Stayin' Alive escrita por Bhabie


Capítulo 2
Parte IV e V - Final


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, última parte.

Aproveitem!



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PARTE IV

— ...então me levaram ao hospital e o médico disse “Olha, pode ser raiva, o gato que te atacou era vacinado?” e eu respondi “Como vou saber? Era um gato de rua!” aí o médico “Hum, péssimas notícias, a senhorita terá que tomar injeção para raiva” e eu “Oh, ok, desde que não seja na bunda”. E adivinha Edward: Era na bunda!

— Não precisa me contar essas coisas!

— Mas eu quero!

Fiz uma careta de nojo para Bella.

— Por favor, volte para o seu ensaio de Cats ou seu monólogo sobre a origem do teatro.

— Oh! Acabei de lembrar que ainda não te contei sobre como consegui meu papel de Jemima!

— Você nunca fica sem assunto não?

— Não!

Resmunguei palavras desconexas e voltei a limpar os armários do vestiário.

— Sabe...eu ainda não tenho um par para o desafio de dança...

Suspirei. Lá vamos nós.

— Esse desafio não é trimestral? Por que não espera o próximo?

— Porque eu preciso disso agora. Não aguento mais minha família rindo das coisas que eu faço.

— Bella, eu não sei dançar, eu não posso fazer isso.  Lamento.

Ela assentiu, seus olhos no chão.

— Tudo bem. Eu irei convencer o Emmett a me deixar participar da categoria solo mesmo já tendo passado mais de uma semana do fim das inscrições. Vai ser bem difícil mas posso vencê-lo pelo cansaço.

— Boa sorte.

— Valeu. De qualquer forma eu preciso começar a ensaiar hoje. Foi mal, não posso ficar a noite toda enchendo seu saco, vou pegar uma das salas vazias e começar isso logo.

— Vá com Deus!

— Se sentir muito minha falta, dá um grito que eu volto para te encher.

— Não, obrigado.

Ela sorriu um lindo sorriso e saiu do vestiário.

Mesmo do outro lado do galpão, eu ainda ouvia a voz de Bella cantarolando Girls Just Wanna Have Fun. Sorri com sua tentativa de imitar a voz da Cindi Lauper e a acompanhei no refrão.

Mesmo quando estávamos a metros de distancia ela ainda me divertia.

Não percebi que ainda sorria quando Bella parou de cantarolar e colocou outra música para tocar. Meu sorriso se desfez.

A batida era irreconhecível, eu não poderia estar enganado.

Abandonado meu carrinho, segui para a única sala com a luz ligada, de onde vinha o som não tão alto de I Will Survive, mas que ecoava pelo galpão.

Bella estava no centro da sala, de frente para o espelho. Seus cabelos castanhos, rosa e roxo presos em uma única trança, seu moletom amarelo mostarda deixava parte da pele de sua barriga de fora e a calça era exatamente igual. Ela fazia alguns passos, parava como se pensasse nos próximos e então tentava mais.

— É essa música que vai dançar? – Bella pulou em seu lugar, se assustando com minha presença.

— Sim, ela é incrível – Ela deu de ombros – A escolhi por achá-la espirituosa.

— Por que não me disse que essa seria a música quando me chamou para ser seu par? – Disparei sem pensar.

Bella levantou uma sobrancelha.

— Teria mudado algo?

— Talvez.

Ela cruzou os braços e parou na minha frente.

— Então você topa? Ser meu par?

Hesitei.

Eu ia dizer que era claro que eu não topava, que estava farto daquele assunto e talvez mandaria algum palavrão para reforçar, mas antes que eu pudesse abrir a boca para negar, a voz de minha mãe encheu minha mente.

“Ninguém se dá conta do privilégio que é poder dançar até não poder mais.”

“Edward, se arrisque!”

“Experimente coisas novas, faça loucuras, saia, se divirta, se arrisque. Por mim!”

“Prometa que não vai deixar nenhuma oportunidade escapar. Os momentos são únicos, meu filho, não deixe de fazer as coisas por medo, o arrependimento vem algum dia”

“Eu prometo mãe”

Eu prometi. Eu poderia tentar.

Eu poderia mesmo? Eu conseguiria?

Pensei em ignorar Isabella, dar meia volta e repetir diversas vezes que aquilo não era para mim.

Mas então, o que era para mim?

Teria sinal mais forte do que a música escolhida por Isabella?

Eu sabia que não.

Se fosse qualquer outra, eu nunca teria saído da recepção e vindo até a sala.

Mas tinha que ser justamente a música mais importante da minha vida.

— E então? – Bella me despertou das minhas questões internas.

Percebi que meu maxilar estava travado e encarava perdido um risco no chão de madeira.

Inspirei fundo e olhei fundo nos seus olhos de chocolate.

— Ta, pode ser. Vamos ver no que essa droga vai dar.

O rosto dela se iluminou e antes que eu percebesse, Isabella pulou em meu colo, me abraçando pelo pescoço. Meio atônito, a segurei firmemente pela cintura para que ela não caísse.

— Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada! Você é demais! Você salvou minha vida! – Ela agradeceu em meu pescoço.

— Não vamos exagerar – Minha voz saiu sufocada pelo tanto que ela me apertava.

— É sério, isso é muito importante para mim!

E como se fosse possível, se apertou mais ainda a mim. Eu sentia o quão quente sua pele estava, pois a segurava pela parte em que o moletom não cobria. O contato era bom, sua pele era macia e o perfume que vinha da sua trança que estava em meu rosto me lembrava morangos. Aquela foi uma ótima parte do meu dia, mas para estragar tudo – porque eu precisava estragar tudo, justamente por não saber me comportar com outros seres humanos fora do meu ciclo social que se resumia a minha mãe e Jasper – dei alguns tapinhas nas suas costas. Esse era meu gesto de afeto diante de um longo abraço.

Ela se afastou ainda com um sorriso enorme, seus olhos brilhavam como nunca tinha visto antes.

— Nós temos que começar a ensaiar! Preciso tirar suas medidas para mandar fazer uma roupa igual a minha! E vou te mostrar a ideia que tive para nosso figurino, você vai adorar as cores! Temos exatamente 10 semanas até o desafio, então temos que começar a ensaiar agora mesmo! Eu já sei de alguns passos que realmente quero colocar na coreografia, mas ainda estou meio perdida, mas tudo bem porque agora tenho você para me ajudar e...Oh meu Deus.

Bella parou com seu monólogo, seu olhar ficou perdido.

— O que foi?

— Acabei de lembrar de um...pequeno detalhe.

— Qual?

— Bom – Ela deu um risinho sem graça e mexeu os dedinhos nervosamente – É que pra participar do desafio...vocêtemqueestarmatriculadonasaulasdedança.

— O quê? Fala direito.

Ela suspirou, derrotada.

— Você tem que estar matriculado nas aulas de dança.

— O quê!? Você só ode estar brincando comigo! Não tem como eu fazer essas aulas, mas que droga!

— Calma, calma, calma, nós vamos resolver isso – Bella colocou as mãos nos meus ombros para tentar me acalmar, mas eu já passava meus dedos pelo meu cabelo, irritado.

Não tinha como eu fazer as aulas, eu não teria dinheiro para isso e nem tempo, minha mãe ficaria sozinha de dia e...Mas que droga, eu estava me sujeitando a esse concurso de dança justamente por ter prometido à ela que me arriscaria mais! Eu poderia conversar com Irina para que ela fosse dar uma olhada na minha mãe vez ou outra, mas o problema com o dinheiro ainda permanecia.

— Não, não tem como resolver, eu não tenho dinheiro para isso, não vai dar.

— Eu posso pagar para você.

— Não! Isso não.

Ela revirou os olhos, bufando.

— Assim fica difícil. Anda, não vai ser nada demais para mim.

— Isso não é certo.

— Edward, Ed, Ward, Homem do macacão azul: Ou você me deixa pagar suas aulas ou eu nunca mais falo com você – Bella cruzou os braços e me encarou com um olhar desafiador.

— Não vejo nenhuma desvantagem.

— Há-há engraçadinho. Eu estou falando sério, você irá ficar sem ouvir o lindo som da minha voz, será como se nunca tivéssemos nos falado. Imagina: Você sozinho aqui nesse galpão escuro, frio e silencioso, apenas com seu esfregão de companhia, sem minhas histórias e piadas hilárias, apenas você com sua própria mente. Depois voltar para casa, sozinho e triste sem nenhum ânimo para viver e apenas esperando pelo dia em que algo de emocionante acontecerá em sua vida monótona e sem nenhuma cor, sempre imaginando como teria sido se você tivesse aceitado minha propos-

— Ta bom, ta bom, eu aceito.

— Isso! – Ela levantou os braços em vitória.

— Mas eu tenho uma condição – Levantei a voz cortando sua comemoração – Vou te devolver todo o dinheiro em parcelas.

— Ta bom, Tio Patinhas.

— O Tio Patinhas não devolve o dinheiro dos amigos porque ele não precisa, ele é bilionário e mão de vaca.

— Foi mal, não é da minha época, o velho aqui é você.

— Temos seis anos de diferença!

— Exatamente! Velho!

Expirei alto.

— Como você consegue?

— O quê? – Ela perguntou confusa.

— Fazer com que os outros sempre façam suas vontades.

— Isso não é verdade – Ela franziu o cenho.

— Ah, é sim. Eu nunca aceitaria nenhuma dessas merdas que você me propôs. Você é muito persuasiva.

— Talvez isso só tenha efeito em você – Bella levantou uma sobrancelha sugestivamente e de imediato me senti extremamente desconfortável.

— Você está flertando comigo?

— Eu não sei, nós estamos?

— Isso está muito esquisito, eu vou voltar ao trabalho – Saí da sala apressado, esbarrando na parede de vidro antes de lembrar onde ficava a saída, mas ainda pude ouvir a gargalhada de Isabella.

Ao fim do serviço, seguimos nossa rotina de fechar todo o galpão e seguirmos para a casa de Bella. Estranhamente, nossos passos eram tão pequenos e demorou mais que o dobro do tempo para chegarmos até a outra calçada.

— Posso te fazer uma pergunta? – Bella indagou depois de terminar seu monólogo sobre crítica social nas peças de teatro – monólogo porque eu não entendia nada do assunto, por mais que ela tenha questionado meu posicionamento diversas vezes, o que era raro -, sua voz transparecia curiosidade.

— Claro – Curiosidade me inundou, Bella sempre era direta, então a pergunta era genuína.

— Por que mudou de ideia sobre a dança depois que ouviu a música?

— Hãn...- Hesitei tentando encontrar as palavras. Como eu resumiria para ela toda a importância daquilo em apenas um quarteirão? Nem nossos passos mínimos resolveriam o problema.

Então sem dizer nada, apontei para um banco de praça na calçada e me sentei sob o olhar atento de Isabella que repetiu o ato, desconfiada. Durante o dia aqueles bancos eram ocupados por idosos que conversavam despreocupadamente e alimentavam as aves, mas agora, quase meia-noite de uma segunda-feira, estavam vazios assim como a rua que era ocupada somente por eu, Bella e mais outro casal que caminhava abraçados mais à frente.

Respirei fundo antes de começar.

— Meus pais se conheceram na faculdade quando minha mãe tinha vinte e nove anos e meu pai vinte e três. Minha mãe finalmente ia realizar o sonho de cursar gastronomia e estava no primeiro ano e meu pai já estava terminando; eles começaram a namorar, algum tempo depois minha mãe engravidou e teve que parar a faculdade para me ter, mas meu pai a terminou.

Eu contava a história olhando para o chão, recordando das vezes de quando eu era criança e que minha mãe a repetia como um conto de fadas.

— A vida deles foi perfeita, minha mãe era totalmente apaixonada pelo meu pai e ela não trabalhava mais porque ele não permitia, apenas ele trabalhava em um pequeno restaurante e ela ficava o dia todo apenas cuidando de mim. Quando eu tinha seis anos meu pai simplesmente saiu de casa para ir morar com uma mulher dez anos mais nova que a minha mãe. Foi de repente, não houve descoberta de traição, não houve discussões anteriores, não houve brigas. Ele apenas a descartou como se ela não servisse mais, e junto me jogou fora também.

Eu ainda hesitava, nunca precisei contar a história para ninguém- e nunca senti essa necessidade -, nem mesmo para Jasper, ele foi a conhecendo aos poucos à medida que frequentava minha casa; era uma coisa tão pessoal que me sentia estranhamente exposto ao contá-la para alguém que conheci a tão pouco tempo. Mas ao espiar de relance a garota de cabelos coloridos que me observava atentamente, encontrei ali um apoio que nem sabia que precisava. Eu não desviei mais o olhar.

— Foi tudo muito repentino, então o baque foi muito grande para a minha mãe, ela teve depressão profunda e até hoje toma remédios controlados. Ela só não enlouqueceu por minha causa, na época eu era apenas uma criança e não entendia bem o que estava acontecendo, apenas sabia que agora eu tinha um irmão, mas que diferente de mim, ele não tinha vindo da minha mãe, apenas do meu pai.

