - Ela vai pro lado de Peeta que coloca a mão em seu ombro a apoiando.

— É a merda do meu trabalho que paga essa casa enorme que vocês têm, é o meu trabalho que permite você e Primrose comprar suas roupas caras e desfrutar dos melhores restaurantes da cidade!

— Pra que vale isso tudo se eu não tenho a droga da minha família completa? Essa casa enorme pra três pessoas ficarem cada um em cômodo sem conversar uma com a outra? Pelo menos quando meu pai estava vivo essa casa parecia viva também! Mas o clima e todo resto morreu junto com ele! - Vejo que ela está prestes a chorar novamente, ela apenas assente pegando sua bolsa e sobe as escadas devagar. Essa é a Claire Everdeen, quando não tem mais o que falar, sai com a maior elegância do mundo para não sair por baixo. Suspiro e olho para Peeta e Prim que permaneceram quietos esse tempo todo.

— Me perdoe por isso Peeta, minha mãe sabe ser uma mala quando quer.

— Tudo bem Katniss, sei como é problemas familiares. - Ele diz, a mesma coisa que Annie dizia para mim toda vez que brigava com seus pais.

Acompanho Peeta até a porta e ele me dá um abraço, que no início me surpreende, mas estou me acostumando com essas demonstrações de carinho do nada. Sorrimos um pro outro e fecho a porta suspirando. Quando me viro vejo Prim sorrir maliciosa pra mim e já me preparo para a tagarelice que vai vir junto.