— Você tem contato com eles? – Bella perguntou baixinho.

Neguei com a cabeça.

— Não. Ele, o Anthony, meu pai, finge que nem existo, nunca mais falou comigo, me mandou uma carta ou olhou para mim desde o momento em que saiu pela porta de casa.

Ela assentiu, seus olhos vacilaram, mas Bella não desviou o olhar.

— Por muito tempo minha mãe ficou em negação e jurava que meu pai ia voltar para nós, era o que ela me dizia e eu acreditava. Ela ia atrás dele implorar perdão por coisas que nem tinha feito, dizia que o aceitaria de volta e que o amava. Ela se sujeitava a essas coisas por amor, ou pelo menos pelo o que ela achava que o amor era. Meu pai se mudou quando percebeu que ela não iria parar de ir até a casa da sua nova família feliz, foi quando minha mãe realmente piorou, começou a ficar agressiva com todos que tentavam ajudá-la e se desesperou, pois agora também estava sem dinheiro. Eu recebia uma pensão absurdamente baixa, Anthony também não tinha muito dinheiro, mas agora era melhor de vida do que nós. Minha mãe não encontrava bons empregos porque não conseguiu terminar a faculdade e não a retomou depois que eu nasci por capricho do meu pai. Desde que o conheceu até quando nos deixou, ela sempre o pôs em primeiro lugar, abdicando de seus planos e sonhos por ele, e no fim ele não estava lá.

Estranhamente, depois de repassar essa história por minha mente durante anos, só agora enquanto a contava que notei a ironia do destino. Minha mãe cometeu o erro de colocar outra pessoa em primeiro lugar em sua vida, abandonando seus sonhos e não terminando sua faculdade; ela não queria que o mesmo acontecesse comigo porque sabia como era isso.

“- Se eu morrer hoje, qual será seu objetivo amanhã ou daqui a um ano? Nenhum! Sabe porquê? Porque você vive por mim e não por você!”

Era isso, minha mãe se perdeu depois da separação porque ela não tinha planos, não tinha sonhos próprios, tudo envolvia meu pai.

Percebi que mais nenhum som saía de mim quando Bella entrelaçou seus dedos nos meus.

— Está tudo bem?

— Sim, eu só...eu só reparei que nunca realmente entendi essa história até agora.

— Não precisa continuar se não quiser – Ela estava preocupada, mas agora eu não conseguiria mais parar.

Neguei.

— Não, tudo bem. Bom, aquela época foi muito difícil, ninguém gosta de ver a mãe chorar, os remédios ajudaram, mas alteravam bastante o humor dela, tudo era uma montanha-russa de emoções, tudo intenso demais. Um dia ela encontrou uma fita K7 que escutava quando era adolescente e colocou para tocar. I Will Survive estava lá, foi assim que essa música apareceu em minha vida. Como isso a alegrava, passamos a ouvi-la todos os dias e acabou virando nosso lema, ela encontrou nessa música um acalento e com isso foi aos poucos superando meu pai, o tratamento passou funcionar melhor, ela se encontrou novamente. Todos os dias, durante quinze anos, dançávamos nossa música na sala afastando todos os móveis ou apenas a cantávamos enquanto fazíamos faxina em casa.

Agora eu sorria com a lembrança de ainda pequeno, estar no colo de minha mãe com ela nos rodando, seu sorriso presente em seu rosto depois de meses que não aparecia.

Bella também estava sorrindo e seu olhar longe, talvez tentando imaginar a cena.

— Isso é lindo, eu fico imaginando o Edward pequenininho rindo e dançando, sempre soube que havia um dançarino aí dentro por baixo de toda essa casca grossa.

Ela piscou para mim e eu ri, mas logo fiquei sério quando lembrei que a história ainda não tinha chego ao fim.

— Sabe, eu cresci muito bem sem uma figura paterna, minha mãe nunca me deixou faltar nada e aprendi a ter ética, acho que é daí que vem a minha parte de não gostar de aceitar ajuda das pessoas mesmo quando eu preciso, Dona Elizabeth dizia que eu tinha que conquistar as coisas sozinho para não me decepcionar com as outras pessoas. Tudo estava indo bem, minha mãe tinha um bom emprego e eu estava já na faculdade, me preparando para sair de casa quando ela sofreu um AVC.

Senti a mão de Bella apertar a minha mais forte, ela estava tensa.

— Foi repentino, ninguém espera por isso. Ela sobreviveu, mas possui sequelas até hoje. A arte esquerda do corpo dela é muito fraca, por isso ela tem que sempre estar de cadeira de rodas. Depois disso ela perdeu o emprego e eu tive que sair da faculdade e procurar um emprego para cuidar dela. Tudo depois disso ficou tão...difícil. Tudo caiu em minhas costas, as contas, as comidas, a limpeza, a higiene dela e os remédios que além dos da depressão, agora também havia os do acidente vascular.

— O governo não ajuda com isso? Deve haver algo.

— Existe o medical card que ajuda, mas nem todos posso pegar através do governo. Por mais que a Irlanda tenha um ótimo sistema de saúde, ainda não inclui todos.

Bella assentiu e eu engoli em seco.

— Eu...eu sempre tento fazer o máximo possível pela minha mãe, sempre tento mostrar que ela não é um peso para mim, mas é tudo tão difícil. Eu detesto ser egoísta, mas algumas horas eu me sinto sufocado, eu sinto que minha vida não anda, eu quero sair do cortiço onde moro, eu quero ir morar em uma casa com um grande quintal e um grande cachorro, eu quero poder voltar à faculdade, mas não posso fazer nada disso agora e eu sinto que nunca vou conseguir. Eu só...estou cansado de tanta pressão sobre mim, tudo caiu em minhas costas, há vezes em que eu quero ser um pouco irresponsável, mas eu não posso, eu...

Não consegui completar a frase, minha garganta estava fechada e eu respirava com dificuldade tentando evitar que as lágrimas acumuladas transbordassem.

— Shiiiu, tá tudo bem, pode chorar – Isabella estava mais perto, nossos joelhos se tocavam e seu corpo estava totalmente virado em minha direção, sua mão quente agora tocava minha face.

Neguei e olhei para baixo, quebrando nosso contato visual. Não queria que ela me visse chorar.

— Tudo bem, Edward, eu estou aqui, pode chorar.

Suas palavras foram as responsáveis por minhas lágrimas finalmente se liberarem, rolando enormes encharcando meu rosto e entupindo meu nariz.

Não notei quando isso aconteceu, mas de repente eu estava com a cabeça no colo de Bella e ela curvada sobre mim murmurando palavras de conforto.

Apesar do primeiro instinto de me afastar o mais rápido possível, fingir que nada disso havia acontecido e retornar nossa caminhada até sua casa, eu me entreguei ao conforto de seu colo, da quentura de seus braços me envolvendo e à carícia que seus dedos faziam em meu cabelo.

Eu nunca chorei. Não nunca chorei sobre meu pai, nunca chorei pelo que vi minha mãe passando, nunca chorei quando tive que largar a faculdade para cuidar dela. Chorei apenas quando recebi a notícia do AVC pensando que a perderia, mas depois disso encarei tudo sem muitas emoções, nunca vi muita necessidade em chorar. Mas agora, depois de todos esses anos de sentimentos acumulados eu me dava pela primeira vez o direito de sentir.

E eu sentia a frustração, a raiva, a agonia, o desapontamento, o cansaço, o medo e a solidão. Não chorava apenas por uma coisa, era um choro que havia guardado minha vida inteira e que agora precisava urgentemente sair de mim antes que enlouquecesse.

Isabella ainda passava os dedos por meu cabelo e esfregava minhas costas, eu agarrava sua cintura com meu rosto enterrado em suas pernas, molhando sua calça legging lilás. Ela não tentava me fazer parar de chorar, apenas aceitou essa minha parte que foi exposta tão repentinamente, respeitando cada soluço que saia de mim e deitando sua cabeça sobre a minha. Isso era tudo o que eu precisava durante todos esses anos e nem sabia, apenas um colo.

Depois que me acalmei, notei o quão forte estava o aperto em sua cintura então o afrouxei. Seu cabelo agora solto e ondulado pela trança desfeita formava uma cascata em volta de meu rosto, o que me passou ainda mais a sensação de segurança e inundou meus pulmões com o cheiro de morangos que emanavam deles, algo que sempre me remetia à Isabella.

Fiquei ainda naquela posição por alguns minutos, agora apenas acalmando meu coração enquanto sentia as batidas do de Bella, até que um vento gelado passou por nós, nos fazendo encolher e grudarmos ainda mais um ao outro. Essa era a deixa, precisávamos seguir em frente.

Lentamente, levantei meu corpo, o que fez Bella levantar o dela também, já que estava sobre mim, e a encarei. Eu me sentia um pouco envergonhado pela cena, mas uma tonelada mais leve.

Seus olhos castanhos quentes estavam marejados, mas ela mantinha uma expressão calma no rosto, com quase um sorriso se formando. Mesmo com nossa quebra maior de contato, ainda permanecíamos tão perto que sentia sua respiração batendo em meu rosto. Isabella segurou meu rosto com as duas mãos, passando seus polegares pelos rastros molhados, os limpando; eu fechei os olhos rapidamente com o gesto.

— Dona Elizabeth deve ser uma mulher incrível – Bella foi a primeira a falar e eu sorri com sua frase.

— Sim, ela é.

Levei minha mão até a lateral de seu rosto, desgrudando alguns fios coloridos de sua bochecha e afaguei a área que estava vermelha por ficar tanto tempo repousada sobre minha cabeça.

Levantei do banco e estendi a mão para Bella, que a pegou sem hesitar.

Retomamos o caminho até sua casa com os braços entrelaçados e sem nenhum clima tenso. Bella voltou a falar sem parar e eu agradeci internamente por isso e sempre que podia, eu fazia comentários que a incentivavam cada vez mais. Eu sorria do modo como ela se empolgava falando sobre algo que gostava.

Vez ou outra, ela pegava em minha mão, me fazendo rodá-la pela rua em uma dança sem melodia.

Algo havia mudado naquele banco de praça.

 

A terça-feira foi diferente.

No meu primeiro dia como aluno de dança, tive que fazer alguns ajustes – tanto na minha casa, como arrumar algumas coisas para que Dona Elizabeth conseguisse se virar melhor durante a tarde e noite toda em que eu estaria fora. Quanto minhas vestimentas, Isabella havia me feito anotar seu número de celular e desde o momento em que cheguei em casa na segunda-feira até o momento em que pisei no estúdio de dança no dia seguinte, fui bombardeado de mensagens sobre que eu deveria vestir para ficar mais confortável, além das milhares de imagens de animais filhotes e piadas sujas envolvendo órgãos genitais masculinos, o que me deixou chocado.

A pior parte de tudo isso não era eu ter de abolir minhas largas e furadas calças jeans e camisetas desbotadas, era combinar o moletom com Isabella.

Sim, porque quando ela veio saltitante em minha direção, eu percebi tarde demais o porquê de ela insistir para que eu mandasse uma foto de minha roupa antes de sair de casa.

Isabella estava com leggings e um top de ginástica cinza, assim como toda a minha roupa, e apesar de seu esforço em combinar comigo, seu conjunto ainda possuía detalhes rosa nas laterais. Era a roupa mais monótona que eu já a vira usando.

Gemi assim que Bella parou na minha frente com um grande sorriso; sua bochecha esquerda contendo um arranhão avermelhado.

— Olha só, fez a barba. Que pena, achei que a conservaria até o natal para eu poder lhe escrever uma carta com meus pedidos.

— Nossa, que engraçado – Falei ironicamente, mas estava feliz que a garota tivesse notado. Para ser sincero, não fazia ideia do porquê tirá-la depois de tanto tempo.

Ela ignorou meu comentário, mudando de assunto.

— Pronto para seu primeiro dia de aula? – Perguntou animada – Eu me sinto uma mãe levando o filho para a escolinha!

— Não, por favor, não. Me ponha em qualquer papel, menos como seu filho. Qual é a do arranhão?

— Fui tentar resgatar um gato de rua, mas ele não queria ser resgatado então me deu isso. Mas tudo bem, pelo menos eu consegui fazer um carinho nele – Bella deu de ombros, ainda sorridente.

— Ora, olha só quem está aqui! – Emmett que se aproximou sorrateiramente, berrou em meu ouvido, envolvendo meus ombros com um braço forte e me chacoalhando – É, Bel, parece que você conseguiu dominar essa figura aqui!

— Como assim? – Perguntei sufocado.

— Ah cara, eu sabia que com a Bel aqui durante o seu turno essa carranca não ia durar muito não. A Bel anima todo mundo!

Isabella sorriu triunfante e remexeu as sobrancelhas em minha direção.

Queria poder perguntar então qual era o maldito problema que alguém via em ser o par de uma garota tão animada e engraçada, por quê ela teve que recorrer justamente ao faxineiro para poder dançar; mas o ar estava se fazendo raro enquanto Emmett esmagava meus pulmões, então optei pela única coisa que conseguia dizer naquela situação.

— Hum...é – Foi minha resposta para o dançarino, que a aceitou sorrindo, e me apertou mais forte antes de me soltar dando fortes tapas nas minhas costas e se afastar indo até um grupo de alunos que ficavam parecendo crianças ao seu lado. Ele repetiu os tapas que me deu, nas costas de um adolescente espinhento que fez uma careta para o contato. Pobre criança.

— Então – Isabella chamou minha atenção – Eu já fiz nossas inscrições no desafio, separei umas partes de coreografia que o Emmett passou para a minha sala, conversei com ele sobre ficarmos mais tempo no galpão para ensaiarmos e ele deixou, me alonguei e abracei um cachorro de rua vindo pra cá logo após o gatinho me rejeitar. Como eu faço aulas há mais tempo, sua sala não será a mesma que a minha, seu professor é outro, um para iniciantes e...

— E...?

— Idosos.

— Eu não sou idoso!

— Mas está super enferrujado! Se quiser eu te mando uns vídeos de alongamento depois.

— É, pode ser – Resmunguei a contra gosto.

Os professores bateram palmas anunciando o início dos treinos, os alunos correram para suas respectivas salas.

— Ei, te vejo mais tarde – Bella piscou em minha direção enquanto mordia os lábios e foi para sua sala, eu ainda fiquei estático no corredor por alguns segundos até me lembrar onde ficava a sala que ela havia me indicado.

A aula foi extremamente chata. Como Bella disse, era para iniciantes e idosos, que eram o maior público na sala.

Perdi a conta de quantas vezes revirei meus olhos pelos passos e exercícios que eram tão simples e idiotas que até Jasper conseguiria fazê-los bem.

Minha primeira aula foi sobre dança de salão e tive que dançar com um senhora que era graciosa, até começar a alisar meus braços, então pedi para trocar de par e dancei com a nova mulher pelo salão enquanto olhava de cara feia para a senhora  sem-vergonha, que parecia não notar minha raiva.

Ao fim da aula, eu só conseguia pensar em como eu tinha aceitado isso. Minhas costas doíam e eu estava ofegante, mas uma parte de mim sentia a endorfina sendo liberada e distribuída por cada nervo do meu corpo. Por mais que estivesse ofegante, estava longe de estar cansado. O exercício me deixou ainda mais ligado.

— Ei cara, você arrasa! Você é incrível! Você é especial, não se esqueça disso! – Emmett gritou para mim no vestiário enquanto corria para o chuveiro com uma toalha pendurada em seu ombro e o rosto coberto de suor; o que eu achei totalmente medonho, já que ele não acompanhou minha aula.

Ignorei o ocorrido e aproveitei para tomar um banho e enfim colocar meu macacão azul para começar meu trabalho.

Bella me esperava no hall e assim como em todos os dias, me acompanhou em todas as salas enquanto eu as limpava, nunca deixando de tagarelar e me fazer rir de suas besteiras.

— Muito bem – Ela esfregou as mãos, parada no meio da sala iluminada, me olhando como se eu fosse sua presa – Vamos começar.

Engoli em seco, nervoso.

Meu trabalho já estava acabado e eu tinha meu moletom cinza de volta, agora iríamos arrumar outra coisa: Eu.

— Eu pensei em umas coisas para nossa coreografia, como eu você sabe que eu faço artes cênicas e sou uma amante do teatro, queria misturar nossa dança com um pouco de atuação. Gosto das coisas bem teatrais! Você pode ser a liberdade e eu prisioneira! Não, você é o cara idiota que me deixou e eu estou tentando me libertar de você! Ah, já sei! Podemos fazer...

E lá vamos nós, pensei enquanto a ouvia me contar suas milhares de ideias.

Bella não parava nunca, sempre me mostrando o que já estava pronto em sua cabeça, me fazendo repetir seus passos, parando para me assistir e corrigir e retomar ao pouco do que já tinha pronto, sempre repetindo, até chegar à perfeição para ela.

A garota de cabelos coloridos que estavam amarrados executava os passos com excelência, me fazendo parecer um imbecil bêbado tentando andar em linha reta. Ela ria de alguns movimentos desengonçados que eu fazia – mesmo que às vezes ela também tivesse esses momentos por não ser profissional, afinal, dança era seu hobby, mas eram raros em comparação aos meus -, mas logo me ajudava a acertá-los; exceto quando eu pisava em seus pés, aí ela ficava brava. Em pouco tempo de ensaio notei que Bella era metódica e não aceitava menos que a perfeição. Não comentei nada, mas imaginei ser por conta das cobranças e comparações com sua irmã que em outros momentos ela afirmava ser perfeita aos olhos de todos, principalmente dos pais.

— Ei – Eu a chamei durante nossa pequena pausa. Ela limpou a boca molhada pela água que acabara de tomar e me encarou esperando – Eu estava pensando...eu tenho algumas sugestões para a coreografia.

Isabella levantou as sobrancelhas, surpresa.

— É mesmo? Quais?

— Quando eu era pequeno, na primeira parte instrumental, minha mãe me tirava do chão e rodava comigo pela sala como em uma valsa, posso fazer isso com você.

Ela sorriu de lado e me senti mais confiante.

— Gostei. Têm mais?

— Sim. No primeiro refrão logo depois do instrumental, podemos ficar de costas uma para o outro, mas com os braços entrelaçados, depois eu me abaixo e você se deita sobre minhas costas com as pernas para o alto.

— Uau! Sei o que está querendo dizer e aprovo! Manda mais!

— Bem, já que quer algo teatral, no começo você pode ser uma boneca de ventrículo e eu posso estar por trás de você comandando seus movimentos, mas assim que chega o primeiro refrão, você se livra de mim e ficamos meio que em uma briga a dança toda, mas dançamos juntos o refrão “I will survive”.

Bella tinha o olhar longe imaginando os passos e um sorriso bobo.

— Sim, sim, sim! Eu amei! Nossa, você irá ficar sexy de legging branca.

— O quê? Imaginou até nossa roupa?

— Claro que sim, não faço nada pela metade! Aliás, estou pensando em algo ness exato momento...

— Não sei se quero saber o quê é.

Ela mordeu os lábios e semicerrou os olhos para mim, falando pausadamente, ainda processando a ideia em sua mente.

— Você. Irá. Abrir. Um. Espacato1.

— Nem fudendo! – Urrei.

Aquilo eu não faria, de jeito nenhum. Não via nem motivo para colocar essa porcaria na dança, minha imagem já ficaria manchada o bastante apenas dançando uma música que já era considerada hino gay, abrir um espacato só pioraria tudo. Essa merda machuca e iria esmagar meus testículos. Essa seria a última coisa que eu faria no mundo e nem mesmo Bella iria me convencer a abrir as pernas e escolher sentir aquela dor!

 

— Au – Choraminguei abrindo minhas pernas ao máximo que podia, segurando nas barras em frente ao espelho, encarando minha imagem de derrotado.

Bella forçou mais um pouco meu corpo para baixo e eu grunhi, me desvencilhando de suas mãos.

— Chega! Você me convenceu há alguns minutos atrás, mas agora eu desisto! Não faço isso nem ferrando, essa merda dói e vão achar que eu sou viado! E o caralho que eu vou usar legging branca!

Isabella bufou colocando as mãos assassinas na cintura.

— Edward, eu preciso dessa espacate!

— Por que você não faz essa merda!? Você não é a Lady Gaga da dança ou algo assim!?

Ela revirou os olhos, mas em seguida abaixou o olhar e remexeu os dedos.

— Eu não sei fazer espacate, ok? Nunca consegui fazer, não importa o quanto eu tente.

— E me escolheu como vítima!

Ela sorriu amarelo, encolhendo os ombros.

Suspirei.

— Achei que não desistisse de nada.

— Ei, eu não desisto!

— Prove! – A desafiei, sabia que ela não fugiria disso e de quebra me livraria da dor que sentia no meio de minhas pernas.

Ela semicerrou os olhos, contorcendo seu maxilar.

— Ok! – Bella arrumou sua postura, sorrindo. Ela havia tido uma ideia – Eu já volto.

Isabella desapareceu pela porta antes que eu pudesse responder e voltou segundos depois com um detergente na mão.

— Pra quê isso? – Perguntei desconfiado.

— Para o espacate.

Ela deu de ombros e começou a jogar o produto pelo liso piso de madeira.

— Mas que merda é essa? Porra, acabei de limpar aqui!

— Calma, eu mesma limpo depois, mas agora vamos focar no ensaio.

Bella escorregou pelo chão sem dobrar os joelhos até onde podia, deixando apenas um pequeno vão entre seu corpo e o piso.

— Está perto – Comentei.

— Sim, eu sei, mas nunca saio disso porque meu corpo simplesmente trava! Anda, me dá uma rasteira!

— O quê!?

— Me dá uma rasteira! Vai logo, Edward, deixa de drama! O detergente vai me fazer escorregar sem chance de mudar de ideia.

— Pelo amor de Deus – Fui até Bella, meus pés escorregando sobre o piso por conta do produto, mas em vez de fazer o que ela pediu, a levantei do chão.

— Ei, o que foi? Eu ia abrir o espacate!

— Não ia não, só iria se machucar de teimosia! Olha, que tal uma música agora? – Sugeri a primeira coisa que veio a minha mente apenas para distraí-la da ideia do espacate.

— Mas eu preciso conseguir fazer! Eu quero isso na nossa coreografia! – Isabella bateu o pé.

— Temos dez semanas, até lá você consegue e eu prometo te ajudar todos os dias, mas agora não vamos forçar para não te machucar. Ok?

— Ok – Ela resmungou com um bico.

Eu dei uma risada de sua cara de criança manhosa e escolhi uma música em meu celular, colocando o aparelho no chão apoiado na parede.

Ela levantou uma sobrancelha com minha escolha.

— It's Raining Men2? Sério? Eu começo a achar que talvez você seja gay.

— Eu fui criado apenas por uma mulher, essas músicas formaram meu caráter – Dei de ombros – Só evito ouví-las perto de outras pessoas.

Jasper era uma delas. Meu melhor amigo podia ser um pé no saco quando queria e assim eu evitaria meses de piadinhas ridículas sobre minha sexualidade pelo conteúdo das músicas – que eu concordava sobre serem feitas para mulheres e homossexuais e quem mais gostasse de homens. Foda-se, eu não entendia e nem ligava para essas coisas, apenas curtia o ritmo e ninguém tinha porra nenhuma a ver com isso.

— Acho que concordamos que músicas dos anos 70 a 90 são as melhores.

— Com certeza são.

— Você parece o tio idoso de alguém – Ela riu – Sabe, por mais que eu goste dessa música, acho que o que nos falta é algo como esta aqui.

Bella pegou meu celular e uma conhecida batida animada soou pela sala. Sorri com sua escolha, realmente era mais apropriada e animada.

Em seguida começou a fazer uma dança engraçada acompanhando a entrada da música, apenas deslizando seus pés pelo chão escorregadio.

Bella cantou junto com a primeira estrofe, em um microfone invisível que supostamente estaria em sua mão fechada em punho.

Ela estendeu o punho para mim, esperando. Revirei meus olhos e cantei sem ritmo algum e totalmente desanimado.

— And now it's all right, it's okay. You may look the other way3 – Cantei desafinado o trecho de Stayin' Alive4.

— Meu Deus, que horrível! Edward, ainda bem que não é cantor! – Ela fez uma careta e cantou o refrão bem alto – Vamos! Temos que ficar descontraídos para conseguirmos ensaiar melhor! Podemos criar passos sem nem percebermos!

Mexi meus ombros e a cabeça. Bella bufou.

— Funciona melhor se descruzar os braços.

Fiz o que ela pediu e os movi moles ao lado do meu corpo.

— Por Deus, você parece aqueles bonecos com ar dentro! Já sei, segura minhas mãos!

— Pra quê?

Isabella não respondeu, apenas segurou forte minhas duas mãos e me olhou com expectativa.

— Vamos rodar!

Eu ri de sua ideia maluca, mas peguei impulso e nos girei.

O chão com detergente fazia Bella deslizar por ele com facilidade e ela gargalhava da alta velocidade com os fios soltos de cabelo voando para seu rosto. De fora ela deveria parecer um redemoinho de rosa e lilás. Ainda bem que de dentro, rodando com ela, eu conseguia enxergar todas as suas expressões.

Parei quando minha cabeça já doía e cambaleamos, quase caíndo. Bella escorregou e puxou minha blusa em reflexo, eu caí de quatro e ela de joelhos. Ao fundo, a música seguia para seu último refrão.

— Não consigo mais fazer nada – Ela gemeu – Chega de ensaio por hoje.

Concordei, minha cabeça ainda girando. Sentei encostado na parede para me recuperar.

— É, vamos para casa.

— Ai, droga! Eu ainda tenho que limpar essa bagunça! Por que eu tenho que lidar com as consequências dos meus atos!? Vou pegar as coisas para limpar isso.

Bella sumiu e aguns minutos depois voltou correndo com um balde cheio de água. O detergente que antes estava só em uma parte da sala, se espalhou em todo o chão por causa de nossa dança, infelizmente também havia na entrada da sala, causando a queda de Bella, que derrubou toda a água do balde em cima dela mesma.

— Mas que merda! – Ela gritou.

Corri para ajudá-la, mas a água misturada com o detergente só piorou as coisas e eu escorreguei caindo de bunda, ao lado dela.

— Você está bem? – Perguntei com meus lábios reprimidos, se eu risse, ela poderia ficar chateada.

— Não, isso foi humilhante! – Ela tossiu algumas vezes por conta da água que entrou em sua boca e eu lacrimejei mordendo meus lábios – Edward, pode rir caramba!

— Eu não quero rir – Minha voz saiu sufocada. Se eu soltasse meus lábios iria soltar uma gargalhada.

— Eu tô vendo que você quer rir, pode rir!

Neguei com a cabeça, desviando o olhar do rosto dela todo molhado por que isso era uma incentivo para a minha risada.

— Edward caramba, põe logo isso pra fora! Parece que você está sofrendo!

Senti meu corpo tremendo da gargalhada que segurava e não consegui mais aguentar. Eu ria forte apertando a ponte de meu nariz, com uma mistura de medo e discrença sobre a cena atrapalhada que aconteceu.

— Acabou? – Bella estava vermelha de vergonha com os braços cruzados, por mais que estivesse sem graça, reprimia seus lábios para não rir, ela ainda estava sentada sobre a poça de água. Sua roupa toda estava molhada.

Diminui as risadas e me levantei sentindo uma pontada em minhas nádegas.

Respirei fundo, parando de vez minhas risadas e a ajudei a se levantar.

— Agora é sério: Se machucou? Está doendo? – A segurei cuidadosamente pelos braços.

— Eu acho que quebrou – Ela choramingou.

— O que quebrou!? – Perguntei alarmado tentando encontrar algo de errado em seu corpo.

— A minha dignidade – Gemeu colocando as mãos na frente do rosto para se esconder de mim.

— Ei – Falei divertido, puxando delicadamente suas mãos e colocando as minhas sobre suas bochechas, fazendo-a me encarar – Tudo bem, isso acontece. O importante é que não se machucou.

— Eu me sinto uma idiota, não queria cair na sua frente…

— Ei, eu caí também! Estamos quites!

— O meu foi mil vezes pior!

Eu ri de sua teimosia.

— E se fingirmos que isso não aconteceu, hein? Prometo nunca tocar no assunto – Ela assentiu ainda sem graça – Tudo bem. Vem, vamos limpar isso aqui.

Isabella concordou, mas logo em seguida bufou.

— Droga, molhou toda minha roupa! Como vou para casa assim!? Lá fora está um gelo!

— Hum...eu tenho uma ideia, mas você não irá gostar nenhum pouco dela.

Minutos depois, Isabella vestia meu macacão azul de limpeza. A peça nela ficava tão grande que as mangas tiveram que ser dobradas várias vezes até suas mãos ficarem visíveis. Ela parecia uma criança em seu pijama, pronta para dormir.

— Fala sério, isso aqui é muito confortável! Eu amei.

— Você me surpreende, achei que iria odiar.

— Bom, não tem tanta personalidade quanto minhas roupas, mas é estiloso. Só que eu não posso aparecer assim em casa, meus pais vão me encher de perguntas como se eu fosse uma criança e não quero passar por isso. Você acha que minhas roupas secam até limparmos a sala e fecharmos tudo?

— Provavelmente não, a calefação daqui não é tão boa.

Ela resmungou algo inaudível e seguimos para a sala com os devidos produtos de limpeza.

Dessa vez fomos rápidos, por mais que houvesse gracinhas e dancinhas por parte de Bella, terminamos e serviço logo pois estávamos cansados, já haviamos passados duas horas do nosso horário comum.

A roupa ainda não tinha seco então eu tive uma ideia meio estranha, mas resolveria o problema.

— Ei – A chamei quando já estávamos na rua, sua roupa molhada em uma sacola plástica – Você pode ir secar a roupa na minha casa, usamos uma secadora comunitária lá, mas é bem útil e rápida, assim não precisa ouvir sermão dos seus pais.

O rosto de Bella se iluminou com a ideia.

— Sim! Seria perfeito! Sabe, não quero ter que explicar para meus pais que não estou dormindo com você, eles passariam horas dizendo que eu ainda sou uma criança e que Alice nunca fez nada desse tipo! Não tenho culpa se ela é focada apenas em trabalho! Sabia que Leah, a ex dela terminou o noivado delas porque minha irmã passava vinte horas seguida trabalhando?! Isso não é horrível? Francamente, eu é que não quero ser assim!

— Isso é triste – Comentei.

— Ai meu Deus, eu irei conhecer sua mãe! Eu estou feia? Não quero que Dona Elizabeth me ache esquisita nem nada, ela é minha heroína! Ai, Jesus, ela vai achar que sou louca por ir até a casa de vocês de madrugada! E se ela estiver dormindo já? Eu estou sendo folgada? Se eu tiver é apenas dizer, não tem problema eu dou um jeito e fico nua antes de entrar em casa e corro para meu quarto!

Eu ainda não tinha pensado nisso. Claro que gostaria que Bella conhecesse minha mãe, mas nunca de fato planejei uma ocasião para isso, imaginei que aconteceria naturalmente, quem sabe durante a apresentação em março. O pensamento do encontro delas de repente de deixou nervoso.

— Não, você não está feia e Dona Elizabeth tem insônia, demora muito para dormir, então garanto que ainda estará acordada; e não, não está sendo folgada.

— E quanto ao esquisita?

— Hãn… - É, aquilo não dava para mudar.

Bella fez uma expressão de ofendida e me deu um leve soco no braço.

A guiei pelas ruas, fazendo o caminho contrário de sua casa e depois de quase vinte minutos andando, estávamos na frente do beco sem saída. Por ser começa de janeiro, as luzes de natal emaranhadas que cruzavam as casas, ainda brilhavam sendo a única luz alí. Diferente do dia, quando as crianças estavam correndo e jogando futebol, o ambinete estava silencioso.

— Você mora aqui? – Bella olhava encantada as luzes – É lindo.

Dei um meio sorriso.

— Não se engane, as luzes apenas disfarçam a feiura do lugar, mas os ratos continuam a correr pelo escuro.

— Poético.

Abri a porta velha do prédio e ela me seguiu pelo corredor até o apartamento no primeiro andar.

Minhas mãos suavam e meu coração palpitava forte enquanto eu dava espaço para Bella entar na pequena sala de estar.

— Filho? Chegou? – Minha mãe que estava em sua cadeira de frente para a televisão, perguntou assim que fechei a porta.

— Sim – Limpei a garganta, o que a fez virar como podia em seu lugar e só então notar a presença de Isabella – Mãe, essa é Isabella. Lembra que te contei sobre ela?

Os olhos dela se iluminaram, passando de mim para Isabella incontáveis vezes.

— Boa noite, Dona Elizabeth. Desculpa vir aqui nesse horário, eu não queria incomodar, mas Edward insistiu. Não se preocupe, eu já irei embora, apenas vim usar a secadora de vocês pois houve um acidente com minhas roupas! – Bella explicou exageradamente formal, fazendo grandiosos gestos com as mãos.

Minha mãe deu um meio sorriso para garota.

— Olá, Isabella. Sente-se aqui comigo enquando Edward cuida disso.

Bella franziu o cenho e olhou para mim suplicante. Por conta do AVC, minha mãe tinha um pouco de dificuldade na fala e pessoas que não estavam acostumadas a lidar com isso rotineiramente, demoravam um pouco até entendê-la perfeitamente.

— Por que não senta aqui com ela enquanto eu cuido das suas roupas? – Repeti as palavras de minha mãe e ela assentiu diversas vezes, se sentando ereta no sofá, seus dedos alongando se alongando e contraindo nervosamente.

Meio contrariado, as deixei sozinhas, indo até a lavanderia comunitária e colocando as roupas de Bella para secar. Enquanto eu esperava inquieto, me perguntava sobre o que elas estariam conversando, se estivessem conversando; o que Bella acharia do minúsculo apartamento; se ela havia reparado na bagunça na cozinha; se estava gostando de minha mãe e se minha mãe estava gostando de Bella.

Assim que a máquina parou, recolhi as roupas e voltei correndo para a apartamento, abri a porta o mais silenciosamente que podia, mas parei no meio do caminho ao ouvir as palvras de minha mãe.

— …não era bem o que eu esperava quando pedi para que ele aproveitasse mais a vida, mas acho bom que ele esteja tentando, Edward é muito centrado e fiquei surpresa quando ele me contou sobre a dança. Ele está mais feliz, mais leve, e eu fico feliz que você faça isso com meu filho.

Bella soltou uma risada nervosa.

— Eu não, isso é apenas a serotonina liberada pela dança. Eu não tenho nada a ver com isso.

— Sério? Acha mesmo que Edward apenas aceitou esse negócio de desafio de dança por que eu pedi? Eu conheço meu filho, mesmo depois de nossa conversa, se fosse qualquer outra pessoa pedindo para ele dançar na frente de uma platéia ele iria xingar e deixar a pessoa falando sozinha. Talvez tentaria aproveitar a vida como eu pedi de outra forma, andaria de bicicleta, cozinharia…mas dançar? Meu bem, se não fosse por você ele sequer cogitaria isso!

Bella permaneceu em silêncio e minha mãe continuou com um suspiro pesado.

— Quando ele me contou sobre isso, eu já desconfiava que estava acontecendo algo. Desde que Edward foi trabalhar lá no estúdio ele estava tão diferente, chegava em casa sorrindo e cantava enquanto arrumava a casa. No começo eu achei que fosse a felicidade de ter um emprego novo, mas quando ele me falou que participaria de um concurso de dança e citou você…muita coisa fez sentido para mim. Eu vi os olhos do meu menino brilhando, não não via isso há muito tempo. Eu não sei o que você fez, mas só tenho que te agradecer por fazê-lo feliz! Eu só peço que por favor, cuide dele. Pode não parecer pela carranca, mas ele tem um bom coração e gosta muito de você. E eu posso ver que isso é recíproco – A voz de minha mãe estava embargada, provavelmente estava chorando.

Engoli em seco com seu discurso. Estava perdido em várias partes dele. Ela achava que Bella e eu namorávamos ou que ingressaríamos em um relacionamento apenas por causa da dança? Eu não fazia ideia do que pensar, mas queria saber se Bella concordava com Elizabeth, se ela sentia algo por mim, por isso esperei nervoso por sua resposta, mas ela não veio. Então depois de dois minutos de completo silêncio, adentrei a sala como se nada tivesse acontecido.

Elas estavam de mãos dadas, os olhos de minha mãe vermelhos devido ao choro enquanto Isabella possuia um olhar perdido e sua testa franzida, parecendo tentar resolver uma difícil equação.

— Sua roupa secou – Lhe entreguei as peças e sem olhar diretamente para mim, Isabella sussurrou um “obrigado” e seguiu para o banheiro que indiquei.

Semicerrei os olhos em direção a minha mãe, que me ignorou e fingiu prestar atenção a televisão.

Bella saiu do baheiro já vestindo suas roupas, me entregou o macacão e se despediu de Elizabeth com um demorado abraço.

Estava pronto para fazer todo o caminho de volta e levá-la para casa, mas Isabella me parou na porta.

— Não precisa me levar, o caminho é muito longo e já está de madrugada. Eu pedi um uber, ele já está chegando.

Meu coração deu um salto. Ela estaria me evitando por causa da conversa com minha mãe?

— Ah…não teria problema, eu prefiro te acompanhar do que deixar você ir para casa com um desconhecido.

Ela sorriu de lado e fitou o chão mordendo os lábios.

— Me avisa quando chegar? – Pedi.

Bella concordou e olhou o celular que dizia que o motorista já havia chego. Se despediu de novo de minha mãe com um aceno e eu a acompanhei até a rua, observando-a abrir a porta do carro, parar no meio do caminho e se virar para mim.

— Boa noite, cara do macacão azul.

— Boa noite, garota estranha.

Espacato1: Espacate, espacato ou espargata (do italiano spaccata) é um movimento ginástico que consiste em abrir as pernas de modo que estas formem um ângulo de 180° e fiquem paralelas ao solo. |It's Raining Men2: “Está chovendo homens”, música de The Weather Girls, 1983. | “And now it's all right, it's okay. You may look the other way”3: “E agora tá tudo bem, eu estou bem. Você pode ver de outra maneira”. | Stayin' Alive4: “Mantendo-se vivo”, música de Bee Gees, 1977

 

PARTE V – FINAL

Dançar não era tão fácil quanto achava.

Requeria disciplina, ordem, ensaio, planejamento, foco, força de vontade e ânimo.

Setenta por cento das vezes, eu não preenchia nenhum desses requisitos, diferente de Bella que quase nunca ficava de mal humor. Eu invejava aquilo.

Dez semanas. Era nosso prazo. Dez semanas que passaram voando e agora só nos restavam dois dias.

Dez semanas em uma rotina em que eu parecia estar inserido há anos.

Nada mudou muito, continuei com as aulas, mas fui para uma sala um pouco mais avançada; limpava tudo com a presença de Isabella assim que as aulas terminavam; ensaiávamos e eu a levava para casa, depois voltava para a minha, dormia, passava as manhãs com minha mãe e no começo da tarde voltava para o galpão.

Às vezes, nas sextas-feiras ao fim dos ensaios, levava Isabella até minha casa por insistência de minha mãe. Elizabeth todos os dias falava sobre Bella e em como ela era perfeita, o que me fazia revirar os olhos, eu entendia suas insinuações, mas as ignorava.

Por mais que mantêssemos nossa rotina principal, ocorreram algumas mudanças. Sem mais conseguir esconder devido à grande boca que Emmett tinha, contei a Jasper sobre Isabella e a dança, o que gerou choque em meu melhor amigo e diversas piadas como eu imaginava.

Apesar de fazer suas gracinhas e criar apelidos ridículos para mim, sabia que Jasper tinha ficado feliz por mim e fazia aquelas coisas apenas para me atormentar. Ele logo passou a encher meu saco sobre querer conhecer “a garota que me transformou em um bailarino” e depois de eu enrolá-lo por um mês, certa sexta-feira, quando levava Isabella para minha casa e discutíamos no caminho sobre qual filme assistir aquela noite, encontramos com meu melhor amigo sentado no sofá, despreocupado ao lado de minha mãe.

Não tinha mais volta e rezei internamente para que Jasper não soltasse nenhuma merda sobre mim. Felizmente eles se deram bem, mas percebi meio aborrecido que perto de outras pessoas Bella não parecia ser ela mesmo, se forçando a não prolongar muito uma frase ou a parar de falar quando notava que estava se empolgando com o assunto. Imaginei com certa raiva que aquilo deveria ser obra de sua família idiota.

Com Jasper e Bella agora amigos, passamos a sair juntos, até mesmo encontrando Rosalie e Emmett algumas vezes – o que era bem desconfortável, pois era como sair parar beber com seu professor de matemática do ensino médio. O lugar que mais frequentávamos eram bares simples, mas que com nossas conversas se tornavam os melhores eventos. Bella era a que mais interagia, conversando com todos como se os conhecesse há anos e por mais que no começo odiasse bares e torcesse o nariz toda vez que me via bebendo cerveja – ela dizia que cerveja tinha gosto de remédio ruim e abraçava sua ice quando eu retrucava dizendo que era bebida de adolescente -, passou ela mesma a planejar nossos próximos encontros nesses lugares.

Logo, todas as pessoas próximas a mim, – que não eram muitas – agora sabiam sobre meu mais novo hobby e ansiavam pela apresentação, o que era um saco e me gerava ainda mais nervosismo. Se ninguém soubesse, a única pessoa que eu chamaria para assistir ao concurso seria minha mãe, mas sabia que agora Jasper e Rosalie iriam mesmo ser serem convidados; até Irina Dona Elizabeth havia chamado e todas as vezes que eu a encontrava na rua abaixava a cabeça para não ter que tocar neste assunto com ela.

Os últimos ensaios haviam sido estressantes, mas eu e Bella estávamos confiantes, ver a coreografia que criamos tomando forma era espetacular – Algumas vezes Emmett chegou a ficar até mais tarde para nos ajudar no desenvolvimento de alguns passos e agora estava tudo pronto, apenas ensaiávamos para tentar chegar o mais próximo que podíamos da perfeição, o que não era nada fácil.

Especialmente aquele dia.

Era quarta-feira, faltavam dois dias para o desafio e eu não conseguia me concentrar.

Houvera um aumento no aluguel do apartamento, minha mãe teria que tomar novos remédios, agora para prevenir uma possível diabete e meu salário estava atrasado por conta do vazamento de um encanamento no galpão que comeu todo o salário de todos os funcionários. Não estava em meus melhores dias.

— Ai Edward! – Bella reclamou quando pisei em seu pé pela quinta vez – Presta atenção nos passos!

— Desculpa – Pedi automaticamente, minha mente ainda vagava sobre minhas contas e economias.

— O que deu em você hoje? Não pode se distrair assim, o desafio é em dois dias! Ainda precisamos pegar jeito no passo do último verso!

— Não estou conseguindo me concentrar. Amanhã podemos ensaiar melhor.

— Amanhã?! – Ela se afastou incrédula – Não podemos deixar para amnhã! Isso tem que estar perfeito! Meus pais vão assistir, minha irmã vai assistir. Eu não quero ser motivo de chacota!

Respirei fundo já perdendo o pouco da paciência que me restava naquele dia.

— Eu não estou em um dia bom então prolongar esse ensaio desastroso só vai piorar as coisas.

— Aconteceu algo?

— É…- Cocei a cabeça tentando encontrar formas de dizer que eu não tinha dinheiro para passar o mês, não gostava de compartilhar essas coisas com as pessoas porque elas sempre tentavam ajudar de alguma forma, o que era desconfortável, então decidi guardar meus problemas apenas para mim – Alguns problemas só.

Ela assentiu lentamente.

— Algo em que eu possa ajudar?

— Não.

— Elizabeth está bem?

— Sim.

— Você está bem?

— Sim.

Bella levantou uma sobrancelha.

— São problemas financeiros?

— Sim – Admiti em um sussurro.

— Eu posso ajudar-

— Não – A cortei – Eu posso resolver sozinho.

— Edward, não precisa ser tão orgulhoso, eu posso te ajudar! Eu já pago suas aulas de dança mesmo – Deu de ombros.

— Muito obrigado por jogar isso em minha cara, melhorou muito minha situação – Sarcasmo escorria de minha voz.

Eu nem pensei sobre como aquela frase sairia, apenas sentia frustração e raiva e precisava liberar aquilo. Aquela foi a gota d’água.

Ela me olhou confusa.

— O quê? Eu não estou jogando nada em sua cara! Eu te ajudo porque eu quero!

— Pois eu não preciso de sua caridade! Mande dinheiro para a África, pelo menos lá você pode tirar fotos com as crianças e exibir para todos seu bom coração.

— Que merda você está falando? Isso é ridículo! Edward respire fundo três vezes e vamos voltar para o ensaio. Temos que estar perfeitos para daqui dois dias, Alice tirou uma folga do trabalho e virá de outra cidade apenas para isso. Chega das suas besteiras!

— Isso é a única coisa que importa para você!? Superar sua irmã? Porra, vê se cresce!

— Você não sabe do que está falando!  - Seu rosto estava escarlate, seus olhos agora escuros eram um reflexo dos meus.

— Você acha que isso é um problema? Sabe o que é um problema de verdade? Ter que sustentar sozinho duas pessoas e todo mês ficar imaginando se o dinheiro vai dar até o próximo pagamento; se eu vou conseguir comer ou se irei poder comprar os remédios de minha mãe. Isso é um problema, mas você não faz ideia, não é? Vive aí em sua bolha de garota-classe-média e não faz ideia do que acontece em volta!

— Do que está falando? Fui eu quem te ajudou a sair de uma quase depressão! Estava tão perdido que nem ligava para nada que acontecesse a você! Já era a merda de um homem morto por dentro!

— Foi você quem me salvou!? Garota, eu só aceitei estar aqui porque mais ninguém quis você por perto, nem seus próprios pais botam fé em você!

— Quer falar de pais agora? Pois agora eu sei porque o seu te deixou. Você é um merda – Cuspiu as últimas palavras.

Abri meus braços mostrando que aquilo não me atingia.

— Sabe qual a melhor parte de ser um merda? Sempre fui assim, nunca fingi ser outra coisa. Você me conheceu assim, você que decidiu ir fundo. Sou assim e ainda tenho amigos de verdade, diferente de você que se esconde pelos cantos!

Bella engoliu em seco e por um milésimo de segundo o peso daquelas palavras me invadiu.

Isso até seu próximo golpe.

— Porra, já que você quer ser tão baixo então honre a merda do dinheiro que eu gasto pagando suas aulas e pelo menos seja útil nelas! Nem isso você faz direito!

— Eu não preciso da merda do seu dinheiro! Essa porcaria aqui – Indiquei a sala de dança – não quer dizer nada para mim!

Ela deu uma risada amargurada.

— Se não significa nada então porque está aqui ainda mesmo depois de três meses?

— Não seja por isso, estou indo agora mesmo.

Recolhi meu celular e meu moletom que estavam no chão no canto da sala e saí. Sem olhar para trás. Com meu rosto queimando pela raiva e um aperto em meu coração pela mágoa.

Nunca dormi tão mal em toda minha vida.

 

— Edward, está me ouvindo?

— Hum?

— Eu perguntei sobre qual vestido é mais bonito para eu ir para a sua apresentação: Azul ou vermelho? – Minha mãe apontou para os vestidos que estavam em cabides, sobre a cama.

— Ah, hum…o azul, não faz muita diferença.

Ela me encarou como se eu estivesse acabado de chutar um cachorro.

— É claro que faz diferença, é sua apresentação!

— Para mim não faz diferença nenhuma. É só uma dança ridícula e depois acabou, voltamos para casa e dormimos. Vida que segue, na segunda eu ainda trabalho, faço compras, limpo a casa. Não é nada demais, não muda minha vida em nada.

— Mas o que deu em você? Até pouco tempo estava só sorrisos e não parava de falar no dia de amanhã.

Bufei passando os dedos por entre meus cabelos bagunçados e ignorei a pergunta dela.

— Filho? Você e Bella estão bem?

Meu coração deu um salto tão forte com a menção de seu nome que meu peito chegou a doer. Minha careta de dor deve ter entregado tudo à minha mãe.

— O que houve? Edward, você não a machucou ou a magoou, não é?

— Não quero falar sobre isso – Me levantei da cama indo até a porta do quarto – E a senhora fica linda com o vestido azul, vá com ele.

De vermelho já bastaria o meu sangue escorrendo quando Elizabeth notasse que as respostas para a pergunta dela eram afirmativas.

Me joguei no sofá encarando o teto. Era para eu estar tendo o ensaio geral nesse exato momento.

Peguei meu celular para ver se ali havia alguma mensagem, mas não tinha nenhuma. Nem eu ou Bella mandamos mensagens um para o outro desde nossa briga no dia anterior. Nesta manhã eu havia acordado com os latidos de cachorro do vizinho, diferente dos últimos três meses, quando eu era despertado pela vibração de meu celular pelas dez mensagens e figurinhas que Bella mandava de bom dia.

Encarei, do outro lado da sala, pendurado com cuidado em um solitário prego na parede, meu figurino que usaria na noite seguinte. Eu e Bella escolhemos nossas roupas e com a ajuda um do outro fizemos ajustes nelas – como colocar mais brilho.

Por três meses eu sonhava acordado com a noite em que a vestiria, acompanhado de Bella em seu figurino de mesma cor e então, rodaria a garota no meio de um salão, com as luzes focadas em nós, todos nos assistindo em nossa bolha, nossa dança sincronizada. Tudo seria perfeito. A garota sorriria enquanto eu a estivesse rodando e eu retribuiria. Nesse sonho não havia o cansaço pelo esforço, o suor, o nervosismo, o medo e principalmente não havia a mágoa. Ao fim da dança gargalharíamos e diríamos “Conseguimos!” e eu tomaria a atitude que durante três meses estava reunindo forças para fazer: Eu a beijaria.

A beijaria bem ali depois do nosso espetáculo porque sim, eu gostava de Isabella e demorei tempo o bastante para admitir isso para mim mesmo. Todas as vezes que saíamos com Jasper eu torcia secretamente para que ninguém a interessasse o bastante. Eu a envolvia com conversas que sabia que a animaria e ocuparia o resto de suas noites; às vezes eu discordava propositalmente de algo que para ela, seria uma ofensa apenas para observá-la me convencer do contrário. Eu amava o jeito que seus olhos castanhos brilhavam nessas conversas. Por vezes elas duravam até o fim da noite e nem percebíamos quando Jasper se despedia por estar entediado.

Agora, mesmo que eu exercesse perfeitamente o papel de par que por tantos meses ensaiei, a mágoa ainda estaria lá e permaneceria lá, não importa o quão perfeita a dança fosse. A garota não sorriria brilhantemente para mim e eu não retribuiria, porque o sorriso dela não estaria lá. Ao fim da dança esperiamos afastados um do outro, os comentários de Emmett e então, depois da noite divertida para todo o resto, cada um voltaria para sua própria casa. Eu não a beijaria, eu não a apertaria contra mim, eu não a teria.

Eu tinha certeza que na segunda-feira ela não estaria me esperando como fazia desde que nos conhecemos.

Pensar nisso me causou uma dor aguda e rapidamente me repreendi por pensar em Isabella de qualquer forma que não fosse rudemente. Afinal, ela havia me magoado, muito. A ausência de meu pai nunca de fato foi um problema para minha criação e cresci ouvindo de Elizabeth que a culpa nunca fora minha, ele que quis se afastar, o problema era ele; mas ouvir aquelas palavras de alguém tão importante me fez perder o chão.

Quanto à questão financeira, sempre soube que entre mim e Bella havia uma grande dierença, não um abismo, eu diria, mas ela estudava e frequentava cursos sem nunca ter precisado se preocupar em trabalhar; era um privilégio que eu não sabia se ela notava e quando deixou claro que pagava meu curso, estourei.

Eu pagava uma parte à ela todo mês, sempre que recebia, nunca gostei de aceitar a ajuda de ninguém pois via nas pessoas em geral um traço de pena que me dava raiva. Mesmo sem apresentar esse traço, a fala de Isabella me lembrou de todas as pessoas que me trataram como um sem teto apenas por ter menos condições financeiras. Me lembrei que por mais que eu trabalhe, parece que nunca saio do mesmo lugar, do mesmo cortiço, da mesma posição de coitado a qual as pessoas me associam.

Eu sabia que eu que tinha começado com toda a discussão, eu a insultei primeiro – agora, depois da raiva passar e minha mente clarear eu via isso -, mas nada dava à ela o direito de devolver as ofensas em um nível tão baixo.

Sim, mesmo sabendo que possuía uma parcela de culpa, ainda queria acreditar que estava certo em todos os pontos e que meu surto no estúdio fora causado por ela, quando na verdade, era apenas o brilho da ponta do iceberg.

Pensar estava dando dor de cabeça então mesmo ainda sendo cinco da tarde, decidi dormir, porque se eu dormisse, não pensaria e se eu não pensasse então a dor de cabeça cessaria.

Me forcei a relaxar meu corpo e deu certo, pouco depois já estava tendo o descanso que merecia.

 

Surpreendentemente parecia que Deus estava sendo bom comigo e não tive pesadelos envolvendo a briga, coisa rara envovendo minha mente traiçoeira que insistia em reprisar de formas bizarras os acontecimentos da minha semana enquanto dormia. Acordei depois de incríveis dezenove horas de sono sem saber que dia era ou onde estava, mas assim que a realidade me atingiu me permiti permanecer mais alguns minutos no sofá.

Eu estava acabado por dormir naquele móvel minúsculo, com certeza Bella me mataria por estar quebrado bem no dia da apresentação.

Bom, isso se eu me importasse.

Evitei minha mãe por toda a tarde, até chegar a hora de nos arrumarmos.

— Filho, o que achou? – Minha mãe apareceu na cadeira de rodas na entrada aberta no banheiro com seu vestido azul e um batom escuro, onde eu arrumava meu cabelo.

Sorri.

— Está linda, mãe.

Ela sorriu para mim.

— Sua roupa é de uma cor bem…chamativa – Disse me medindo.

Minha roupa era inteiramente roxa; desde a camisa dos botões e manga curta até a calça social, com excessão apenas de meus sapatos pretos.

Eu havia escolhido aquele tom, eu sabia que era chamativo. Eu havia escolhido aquela cor porque era uma das cores que moldavam as pontas dos cabelos de Bella e que agora se tornara tão especial para mim. Seu cabelo era apenas uma das coisas lindas sobre ela, externamente.

O sorriso de minha mãe se desfez de repente e ela me olhou com preocupação.

— Edward…

— Sim?

Ela pareceu ponderar, mas depois de decidir, seu semblante se tornou rígido e confiante.

— Sempre que estiver em uma situação conflituosa, imagine qual seria a atitude que seu pai tomaria em seu lugar; seja ela qual for, faça tudo ao contrário.

— Quê? – A encarei confuso.

 Ela apenas limpou a garganta e refez seu sorriso, agora parecendo mais falso.

— Está pronto? Jasper já vai chegar para nos levar – Continuou com um tom mais agudo que o normal.

Assenti ainda digerindo suas palavras.

Eu sabia que na verdade ela queria perguntar sobre minhas palvaras na tarde anterior e sobre Bella, mas isso me desestabilizaria e provavelmente me faria mudar de ideia, além de me deixar nervoso. Então me conhecendo bem, ela não insistiu naquilo, até por quê nem mesmo uma conversa sobre aquilo eu manteria com ela. Sendo sábia como era, apenas me deu um conselho que não só se encaixava na atual situação como também em qualquer outra.

Jasper chegou minutos depois e após passar o trajeto todo rindo de minha roupa – o que nem fiz questão de retrucar – chegamos ao salão.

Era um espaço destinado a festas e eventos de médio porte, não muito chique, mas longe de ser algo meia-boca.

A iluminação estava fraca, mesas eram disponibilizadas ao redor de uma pista quadrada.

Porra, não esperava que fosse ser tão formal.

Guiei Jasper e empurrei a cadeira de minha mãe até uma mesa próxima à pista, onde Rosalie já estava sentanda olhando para o outro lado do salão, onde Emmett ria com um grupo em diferentes trajes espalhafatosos.

Após alguns minutos de conversa jogada fora – da parte deles, já que eu me mantinha calado, procurando entre as muitas pessoas, uma garota de roxo -, fomos interrompidos por um Emmett animado.

— Pessoal, espero que não se importem, mas como Edward e Bel são um par, fiz questão de colocar a mesa de ambas as famílias juntas – Apontou para o casal de meia idade atrás de si – Estes são Reneé e Charlie Swan, os pais da Bel.

Me remexi meio perdido com a situação, mas mesmo atordoado não deixar de notar que a mulher, Renné, era muto parecida com Bella, com os cabelos no mesmo tom de castanho e um formato de rosto parecido; ela sustentava um enorme sorriso, mas o de Bella era mais bonito, brilhante e espontâneo. Assim como sua esposa, Charlie Swan tinha um postura descontraída e seu grosso bigode estava levemente repuxado para cima pelo seu sorriso.

O casal cumprimentou a todos sorridentes e quando a Senhora Swan chegou até mim, pareceu me analisar.

— Você é o Edward que nossa Bel tanto fala? Ah, você é um amor.

— Falar é pouco, aquela menina é uma matraca! – O Senhor Swan completou, sua mulher riu.

— Vocês sabem como a Bel é: Nem dormindo a menina fica quieta! Eu tinha que colocar fones para aturar tanto "Edward fez isso, Edward fez aquilo".

Torci minha boca desconfortável com a situação, tanto por ser a primeira vez encontrando os pais de Bella quanto por seus comentários que com certeza a deixariam abalada.

Eles se sentaram, deixando uma cadeira vazia no meio.

— Esse lugar está reservado para nossa Alice, ela chega daqui a pouco – Reneé explicou.

— Sim, ela está vindo de outra cidade, ela viaja muito a trabalho. Ela é arquiteta e tem um escritório próprio, é nosso maior orgulho – Charlie sorriu.

— Sim! Alice é a menina mais inteligente que conheço, e não digo apenas por ser minha filha! Ela estudou nos Estados Unidos, foi aceita em Yale!

— Ela é incrível, verão isso.

Eles falavam sem parar, sem nem perguntarem se queríamos saber. Todos na mesa balançavam a cabeça tentando acompanhar, minha mãe mantinha a boca entreaberta e o cenho franzido para o casal.

Segurei um riso pois Jasper, Rosalie e Emmett tinham a mesma expressão.

— Apenas queríamos que Bel se esforçasse como a irmã. Sabe, dança e teatro são bonitinhos quando se é criança, mas Bel precisa levar as coisas mais a sério! Não dá para viver disso!

— Às vezes acho que é um pouco de culpa nossa, sabemos que nossos genes não são tão inteligentes assim! Sempre brincamos disso com ela, não é Charlie? – Os dois riram.

Sim, realmente eram culpa dos dois, mas não nesse ponto. Eles não entendiam nada mesmo.

— É por isso que Alice é a mais inteligente da família: A adotamos!

— Sim! Ela é descendente de japoneses, é uma raça bem talentosa.

Prendi a respiração com a fala sem noção. Ao meu lado, Jasper semicerrou os olhos em direção ao casal risonho e imaginei ter escutado um “racistas” seguido por uma ofensa em espanhol.

A mesa caiu em um silêncio desconfortável. Desde que chegaram, o casal que tanto criticava sua filha falante não deu abertura nenhuma para o início de uma conversa que envolvesse a todos. Mesmo com ninguém os respondendo, eles não pareceram notar ou se importar, interpretando nosso silêncio como uma forma de admiração e concordância.

— E onde está Bel? – Rosalie quebrou o gelo.

— Oh, não sabemos. Ela disse que viria na frente, achei que vocês soubessem.

Como eles sabiam tanto de uma filha enquanto nem sabiam onde a outra estava?

Emmett me olhou preocupado.

— Bom, então acho melhor encontrá-la, as apresentações começam daqui a pouco.

Agora todos me encaravam esperando que eu levantasse para ir atrás de Bella. E foi o que eu fiz meio à contra gosto.

Eu queria encontrá-la, queria muito. Apenas não queria ser o que ia atrás dela.

Rodei três vezes por todo o salão, a caçando avidamente, até que comecei a ficar preocupado. A luz do ambiente estava ainda menor, por causa do segundo casal que se apresentava, dificultando ainda mais meu trabalho.

E se ela tivesse desistido? E se estava tão magoada comigo que preferiu perder o sonho dela à olhar em minha cara? E se ela tivesse arrumado outro parceiro? Ela estava bem? Onde ela estava?

Eu passava nervoamente meus dedos por entre meus cabelos pensando em todas essas questões.

Parei e respirei fundo. Eu tinha que manter a calma e pensar bem. Meu celular ficara em casa devido tamanha minha distração na noite, se eu quisesse ligar para ela teria que voltar à mesa, explicar toda a situação e pedir um celular emprestado, não teria escolha.

Assim que tomei a decisão, parei abruptamente ao vê-la parada no canto mais escuro do salão. Sua roupa roxa e brilhante não captava nenhuma luz, seu olhar estava vidrado em um ponto à sua frente e seu rosto denunciava seu choque.

— O que está fazendo aqui? Estou te procurando a noite toda! – Eu estava exagerando, mas naquele momento não me preocupava com hipérboles, apenas estava aliviado em finalmente encontrá-la.

Ela desviou o olhar de seu ponto para mim, e agora sua expressão era irritadiça.

— Eu estava me alongando, assim como você deveria estar também!

A preocupação que antes rondava minha mente se esvaiu, dando lugar à raiva desenterrada pela lembrança da dor causada em mim por suas palavras no estúdio.

— Como eu saberia? Não falo com você faz dois dias! – Respondi ríspido.

— Bom, deve estar contente então, já que ninguém me aguenta. Imagino o quão satisfeito deve ter ficado – Bella me respondeu com sarcasmo, usando de minhas próprias palavras durante a briga.

Bufei irritado.

— Quer deixar essa merda para depois? Primeiro vamos fazer o que viemos fazer!

Eu tinha muitas coisas para dizer à ela, queria jogar palavras que provavelmente a machucariam ainda mais, queria que ela também sentisse a dor que me causou, queria que soubesse o quanto eu – ainda – gostava dela e aproveitar disso para que ela se sentisse culpada; mas no fim das contas isso não daria em nada.

O conselho de minha mãe soou em algum lugar no fundo de minha conciência. Eu não seria um babaca como meu pai foi e por mais que o desejo de esclarecimentos ainda estivesse lá, fazê-la se sentir culpada – principalmente por algo que eu sabia ter começado – não era a melhor escolha.

Meu pai fez minha mãe pensar que todo o fim do casamento dos dois era culpa exclusivamente dela e por anos ela acreditou nisso, ficando doente por se sentir inútil e não compreendendo que na verdade vivera num relacionamento abusivo que a impedia de estudar e trabalhar.

Agora mesmo que o contexto fosse diferente, eu realmente não queria agir como ele; restava saber se mesmo depois de me redimir, Bella me desculparia e assim como eu, admitiria seus erros.

Ela negou com a cabeça, seus olhos se enchendo de lágrimas.

— Eu não consigo – Sua voz saiu estrangulada.

— O que? Não consegue o que?

Eu não estava entendendo. Sobre o que ela estava falando?

Bella voltou a fitar o ponto à sua frente e acompanhei seu olhar.

Do outro lado do salão estava a mesa com seus pais e agora uma garota baixinha, com os cabelos pretos em estilo chanel e aparentando ser asiática estava sentada entre eles. Ela mantinha uma expressão séria e crítica, parecendo julgar tudo a sua volta.

— Essa é…

— Sim, é a Alice.

— Sério que é dela que você tem medo? – A encarei incrédulo. A garota na mesa não deveria ter nem meio metro.

Bella revirou os olhos lacrimejados.

— É claro que você não entende. Você não faz ideia de nada. Pra você, apenas seus problemas importam. Você adora invalidar os problemas dos outros, mas apenas eu sei o que passo em casa com meus pais!

— Agora eu sei, eu vi como eles agem sobre você. Olha, Bella, eu...

As palavras estavam entaladas em minha garganta. Eu queria pedir desculpas, queria muito, mas meu orgulho ainda insistia em aparecer.

Ela ergueu as sobrancelhas, esperando a conclusão, mas não aconteceu. Em vez disso, aplausos reverberaram no ambiente, sendo seguidos pela voz de Emmett ao microfone. Nos voltamos para a grande pista quadrada e iluminada onde um casal agora ofegante se encontrava de mãos dadas olhando para Emmett em expectativa.

— Muito bem, parabéns Tanya e Allistair! Ambos são alunos do professor Stefan, no nível três. Todos os passos foram perfeitos e amamos a escolha da música, o scoobot1 de vocês estava perfeito! – Ele parabenizou – Bem, como todos já sabem, mas não custa lembrar: Este evento não seria possível sem a ajuda dos professores Stefan, Julia, Seth, Kate e é claro, eu. Semana passada nossos alunos de diferentes níveis nos surpreenderam em apresentações individuais, houve muita superação e nós professores sabemos o que esses jovens passam para conseguirem criar uma coreografia do zero e apresentá-la na frente de tantas pessoas. É realmente algo muito importante que não deve ser desvalorizado, arte é tão essencial quanto a matemática.

“E aos diversos pais e parentes aqui hoje: Não desvalorizem isso, tentem enxergar o talento de seus filhos e amigos. A dança, meus caros, é algo que nos diverte, nos anima, nos dá resiliência, determinação, foco, e satisfação. Todos nós temos uma música especial guardada; pode ser a música de algum casamento, de algum amor, a música de ninar do filho ou de algum outro momento inesquecível. A dança transforma essas músicas em algo palpável e visual. Isso não é algo fácil de se fazer, o dançarino tem que ter o mínimo de sensibilidade para captar e transmitir toda emoção nela contida enquanto pessoas rasas veem apenas movimentos sem sentido. Aos que buscam refúgio no MCSTUDIO destes que desacreditam em seus sonhos, saibam que são bem-vindos. Esse foi o recado da noite que senti necessidade em compartilhar, desculpem por arrastar tanto isso. Tanya e Allistair: Parabéns mais uma vez, os professores discutirão a respeito da apresentação e ao fim da noite teremos o resultado.”

A plateia que antes estava mergulhada em silêncio, acompanhando o discurso de Emmett, rompeu em aplausos estrondosos.

Ao meu lado, Isabella tinha os olhos marejados e o nariz avermelhado.

— Ouviu? Aquilo foi por você.

Ela fungou e assentiu, abrindo a boca para dizer algo, mas novamente Emmett voltou ao microfone.

— O próximo casal é Isabella Swan e Edward Masen, do nível quatro e dois. A música que eles escolheram vai mexer com a nostalgia de muitos, preparem os corações!

— Puta merda – Bela sussurrou – Como assim já é a gente? Eu não quero ir!

— Porra, como assim não quer ir? Eu ensaiei essa merda durante três meses por sua causa, você vai sim!

Bella travou no chão, se recusando a andar até a pista. Eu a puxei pelo pulso e muito lentamente, caminhamos entre as pessoas.

— Muita gente, muita gente, muita gente – Ela parecia miar baixinho – Edward, não dá.

— O que? Você faz artes cênicas, já deveria estar acostumada com isso!

— Eu atuo, não danço, são coisas diferentes! E a Alice está aqui, e se ela achar ruim? E se ela dormir no meio da apresentação? Ela pode simplesmente levantar e ir embora ou então rir de mim com meus pais. Eu sei que eles vão falar de cada movimento. Minha roupa está horrorosa, vou falar com Emmett e pedir para ele adiar isso, podemos ser os últimos ou fugir-

— Isabella! – A cortei.

Ela olhou em meus olhos, ansiosa; durante essa conexão, tentei transmitir toda tranquilidade que eu não possuía, mas pesar da ausência desse sentimento, eu desfrutava de uma enorme segurança, e como vi em seus olhos, essa foi capaz de dar à Bella uma pontada de esperança enquanto eu praticamente a sacudia pelos ombros.

— Nós vamos agora para o meio daquela pista e vamos dançar como se estivéssemos em um dos nossos ensaios! Não há mais ninguém aqui a não ser eu e você. E caso isso não dê certo, eu quero que você atue e faça o papel de uma excelente dançarina. Por favor, por favor, faça isso ou irá se arrepender por não ter feito.

Ela engoliu em seco, olhou em volta ainda em desespero.

— Vamos? – Incentivei.

Ela assentiu, mas o medo permanecia ali.

Antes que pudesse virar para prosseguir meu caminho até o meio do salão, Bella me chamou.

— Edward?

— Sim?

— Não pise no meu pé.

— Não dessa vez – Prometi.

Rumamos para à pista, agora mais apagada para o nosso preparo. Isabella passou rapidamente as mãos pelo cabelo para controlar qualquer fio que estivesse fora do lugar e se abanou.

A nossa posição inicial era Bella de joelhos e eu em pé atrás dela. Mesmo tendo consciência dos olhos de todos em nós, me inclinei e sussurrei em seu ouvido.

— Olhe apenas para mim.

E fiz o gesto para o início da música.

A trilha tão conhecida tomou conta de cada canto do salão no momento em que a pista foi totalmente iluminada, escurecendo a plateia. Meus primeiros movimentos tão treinados foram perfeitos. Eu fingia controlar Bella com cordas e assim que a batida começou, ela cortou as linhas invisíveis, começando a dança.

Agora nós dois estávamos em pé e encenávamos uma briga onde eu era colocado para fora de casa e eu voltava desesperado tentando reconquistá-la, mas logo em seguida o papel era deixado de lado e dançávamos sincronizados um ao lado do outro.

Mesmo concentrado na dança, não pude deixar de notar que pela primeira vez na noite – e em dois dias – eu via Isabella na luz. Seu vestido curto de manga média brilhava sob a iluminação bem mais do que me lembrava durante sua última prova, os tecidos a mais em lugares estratégicos faziam seus movimentos mais dramáticos e lindos.

Se eu não soubesse os passos de cor, provavelmente teria caído do chão assim que seus cabelos agora metade castanhos metade roxos foram jogados ao ar pela coreografia. Tudo parecia estar em câmera lenta.

E então a parte instrumental chegou e Isabella correu em minha direção, eu a peguei em meu colo, ela esticou suas pernas de cada lado de seu corpo, em um perfeito espacate no ar. Ela se segurava em meus ombros e pela primeira vez desde que a dança começara, nossos olhares se encontravam. Diferente de antes de nossos nomes serem anunciados ou de dois dias atrás, não havia mágoa naquele mar castanho, apenas calor.

Enquanto nos rodava pela pista em uma valsa, senti que pela primeira vez em muito tempo, todas as peças de minha vida haviam se encaixado. Entre um rodopio e outro, o rosto de Isabella se transformava no rosto jovem de minha mãe e de repente eu era apenas uma criança sendo rodada pela sala de casa ao som daquela mesma música, gargalhando com a situação.

Outro rodopio e outro rosto se manifestava à minha frente, dessa vez era minha mãe mais velha e agora eu que a rodava no colo pela sala de casa, as gargalhadas dela enchiam meus ouvidos.

Um último giro e o rosto voltava a ser de Bella, agora tão linda e sorridente como nunca. Essa simples visão foi capaz de fazer meu coração pular em meu peito. Naquele momento era apenas meus olhos nos dela, não existia mais nada.  É esquisita a forma de como uma música que antes eu sentia que era exclusiva minha e de minha mãe agora poderia conter outro tipo de amor, outro significado, outra pessoa envolvida e mesmo assim continuar a ser tão importante.

Havíamos conseguido fazer o movimento mais difícil.

O instrumental chegou ao fim, nos lembrando de que aquilo infelizmente não era infinito e logo voltamos aos passos mais animados.

A concentração era total, eu me forçava a não olhar diretamente para frente, pois sabia que veria a silhueta de dezenas de desconhecidos.

Apesar de começar a sentir o suor se acumulando em minha testa e axilas e por um milésimo de segundo me perguntar se estaria fedendo ao fim da dança, deveria admitir que nunca me senti mais vivo.

Vez ou outra, depois de algum movimento mais ousado, era possível ouvir alguns aplausos ou sons de surpresa, mas não poderíamos relaxar, e só o fizemos quando a última batida soou.

Eu tinha Bella em meus braços, nós dois ofegávamos e eu podia sentir seu coração acelerado através do tecido do vestido roxo. Não saberia dizer se era pela adrenalina de dançar na frente de muitas pessoas e ser avaliado ou a ter assim tão perto de mim sem poder beijá-la que fazia minhas pernas tremerem; poderia ser até a falta do alongamento antes da dança, mas enquanto todos aplaudiam e as luzes eram religadas, notei que sua mão estava tão trêmula quanto a minha.

Ainda ficamos nos encarando por algum tempo com um misto de alívio, choque, alegria, surpresa e um brilho intenso e algo a mais, até que a voz de Emmett nos despertou e voltamos a ficar eretos, com os braços entrelaçados. Ela primeira vez, olhamos para o público.

A primeira pessoa que encontrei foi Jasper, que estava de pé assoviando e piscou para mim assim que encontrou meu olhar; a segunda foi Rosalie que permanecia sentada e aplaudindo; e a terceira foi minha mãe que chorava, seu olhar carregado do que eu sabia ser orgulho. Logo senti a vontade de chorar também, mas não o faria ali.

Bella apertou meu braço com mais força e notei que ela evitada olhar sua família que sorria e conversavam entre si. Com minha mão livre, apertei sua palma que estava sobre meu braço, tentando lhe passar segurança.

— Catapimbas! – Foi a primeira coisa que Emmett falou, fazendo todo o salão rir – Eu não via uma dança tão divertida desde que eu ensinei Rosalie a dançar para o nosso casamento!

Da mesa, Rose cruzou os braços tentando fazer uma cara de brava, mas falhando assim que sorriu.

— Edward, Bella, vocês foram ótimos! Tenho certeza que a música trouxe várias lembranças aos mais velhos. Digo isso porque ainda sou jovem, não é da minha época! – Mais risadas – Bom, parabéns aos dois, são apresentações assim que me deixam orgulhoso de ser professor de dança.

Mais aplausos explodiram e soltei minha respiração que nem sabia que prendia. Ao meu lado, Bella afrouxou seu aperto em meu braço.

Ainda atônitos e inebriados pela adrenalina, só percebi que havíamos chegado até a mesa quando senti tapas em minhas costas e beijos em minhas bochechas.

— Foi incrível cara! Estou impressionado com você carajito2!

— Parabéns Edward, vocês foram muito bem!

Eram coisas repetidas ao meu redor e de repente me dei falta do toque de Isabella em meu braço. Me virei desesperado a procurando e a encontrei do outro lado da mesa, sendo abraçada por sua mãe e com seu pai parado ao lado. Sua irmã permanecia sentada apenas observando a cena e senti uma certa raiva dentro de mim, mas que logo foi jogada de lado quando minha mãe tocou minha mão.

— Filho – Seu rosto já estava seco, mas novas lágrimas ameaçavam cair – Obrigada.

— Pelo o quê? – Perguntei confuso.

— Por tudo isso. Foi a melhor coisa que você poderia me dar: Sua felicidade. Nunca pensei que o veria dançando assim e tão feliz. Obrigada por se dar uma chance de viver, obrigada por ser um filho tão bom para mim, obrigada por cuidar de mim, obrigada por me dar o privilégio de ver algo tão bonito assim, obrigada por ter me ouvido e por não deixar passar essa oportunidade. Eu te amo, filho.

Ajoelhei na altura de sua cadeira e a abracei apertado.

— Estou orgulhosa, Ed – Ela pronunciou meu apelido de quando eu criança e afagou meus cabelos.

Um bolo se formava em minha garganta, mas eu não queria chorar na frente de tanta gente. Suas palavras inflaram meu coração e me senti em paz.

Quando me afastei, a luz do lugar já estava baixa de novo e outro casal se apresentava, mas não consegui prestar atenção em mais nada quando vi Bella correr em minha direção afundar seu rosto em meu peito. Automaticamente, a abracei para mim, enterrando meu nariz em seus cabelos.

— Me desculpe, me desculpe, me desculpe – Ela pedia agora levantando a cabeça e encontrando meu olhar – Me desculpe, não queria dizer nada daquilo, eu nunca pensei daquele jeito. Nunca! Eu só queria me defender, só uma vez eu não queria ficar quieta enquanto estava sendo atacada. Me desculpe! Eu entendo sua raiva, eu sei que está puto comigo, e eu também estaria. Mas por favor, me desculpe.

Ela pediu desesperadamente, implorando com o olhar.

Ela reconheceu o erro, ela pediu desculpas. Eu devia admitir que estava surpreso porque mesmo gostando de Bella – mais do que uma amiga -, eu fui mesquinho o bastante para pensar que ela o faria; nunca imaginei essa atitude vinda dela, talvez pela diferente criação e diferentes problemas que ela tinha – mas que eu aprendi ainda serem problemas, e que os meus não invalidavam os dela -, talvez pelo pouco dinheiro a mais ou até a personalidade forte; seja pelo o quê eu tive essa impressão, agora eu me envergonhava dela.

— Por favor, eu não quero deixar de te ver, nunca.

Percebi que a encarava sem dizer nada e poderia ser interpretado errado então lutei para formular uma frase.

— Bella...a última coisa que eu quero é ter que ficar naquele galpão sem sua presença. E por mais que você tenha me magoado com suas palavras, eu te desculpo. Eu te desculpo porque eu que fui o idiota que começou com tudo aquilo. Por favor, me desculpa também?

Bella apertou os lábios, falhando em esconder um sorriso.

— Depois dessa frase enorme saindo de você? Como não desculpar?

A apertei mais ainda em meus braços, quase a sufocando. Eu não queria mais que ela ficasse longe de mim, nem que fosse por dois dias, eu não queria nunca mais magoá-la e me reprimiria todos os dias pelas coisas que disse a ela.

Isabella expirou no vão do meu pescoço e sua respiração me cócegas no lugar.

Em meio a escuridão no salão, ficamos daquele jeito até um pigarro nos despertar.

— Isabella? – Alice nos analisava atentamente com os olhos semicerrados, o que instintivamente me fez trazer Bella para mais perto. A presença de sua irmã era tão imponente que me deixava desconfortável.

Bella se arrepiou quando ouviu a voz de sua irmã e hesitou antes de se voltar para ela.

— Oi Allie.

Alice me olhou de lado e eu entendi o recado. Ela queria privacidade.

Beijei os cabelos de Bella e me afastei, voltando a me sentar na mesa, mas sempre a olhando de longe.

Com a luz fraca não era possível ver muito, mas pude perceber que Bella mexia nervosa seus dedos e balançava seu corpo enquanto sua irmã falava.

Estava começando a ficar nervoso pela demora e me perguntando se deveria ir até lá, até que vi Bella assentindo várias vezes e por fim, abraçando a irmã, que depois de um segundo, se afastou séria e foi em direção ao bar.

Aquilo me pegou de surpresa e possivelmente Bella também, já que quando veio em minha direção, sua expressão era um misto de surpresa e alegria.

Ela se sentou ao meu lado e eu sem aguentar de curiosidade me curvei para sussurrar em seu ouvido.

— O que aconteceu?

— Ela disse que eu fui muito bem e que não esperava por algo assim.

— Ela não esperava que você fosse bem?

— Não! Ela não esperava que eu me inscrevesse em um concurso apenas para impressioná-la!

— Como assim?

— Edward, ela me disse que nunca duvidou de mim, apenas tinha medo que eu me decepcionasse com o mundo. Nunca foi a intenção dela fazer eu me sentir insuficiente, ela apenas cumpria o papel de irmã mais velha e nesse caminho ela admitiu ter exigido muito de mim, mas apenas porque ela não queria que eu cometesse os mesmo erros que ela.

— E você aceitou isso numa boa?

Ela encolheu os ombros.

— Ela nunca falou desse jeito comigo, eu fiquei derretida.

— A cara dela me assusta.

— Eu sei! Também me assusta! Mas a Allie é séria assim mesmo, nem gosta quando a tocamos muito.

— Vocês são totalmente diferentes.

— Sim, é bizarro.

Paramos com nossos sussurros e tentamos prestar atenção no que acontecia na pista, tomando vários goles de água para aplacar a sede derivada de nosso esforço.

— E seus pais? Eles foram idiotas? – Voltei a sussurrar assim que lembrei da pauta.

Bella soltou um pequeno suspiro.

— Allie não tem culpa deles a idolatrarem tanto. E sabe, eles são pessoas legais, mas extremamente sem noção, eu sei que eles me amam, mas não fazem as comparações por mal. Minha mãe disse que a dança foi linda e meu pai disse que não fazia ideia de quanto eu dançava bem. Eles ficaram impressionados – Ela terminou a frase com um sorriso orgulhoso.

Bella havia conseguido, afinal, provar tanto aos pais quanto para si mesma que diplomas em áreas complexas e empresas próprias não era o único significado de sucesso.

Eu sabia que ela estava realizada porque eu também estava, e isso por si só já seria o bastante, principalmente quando agora nossas mãos se encontravam por debaixo da mesa, tornando o momento apenas mais especial.

As apresentações acabaram e curtimos o restante da noite, nos permitindo finalmente relaxar e beber um pouco enquanto conversávamos amenidades com todos na mesa.

— Pessoal, eu volto já – Emmett que a noite toda intercalou entre a nossa mesa e a mesa dos professores, falou.

Continuamos com a conversa até ouvirmos sua voz chamar a atenção de todos pelo microfone.

— Pessoal eu sei que todos estão se divertindo muito, mas preciso fazer um anúncio bem rápido, mas importante. – Todos ficaram quietos e ele prosseguiu – Aqui na minha mão está a decisão que todos os professores tomaram. Quero dizer que independente do resultado, todos aqui são merecedores.

Agora minhas mãos suavam e rezei para que Bella não se importasse com isso. Felizmente ela parecia tão nervosa quanto eu e não se desfez de meu aperto.

Sempre soubemos que havia um prêmio ao casal que se saísse melhor, e mesmo que mil euros fosse ser bem-vindo em minha vida, os meses de ensaio que passamos até chegar a este dia foram mais a ver com nós mesmos do que com o prêmio.

É claro que por vezes eu fantasiava antes de dormir que ficaríamos em primeiro lugar, mas quando Emmett anunciou o nome de outro casal, eu me mantive feliz.

Após as comemorações, ele se sentou de frente para mim e Bella.

— Edward, Bella, vocês foram bem para cacilda, mas não é apenas eu que decido o resultado.

— Tudo bem, Emmett, a experiência foi incrível! – Bella o assegurou.

— É, eles mereceram – Concordei mesmo não tendo visto a apresentação.

— Bom, eu vim aqui avisar que vocês ficaram em terceiro lugar e, portanto, passam a ter bolsa de cinquenta por cento nas aulas e cada um ganha trezentos euros. E Bella, depois eu quero conversar em particular com você.

— O quê!? – Berramos juntos.

— Isso mesmo que ouviram. Acharam que não iriam ganhar nada? Vocês foram excelentes, os outros professores que votaram nos próprios alunos apenas para ganharem a pizza que o professor do ganhador recebe. É uma baita corrupção nessa pocilga!

Não respondemos, estávamos em êxtase demais para focar em algo que não fosse o outro.

— Edward, caramba!

— Caramba – Repeti sem conseguir pensar em mais nada.

— Isso é mais do que eu esperava – Ela admitiu – Obrigada Emmett.

O homem piscou em nossa direção e se juntou à mulher dele.

Tudo estava tão estranho, os pais de Bella não paravam de falar sobre a dança da filha – mesmo eles ainda não tendo se tocado de todas as vezes que fizeram mal a ela e ainda enaltecendo Alice, agora eles entendiam melhor o amor da filha mais nova pelas artes e sabiam de seu talento -, Emmett e Rosalie namoravam do outro lado, minha mãe assistia a tudo tranquila, vez outra sorrindo sozinha. Percebi que não via Jasper desde o fim da dança e o encontrei no bar com Alice. A Swan mais velha o encarava como se ele fosse um animal estranho que tentava chamar a atenção de uma fêmea para poder acasalar – o que na verdade era isso mesmo -, mas um sorrisinho surgia minimamente do canto de seus lábios.

E assim que uma música começou, liberando a pista para quem quisesse se arriscar, eu puxei Isabella para um canto do salão.

— O que foi?

— Eu preciso te perguntar uma coisa.

Ela me olhou confusa.

— O que?

— Você quer sair?

— Sair tipo...daqui?

— Não – Ri com a lembrança da nossa primeira interação – Sair comigo, e não como amigos.

Eu estava nervoso esperando sua resposta, mas precisava saber se ela também estava disposta a ter algo a mais comigo.

— Quantos anos você tem? Setenta? – Ela perguntou, incrédula – Edward, é claro que eu quero sair com você! Meu Deus, finalmente uma atitude! Eu já estava cansada de planejar nossos encontros e você sempre chamar o Jasper!

— O que!?

— É sabe, toda vez que eu mandava mensagem dizendo que havia descoberto um bar novo e legal você chamava o Jasper, confesso que comecei a achar sua atitude bem...estranha.

— Porra, eu chamava o Jasper porque achei que ele fosse ser uma companhia mais animada para você do que eu e porque não achasse que quisesse sair apenas comigo!

— Cala a boca, você é muito lento, eu venho dado em cima de você desde o primeiro dia.

— Você está zoando! Merda, eu nunca notei!

— É claro que nunca notou, você é um idoso dentro de um corpo jovem, não entende as cantadas descoladas dos mais novos. Você ia o que? Me cortejar, pedir a benção dos meus pais para me namorar e depois de um tempo iria até meu pai e pedir minha mão em casamento? Eu realmente acho que você tem alguma síndrome de Benjamin Button*** porque não é possível!

— E você sabe o que eu acho?

— O que?

— Que você fala demais.

E se sem mais conseguir me conter, colei meus lábios que formigavam ansiando pelo contato com os dela. A beijei com toda a vontade reprimida, por todas as vezes que ela fazia alguma gracinha comigo e minha vontade era tomá-la em meus braços. Agora isso finalmente se realizava. Ela pareceu surpresa no início, mas logo retribuiu o beijo e se agarrou as minhas costas enquanto eu a mantinha perto a segurando firme pela cintura.

Sempre imaginei que Bella tivesse gosto de morangos por conta do perfume característico de seu shampoo, mas enquanto eu explorava sua boca não encontrei nenhum sabor conhecido Bella tinha gosto...de Bella. E era isso que eu sempre quis.

Não era como em minhas fantasias, era melhor.

 

Apenas uma coisa foi como eu previra: Na segunda-feira voltei normalmente para o trabalho e para as aulas, mas felizmente, Isabella estava lá me esperando.

Também seria difícil não estar, já que agora ela trabalhava no galpão para uma nova turma apenas com crianças. Ela amava a liberdade que tinha com os mais novos de poder criar peças e passos malucos, trabalhando com sua criatividade absurda. Todos os dias eu a assistia através da parede vidro, mas diferente da primeira vez, quando ela me via observando eu não saia correndo.

Mas era quando todos iam embora e o estúdio ficava apenas para nós que meu dia estava completo.

Bella veio em minha direção, tirando a vassoura de minha mão.

— Ei!

— Nem reclame, hoje é sexta-feira! Quero ir jantar logo!

— Você não comeu em seu intervalo? – Perguntei preocupado.

— Claro que não! Não é todo dia que meu namorado me leva para jantar!

— Eu que vou fazer a comida, não é como se fosse um restaurante chique.

Ela revirou os olhos amarrou seu cabelo agora totalmente lilás.

— Ou seja: Melhor ainda! Depois teremos a casa nós para nós! – Ela piscou maliciosa em minha direção e eu ri – Dona Elizabeth deveria sair mais vezes com meus pais.

— Hum – A puxei pela cintura, colando nossos corpos.

— Adoro quando fica monossilábico assim – Ela ronronou com os lábios em meu pescoço e eu gargalhei alto.

Bella me deu um tapa leve no braço, mas também riu contra minha pele, o que me causou arrepios, então sem mais aguentar aquela tortura, a beijei com vontade.

Ela se afastou ofegante e eu choraminguei.

— Ei! Por mais que você fique sexy com esse macacão azul, ainda estamos em ambiente de trabalho e prometemos ao Emmett que não faríamos nada aqui!

Revirei os olhos e resmunguei, mas deixei ela se afastar para começar a limpar a primeira sala.

Não havia sido fácil manter-me vivo nos últimos cinco anos, mas neste exato momento, enquanto olhava Bella varrendo despreocupadamente o chão da agora tão conhecida sala de dança, eu sabia que isso não seria mais um fardo.

Eu aproveitaria cada segundo de momentos perfeitos como esse.

Scoobot1: Passo de hip-hop | carajito2: Moleque, garoto, criança.


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Notas finais do capítulo

*** Benjamin Button é um homem que nasce idoso e rejuvenesce à medida que o tempo passa

Espero que tenham gostado, coloquei todo meu coração nela. Reclamações, críticas ou dúvidas, só mandar um dm no twitter ou mensagem por aqui mesmo.

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